quarta-feira, setembro 22, 2010

Tiago Recchia, para Gazeta do Povo


O jabaculê confesso de Vinicius

O jabaculê confesso de Vinicius
Elio Gaspari - O GLOBO
Erenice Guerra e seu marido receberam R$ 4 milhões depois que a Agencia Nacional de Energia Elétrica, Aneel, aprovou o projeto da EletroPlex que alterou a cota das turbinas da hidrelétrica do Baixo Araçati.
Não existe Baixo Araçati, também não existe EletroPlex e a Aneel não aprovou coisa alguma. O exemplo foi inventado, para mostrar que, a esta altura, acredita-se em qualquer coisa que se diga a respeito de Erenice Guerra e das traficâncias ocorridas na Casa Civil de Nosso Guia.
A comissária Erenice viu-se metida em pelo menos três denúncias de malfeitorias. Seu filho Israel atravessou contratos nos Correios e projetos de energia solar no BNDES. Uma empresa que tinha seu marido como diretor comercial conseguiu na Anatel uma concessão de telefonia celular em São Paulo. São casos em que as suspeitas estão documentadas.
Bem outro é o enredo da confissão feita por Vinicius Castro, amigo de Israel e ex-assessor de tia Erenice.
Segundo sua narrativa, no final de julho de 2009, ao chegar ao local de trabalho, no Palácio do Planalto, abriu uma gaveta de sua mesa, encontrou um envelope pardo com R$ 200 mil em dinheiro vivo e exclamou: Caraca! Que dinheiro é esse? Disseram-lhe que era a propina do Tamiflu, remédio usado para tratar pacientes com o vírus da gripe aviária, que naqueles dias inquietava o mundo. Segundo ele, três outros funcionários da Casa Civil receberam idênticos jabaculês.
Vinicius disse que recebeu R$ 200 mil, mas a história que contou, com gaveta, envelope, caraca e Tamiflu só fica em pé se forem contornadas diversas implausibilidades.
O Tamiflu era o único medicamento eficaz para vítimas da gripe aviária e o ministro José Gomes Temporão garante que a compra foi feita diretamente ao laboratório Roche. Se for verdade, não havia intermediários.
Não se tratava de escolher entre várias marcas, era Tamiflu ou nada. Num raciocínio perverso, a Casa Civil poderia ter tentado criar dificuldades para vender facilidades, mas faria isso logo no meio de uma pandemia? Logo com um remédio sem rivais? E por que uma empresa daria R$ 200 mil a Vinicius, um recém-chegado, com poucas semanas de serviço? É implausível que alguém entre no Palácio do Planalto com R$ 200 mil num envelope para presentear um amigo. Mais implausível é que se ponha esse ervanário na gaveta (aberta) de um funcionário, sem que ele tenha sido avisado.
Se os outros jabaculês foram distribuídos da mesma maneira, entraram no Planalto pelo menos R$ 800 mil.
Vinicius contou sua história a duas pessoas, que a reproduziram, em conversas gravadas, para os repórteres Diego Escosteguy e Otávio Cabral. Um tem sua identidade protegida e o outro é um tio, Marco Antonio de Oliveira, ex-diretor dos Correios. Desbastadas as implausibilidades, sobra o essencial da confissão do delinquente: recebeu um jabaculê de R$ 200 mil enquanto exercia a função de assessor da chefe da Casa Civil da Presidência da República. Pelo que se sabe, não devolveu o ervanário.
Se a história de Vinicius tiver que ser comprada com todos os detalhes, do Tamiflu ao Caraca!, é implausível.
Se for reduzida ao essencial, nunca na história deste país...
Elio Gaspari é jornalista.

