terça-feira, junho 15, 2010

Domingos Dutra Denuncia cúpula do seu partido

Duke, hoje no Super Notícia (MG)


Copa movimenta circuito cultural do país

Copa movimenta circuito cultural do país
Exposições em São Paulo e no Rio de Janeiro aproveitam o clima do mundial de futebol para relembrar a história do esporte no Brasil

A Copa do Mundo é um dos maiores eventos do planeta e movimenta os mais variados setores profissionais ao redor do globo, o que não poderia ser diferente para o circuito cultural. No caso de São Paulo, duas exposições aproveitam o clima de mundial para apresentarem materiais relacionados ao torneio esportivo mais popular do mundo.
A primeira delas é “Craques do Cartum na Copa”, promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil. O evento acontece simultaneamente no CCBB da capital paulista (na rua Álvares Penteado, 112, Centro) e no CCBB do Rio de Janeiro (rua Primeiro de Março, 66, Centro).
Na mostra, o visitante pode observar trabalhos de renomados artistas brasileiros, como Chico e Paulo Caruso, Ziraldo, Maurício de Souza e Henfil, que apresentam desenhos antigos e inéditos relacionados ao universo das Copas do Mundo. Vários desses cartuns, como os desenhos de Otávio, dos anos 80, ou as charges de Miécio Caffé, feitas na década de 1950, são históricos e revelam um pouco sobre o jornalismo esportivo do Brasil no último século. Além dos desenhos, o visitante ainda pode conferir uma pequena biografia de cada artista.
Outro evento de destaque é a mostra “Placar 40 anos – futebol, história e paixão”, que acontece no Museu de Arte Brasileira da FAAP (rua Alagoas, 903, Higienópolis). Nela, o público pode acompanhar a trajetória de quatro décadas da famosa revista esportiva por meio de imagens do gigantesco acervo fotográfico acumulado pela publicação. Além disso, a mostra apresenta vídeos e camisas de grandes craques brasileiros para contar a história do esporte mais popular do país.

A mostra está dividida em três seções. Na primeira, “A história das Copas”, pode-se ver a evolução do torneio entre os anos de 1970 e 2006, das mudanças nas partidas ao aprimoramento tecnológico de materiais como bolas e chuteiras. Em “Craques eternos”, o visitante pode conferir registros de alguns dos maiores jogadores do país. Finalmente, a seção “Futebol, a paixão do Brasil” traz imagens de torcedores e jogadores em momentos que captam a comoção causada pelo esporte.

As duas mostras estão abertas ao público desde o começo de junho e a entrada é gratuita.

Poder feminino

Poder feminino
Brasil Econômico - 14/06/2010 - Ieda Novais - Diretora Corporativa da BDO Brazil

Com modos de operação e ponderação bastante particulares, as mulheres mostram à sociedade uma nova maneira de gerenciar. É sabido que o comportamento gerencial das mulheres é multifacetado, pela capacidade feminina de dar atenção a diversos assuntos simultaneamente e de serem, elas, formadoras natas de pessoas.
A gestão feminina ganha força também pela clareza dos ideais e pela qualidade na gestão de pessoas - a gestão feita pela mulher é mais sensível para criar e manter uma cultura ética, talvez pelo fato de o gerenciamento feminino tender a ser permeável, multidisciplinar e mais flexível para lidar com questões intangíveis.
Hoje, essas características podem ser comprovadas por estudos científicos. O professor do Departamento de Psicologia da Universidade Yale, David Caruso, defende a tese de que as mulheres têm uma inteligência emocional diferenciada e, por isso, se tornam mais eficientes nas lideranças.
No mundo corporativo, segundo o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), 40% dos micro e pequenos negócios do Brasil são gerenciados por mulheres.
Em 2007, o Global Entrepreneurship Monitor (GEM) indicava que 53% dos novos empreendimentos no mundo - aqueles com menos de 42 meses de criação - tinham uma mulher à frente.
De todos os 54 países estudados pelo GEM, o Brasil está entre os que, percentualmente, têm maior número de mulheres comandando seus negócios. Esse dado fortalece a tese de que, desde meados de 2007, a mulher empreendedora brasileira é socialmente aceita.
Outro dado importante indicado pela pesquisa é a motivação que tem levado essas empreendedoras a abrir um negócio. Até 2008, o incentivo era principalmente uma necessidade financeira.
Em 2009, esse quadro mudou. Pela primeira vez, as brasileiras tomam a decisão de assumir a gestão empresarial porque têm a capacidade de detectar oportunidades no mercado de trabalho.
As mulheres vêm conquistando espaço de forma simétrica à evolução do olhar que a sociedade dedica a elas. O Sebrae, por exemplo, criou em 2004 o Prêmio Sebrae mulher de Negócios, que incentiva o empreendedorismo feminino e mostra à comunidade exemplos de vida e superação de mulheres bem-sucedidas na condução de seus próprios negócios.
A Fundação Nacional da Qualidade também é fórum para discussões nas quais as executivas têm debatido, por exemplo, a questão da ética empresarial.
O tema, cada vez mais relevante para as organizações se tornarem transparentes, foi abordado durante o 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência, que aconteceu nos últimos dias 9 e 10 de junho, em São Paulo.
O novo papel da mulher vem sendo foco dessas discussões, e sua presença em posições estratégicas no mercado de trabalho, uma realidade cada vez mais presente.

Iêda Novais é presidente do conselho fiscal da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) e diretora corporativa da BDO Brazil

Mulheres aumentam participação em gangues do Distrito Federal

Mulheres aumentam participação em gangues do Distrito Federal
Portal da Band - 14/06/2010
Com mais de duas décadas de existência, as gangues do Distrito Federal passam por uma mudança no perfil. Antes majoritariamente masculinas, agora enfrentam o aumento da participação feminina.
“Há 10 anos fiz uma pesquisa e as meninas tinham um papel subordinado. Hoje é como na sociedade: elas não têm o mesmo papel que os meninos, mas dentro da gangue podem liderar as meninas”, afirma Miriam Abramovay, socióloga que coordenou a pesquisa da Ritla (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana).
O dado é um dos principais resultados apontados em Gangues, Gênero e Juventude: Donas de Rocha e Sujeitos Calulosos, livro elaborado por uma parceria da Ritla com a Cufa (Central Única das Favelas) e Secretaria de direitos humanos. A publicação mostra ainda que algumas gangues chegam a ter 800 membros.
A pesquisa foi realizada ao longo de dois anos e entrevistou 70 pessoas. Com 150 horas de horas gravadas, o levantamento constatou, explica Miriam, que as gangues são formadas por jovens em busca de visibilidade. “Uma gangue se reúne para adquirir fama, para ter espaço na cidade, para ser conhecida e reconhecida em uma sociedade, que é do espetáculo, e todo mundo quer aparecer”, esclarece.
O livro será lançado nesta segunda-feira.
Redação: Helton Gomes

