quinta-feira, outubro 21, 2010
A voz essencial
A voz essencial
RUY CASTRO
Por volta de 1950, a música popular passava por uma importante transformação: o fim das grandes vozes e a instauração dos cantores suaves, sem vibrato, mais "naturais", estimulada pela alta fidelidade das gravações em fita magnética. No Brasil, essa tendência não foi logo percebida. Tanto que, naquele ano, o crooner de um promissor conjunto vocal foi demitido da Rádio Tupi por cantar "muito baixinho", não ter extensão nem volume de voz.
O conjunto era Os Garotos da Lua, e o crooner, Jonas Silva, 22 anos. Por sua causa -segundo o diretor artístico da rádio, Antonio Maria-, o grupo inteiro tinha de cantar baixinho e, com isso, "ninguém ouvia nada". Veio o ultimato: ou o conjunto trocava de crooner, ou iam todos demitidos. Por mais que gostassem de Jonas, seus amigos -pernambucanos, como ele, e baianos recém-chegados ao Rio- gostavam mais ainda de almoçar e jantar. Daí, o sacrificaram.
Para seu lugar foram buscar na Bahia um jovem capaz de soltar a voz e cantar até Carnaval: João Gilberto, 19 anos, fã de Orlando Silva e Lucio Alves. O novo cantor deu conta do recado. Mas, tempos depois, já fora do conjunto, João Gilberto também decidiu reduzir sua voz ao essencial, e seria com este jeito contido de cantar que, em 1958, ele faria a bossa nova.
Jonas conservou (para sempre) os ex-colegas como amigos. Inclusive João Gilberto, a quem recebeu no Rio como um irmão. Sua curta carreira solo teve algum prestígio e nenhum sucesso. E nunca se ouviu dele uma palavra contra seu sucessor por ter se consagrado com um estilo parecido com o seu. Jonas até ria quando as pessoas, ao escutar suas gravações de "Amor Certinho" ou "Pra Que Discutir com Madame?" (muito anteriores às de João), o acusavam de estar imitando João Gilberto. Ele era assim.
Jonas Silva morreu neste domingo, no Rio, aos 82 anos.
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