segunda-feira, junho 27, 2011

Os bons tempos - Martha Medeiros


Os bons tempos
MARTHA MEDEIROS – O Globo - Revista
Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor quanto a arte e também a rebeldia
A vida era melhor antes ou é melhor hoje? Quem faz parte do time dos nostálgicos não pode perder Meia-Noite em Paris, em que Woody Allen faz não só uma homenagem à mais linda cidade do mundo como também uma reverência aos efervescentes anos 20, quando grandes autores, músicos e pintores foram protagonistas da Era de Ouro do cenário artístico europeu.
Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor, quanto a arte e também a rebeldia. Ao mesmo tempo, sei que houve um antes desse antes, igualmente reverenciado. O personagem Gil (Owen Wilson), homem do século 21, não se conforma com a sociedade vazia e consumista de hoje, da mesma forma que a personagem Adriana (Marion Cotillard), musa dos anos 20, sonha em voltar para a Belle Époque, que teve seu auge em 1890.
Por sua vez, os artistas da Belle Époque não se davam conta da revolução que estavam promovendo naquele final do século 19 e afirmavam que prefeririam ter vivido durante a Renascença: o passado sempre parece mais consistente do que o presente.
Não há dúvida de que só um olhar distanciado pode nos dar a verdadeira dimensão do encanto que há nos dias que correm. Quando comparamos hoje com ontem, suspiramos ao lembrar de uma época em que tudo parecia menos superficial, em que a violência e a poluição não faziam parte das discussões, em que a tecnologia não pasteurizava a arte e não havia a patrulha do politicamente correto.
Lembro que, há alguns meses, assisti ao documentário Uma Noite em 67 (que traz imagens do Festival da Canção da TV Record) com o mesmo olhar saudosista do personagem do filme de Allen: 40 anos atrás, parecíamos mais modernos do que somos agora.
Mas será mesmo?
Se até hoje reverenciamos Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrude Stein, Cole Porter, Dalí e Buñuel (entre muitos outros retratados no filme), é porque a genialidade deles ultrapassou o tempo, tornando-os eternos. É comum enaltecer a significância de pessoas que inauguraram um novo mundo através de seu olhar criativo e inquieto, mas esses homens e mulheres fascinantes existem e existirão em todas as épocas.
Os atuais anos 2000 não entrarão para a história como “anos dourados” ou “anos rebeldes”, e sim como uma eletrizante era virtual, os anos que revolucionaram os contatos globais, ou seja, de alguma forma atraente os dias de hoje também farão suspirar aqueles que estiverem lá adiante, vivendo uma realidade que ainda nem supomos como será.
A humanidade jamais perderá o hábito de olhar poeticamente para trás, seja a época que for: saudade também é reciclável.

A metafísica do multiverso - Marcelo Gleiser

A metafísica do multiverso
MARCELO GLEISER – Folha de São Paulo
Pode ser que exista uma multidão de Universos -um multiverso- com leis físicas distintas e estendendo-se infinitamente pelo cosmos
As coisas eram mais simples. Existia um único Universo e nossa galáxia era uma dentre bilhões de outras. A tarefa dos cientistas era obter os padrões de ordem na natureza, traduzindo-os em leis aplicáveis no espaço e no tempo.
Mesmo após as revolucionárias ideias da física moderna, ainda se acreditava que o conjunto de leis naturais era um só, que, com tempo, poderíamos explicar fenômenos em todas as escalas. Contanto, claro, que o que chamamos de Universo englobasse tudo o que existe.
Foi então que veio o Big Bang.
Um Universo com uma data de aniversário complicou as coisas trazendo questões do tipo: "Mas o que causou o Bang?" Porém, deixando a questão do pavio cósmico de lado, o modelo do Big Bang é extremamente bem sucedido, sendo confirmado por várias observações.
Basta começarmos o filme cósmico um pouco após o começo, com o espaço preenchido por uma sopa primordial constituída por radiação e partículas de matéria: prótons, nêutrons, elétrons... Com o avanço da física nos anos 50 e 60, a receita da sopa primordial mudou e a cosmologia foi caminhando em direção ao passado mais remoto. Esse avanço, em parte, expôs as limitações do modelo do Big Bang.
Em 1981, o cosmólogo Alan Guth, hoje no MIT, propôs uma modificação no modelo do Big Bang para resolver alguns de seus problemas. Por um breve período, logo no seu início, o Universo expandiu muito rapidamente, um processo conhecido como "inflação cósmica".
Essa inflação redefiniu como interpretamos o Big Bang. Tudo que ocorreu antes da inflação foi apagado. Em muitos modelos, a história do Universo começa com a inflação. A fase inflacionária termina com uma explosiva criação de matéria e radiação. É esta criação de matéria que chamamos de Big Bang.
Apesar de não sabermos qual foi o combustível da inflação, sabemos as propriedades que ela deve ter. O cosmo era dominado por um único tipo de matéria, cuja energia não tinha o menor valor que poderia ter. Na natureza, quando a energia de um sistema não é a mais baixa possível, tende a decrescer, como uma pedra que rola ladeira abaixo.
A diferença é que essa matéria não era uma pedra e existia no Universo primordial, quando flutuações quânticas eram preponderantes. Essas flutuações forçavam a energia da matéria a flutuar: em certos locais, ela relaxava em direção a valores mais baixos, enquanto em outras subia "ladeira" acima.
Imagine então o cosmo preenchido por essa matéria, como uma piscina, mas com pedaços (bolhas) aqui e ali tendo energias diferentes. Nosso Universo teria brotado de uma pequena bolha dessas. Outras bolhas, com matéria de energia diferente, geraram outros Universos. Ou seja, pode existir uma multidão de Universos ""um multiverso eterno"" estendendo-se infinitamente.
Em cada um desses Universos as leis da física podem ser diferentes. A nova missão da cosmologia seria explicar a origem das leis da física?
Em um multiverso infinito, como ter uma probabilidade que justifique nossa existência? Se as especulações estiverem certas, teremos de ter uma teoria que explique porque esse Universo existe. A física reabraçará de vez a metafísica.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