Dependentes de sexo lutam para se livrar da compulsão

Dependentes de sexo lutam para se livrar da compulsão

Mídia Max News – MS - 14/06/2010

 “Eu chegava a sair com seis ou sete mulheres em uma só noite. Enquanto não acabasse o dinheiro, a adrenalina, até eu ficar exaurido, eu não parava. Depois, sentia uma grande culpa e depressão.” O relato é do representante comercial Galego (nome fictício), de 46 anos, que há sete faz tratamento contra a compulsão sexual em São Paulo.  O drama dele é o de muitos que vivem no anonimato. Caracteriza a chamada dependência do sexo ou disfunção sexual. Pessoas que, à procura da satisfação da libido, com parceiros ou não, perdem o controle. Galego conta que pagou tanto para ter prostitutas, bebidas e drogas que faliu. “Em 26 anos, gastei R$ 1 milhão com a compulsão.” 
Histórias da vida real foram parar na ficção. Na novela da TV Globo Passione, Maitê Proença é Stela, uma mulher casada que tem fissura por homens mais jovens. Faz sexo com eles sem querer saber seus nomes ou marcar o próximo encontro. Em Caminho das Índias, a personagem Norminha, interpretada por Dira Paes, amava o marido, mas não tinha o menor pudor em traí-lo com um monte de desconhecidos. 
“A pessoa não tem controle sobre o desejo sexual. É a necessidade de buscar mais prazer, mais parcerias. Isso pode ser através do sexo ou da masturbação”, explica o psiquiatra Alexandre Saadeh, especialista em sexualidade humana. 

Prazer virtual  Com as redes sociais, o problema se agrava. “Tem gente que passa o dia inteiro programando atividades sexuais e a internet é ótima para isso”, afirma o médico, que faz parte do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo e dá aulas na PUC-SP. O estudante Leonardo (nome fictício), de 29 anos, até tentou, mas não gostou da experiência do sexo virtual.  “Você se decepciona porque as pessoas não são o que dizem. Teclam com você e com outras tantas ao mesmo tempo”, diz o rapaz. Para preencher o vazio de um relacionamento amoroso ruim, Leonardo, que é homossexual, buscou parceiros fora de casa. Isso começou há oito anos. “Olhava para um cara na rua e saía com ele ou transava com gente que encontrava em baladas GLS”, admite.  Segundo Leonardo, podiam ser cinco pessoas por semana ou duas por dia. “Eu estava totalmente perturbado, sem autoestima. Saía para ouvir dos outros que era bonito, elegante, gentil. Era o que eu não tinha no meu relacionamento”, conta ele, que há dois anos namora, se diz feliz e “equilibrado”. 

Ajuda no DASA  Mesmo assim Leonardo continua a frequentar a entidade Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA). A filosofia deles é a mesma da dos Alcoólicos Anônimos (AA).  Pessoas se reúnem em sessões periódicas para compartilhar os problemas. São as partilhas. Tudo é na base do diálogo e na premissa de que “só por hoje” o dependente será uma pessoa melhor, sem recaídas. No caso do DASA, os dramas são relacionados à compulsão pelo sexo, pelo prazer ou insatisfações nos relacionamentos amorosos. “Cheguei lá e vi gente com problemas iguais aos meus. Eu me confortava em saber que não estava sozinho, que não havia preconceito e, sim, muito respeito”, afirma Leonardo sobre o DASA. As reuniões são uma parte do “tratamento”, que é gratuito e dispensa remédios. A programação foca nos 12 passos, espécie de mandamentos que podem ajudar no processo de recuperação. Eles sugerem que os dependentes admitam o problema, rezem e até façam um “destemido inventário moral” delas mesmas para tentar reparar o mal que possam ter feito a outros. “Nossa finalidade é fazer com que a pessoa se relacione melhor com ela e com os outros de forma saudável”, explica Galego, um dos porta-vozes da entidade. 
De acordo com o site do DASA, as reuniões acontecem em quatro endereços da capital paulista. Em agosto, Galego acumula sete anos de DASA e de histórias. “Tenho um companheiro de sala que se masturba 40 vezes por dia. Até sangrar. É muito difícil. Você quer parar e não consegue.” Galego afirma que, graças ao apoio que encontrou na entidade, recuperou “muitas áreas” de sua vida, como o relacionamento com a filha e dinheiro. 
“Quando a pessoa chega ao DASA está detonada. Depois, começa a progredir e se afasta. Aí podem vir as recaídas”, completa Galego, que acredita ser difícil haver uma cura definitiva. A doutora em psicologia pela PUC-SP Ana Maria Zampieri concorda. “Não existe cura. Existe estar em abstinência da compulsão para o resto da vida”, atesta ela, que publicou livros sobre o tema da sexualidade.  Para Ana Maria, a busca incontrolável pelo prazer tem explicações “biológicas, psicológicas e socioculturais”. Situações de abandono ou abuso sexual na infância podem desencadear o problema. “As crianças abusadas se tornam adultos carentes, que misturam carinho, atenção com sexo. Buscam exaustivamente preencher um vazio que não vai ser satisfeito com o sexo.” O distúrbio ainda pode afetar pessoas muito tímidas, que não conseguem se relacionar. 
O funcionário público de São Paulo Fabiano (nome fictício), de 41 anos, conta que foi abusado sexualmente por sua babá aos 3 anos de idade. Acredita que isso influenciou no seu comportamento no futuro. Em 1999, ele disse "estar no auge" da compulsão. "Eu não conseguia ficar um dia sem sexo. Saía antes e depois do trabalho para procurar mulheres", revela ele, que gastava dinheiro com garotas de programa. 
Fabiano chegou a colocar anúncios em jornais para arrumar namorada e diz que sempre foi um menino "muito carente" e, por isso, procurava prostitutas para suprir isso. Quando se casou pela primeira vez, aos 20 anos, pareceu ter encontrado a parceira ideal. "A gente chegava a ter 20 relações por dia." Hoje, casado novamente, o funcionário público se diz controlado e aliviado em não ter mais a síndrome da abstinência sexual. "Sentia dores no corpo, calor excessivo, irritação e insônia."

Proad  Há outro caminho para tratar a compulsão sexual: a psicoterapia. O Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), oferece essa ajuda. Os médicos criaram o Ambulatório de Tratamento do Sexo Patológico em 1994. “As pessoas têm devaneios, ficam imaginando o sexo de maneira que não conseguem desligar e a perda de controle é que define a dependência”, conta o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Proad.  Segundo ele, o problema atinge tanto homens e mulheres casados como solteiros. Seja de vida pacata seja de vida promíscua. “Tem gente que vai à sauna gay e passa o fim de semana lá. Tive um paciente que fez isso e transou com 80 pessoas”, relata Vieira Júnior. “A pessoa faz quando quer, como quer e com quem quer.”