Peripécias do câmbio valorizado

Peripécias do câmbio valorizado
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo - VALOR ECONÔMICO
O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos diante da moeda brasileira sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e, escoltada pela prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelo Tesouro americano. Inquietos com os minguados "yields" de Tio Sam e desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, os gestores de portfólios globais, entre crispações e redemoinhos, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram farto repasto na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado pelos senhores da finança nativa.
Num ritual farsesco, renova-se, em sua caducidade tediosa, a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, as exportação de manufaturados se debilita rapidamente e as importações predatórias inundam o mercado brasileiro. É primário argumentar que os críticos do câmbio são favoráveis ao "fechamento" da economia e buscam comprometer sua eficiência com a redução das importações, indispensáveis, sim, para sustentar um crescimento saudável com baixa inflação.
Neste momento a história é outra: a decadência das exportações vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marco Polo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. A derrocada exportadora faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente por chineses e outros competidores espertos.
Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas tributárias e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009, o governo chinês ampliou os "tax rebates" para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.
Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão de obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão de obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.
A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina com a vitória da turma da bufunfa
Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial Isso tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.
Na América Latina, inclusive no México a história foi outra. O México diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas, caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta.
A trajetória de Brasil e Argentina mostra que a integração das economias foi mal concebida e isso determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.
A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo. Parece óbvio que os mercados financeiros globalizados, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais, cuidam de patrocinar uma festa que pode terminar em ressaca, transformando a economia urbano-industrial brasileira em um espectro de si mesma. Os economistas do mercado voltaram às páginas dos jornais e das revistas para garantir que o déficit em conta corrente, a despeito de sua evolução para a casa dos 4% a 5% do PIB, é financiável. Nos anos 90, esse foi o mantra dos defensores do câmbio valorizado.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente neste espaço.

Pelicano, para Bom Dia (SP)


O Fundo Soberano e o dólar - O Estado de S. Paulo - Editorial - 22/09/2010

O Fundo Soberano e o dólar - O Estado de S. Paulo - Editorial - 22/09/2010
O governo decidiu usar o Fundo Soberano do Brasil (FSB) para comprar dólares e conter a valorização do real. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as autoridades estão preparadas para neutralizar o excesso de moeda estrangeira no mercado. Está previsto o ingresso de um grande volume de dólares para a capitalização da Petrobrás. "Se entrar, nós vamos comprar tudo", prometeu o ministro, em seu costumeiro tom de bravata. A intervenção do Fundo reforçará, segundo o plano anunciado, a ação do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. De acordo com nota do Ministério da Fazenda, as novas operações não terão impacto no orçamento, por não se tratar de despesa pública, mas de gestão de recursos do Tesouro. Essa explicação é mais uma tentativa canhestra de esconder a realidade.
As compras adicionais de moeda estrangeira afetarão, sim, as contas públicas, porque uma de suas consequências será o aumento da dívida federal. Está prevista a emissão de títulos governamentais para as operações no mercado cambial.
Não haverá limites para as compras de dólares, de acordo com o Ministério da Fazenda. Mas o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), onde está aplicado o dinheiro do Fundo Soberano, só dispõe de cerca de R$ 18 bilhões. Esse valor se esgotará em uma semana, se as compras chegarem a US$ 1,5 bilhão por dia. Além do mais, o FSB é uma instituição única em seu gênero, diferente de todos os outros fundos do mesmo tipo, e essa distinção, como certas singularidades brasileiras, está longe de ser positiva.
Fundos soberanos são normalmente constituídos em países com superávits fiscais e com reservas cambiais consideráveis. Na América do Sul, o Chile se distinguiu pela formação de um fundo desse tipo, com grande capacidade de investimento no país e no exterior. Para isso o governo chileno seguiu um caminho previsível e seguro. Arrumou as contas públicas, por meio de um ajuste de longo prazo. Adotou políticas contracíclicas, poupando nos anos de fartura fiscal e gastando com um pouco mais de folga nas fases de retração econômica. Por esse processo bem calculado, foi constituído o fundo, destinado tanto a produzir ganhos para o Estado quanto a servir como colchão de segurança para os tempos difíceis.
Mas o Brasil não tem superávit fiscal real há muito tempo. O governo tem conseguido, ano após ano, apenas pôr de lado algum dinheiro para pagar uma parte de sua dívida mobiliária, formada por papéis do Tesouro. Superávit primário não é superávit fiscal, a não ser quando é mais que suficiente para cobrir o serviço da dívida. Dessa perspectiva, o Fundo Soberano do Brasil é uma aberração, se não for apenas uma ficção.
Se em alguns anos o superávit primário foi maior que o programado, o governo poderia tê-lo usado mais sabiamente pagando maior parcela dos compromissos e reduzindo o endividamento. Seria uma forma de abrir espaço para a diminuição dos juros básicos. Isso reduziria um dos fatores de atração do capital especulativo e atenuaria o risco de valorização do real - além de favorecer, naturalmente, a expansão dos negócios do setor privado.
A primeira concepção do Fundo Soberano do Brasil já foi errada. O ministro da Fazenda propôs inicialmente formá-lo com reservas internacionais. Seria usada uma parte do estoque de moeda estrangeira, quando o total estivesse próximo de uns US$ 200 bilhões. Quando apresentou a ideia, o ministro desconhecia, aparentemente, um importante detalhe: seria preciso mexer na lei para mudar a aplicação dos dólares administrados pelo BC. Anunciado o plano do ministro, o presidente do BC teve de entrar em cena para mostrar o equívoco.
O episódio evidencia, além do espírito de improvisação, um detalhe importante para avaliação de toda a história: a ideia de criação de um fundo soberano surgiu bem antes de se ter uma noção de como formá-lo. Havia apenas a intenção política de criar um instrumento financeiro para apoiar, entre outras iniciativas, investimentos de empresas brasileiras no exterior. Aparentemente, ninguém se deu ao trabalho de examinar a bem-sucedida experiência do Chile nem de entender por que o governo chileno criou seu fundo.

