sábado, outubro 30, 2010
Petróleo em ritmo eleitoral
Petróleo em ritmo eleitoral
Às vésperas da eleição, Petrobras faz anúncios e ANP estima em até 15 bilhões de barris pré-sal de Libra
Danielle Nogueira – O Globo
Na reta final para o segundo turno das eleições, o setor de petróleo brasileiro viveu uma intensa agenda de divulgações, com destaque para anúncios feitos por Petrobras e Agência Nacional do Petróleo (ANP). A semana começou com a divulgação dos projetos sociais e ambientais que receberam patrocínio da Petrobras e terminou ontem com o anúncio pela ANP da estimativa de volume recuperável de óleo de Libra, área localizada no présal da Bacia de Santos. Segundo a agência, o volume pode variar bastante: de 3,7 bilhões a 15 bilhões de barris de petróleo. Ou seja, 305%. No cenário mais otimista, Libra se tornaria o maior campo já descoberto no Brasil, com praticamente o dobro das reservas estimadas para Tupi (de até oito bilhões de barris), também situado no pré-sal da Bacia de Santos.
Os anúncios incluíram ainda a descoberta de uma nova fronteira exploratória, no litoral de Sergipe, onde a Petrobras encontrou petróleo em águas ultraprofundas, e a entrada em operação do navio-plataforma Cidade de Angra dos Reis, em Tupi, com o qual a produção no campo, hoje em teste, se tornará comercial. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a sujar as mãos de petróleo, repetindo o gesto do então presidente Getúlio Vargas no início dos anos 50, e afirmou que o século XXI será a vez do Brasil. Na opinião de especialistas, a sucessão de eventos mostra claramente a “instrumentalização política” de Petrobras e ANP num contexto de corrida eleitoral.
— Governo e oposição estão disputando a paternidade simbólica do pré-sal, que representa o país do futuro, a possibilidade de nos tornarmos exportadores de petróleo. O que se vê é uma instrumentalização política, especialmente da Petrobras. Há uma busca por parte do governo Lula de associar sua imagem à Petrobras e mostrar o Estado como a força que promove o desenvolvimento, de modo a se diferenciar da prática privatista do governo anterior — avalia o cientista político Maurício Santoro, do Centro de Pesquisa e História Contemporânea (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas.
Para especialista, anúncio foi político
No episódio mais recente dessa estratégia, a ANP informou em comunicado que, após a perfuração de um poço em Libra, o volume recuperável de óleo na área poderia chegar a 15 bilhões de barris, “sendo a estimativa mais provável de 7,9 bilhões de barris, de acordo com avaliação da certificadora Gaffney, Cline & Associates”.
A consultoria fora contratada pela ANP para certificar as reservas do présal e, assim, definir o preço do barril de petróleo usado como base no processo de capitalização da Petrobras.
O anúncio foi feito por volta das 14h, com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) aberta, o que causou estranheza entre especialistas. Libra está a 183 quilômetros da costa do Rio de Janeiro em área do pré-sal não licitada e, portanto, pertencente à União. Mas, caso o marco regulatório do pré-sal seja aprovado no Congresso, o novo modelo de exploração (partilha de produção) prevê que a Petrobras tenha ao menos 30% dos blocos do pré-sal não leiloados. O anúncio, portanto, poderia impactar as ações da empresa.
— A ANP cometeu dois equívocos: divulgar as reservas de Libra às vésperas das eleições e fazer o anúncio com a Bolsa aberta, já que a Petrobras poderá ser operadora do campo. É mais um evento político no qual a ANP mostrou que não tem a autonomia desejada de uma agência reguladora — disse Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Perguntada sobre o porquê de ter feito o anúncio dois dias antes das eleições e antes do fechamento do mercado, a ANP disse em nota que “divulga suas descobertas e as dos concessionários no menor prazo possível, a fim de manter a sociedade informada sobre as atividades de Exploração e Produção no país”. Mais cedo, a agência ressaltou a importância da descoberta de Libra ter um volume de óleo recuperável superior às atuais reservas provadas brasileiras, que hoje são de 14 bilhões de barris de óleo equivalente (inclui óleo e gás). Excluindo o gás, as reservas de petróleo são de 12,9 bilhões, segundo a Petrobras, o que coloca o Brasil na 16ª posição do ranking global das reservas petrolíferas. Com os possíveis 15 bilhões de barris de Libra, o país subiria para o 11º-lugar, à frente de nações como Nigéria e Qatar. Considerando as estimativas de reservas já feitas para outras áreas do pré-sal, como Tupi e Iara, o Brasil saltaria para a 8aposição.
Lula repete estratégia de 2006
Não é a primeira vez que anúncios da Petrobras servem de palanque político para Lula ou para a candidata à Presidência do PT, Dilma Rousseff. Em abril de 2006, Lula comemorou a entrada em operação da plataforma P-50, na Bacia de Campos, que simbolizava a autossuficiência em petróleo. A partir de então, o país passou a produzir petróleo em volume suficiente para seu consumo, mas, como o óleo brasileiro é pesado, inadequado para a fabricação alguns combustíveis, as importações de óleo leve permaneceram. No mesmo ano, três dias após o resultado do primeiro turno das eleições, que levou Lula a disputar o segundo turno com o então candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, a Petrobras anunciou a existência de “volume significativo de petróleo leve” na Bacia de Santos, o que viria a ser o pré-sal. Em novembro de 2007, Dilma, na época à frente da Casa Civil, foi porta-voz do anúncio da descoberta de Tupi.
No fim do dia de ontem, a Petrobras fez mais um anúncio: a descoberta de petróleo no poço Cabaça Sudeste 2, em Angola. Ela tem 5% do bloco, ao lado da italiana Eni (35%), entre outras.
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