Copa surgiu para curar as feridas da Primeira Guerra

Copa surgiu para curar as feridas da Primeira Guerra
Departamento de História – UEM – Maringá – PR - Eric Pincas - Revista História Viva.

Eleito presidente da FIFA em 1921, Jules Rimet tinha o projeto de usar o futebol para aproximar os povos após o conflito. Em 1930, o sonho se tornou realidade: há 80 anos nascia o evento esportivo mais popular do mundo.
Na baía de Villefranche-sur-Mer, em 21 de junho de 1930, um navio deslizava lentamente rumo ao horizonte. Saindo da França, seu destino era o Uruguai. A bordo, passageiros quase anônimos. Rapazes fortes e musculosos que enfrentavam a travessia para disputar a partida de abertura da primeira Copa do Mundo de futebol. Um batismo duplo, de certa forma. A maior parte deles jamais tinha se aventurado pelo mar, e a viagem até Montevidéu iria durar 15 dias. Por sorte, as condições meteorológicas se anunciavam favoráveis.  A bordo do Conte Verde, um homem de terno e gravata, cabelos brancos e bigode finamente talhado ostentava um sorriso discreto. Em sua bagagem, uma estatueta de 30 cm de altura e 4 kg, representando uma Vitória segurando sobre a cabeça um vaso octogonal: a Copa do Mundo, um troféu de ouro maciço produzido pelo escultor francês Abel Lafleur. O homem que cuidava desse precioso tesouro chamava-se Jules Rimet. Presidente da Federação Internacional de Futebol desde 1921, ele batalhava, havia quase dez anos, para organizar uma competição aberta às equipes do mundo inteiro. Seu leitmotiv: aproximar os jogadores dos dois hemisférios, em um espírito de fraternidade, e fazer do futebol o rei dos esportes atléticos.
As esperanças que ele depositava nessa primeira Copa do Mundo eram imensas. A poucas semanas do momento do primeiro confronto, ele rememorava o quanto tinha sido longa a estrada até o embarque para a América do Sul. Nascido em 24 de outubro de 1873 em Theuley-les-Lavoncourt, um vilarejo de Haute-Saône, na região francesa de Franco-Condado, o pequeno Jules passou a infância entre a escola, a loja de produtos alimentícios do pai e o moinho do avô. A agricultura regional sofria então o impacto da guerra franco-prussiana de 1870. As condições de vida eram difíceis. Em 1885, com 12 anos, ele se juntou aos pais, que haviam partido em busca de uma vida melhor em Paris. Aluno estudioso, terminou o ensino médio e começou a estudar direito. Uma carreira jurídica se abria para ele. Mas seria essa sua verdadeira vocação? Jovem de personalidade forte, firmemente contrário às desigualdades sociais, ele sentia uma profunda necessidade de se dedicar a uma causa. Tornou-se membro de um círculo de operários e mais tarde fundou uma revista de tendência democrata-cristã que militava pelo progresso social.
O futebol? Ele mal chegou a calçar as chuteiras. Consciente de seus limites atléticos, que faziam dele um respeitável esportista de fim de semana, Rimet estava convencido de sua capacidade para administrar um clube esportivo. Mas não um clube qualquer. Uma agremiação capaz de ultrapassar as barreiras sociais e fornecer às classes trabalhadoras a oportunidade de se emancipar por meio do esporte. Em março de 1897, ele criou o Red Star Club, um conjunto poliesportivo de convívio aberto e igualitário. Considerado na época um esporte violento, o futebol, praticado por profissionais na Inglaterra, estava longe de despertar o mesmo entusiasmo na França, onde não existiam mais que 30 clubes. No plano internacional, a Inglaterra e a Escócia se entregavam a disputas desde 1872. A Áustria jogou pela primeira vez contra a Hungria em 1902. A França ingressou na relação das nações futebolísticas contra a Bélgica em 1o de maio de 1904.
Três semanas mais tarde, no dia 21 daquele mês, por iniciativa do francês Robert Guérin e do holandês Carl Anton Wilhelm Hirschman, foi assinada, em Paris, a certidão de nascimento da Federação Internacional de Football Association (Fifa). Seu papel: coordenar as diferentes associações nacionais e uniformizar as regras do jogo. Sete países aderiram: França, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. A Inglaterra, pátria mãe do futebol, só a integraria um ano mais tarde. Jules Rimet, vice-presidente do Comitê Francês Interfederal, participou do primeiro congresso da Fifa realizado em 1914 em Christiania, hoje Oslo, capital da Noruega. Na ordem do dia: a organização de um campeonato internacional. Por que não o torneio de futebol dos Jogos Olímpicos, aberto a amadores desde 1908? A idéia de uma competição internacional reunindo os clubes campeões das federações nacionais já havia sido apresentada em 1905, mas aparentemente nenhum país se interessou. Rimet criticou o projeto de 1914 por ser reservado apenas aos amadores, e logo teve de bater em retirada sob as bombas da Primeira Guerra Mundial.
Jules Rimet tinha 40 anos, era casado e pai de três filhos quando foi encaminhado ao 22o regimento territorial de infantaria de Rouen. Foi desmobilizado em 6 de janeiro de 1919 com a patente de tenente. Retomou imediatamente suas atividades no âmbito das instâncias federativas. E como recompensa por sua contribuição para o desenvolvimento da política esportiva do país foi eleito presidente da Federação Francesa de Football Association (FFFA) em 11 de abril de 1919. Nos meses seguintes ao restabelecimento da paz, Rimet escreveu a Hirschmann, então presidente interino da Fifa. Insistiu na necessidade de aquela instância supranacional renovar os laços do futebol mundial, missão altamente diplomática. O contexto político era bem pouco propício aos encontros internacionais. Se as partidas entre países aliados foram rapidamente retomadas, parecia inimaginável confrontar as equipes dos antigos inimigos.