Tasso: PSDB erra ao não falar de FH

Tasso: PSDB erra ao não falar de FH
Isabela Martin O GLOBO – 22/09/2010
Senador tucano critica clientelismo do atual governo: "Lula faz hoje o que o coronel político fazia com sua clientela"
FORTALEZA. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), candidato à reeleição, admitiu ontem que existe uma tibieza (fraqueza) generalizada no PSDB para defender ações do governo Fernando Henrique Cardoso, como as privatizações. Tasso reagiu a uma pergunta sobre a ausência das citações a FH na campanha presidencial tucana: Há uma tibieza generalizada.
Se desde a campanha de Geraldo Alckmin tivéssemos enfrentado isso como deveríamos, e na campanha do Serra tivéssemos enfrentado isso com toda a clareza, com certeza o discurso seria melhor. Pelo menos a gente estaria dizendo o que acredita disse Tasso, em palestra para empresários e profissionais liberais na sede da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), na noite de anteontem.
Sobre denúncias envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, Tasso disse que nunca se viu no Brasil uma estrutura de corrupção como a que existe no atual governo. Ele disse que o Congresso foi cooptado, mas que ele jamais se rendeu à cooptação e que vê com muita preocupação um eventual governo da candidata do PT, Dilma Rousseff. Ele afirmou também que o PT vem agora (para o poder) com a Dilma porque ela não controla o PT.
Tasso também acusou o presidente Lula de usar o Bolsa Família e outros programas sociais para manter o controle e poder sobre a população pobre, como acontecia na época em que os coronéis tinham o poder político no Nordeste. Ele disse que o país voltou à época do dar para receber e que isso é um clientelismo oficial disfarçado.
Criou-se um verdadeiro clientelismo oficial. Quando era o dos cabos eleitorais, era descentralizado.
Agora é centralizado.
Vem tudo de Brasília e quanto maior a concentração, maior o perigo da falta de democracia, disse, citando também o auxílio maternidade.
Tasso frisou que não é contra o Bolsa Família e lembrou que a ideia nasceu no governo de FH, com o Bolsa Escola e o Vale-Gás. Mas o programa é ótimo se oferecer também a porta de saída, disse.
O que assistimos hoje é a uma população paupérrima, que continua paupérrima, dependente de uma esmola do governo, morrendo de medo de perder essa esmola, dependente não mais de um cabo eleitoral. Dependendo agora do presidente da República.
Essa política teve reflexos no estado, segundo o tucano.
A politicagem e o aparelhamento passaram a fazer parte do dia a dia de todos os órgãos da administração publica federal e estadual e o velho clientelismo voltou com muito mais força, disse depois em entrevista.
Para Tasso, essa é a razão pela qual os políticos querem se apresentar como candidatos do Lula.
O Lula faz hoje o que o coronel político fazia com sua clientela criticou Tasso, que foi muito aplaudido no início do discurso ao afirmar que, embora estivesse fora de moda o que iria dizer, ele não era o candidato do Lula.
Sou candidato contra o Lula disse.
Segundo o senador, o clientelismo oficial faz parte da ideologia totalitária do PT: Nós temos uma estrutura completamente aparelhada, sindicalizada e, nesse sentido, é amoral. Não é imoral. Não tem moral.
O senador afirmou que para essas pessoas, o desvio de dinheiro não é visto como roubo desde que seja em nome daquilo que acreditam.

