quinta-feira, outubro 21, 2010

Direita e esquerda

Direita e esquerda
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - Não ser da direita nem da esquerda, nem mesmo do centro, tem suas vantagens, apesar da solidão e dos ataques que se recebe de todos os lados. Assumindo atitudes e pensamentos ora da direita, ora da esquerda, ora do centro, por isso ou por aquilo, conhece-se cada lado ideológico, político e comportamental, suas contradições, seus oportunismos e, frequentes vezes, sua idiotice.
A regra fundamental de cada grupo é a hegemonia da verdade, que por si só é problemática e móvel, como aquela dona cantada pelo duque na ópera de Verdi: "La donna è mobile".
Outra regra paralela em seu fundamentalismo, decorrente da primeira, é a demonização do contrário. Em casos extremados, a demonização obriga o partidário da esquerda ou da direita a mudar de calçada quando vê o "outro", a fim de evitar a lepra, o contágio letal e definitivo: "Foi visto com fulano, logo é suspeito".
Mas a vantagem é o conhecimento dos podres ideológicos e pessoais de cada grupo. Como são feitas as imagens e biografias dos aliados e inimigos, valendo tudo e nada acrescentando na avaliação isenta de cada fato ou de cada pessoa.
Curioso é que muitas vezes os lados se invertem. Causas da esquerda transformam-se em causas de direita e vice-versa. As autocríticas são mais lamentáveis do que as justificativas. Neste particular, a esquerda ganha de longe. Suas autocríticas, apesar de espalhafatosas, nada ensinam. Com o mesmo entusiasmo embarca em canoas furadas, sabendo que, depois do naufrágio, fará nova autocrítica.
A direita não faz autocrítica porque é conservadora, nem sempre se atribui o monopólio da verdade, mas do hábito, no deixa-ficar.
Pra que mudar se desde as cavernas tudo está certo?

RICARDO MELO - Império da mentira
SÃO PAULO - Por sorte ou por azar, a depender do ponto de vista, convivi ao longo dos anos com muita gente ligada às campanhas de Dilma Rousseff e José Serra. Épocas em que os interesses imediatos, e materiais, eram bem menores, inversamente proporcionais ao idealismo que movia o pessoal.
Mas nada como formalidades eleitorais para revelar como pessoas, assim como certos vinhos, também podem piorar com a idade.
Dilma e Serra têm um passado sobejamente conhecido. Ambos fizeram parte de organizações de esquerda, defenderam as liberdades, correram risco de vida (ou de morte, conforme a redação em que se trabalha). Foram ateus, sim senhor (e devem ser até hoje). Eram contra o aborto? Certamente não -como todo mundo que não presta contas a dogmas obscurantistas.
Serra distribuindo santinhos louvando a Deus não passaria pela cabeça de ninguém, a não ser como forma de disfarçar, no verso, algum panfleto a favor da UNE.
Dilma posando de carola dentro de basílicas, só se fosse para escapar da perseguição do infame DOI-Codi.
Hoje tudo isso, e muito mais, virou "sujeira a esconder debaixo do tapete". Num período em que até um país conservador como Portugal aprovou lei pró-aborto, por aqui o que vale é o império da mentira.
Todos estamos sujeitos a mudanças, balanços, reavaliações. Mas transformações que ocorrem para o lado errado, e de forma tão dissimulada, não chegam nem a causar indignação, tampouco perplexidade. Só reforçam o descrédito diante dos políticos de nosso dia a dia.
O povo, claro, não quer perder o Bolsa Família nem o modesto progresso material dos anos recentes. Ao mesmo tempo, discorda da roubalheira generalizada que se instalou sob o "nepetismo". Escolha difícil. Nessas horas, a abstenção costuma ser a melhor alternativa.

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