Jules Rimet destacou-se, então, por suas qualidades de mediador, que lhe valeram ser eleito presidente da Fifa em 1o de março de 1921. Em 1923, o jornalista Maurice Pefferkorn escreveria, sobre os talentos diplomáticos de Rimet: "Ele tem o espírito político que lhe sustenta o senso de governo. Ele tem o gosto do favor popular e o respeito da opinião das massas". Desde então, Rimet tinha apenas um sonho: criar a primeira Copa do Mundo de futebol. Ele estava convencido de que essa competição mundial aproximaria os povos e suscitaria um interesse excepcional. Os Jogos Olímpicos organizados em Paris em 1924 reforçaram sua convicção. Entre as 24 equipes participantes do torneio de futebol, a maestria exibida pelos uruguaios tinha despertado o entusiasmo popular.
A final Suíça-Uruguai reuniu dezenas de milhares de espectadores. Ainda no primeiro tempo, o público foi conquistado pelo estilo de jogo envolvente dos uruguaios. Esse pequeno país, com uma população apaixonada por futebol, era a terra prometida buscada por Jules Rimet. Aquela que faria do futebol a primeira religião planetária. O destino deu uma ajuda. No ano seguinte, Rimet encontrou, em Genebra, Enrique Buero, embaixador do Uruguai em Bruxelas. Entre os temas discutidos naquela conversa estavam a louca epopéia da equipe do Uruguai nos Jogos Olímpicos de 1924, louvações ao futebol-espetáculo e perspectivas para o futuro. Conquistado pela eloqüência do francês, Buero seduziu-se pela ideia de organizar a primeira Copa do Mundo de futebol em seu país. O presidente da Fifa escreveria mais tarde em suas memórias: "A Copa do Mundo nasceu naquele encontro – que eu chamaria tranquilamente de providencial".
Restava submeter o projeto aos membros da Federação Internacional. Desafio perigoso. O risco de um fracasso financeiro alimentava o ceticismo. Com o objetivo de apresentar um projeto estruturado e convincente, Jules Rimet nomeou uma comissão composta pelo austríaco Meisl, o suíço Bonnet, o alemão Linnemann, o italiano Ferretti e o francês Henri Delaunay. Foi Delaunay quem apresentou, em 26 de maio de 1928, em Amsterdã, em nome da França, uma moção determinando que a FIFA organizasse uma competição aberta a todas as nações do futebol. Para conquistar os votos dos mais reticentes, foi dada garantia aos membros de que o país organizador assumiria todos os custos da viagem e da estada das equipes e dos árbitros. A moção foi aprovada. Hungria, Itália, Holanda, Espanha, Suécia e Uruguai se candidataram a acolher a primeira Copa do Mundo. Evidentemente, foi o Uruguai que alcançou essa meta. Por três razões: a equipe do Uruguai era bicampeã olímpica (1924 e 1928), seu renome era considerável em toda a América do Sul e o país se preparava para festejar o centenário de sua independência. Os dirigentes uruguaios se comprometeram até a construir em Montevidéu um estádio de 108 mil lugares, o Centenário.
No entanto, apesar das garantias financeiras, a maioria das associações europeias rejeitou o convite. A travessia do Atlântico ainda parecia, para muitos, uma aventura. Além disso, como o profissionalismo ainda não era a regra em todos os países, era preciso encontrar jogadores que aceitassem deixar o trabalho por um período de oito semanas. Era o caso da França. "Peregrino apaixonado", como se definia, Rimet partiu para tentar obter o consentimento dos jogadores, a autorização de seus empregadores e dos dirigentes de clubes. "Assim", disse ele, "consegui montar uma equipe que, aliás, teve uma presença bastante razoável em Montevidéu." No final, quatro nações européias (França, Romênia, Bélgica, Iugoslávia) e nove americanas (Estados Unidos, México, Brasil, Peru, Paraguai, Chile, Bolívia, Uruguai e Argentina) participaram da competição.
Era sem dúvida em tudo isso que Jules Rimet pensava em 21 de junho de 1930, no convés do Conte Verde. A travessia até a América do Sul ocorreu sob uma atmosfera alegre e divertida. Os franceses confraternizaram com os jogadores romenos e belgas. À noite, lembravam canções de Maurice Chevalier. No convés, os jogadores improvisavam corridas sobre as mãos. Em um perímetro reduzido, trabalhavam a técnica de controle da bola. Para desenvolver sua condição física, alinhavam cadeiras no convés e saltavam sobre elas com os pés juntos. Um meio excelente para esculpir os abdominais.
Os jornais da época relatam que uma multidão entusiasmada aclamou as equipes quando chegaram a Montevidéu, em 5 de julho. A seleção da França estava alojada em um complexo luxuoso, o Rowing Club. Em 13 de julho, os franceses abriram a competição contra o México no estádio de Pocitos – ainda não terminado, o imenso estádio do Centenário seria inaugurado cinco dias mais tarde. A França venceu o México por 4 gols a 1, e Lucien Laurent foi o autor do primeiro gol da história da Copa do Mundo. Vitória sem continuidade: os franceses perderam as duas outras partidas classificatórias contra a Argentina e o Chile.
Em 30 de julho de 1930, dia da final Uruguai-Argentina, os 80 mil torcedores uruguaios mal respiravam. A Celeste – como chamavam sua equipe – vencia por 3 a 2 pouco antes de soar o apito final, mas não estava a salvo de um contra-ataque argentino. Poucos minutos depois, o Centenario transbordava de felicidade: Castro acabava de fazer o quarto gol, que esmagava definitivamente as esperanças argentinas. Jamais Jules Rimet havia conhecido "uma tal tempestade de entusiasmo, de emoção liberada". Logo depois do final da partida, foi hasteada a bandeira nacional. O clamor que vinha das arquibancadas era indescritível. O presidente da Fifa entregou a Copa do Mundo a Nazzazi, capitão da equipe uruguaia. Naquele momento, não se sabia qual dos dois homens estava mais feliz. Jules Rimet havia vencido sua aposta: fazer dessa competição um formidável espetáculo popular de alcance universal. Restava-lhe um último desafio: converter o futebol francês ao profissionalismo. Isso seria feito em janeiro de 1932, quando foi adotado o estatuto do jogador profissional. Segundo ele, era o momento de acabar com práticas ambíguas – um bom número de clubes amadores remunerava então os jogadores profissionais: "Diante das práticas clandestinas, devíamos reagir com rapidez e dar nome aos bois. Ao fazer isso, cumpriríamos um dever de honestidade em relação a nós mesmos". Rimet estava certo de que o amor pela camisa valia todo o ouro do mundo. Outros tempos, outros costumes.

