quinta-feira, outubro 21, 2010
A Corrida de Biga e o Menino que Não Conhecia Pelé
A Corrida de Biga e o Menino que Não Conhecia Pelé
Pedro Bial – O Globo
Durante meus 8 anos como correspondente internacional, passei por alguns maus bocados, péssimos, ossos do ofício. Diante de armas e ameaças pesadas, nos lugares mais remotos do mundo, aprendi palavrinhas mágicas para desembaraçar tais ciladas e adiar meu féretro: “ Pelé, Brasil, futebol, Pelé, Pelé!” . Pelé salvou a minha vida dezenas de vezes. Não só a minha, mas a de muitos brasileiros que se arriscam pelo mundo, seja por missão jornalística, comercial, humanitária ou que tais. Pelé fez mais pela imagem do Brasil no exterior do que todos os nossos barões, chanceleres, políticos e presidentes. Não existiria o Brasil contemporâneo sem o sangue mineiro do Rei, negro além do racialismo hoje decretado no país.
Pois não é que depois da extinção daquele adorável “playoff” de oito times, o sistema de pontos corridos súbito nos brinda com essa reta final de oito jogos com oito times (no mínimo) com chance de título e/ou Libertadores?
Trata-se de uma apoteose, ainda mais agora com a garantia — se é que pode-se aplicar tal palavra a qualquer decisão atribuída a Conmebol — de que serão seis brasileiros na Libertadores.
Importante registrar-se que o sobe-desce do Vascão é diretamente proporcional ao silêncio-gritaria no banco cruzmaltino. Quanto menos nosso aguerrido PC Gusmão grita, melhor o time joga. PC esgoela-se em vão, gritos são para treinos e vestiários. Eu vi, ninguém me contou, era o Flu no ataque, sob a batuta de P.C., ele aos berros: “Vira! Vira o jogo! Vira!” Quando a criatura de chuteiras virou a tal da bola, a defesa adversária já tinha virado junto, o técnico não tinha apenas telegrafado, tinha cantado a jogada... Quieto, come quieto, PC. Vai, pupilo, enfim se libertar do mestre, aquele que já teria dito que o jogador chutou a bola no ângulo, cumprindo suas ordens soberanas de técnico. Ai.
Treinador este, Vanderlei Luxemburgo, que terá agora seu primeiro embate de gente grande, contra... o Vasco de PC Gusmão.
Ah, tem dedução estapafúrdia nova na praça de nossos sábios comentaristas: quando o jogador não reclama, isso quer dizer que o juiz acertou. Ora! Então, se um zémané reclama, põe sob suspeita a decisão de outro zémané, ou pior: a não reclamação de um zémané referenda o erro do outro zémané! Não, não e não. Exemplo claro: o pênalti, bem cavado e mal marcado, que inaugurou o placar na inverossímil vitória do Flamengo sobre o poderoso Inter.
Mais uma vez o Fluzão foi superior ao adversário, mais uma vez um craque voltando de contusão ao departamento médico retornou, mais uma vez as chances desperdiçadas nos deixaram a um grito da liderança, sofre-se assim a caminho do título?
Antes de contar uma história sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos, vejo-me na obrigação de comentar um tema mais que batido, pisoteado, relativo ao voleibol.
Faz de conta que um certame de esporte coletivo é um torneio de esporte individual, natação, por exemplo. O que faz o técnico do nadador? Prepara o atleta para atingir o seu ápice na prova final, a que vale a medalha de ouro, certo? No esporte coletivo, também, apenas uma partida vale o lugar mais alto do pódio. O que deve fazer o treinador? Levar, nas melhores condições, dentro do regulamento, sua equipe até a partida decisiva. E mais, tal decisão só vai adiante se tomada em espírito colegiado, unânime. O resto é falta de assunto e falso moralismo.
Agora sim, a historinha prometida no início: “O menino que não conhecia Pelé” .
Nos arredores de Luanda, depois das eleições fracassadas de Angola, em 1992, fomos capturados pelos guerrilheiros da UNITA.
Confiscaram todo nosso equipamento e nos preparamos para o pior, um longo cativeiro.
Meu companheiro, cinegrafista experiente, Paulo Pimentel, tentou desanuviar o ambiente de fuzis engatilhados: “ Somos do Brasil, futebol, Pelé, Pelé!” . O menino, de seus 14 anos, criado na selva, tendo como único brinquedo da vida inteira sua metralhadora, longe de toda e qualquer informação, respondeu: “ Quem é Pelé?” . Paulo sussurrou: “Estamos mortos...” .
Para provar que existe vida após a morte, na semana que vem tem mais...
Ah, a corrida de bigas! Alugue “Ben Hur” em qualquer locadora.
Se o filme datou, ficou chato, corra para o capítulo da corrida de bigas, ainda é irado.
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