Amâncio, charge para Tribuna do Norte

No Reino dos Coliformes - Claudio de Moura Castro

Em nome da Copa


Em nome da Copa
DORA KRAMER - O ESTADÃO - 26/06/11
O que terá acontecido de tão extraordinário entre segunda e quarta-feira da semana passada que fez o presidente do Senado e de seu partido, o PMDB, mudarem de posição em relação ao sigilo imposto aos orçamentos das obras para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016?
Segunda-feira, José Sarney levantava-se contra o sigilo previsto no Regime Diferenciado de Contratações (RDC): "Temos de encontrar uma maneira de retirar esse artigo, uma vez que dá margem inevitavelmente a se levantar dúvidas sobre o orçamento da Copa. Por que o sigilo?".
Na terça, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, avisava que certamente haveria modificações na medida provisória, mas, no mesmo dia, Dilma Rousseff mandava informar que havia "espaço para negociação" e despachava sua ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, para conversar com o partido sobre o passivo de pleitos acumulados.
Na quarta, Sarney calou. Quem falou foi o presidente em exercício do PMDB, Valdir Raupp: "Não existe sigilo", disse, incorporando o argumento que o governo vinha utilizando desde a sexta-feira anterior e que até 48 horas não parecera convencer Sarney: "O texto busca evitar o conluio de empresas no processo de licitação".
Para se acreditar na lisura do poder de convencimento do Palácio do Planalto é preciso, então, aceitar que o presidente do Senado disse o que disse de maneira leviana. Sem ler o texto do dispositivo na medida provisória, sem contar com um único entre seus inúmeros assessores para lhe alertar de que estava sendo precipitado ao qualificar o referido artigo como suspeito.
Ou seja, para responder à pergunta inicial: nada de extraordinário aconteceu entre segunda e quarta-feira da semana passada. A ocorrência foi o que se pode nominar de ordinária. Nos dois sentidos.
Sarney, Jucá e companhia não queriam zelar pela transparência de coisa alguma. Queriam apenas ser ouvidos.
Há quem tenha interpretado a mudança de posição do PMDB como demonstração de que a presidente finalmente está se saindo bem nas artes da política.
Na realidade é a indicação de que prevalece a mesma lógica, apenas com o sinal trocado: se antes Dilma procurava resistir ao assédio do PMDB e companhia, agora resolveu ceder.
O pano de fundo é igual. Toma-se a atividade política pelo mero, mais fácil — mas não suficiente nem necessariamente eficaz — exercício deslavado e rudimentar do fisiologismo.
Ou se resiste ou se cede a ele, mas não se tenta a via da negociação íntegra.
A comparação é de um político do PMDB com larga experiência no ramo: "As obras da Copa estão hoje para a disseminação da barganha, como já esteve a dita governabilidade para a justificativa de todo tipo de malandragem".
Sob o guarda-chuva da "governabilidade" instituiu-se o fisiologismo como regra e perpetram-se malfeitorias a mancheias. Agora começa a se configurar cenário semelhante.
Qualquer coisa se faz, se explica com alusão à premência das obras.
Está acontecendo em vários Estados: contratos entre governos e o BNDES para liberação de recursos em mais de 20% do valor dos projetos de obras e cujas cláusulas não foram cumpridas estão simplesmente sendo alterados por pressão dos governadores para se adaptarem às circunstâncias, afrouxando as exigências.
Em nome da governabilidade, em nome da Copa, em detrimento da integridade no trato do que pertence ao público. Além do sigilo. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção preparou um documento para ser entregue à presidente Dilma Rousseff e aos parlamentares apontando vários senões no RDC.
Embora entre eles esteja o sigilo, na visão da CBIC, enquanto se discute este ponto outros passam despercebidos. Por exemplo, o sistema de contratação integrada pelo qual se exige 30 dias para apresentação de propostas, quando o mínimo para a elaboração desde o projeto básico ao orçamento detalhado seria de 150 dias
Qual o problema? A indicação de que seriam favorecidas as empresas com projetos previamente prontos, as únicas em condições de apresentar as propostas no prazo estipulado.

