quinta-feira, outubro 21, 2010

Brasil nu e cru aos olhos do mundo

Brasil nu e cru aos olhos do mundo
MÁRION STRECKER
Street View do Google fotografa cadáveres, monumentos e quem estiver andando pela rua
AS RUAS DO Brasil estão sendo fotografadas pelo Google. O gigante da internet lançou recentemente por aqui o serviço de mapas conhecido como Street View (visão da rua).
Funciona assim: um carro com antenas e câmeras fotografa os locais e as pessoas por onde passa.
Daí, o Google junta essas imagens com os mapas e quem pesquisar os locais poderá ver as fotos. É muito bom para quem pesquisa lugares. Representa um salto de qualidade muito grande no serviço de mapas.
Outro serviço muito bom da mesma empresa é o Google Earth, que mostra o planeta Terra inteiro a partir de fotos de satélite. Podemos dar zoom desde o espaço até o plano da rua, com grande nível de detalhes.
Testei outro dia o aplicativo do Google Earth no iPhone no litoral de São Paulo e foi emoção do tipo National Geographic, com direito a ser localizada no meio do mato pelo GPS e ver aquela natureza toda de ângulos variados, como se eu fosse uma gaivota. O Street View é um complemento, com a visão da rua.
Tudo lindo, moderno, maravilhoso. Só tem alguns probleminhas. O Google não pergunta para as pessoas se elas querem ou não ser fotografadas, se querem ou não que suas casas, suas empresas e suas coisas apareçam ali. E muitas pessoas se incomodam, porque não querem se expor e porque eventualmente temem por sua segurança.
Para tentar se resguardar da acusação de expor a privacidade alheia, o Google desenvolveu um sistema que borra automaticamente o rosto das pessoas fotografadas. Tudo automático. Funciona na maioria dos casos. Daí que até a estátua do Borba Gato em Santo Amaro, São Paulo, apareceu com os olhos borrados no Street View, o que foi muito engraçado.
A bem da verdade, a imprensa também não costuma perguntar antes de fotografar pessoas em locais públicos. Só que o Google não usa nenhum critério editorial ou jornalístico para decidir que fotos publicar. Todo o poder para os engenheiros, os softwares e as máquinas. Nenhuma sensibilidade, ética ou inteligência humana na escolha prévia das fotos a expor para o mundo. Então o Google põe no ar qualquer coisa que fotografa, até mesmo imagens da garagem onde seu carro eventualmente estaciona.
Logo na estreia no Brasil aconteceu o pior: o Google publicou fotos de cadáveres em ruas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Será que o motorista do carro do Google não viu? Ou viu e não pôde fazer nada?
Será que o resgate demorou a chegar? Quando foi alertado, o Google prometeu tirar as imagens do ar. O fato é que o Brasil nu e cru está entrando na internet. Você pode ser pego com o dedo no nariz, andando em má companhia ou escorregando numa casca de banana. Quando descobrir sua foto na internet e resolver reclamar, o Google promete considerar. Em que prazo, veremos.
Nessas primeiras semanas de Street View no Brasil estamos vendo nossos marcos históricos e nossos moradores de rua, as grandes avenidas e a vida dos habitantes da cracolândia em São Paulo, ações da polícia e as entradas dos motéis, singelas partidas de baralho e prostitutas em cenas de autopropaganda, além de adolescentes abaixando as calças para a câmera do Google.
Sempre vamos poder criticar e nos divertir com os absurdos que os sistemas automáticos são capazes de produzir. Também vamos poder reclamar depois que qualquer estrago esteja feito. Até surgiram diversos sites inteiramente dedicados a expor as pérolas que os internautas estão colhendo do Street View, entre eles o Street Viu, que funciona em http://streetviu.tumblr.com/. Enquanto o Brasil passa pelo duro processo de encarar e escancarar sua realidade em escala global, o Google avança em outro desenvolvimento avassalador: a pesquisa a partir de imagens. Se eu fotografar um lugar, uma pessoa ou um livro com meu celular e me conectar ao novíssimo Google Goggles (é assim mesmo que se escreve), vou poder obter resultados globais relacionados a essa imagem.
É incrível. É fascinante. É assustador. É real. Não é o futuro. É o presente.
MÁRION STRECKER, 50, jornalista, é diretora de conteúdo do UOL. Escreve mensalmente, às quintas, neste espaço.

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