Alecrim


O potencial efeito Marina

O potencial efeito Marina

O Estado de S. Paulo

Quiseram as circunstâncias objetivas, os fatos duros da vida e a intenção de certos atores que as eleições presidenciais de 2010 tivessem caráter plebiscitário: contra ou a favor a situação atual, ainda que não esteja claro nem se essa é uma situação desejável, nem quem responde por ela.
Eleições desse tipo concentram holofotes em dois candidatos, mas não expulsam necessariamente outros postulantes. Sempre pode haver “terceiros nomes”.
Na maioria dos casos, candidatos a “terceiros” não entram na disputa com a pretensão de vencê-la. Vencer, para eles, é conseguir um lugar ao sol: exposição pública, mais espaço para a propaganda de suas idéias ou acúmulo de “gordura” para negociar apoios num eventual segundo turno. Tudo somado, compõem um agregado de coadjuvantes, que podem interferir do debate principal e até mesmo chegar a condicioná-lo. Podem também prejudicá-lo, evidentemente.
De todos os “terceiros” que surgiram e se mantêm na atual disputa presidencial brasileira, Marina Silva é a única em condições de cumprir algum papel de relevo, uma função positiva, capaz de repercutir na dinâmica democrática mais geral e até mesmo influenciar o debate político que ocorrerá ao longo do ano.
Primeiro de tudo, porque se trata de uma candidatura eminentemente programática, sustentada por uma agenda ambientalista sedutora e pela biografia da candidata, que parece tão íntima de sua causa que chega a se confundir com ela. É uma agenda estratégica, que faz alertas importantes a respeito das opções econômicas que são feitas no mundo e transfere atenção crítica para o debate a respeito do desenvolvimento e da “aceleração do crescimento”, questões que são invariavelmente debatidas sem a devida responsabilidade ética para com o futuro. Num contexto em que “desenvolvimento” virou a chave mestra que abrirá as portas do paraíso, não deixa de ser importante que alguém apresente o contraditório.
Por ser eminentemente programática, Marina flutua sobre partidos e alinhamentos políticos rígidos. Passa uma imagem de que está acima das práticas políticas usuais. Com isso, pode atrair eleitores cansados do discurso político rotineiro e sem graça, que pensam que se deve fazer política de outro modo ou que simplesmente não querem saber de política. Dissidente do PT, não faz o tipo ressentida: mantêm importantes pontes de comunicação com o povo petista e emprega uma linguagem crítica favorável ao resgate das tradições mais combativas do partido, desbaratadas após oito anos de Governo Lula.
Nas entrevistas e intervenções que vem protagonizando, a candidata do PV tem demonstrado estar atenta a esse papel positivo de “terceiro nome”. No último domingo, 16/5, por exemplo, declarou ao Estadão que sua candidatura não existe para “fazer o jogo de Dilma ou de Serra”, mas sim para defender “um projeto político para o Brasil, já que os partidos, inclusive o PT, não foram capazes de atualizar seu pensamento". Para isso, Marina acredita que é preciso buscar interações permanentes com o que chama de “comunidades de pensamento”, ambientes que estariam acima de partidos políticos e se sustentariam por vínculos com “causas e princípios”. Por esse caminho, acrescenta, pode-se chegar a uma “nova visão de como resolver os problemas do Brasil”, a partir da identificação das conquistas que os sucessivos governos (FHC e Lula) conseguiram alcançar.
Em sua agenda, “não há espaço para aventuras”. É preciso manter a estabilidade mediante superávits primários, metas para a inflação e câmbio flutuante. Seu propósito é mudar o modelo de desenvolvimento, levando o país a se concentrar em atividades que produzam menos impactos no meio ambiente. Vai direto ao ponto, como na entrevista à revista Exame (17/5): "Precisamos mudar a ideia de desenvolvimento”. Coisa fácil de falar e difícil de praticar.
Isso talvez explique porque o discurso da candidata permanece num terreno genérico demais quando se trata de detalhar ou enfrentar questões complicadas, caso da reforma tributária, da previdência e da legislação trabalhista. Ela se esquiva dizendo que suas propostas ainda estão em construção. Ainda que um pouco de imprecisão e de convicção de que não é preciso ter respostas para tudo confira certo charme, em algum momento as cartas terão de ser postas na mesa.
Marina Silva não voa em céu de brigadeiro. Tem pontos frágeis complicados, que poderão conter sua contribuição ao debate presidencial. O mais grave deles é a falta de uma estrutura de campanha. Ela não dispõe de recursos financeiros, palanques suficientes ou tempo de televisão. Está cercada de bons assessores técnicos e intelectuais, mas ressente-se de assessoria política, o que é compreensível dada a escassez de quadros com esse perfil em seu arco de alianças e especialmente em seu partido.
Há também o elemento religioso, sua formação evangélica. Marina flerta com o criacionismo, declarando sem vacilação que “Deus criou todas as coisas”. Tem preparo e inteligência suficientes para saber que há aí um obstáculo a ser neutralizado, sob pena de sofrer alguma resistência da parcela mais “racional” do eleitorado e de limitar sua abordagem dos pontos mais complexos e controvertidos da agenda contemporânea: aborto, experimentação genética, usos da ciência, inovação tecnológica.
Apesar disso, e por não estar na disputa para somar votos e sim para marcar posição, Marina pode fazer alguma diferença numa eleição que se anuncia como fadada a se decidir nos últimos minutos. Se conseguirá fazer isso é algo que depende muito de sua própria capacidade de explorar as virtudes que a engrandecem e superar os pontos frágeis que a limitam. Mas depende também dos rumos que a disputa tomará quando os exércitos plebiscitários entrarem de fato na luta.
Seu real efeito sobre o processo eleitoral ainda está em aberto. (Publicado em  22/05/2010, p. A2).

"Se não há segurança, democracia fica em perigo"

CERTEZA DA PUNIÇÃO
"Se não há segurança, democracia fica em perigo"
POR MARIANA GHIRELLO

A violência é um fenômeno que acontece em todo o país e demonstra o mau funcionamento do sistema brasileiro, e não é por falta de cadeia. Quando não há segurança, a democracia fica em perigo. E quando as pessoas se sentem inseguras, tendem a procurar formas autoritárias de resolver os seus problemas. O precário panorama da atual situação da criminalidade no país pode ser amenizado com o aumento das modalidades de penas alternativas e até com a redução das penas de prisão.
“É um mito dizer que aumentar a pena de prisão diminui a criminalidade. Isso é cortina de fumaça para enganar a população. A lei no Brasil é muito boa e o código de processo é razoável. São nas pequenas mudanças que se conseguem melhores resultados. O que pode diminuir a criminalidade é a certeza da punição. Se a pessoa souber que ela vai ficar um ano presa, terá menos impulso para cometer um crime”, afirma o criminalista e ex-secretário de Segurança de São Paulo, Eduardo Muylaert.