Duke, charge para O Tempo

Razões que a razão desconhece - Ferreira Gullar


Razões que a razão desconhece
FERREIRA GULLAR - FOLHA DE SÃO PAULO - 26/06/11
O caso Cesare Battisti parece exigir reflexão, tal o impacto que causou a decisão do Supremo Tribunal Federal ao confirmar a do presidente Lula, negando-lhe a extradição.
Como se sabe, a extradição foi pedida pelo governo italiano, conforme os termos do tratado assinado pelos dois países. Battisti havia sido condenado, na Itália, à pena de prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas.
De acordo com aquele tratado, a extradição pode ser negada em caso de crime político. Sucede que os homicídios por ele cometidos se caracterizavam como crimes comuns, o que foi reconhecido pelo STF, em 2009, autorizando sua extradição para a Itália. No entanto, nessa mesma ocasião, admitiu caber ao presidente da República consumar ou não a extradição.
Pois bem, Lula ficou com o processo até o último dia de seu governo para, só no derradeiro momento, negar a extradição do italiano. A todos nós surpreendeu o ato do presidente da República, contrariando uma decisão de alta corte de Justiça do país. Em que se funda tal arbítrio, se aquela corte reconheceu que os crimes cometidos justificavam o pedido de extradição?
A principal alegação do procurador-geral de Justiça foi que Battisti, se devolvido a seu país, estaria sujeito a tratamento arbitrário e vingativo, argumento destituído de lógica, uma vez que a Itália vive sob regime democrático. O mais incompreensível de tudo isso é que o STF, ao apreciar a decisão de Lula, contrária a seu julgamento anterior, voltou atrás, aceitou a permanência de Battisti no Brasil e mandou soltá-lo.
Acresce o fato de que, tendo entrado clandestinamente no Brasil portando documentos falsos, não pode ser aceito como visitante legal ou imigrante. Tampouco pode ser admitido como refugiado político, já que não foi nessa condição que entrou no país. Teria que ser expulso mas, como esta é a terra do jeitinho, logo um jeito se deu para legalizar-lhe a situação à margem da lei.
Mas, afinal de contas, quem é de fato Cesare Battisti, para merecer o amparo especial de nossas autoridades e instituições? O que faz dele um personagem importante a ponto de levar o presidente da República e o Supremo Tribunal Federal a porem em risco nossas relações com um país cujo povo faz parte de nossa história?
Cesare Battisti, depois de militar no Partido Comunista Italiano, dele se afastou para ingressar em organizações que desejavam chegar ao poder pelas armas. Praticou atentados, assaltou cidadãos e terminou condenado a seis anos de prisão.
Na cadeia, conheceu o teórico de uma organização terrorista, chamada Proletários Armados pelo Comunismo. Isso no final da década de 1970, quando a Itália vivia sob regime democrático e quando qualquer cidadão poderia candidatar-se e disputar o poder pelo voto.
Mas aqueles ´revolucionários´ _que não tinham voto algum e, por isso, jamais chegariam ao poder democraticamente queriam alcançá-lo pela força das armas. Como também não eram mais que um pequeno grupo de cretinos sectários, voltaram-se para os atentados e assaltos, a fim de roubar o dinheiro dos cidadãos e comprar armas.
Foi assim que Battisti matou quatro pessoas: uma porque a considerava fascista; outra que era chofer da penitenciária onde estivera preso, e as outras duas um joalheiro e um açougueiro, para lhes roubar dinheiro.
O resultado dessa série de atos criminosos e irresponsáveis foi a prisão de seus autores e o fim da tal organização. Battisti então fugiu para a França, de onde, ao ter sua extradição decretada, fugiu para o Brasil. Foi então que escreveu um livro onde dizia renunciar à conquista do poder pela violência e passou a usar esse argumento para não pagar pelos crimes cometidos.
Mas de que vale essa renúncia feita depois que sua organização havia sido desmantelada pela repressão e ele mesmo já não podia viver em seu país? Iria fazer revolução armada na França ou no Brasil? E a vida das pessoas que ele matou, quem paga por ela? Com a palavra o ex-presidente Lula e os ministros do STF, que lhe garantiram a impunidade.
Resumo da ópera: o cara matou quatro pessoas inocentes, foi condenado à prisão perpétua, fugiu, entrou no Brasil ilegalmente mas, ainda assim, obteve o apoio de nossas autoridades para aqui viver livre e impune.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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