quinta-feira, outubro 21, 2010
Baixos instintos Merval Pereira - O Globo - 21/10/2010
Baixos instintos
Merval Pereira - O Globo - 21/10/2010
A agressão sofrida pelo candidato tucano à Presidência da República, José Serra, ontem no Rio, atingido por um artefato atirado por manifestantes petistas que tentavam impedir que os simpatizantes da oposição fizessem uma passeata em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, é apenas o sinal mais visível da agressividade que tomou conta da campanha eleitoral.
Lembra episódio semelhante ocorrido na campanha presidencial de 1989, quando o candidato Collor foi agredido por manifestantes brizolistas também no Rio.
São também daquela campanha, radicalizada pelas disputas dentro da esquerda entre Brizola e Lula e pelo estilo belicoso do então candidato do PRN, que acabou sendo eleito por uma pequena margem de diferença para Lula num segundo turno tão acirrado quanto o deste ano, as lembranças do uso de depoimentos de uma antiga namorada de Lula. Ela afirmou que ele teria querido forçá-la a fazer um aborto.
O depoimento foi tão chocante que até hoje está marcado na história das campanhas eleitorais mais sujas já havidas no país.
Tão revoltante que, 20 anos depois, quando o hoje presidente Lula se reconciliou com o antigo agressor, senador por Alagoas e membro ativo da base aliada do governo no Congresso, sua filha Lurian, objeto daquela disputa abjeta, teve uma reação de espanto que não fez questão de esconder.
Pois hoje os papéis se inverteram, e são os ativistas ligados à campanha petista que espalham pela internet calúnias contra a mulher do candidato José Serra a respeito de aborto, um tema que dominou boa parte da campanha, com ênfase neste segundo turno.
O tema entrou no debate político ainda no fim do ano passado, quando o governo divulgou a versão do III Plano Nacional de Direitos Humanos, que endossava a aprovação de projeto de lei que descriminaliza o aborto, alegadamente em respeito à autonomia das mulheres.
Houve uma reação imediata de diversos setores religiosos, ainda mais porque a descriminação do aborto é um tema recorrente nos programas de governo petistas.
Aliás, foi relembrando todas as medidas assumidas pelo governo nesse campo que a presidência e a Comissão Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB divulgaram folhetos com um apelo “a todas as brasileiras e brasileiros” para seguir a orientação da Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 sobre como “votar bem”, escolhendo candidatos que sejam “a favor da vida”.
O documento lista as diversas medidas e compromissos assumidos pelo governo Lula desde 2005 no sentido de legalizar o aborto, até fevereiro deste ano, quando o Congresso do PT que indicou Dilma Rousseff aprovou o III Plano Nacional de Direitos Humanos, “no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, dando assim continuidade e levando às últimas consequências esta política antinatalista de controle populacional, desumana, antissocial e contrária ao verdadeiro progresso do nosso país”.
Esse documento foi apreendido pela Polícia Federal em uma gráfica em São Paulo, a pedido do PT ao Tribunal Superior Eleitoral, numa atitude claramente antidemocrática.
Sem entrar no mérito da questão do aborto, qualquer cidadão ou entidade tem o direito de defender suas posições religiosas ou políticas, desde que não receba financiamento do governo, como o imposto sindical.
A gráfica Pana, que imprimiu o panfleto encomendado pela Mitra Diocesana de Guarulhos, foi acusada pelo PT de ser propriedade de uma família ligada ao PSDB, o que é verdade.
Só que esse fato nada tem a ver com os panfletos da Igreja, pois a mesma gráfica já prestou serviços ao próprio PT, como a impressão de 75 mil cópias do “jornal” da CTB, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, com quatro páginas coloridas, aliás ilegal, com reportagens favoráveis à eleição de Dilma à Presidência.
Militantes petistas tentaram invadir a gráfica para impedir a distribuição dos panfletos da Igreja, em mais uma demonstração de como são capazes de pressionar agressivamente os adversários.
O hábito de tentar confundir a opinião pública faz com que os petistas igualem o panfleto da Igreja às propagandas ilegais dos sindicatos.
E leva a que tentem transformar em “fogo amigo” a quebra de sigilos fiscais da família do candidato José Serra, atribuindo ao jornal “O Estado de Minas” uma suposta “defesa de Aécio Neves”.
A estranha versão do jornalista Amaury Ribeiro Jr., de que sua reportagem, jamais publicada pelo jornal mineiro, serviu para que fizesse os relatórios que interessaram à campanha da candidata oficial, Dilma Rousseff, serviu para que o PT tentasse se eximir de culpa na quebra dos sigilos fiscais do PSDB — embora de concreto mesmo exista apenas o fato de que o jornalista que encomendou a quebra ilegal dos sigilos acabou trabalhando na campanha petista, num núcleo de investigação que se destinava a produzir dossiês contra seus adversários políticos.
O jornal que supostamente encomendou as investigações nega que soubesse da ilegalidade ou que o assunto em questão tenha sido objeto de reportagens de Amaury Ribeiro Jr.
E o ex-governador Aécio Neves refutou as insinuações petistas de que o dossiê que apareceu na campanha de Dilma no início do ano tenha sido originado de uma disputa interna entre ele e o hoje candidato José Serra.
Mesmo que, no limite, a quebra do sigilo fiscal dos parentes de Serra tenha sido providenciada por Amaury Ribeiro Jr. com o conhecimento do jornal “O Estado de Minas”, com o intuito de ajudar o então governador Aécio Neves na sua disputa particular com Serra dentro do PSDB, esse “fogo amigo” não isentaria o PT da culpa de ter contratado para sua campanha o jornalista e seus dados obtidos ilegalmente, com o intuito de produzir dossiês contra o candidato do PSDB.
Seja qual for o resultado da eleição do dia 31, esta campanha já está marcada como a mais nefasta à democracia brasileira, com movimentos do baixo mundo se tornando mais importantes do que os compromissos dos candidatos com o futuro do país.
Com o ambiente político convulsionado do jeito que está, não será fácil ao presidente eleito estabelecer um clima propício ao diálogo.
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