Em entrevista à ConJur, o advogado defende que qualquer solução que tire as pessoas de dentro dos presídios é louvável. E destaca que as novas políticas criminais devem ser mais humanistas, com o uso, por exemplo, de tornozeleiras eletrônicas. Para ele, o sistema de punição criminal da Justiça Eleitoral é um modelo que deu certo e deve ser observado, apesar de ressaltar que “no sistema eleitoral não tem crime de estupro, assalto, sequestro”. Os 40 anos de vivência no mundo jurídico do advogado renderam uma experiência que poucos possuem. Fotógrafo nas horas vagas, ele diz que o operador do Direito tende a ficar com uma visão limitada, quase maniqueísta. E aconselha a todos que tenham contato com a arte para ter uma compreensão mais humana da vida. A prova, ele diz, está no livro O olhar direito feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa, no qual fez parte da elite de jurados que escolheram as melhores fotos clicadas pelas presas e agentes das penitenciárias.
Formou-se no Largo São Francisco em 1968. Já no ano seguinte viajou para Paris, onde ficou até 1972 estudando Direito Público, liberdades públicas e ainda ciência política. No ano seguinte retornou ao Brasil, onde começou a dar aula na PUC-SP por nove anos consecutivos. “Lecionava filosofia, introdução, teoria geral do direito”, conta. Depois desse período arriscou a carreira política e administrativa. Foi assessor especial do governador, André Franco Montoro de 1982 a 1985. E em 1986, assumiu o cargo de secretário da Justiça e da Segurança Pública, que acumulava ainda os assuntos penitenciários. Dando continuidade aos assuntos criminais, em 1987 foi para Brasília, onde assumiu a presidência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e por desgosto desistiu do cargo. Muylaert atuou também como juiz no Tribunal Regional Eleitoral nos anos de 2002 a 2007. Sobre o recém-aprovado projeto Ficha Limpa ele diz que pode afunilar o processo eleitoral, mas explica que o requisito é utilizado em outras esferas da vida civil. “Isso vale para ser juiz, para ser garçom de restaurante”, lembra. O espírito jovem de Muylaert também é demonstrado pela sua proximidade com a tecnologia. “As possibilidades tecnológicas são fantásticas, as novas gerações já estão se formando usando esses instrumentos como a gente usava o garfo e a faca, e nós advogados um pouco mais velhos vamos ter que fazer um esforço para nos adaptar”, recomenda. A entrevista com o advogado também teve a participação dos jornalistas Maurício Cardoso e Mayara Barreto.
Leia a entrevista:
ConJur — De que forma é possível resolver a situação caótica do sistema prisional brasileiro? E como diminuir a criminalidade? Eduardo Muylaert — Se as causas criminais fossem julgadas rapidamente, o resultado será um número maior de condenações. Por isso, o problema penitenciário tem que ser pensado de um ponto de vista mais amplo, no sentido, por exemplo, de aumentar as formas e as modalidades de penas alternativas. A redução das penas de prisão também é uma saída. É um mito dizer que aumentar a pena de prisão diminui a criminalidade. Isso é cortina de fumaça para enganar a população. A lei no Brasil é muito boa e o código de processo é razoável. São nas pequenas mudanças que se conseguem melhores resultados. O que pode diminuir a criminalidade é a certeza da punição. Se a pessoa souber que ela vai ficar um ano presa, terá menos impulso para cometer um crime.

ConJur — Quais tipos de pena alternativa podem dar certo? Eduardo Muylaert — O uso de tornozeleiras eletrônicas está sendo muito discutido e acredito que qualquer solução que tire pessoas de dentro das prisões e presídios é louvável. Essa é uma solução genial, porque não há nenhum mal maior do que deixar uma pessoa encarcerada. No Brasil o preso não tem direito a banho, a cama, sofre uma série de violências e humilhações e querem garantir o direito do voto do preso provisório. Eu acho paradoxal. Além do que, é preciso oferecer um sistema de trabalho dentro dos presídios, porque é a única coisa que faz o preso se resgatar como ser humano. Mas manter uma estrutura mínima depende de verba, que varia de governo para governo.

ConJur — Privatizar os presídios é uma boa saída? Eduardo Muylaert — Não. É viável fazer parcerias com a iniciativa privada para a construção, a administração. Mas o sistema repressor da liberdade tem que ser administrado pelo Estado, não terceirizado. Nos Estados Unidos deu certo, mas porque é um país muito mais sofisticado. Lá tem prisão de colarinho branco paga. No Brasil, a noção de igualdade é um pouco maior, e, por isso, não admitiriam esse sistema.

ConJur — Essa crise do sistema prisional está diretamente relacionada com essa sensação de impunidade que o país vive? Eduardo Muylaert — Não sei se é a crise do sistema penitenciário ou se é a crise na Justiça que dá sensação de impunidade. Os presos que são condenados pela Justiça, em sua maioria, vão para a prisão e cumprem a pena. Não é só o problema do sistema penitenciário, é um problema geral de funcionamento do sistema. A Polícia Civil, por exemplo, tem um sistema muito burocrático e pouco eficiente. Além de ter um sistema diferente da Polícia Militar. Elas não conversam. Os casos que chamam atenção eles desvendam rapidamente para proteger a imagem. Mas no dia a dia, o brasileiro não quer ir à delegacia. Sabe que não será bem recebido. Só que a polícia é serviço público, para atender o público e tratar bem as pessoas. Uma política de segurança pública voltada para atendimento do cidadão e interligada é fundamental para aumentar a eficiência.

ConJur — E de que forma se aumenta a eficiência? Eduardo Muylaert — É preciso aperfeiçoar a área de informática, de comunicação e de administração. A própria Justiça percebeu que precisa de gente especializada em administração. O juiz pode ser um ótimo magistrado, mas não necessariamente será um bom administrador.

ConJur — Onde o advogado entraria nessas mudanças? Eduardo Muylaert — Talvez o advogado seja quem tem as melhores visões do sistema. Em geral, é ele quem sabe onde funciona mal, onde não funcionava. É muito importante ele cooperando tanto na área da política no sistema de Justiça e segurança, como também apontando caminhos de transformação.

ConJur — O senhor foi Secretário de Segurança em São Paulo, durante o governo Franco Montoro, há 24 anos. Quais foram as evoluções desde aquele tempo? Eduardo Muylaert — Fui secretário em um tempo muito especial, porque vínhamos de muitos anos de ditadura. Foi a primeira eleição direta para governador depois de muitos anos. Na época, o presidente ainda não era eleito pelo povo. Era uma tentativa de, sem perder a essência da polícia e ao mesmo tempo moralizar os métodos, acabar com aquele tipo de violência. Foi uma grande de tentativa de transformação. O policial não tinha carro, não tinha algema, arma, era desfalcado. O governador melhorou muito os salários e a equipou. Até hoje ouço que foi um dos melhores governos para a polícia. E não foi um governo de compactuar com nada. Foi rigoroso, como o atual governo da cidade de São Paulo é, em termos de moralidade policial.

ConJur — Como analisa a atual situação da segurança no estado? Eduardo Muylaert — As coisas mudaram muito, a população cresceu, a situação dos presídios é mais complicada. Hoje, há organizações criminosas que exigem cuidados especiais. Mas a violência é um fenômeno no Brasil inteiro, o que mostra que o sistema está funcionando muito mal e não é por falta de cadeia. Temos que pensar na eficiência do sistema porque se não existe segurança é a democracia que está em risco. Quando a pessoa se sente insegura tende a procurar formas autoritárias.

