quinta-feira, outubro 21, 2010

O sentido da independência

O sentido da independência
ALFREDO SIRKIS – O Globo
A posição de independência de Marina Silva era a única atitude a se tomar se entendemos que a história do Brasil não para no dia 31 de outubro. Recusamos a clássica negociação “pragmática” de segundo turno envolvendo promessas de cargos e procuramos conduzir o debate com PT e PSDB para o campo programático.
Recusamos a demonização de Dilma Rousseff ou de José Serra e não compactuamos com discursos paranoicos e anátemas. Na nossa visão, tanto Serra quanto Dilma são pessoas dignas, têm uma trajetória limpa, representam ideias de um campo — grosso modo — social-democrata, além de um passado de resistência à ditadura e de participação na construção da imperfeita democracia que temos. Ambos fazem parte de alianças com oligarquias políticas tradicionais associadas a interesses que resistem fortemente contra nossa agenda ambiental de sustentabilidade e economia de baixo carbono.

Ando recebendo esses e-mails de dilmistas afoitos ou serristas histéricos cujo grande argumento é a satanização por associação: “Vocês não podem apoiar quem está com Katia Abreu, Blairo Maggi ou Ronaldo Caiado!” Ou: “Não podem apoiar quem está com Jader Barbalho, Stephanes e Calheiros!” Já fiz um corte & cola pelo qual envio os vilões de uns para os outros. Não cabe votar em um(a), apenas pelo suposto terrível mal representado pelo(a) outro( a). Como disse Marina, vamos parar de infantilizar o eleitor! Os spots negativos que invadiram nossas telas seriam francamente cômicos não fosse tão trágica essa regressão cultural trazida pela polêmica do aborto nos termos em que está se dando.
Estou seguro que, no íntimo, tanto Dilma quanto Serra concordam com a posição programática dos verdes: contra a prática do aborto, reduzi-lo cada vez mais — e idealmente — a zero, mas pela via da redução do sofrimento e do respeito à vida das mulheres pobres. Isso passa pela sua descriminalização combinada com a educação sexual e contraceptiva. É hipócrita sua criminalização.
Temos todas essas clínicas com nome de santo funcionando normalmente para a classe média e pagando pedágio para a corrupção policial, enquanto milhares de jovens pobres ficam submetidas a situações de alto risco.
Uma repressão, de verdade, com prisões e fechamentos em massa de clínicas provocaria uma epidemia de autoabortos e o recurso generalizado às “fazedoras de anjo” com centenas de óbitos, como aconteceu nos anos 60, na época do histriônico delegado Padilha.
Isso governo algum ousa bancar (nem a Igreja de fato cobra). A hipocrisia é melhor para todos. Sobretudo em período eleitoral.
Por motivos religiosos, quem de fato discorda dessa nossa posição programática é a própria Marina, amparada na “cláusula de consciência” que o PV lhe garante. A grande diferença é que ela sempre expressou essa sua posição com clareza e sinceridade e jamais utilizou o tema como arma eleitoreira. Pelo contrário, foi insistentemente alvejada por causa disso pelos twitteiros e blogueiros petistas tentando abafar seu potencial de crescimento à esquerda, tachando-a de “fundamentalista” ou “conservadora”. O tiro saiu pela culatra e o feitiço voltou-se contra os feiticeiros.
Mas isso não nos serve de consolo algum, porque a atitude regressiva e insincera na qual ambos candidatos ao segundo turno se refugiaram representa um terrível retrocesso para o Brasil.
Nossa posição de independência é também de humildade. Não estamos no segundo turno, e aqueles 20 milhões de votos não pertencem a Marina Silva, muito menos ao PV. Foram dados no dia 3 e, no dia seguinte, voltam a pertencer aos eleitores. Procuramos elevar o nível do debate no segundo turno apresentando nossa Agenda Verde de dez pontos e 42 itens. Houve, reconhecemos, um esforço meritório por parte das duas candidaturas de assimilar a maioria deles com uma resposta, por escrito, mais consistente por parte do PT. Apesar disso, a questão ambiental é a grande ausente dos debates do segundo turno. O sentido da Agenda Verde não era subordinar nosso apoio formal a um(a) ou outro(a) candidato(a) à aceitação de mais pontos, mas colocar estes temas na pauta do segundo turno, fazendo ambos assumirem seus compromissos com eles publicamente.
No futuro, com nossa vigilância, a população e a imprensa irão lhes cobrar.
E apontar para o futuro é agora nossa grande responsabilidade, pois Marina e os verdes vieram para ficar.
ALFREDO SIRKIS é deputado federal eleito e presidente do PV-RJ.

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