ConJur — Como um exército de seguranças particulares? Eduardo Muylaert — Um exército maior que o do Estado. A ideia de se proteger e não olhar para o vizinho é um erro tradicional. Se o sistema particular servir a coletividade, a segurança melhora para todos.

ConJur — E como foi a sua experiência na presidência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 1987? Eduardo Muylaert — A dificuldade não estava em compreender os fenômenos e nem achar as soluções, mas em executar os projetos. Durante a minha presidência, fizemos um levantamento dos problemas do sistema prisional e, com base nesses dados, propusemos pequenas reformas de baixo custo. O então presidente do país, José Sarney [PMDB-AP], aprovou o orçamento e não incluiu nenhuma verba para o sistema penitenciário. Eu deixei o conselho e vim embora. A sensação é que o Brasil não concorda com soluções, não resolve e não enfrenta os problemas. Comparo essa situação com a da Justiça. Desde a faculdade, sabe-se que a Justiça é lenta, deficiente e burocrática, e só agora começa a se apontar soluções.

ConJur — Quais avanços o senhor destacaria? Eduardo Muylaert — A existência do Conselho Nacional de Justiça, que às vezes incomoda tribunais. A Meta 2 forçou os juízes a dar prioridade aos julgamentos dos processos antigos. Os mutirões carcerários que libertaram milhares de pessoas presas injustamente também representaram um grande avanço na atuação do Judiciário. Destaco ainda as providências tomadas nos casos flagrantes de corrupção, que a gente ouvia falar, mas que ninguém tomava providência. A informatização da Justiça também é uma forma de mudar o panorama da Justiça, apesar do projeto ter começado devagar. O processo será mais eficiente e desburocratizado. O estado de São Paulo é o mais atrasado. Na prática, ainda está em fase de aprimoramento, para se cadastrar no tribunal ainda é complicado e para acompanhar o processo eletrônico é difícil a conexão. Mas em 10 anos a Justiça inteira estará automatizada.

ConJur — Há uma mudança na mentalidade dos operadores? Eduardo Muylaert — Exatamente. Inclusive dos advogados. Eu sempre fui muito interessado em informática, desde que surgiu o PC eu já mexia em computador. As possibilidades tecnológicas são fantásticas, as novas gerações já estão se formando usando esses instrumentos, e nós advogados um pouco mais velhos vamos ter que fazer um esforço para nos adaptar. Acredito que esse novo sistema de Justiça no Brasil trará mudanças profundas nos códigos. O processo tem que ser mais simples, racional e objetivo.

ConJur — Nesse sentido, mecanismos de racionalização de processos como a Súmula Vinculante são bem-vindos? Eduardo Muylaert — São absolutamente necessários. Com uma sociedade de massa, os casos são iguais. Não se justifica mais carregar o peso de uma ineficiência, que representa atraso econômico para o país e falta de competitividade no plano internacional. Se os processos são iguais, precisam de uma decisão uniforme para todos, sob pena de uma grande injustiça. O conflito penal, entretanto, precisa de um tratamento diferente.

ConJur — Como criminalista e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral, o senhor concorda com a afirmação de que o julgamento de crimes é mais eficiente na Justiça Eleitoral? Eduardo Muylaert — A Justiça eleitoral trabalha com prazos, então é absolutamente eficiente. Se não for eficiente, compromete o sistema político. E em todos os crimes eleitorais, há a possibilidade de transação ou de suspensão parcial do processo. De modo geral, não tem réu preso. O sistema criminal eleitoral prevê crimes importantes, para preservar a lisura do processo democrático, mas não é necessário prender ninguém para manter o sistema em funcionamento rápido e com eficiência. Temos que olhar para esse modelo porque é o que deu certo. Mas, é claro, no sistema eleitoral não tem crime de estupro, assalto, sequestro.

ConJur — Existe a necessidade de se rever o Código Eleitoral? Eduardo Muylaert — A nossa legislação eleitoral é muito confusa. É de 1965, ano da ditadura. Em 1988, promulgou-se a Constituição, que prevê medidas para conter abuso de poder, e criou a ação de impugnação de mandado definitivo. Nos anos 90, fizeram a Lei de Inelegibilidade e a Lei das Eleições. Não se parou ainda para consolidar a legislação eleitoral e modernizar, inclusive quanto a essa questão da ficha limpa. No Legislativo, quando se trata de uma medida mais enérgica, não passa. Mas quando se trata de matéria criminal, a situação é diferente. Existe uma série de leis que as pessoas nem percebem que foram editadas. Há alguns dias foi promulgada uma lei mudando a prescrição criminal. Provavelmente, vai criar problemas e não vai trazer melhorias.

ConJur — A legislação eleitoral está muito mais preocupada em garantir a igualdade de competição entre os candidatos do que preservar, por exemplo, a informação. E a informação está sendo sacrificada em nome dessa igualdade. O senhor concorda há um excesso de restrições ao direito de informação no processo eleitoral? Eduardo Muylaert — Não concordo com essa formulação. As grandes impugnadoras do processo eleitoral são e sempre foram a tentativa de igualdade, que é uma tentativa difícil. E a liberdade de informação tem sido muito preservada pelo Supremo. Mas realmente a legislação não conseguiu acompanhar a realidade contemporânea, de internet, televisão atuante. Quando foi feito o Código Eleitoral, a campanha importante era no rádio. Mas é ficção achar que a campanha tem que ser limitada a pouco tempo antes da eleição. Seria muito mais lógico anular o programa partidário do ano anterior ao da eleição, e no ano da eleição admitir uma execução muito mais ampla nos temas no ano inteiro, a partir de janeiro.

ConJur — Há falta de interesse político da população? O que fazer para mudar a situação? Eduardo Muylaert — Hoje, por exemplo, os jornais têm plena liberdade de apoiar um candidato. Mas isso não é possível no rádio ou na televisão. Imagine que o próximo presidente da República fosse alguém escolhido pela emissora de televisão A, B ou C. Outra questão é que a forma da campanha política precisava mudar. Todo mundo sabe que o programa político gratuito, aumenta muito o ibope de TV paga nesse horário, é muito chato, muito mal feito, um pouco por causa das regras.

ConJur — E o que pode ser feito para acabar com o Caixa 2 nas campanhas? Eduardo Muylaert — É uma das maiores metas para moralização do processo eleitoral. Existe uma prestação de contas do partido detalhada e minuciosa, mas não há garantia de que o que vai para o TRE ou TSE seja a verdadeira contabilidade. O combate ao poder econômico da eleição é uma coisa muito difícil, que tem que ser tratada aos poucos. Hoje em dia há uma repressão mais eficaz, mas o fluxo de recurso não é muito controlado e não há muito limite. Os grandes fornecedores de recursos são as próprias empresas que depois vão receber verba de governo para operar com eles.

ConJur — Então, a reforma da Lei Eleitoral está dentro da reforma política. Eduardo Muylaert — Claro. Mas independente da reforma política seria importante uma consolidação e modernização da Lei Eleitoral para adequar a necessidade contemporânea de abertura da discussão. Mas colocando alguns limites para que não seja um debate eleitoral permanente.

ConJur — Político tem que pensar em eleição durante os quatro anos do mandato? Eduardo Muylaert — E eles pensam. Eu acho que eles só pensam nisso.

ConJur — O que fazer com a internet na eleição? Eduardo Muylaert — Na eleição do presidente dos Estados Unidos a internet foi usada como fonte de captação de recursos populares e pequenas doações. Esse foi um movimento impressionante. No Brasil, é preciso ter maior liberdade, desde que mantida a igualdade. Nas eleições anteriores as regras de internet eram muito proibitivas. O candidato tinha que ter o site “.cam”, não podia usá-lo para fazer divulgação da campanha. O tratamento a ser dado para a internet não pode ser o que se dá para a imprensa.

ConJur — Os juízes têm dificuldade de entender a diferença de informação e propaganda. É possível estabelecer essa diferença? Eduardo Muylaert — Qualquer questão de Justiça depende de interpretação. Nem tudo pode ser tratado de maneira absolutamente objetiva. E você tem que contar com o bom senso ou da juíza ou do tribunal para que não sejam cometidos abusos. Mas de modo geral a Justiça Eleitoral funciona de maneira bem equilibrada. Há problemas, mas são poucos. Na Justiça comum também há casos de suscetibilidade de algumas pessoas que a pretexto de que foram ofendidas querem ocupar o espaço gratuito nos grandes meios de comunicação, que costumam ser muitos cuidadosos, apesar de haver falhas.

ConJur — O presidente Lula já foi multado cinco vezes pelos Tribunal Superior Eleitoral, por propaganda antecipada. Como é que se faz para conter abusos por parte da presidência da República? Eduardo Muylaert — O Lula está gerando um problema sério. Em tese, o abuso do poder político poderia acarretar a cassação do registro da candidata do partido do presidente. Os tribunais estão fazendo o seu papel e isso é muito bonito para a reputação internacional do Brasil. Ver um presidente da República punido pelo Tribunal Superior Eleitoral, que é composto pelos membros da Suprema Corte, é raro em muitos países. O problema é que ocorre no Brasil sem nenhuma comoção, com a maior tranquilidade.

ConJur — O senhor acredita que a Lei Ficha Limpa contraria o princípio da presunção de inocência? Eduardo Muylaert — Não, porque são duas coisas diferentes. Uma coisa é você não poder ser preso sem uma condenação criminal com trânsito em julgado. Esse é o princípio da presunção de inocência. A Lei Eleitoral fala que para se candidatar é preciso ter reputação ilibada. E isso vale para ser juiz, para ser garçom de restaurante, e em qualquer esfera da vida civil. Pela lei, quem for condenado por improbidade administrativa não pode se candidatar. Está todo mundo cansado de roubalheira na política, embora ela sobreviva.

ConJur — Essa não é uma forma de cercear a vontade do eleitor? Eduardo Muylaert — Afunila um pouco o processo eleitoral. Seria perigoso se fosse permitido que no curso do processo político você pudesse bloquear seu adversário. A lei traz à tona um sério problema no Brasil, que é de os Recursos Especiais e Extraordinários impedirem o trânsito em julgado das decisões. A banalização desses recursos traz prejuízos para a Justiça. Hoje em dia, a necessidade de repercussão geral no Supremo e o sistema de recursos repetitivos estão fazendo com que a Justiça volte ao seu curso natural, que é de resolver a questão em uma instância e que o recurso só se dê em circunstâncias especiais.

ConJur — O senhor atua na área penal econômica, na lida com fraudes, acusações de lavagem de dinheiro, crimes de colarinho branco. Como avalia a lei dos crimes contra o sistema financeiro? Eduardo Muylaert — Falta uma revisão da lei, que criminaliza a manutenção de dinheiro no exterior sem declaração. Isso vem de uma época em que muita gente não queria correr risco político e transferiu o dinheiro para o exterior, claro que sem declarar. De alguma maneira, é necessária uma anistia política para essas situações, até para permitir que esse dinheiro volte para o Brasil, ou fique lá fora pagando uma pequena taxa. Pelas informações que se tem, a maior parte desse dinheiro não vem de sonegação nem da criminalidade.

ConJur — Como a tese de que o crime de evasão de divisas hoje não faz mais sentido? Eduardo Muylaert — Exatamente. Há uma repressão forte e faz pouquíssimo sentido. Sou totalmente favorável ao cumprimento da lei, ou seja, que não haja lavagem de dinheiro, que não haja abusos no sistema financeiro. Mas isso não justifica dar liberdade para a polícia investigar e devastar as vidas das empresas. A interceptação telefônica é um recurso importante para a investigação, mas tem que ser limitada em um tempo, em um espaço. Não se pode deixar fazer escuta durante quatro anos porque uma pessoa é suspeita.

ConJur — Até porque a Constituição prevê o segredo das comunicações. Eduardo Muylaert — Quebrar o segredo das comunicações viola a intimidade das pessoas. É preciso disciplinar a investigação para que ela não caia nesse tipo de autoritarismo.

ConJur — Existe uma onda de moralismo que considera que o rico em princípio está errado. Só porque ele é rico. Eduardo Muylaert — Esse tipo de filosofia realmente é um risco para o país. Antigamente se dizia que no Brasil rico não vai para a cadeia. Não, ele pode ir, desde que seja culpado. Isso gera revolta na população, mas gerou também em alguns órgãos ligados à Justiça que querem reverter essa situação. Para reverter a situação é preciso usar meios legítimos e ponderados. Não se pode fazer uma revolução popular e o linchamento dos supostos salteadores da riqueza da nação. Para isso, temos o Código Penal, o Código de Processo Penal.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a decisão do Supremo em relação à manutenção da Lei de Anistia? Eduardo Muylaert — Absolutamente acertada. A fase da ditadura foi terrível, todo mundo sofreu. Mas houve um compromisso no país de se superar esse episódio e caminhar para a construção de uma democracia, que ainda não está consolidada entre nós. O Brasil tem de fazer um esforço para construir uma democracia sólida e para nos livrarmos desses fantasmas. É importante abrir os arquivos, saber o que aconteceu, onde estão os mortos. Tudo isso faz parte de um movimento muito saudável da memória do país. Mas, não reabrir uma discussão que está, aparentemente, superada.

Skoob

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