Bennet, na Gazeta do Povo


Perdendo as estribeiras

Perdendo as estribeiras
Zuenir Ventura - O GLOBO - 22/09/10
O "fato novo" que a oposição esperava que alterasse o rumo da eleição, provocando desequilíbrio na campanha de Dilma Rousseff, acabou desequilibrando o presidente Lula, que perdeu as estribeiras. Foram os escândalos em série - quebra de sigilos, tráfico de influência - que levaram Lula a um inédito destempero. Não que seja a primeira vez que ele fala mal dos jornalistas, mas talvez nunca tenha sido tão franco e hostil: "O povo mais pobre não precisa mais de formador de opinião", ele decretou em comício, completando: "Nós somos a opinião pública." Ela é ele.
O "nós" da afirmação é um mero plural majestático. Um pouco mais modesto do que o outro Luiz, o XIV, o Rei-Sol, Sua Majestade Luiz Inácio, o nosso Rei-Estrela (vermelha), não diria hoje "o Estado sou eu", mas "somos nós". É dessa forma que ele ameaça a imprensa: "Nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos, nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um partido político." Atiçados por esse ânimo beligerante, o MST e as centrais sindicais estão organizando manifestação em SP contra "o golpismo midiático". Os organizadores acham que a "ofensiva antidemocrática precisa ser barrada". Como a "ofensiva" não são os escândalos, mas as notícias deles, o ideal seria "barrar" a imprensa, ou seja, silenciála (houve um tempo em que isso era tramado nos quartéis, não nas ruas).
Quanto a nós, jornalistas, alvos dessa fúria, a reação não deve ser movida por corporativismo. Não acho que os veículos de comunicação devam ficar imunes às críticas. Não é isso. Uma coisa, porém, é pleitear uma imprensa mais transparente em suas preferências partidárias, menos engajada na campanha eleitoral, "como se fosse um partido político". Outra é o que Lula prega: a sua "derrota", como se houvesse um inimigo e uma guerra.
Esperava-se que o presidente desmontasse as acusações e que quatro dos supostos envolvidos não precisassem se demitir reforçando as denúncias. Ou então que se declarasse vítima de traição dos que o cercam. Em vez disso, o que fez foi destilar rancor para com revistas e jornais que publicaram, não inventaram, os escândalos.
Uma análise compreensiva do episódio foi feita pelo deputado Miro Teixeira, que vê Lula num "momento de tristeza", querendo acreditar que "não existiram irregularidades e roubalheiras. E a melhor forma que encontra é atribuir esses crimes às versões e não aos fatos". O presidente faz lembrar aqueles reis que antigamente mandavam executar os emissários das más notícias - depois de recebê-las, claro.
É com certeza o que ele tem vontade de fazer com a imprensa. Talvez não apenas simbolicamente.

♪ Legião Urbana - Monte Castelo ♫ (com legenda)

Uma eleição sem regras

Uma eleição sem regras
ROBERTO DaMATTA - O GLOBO - 22/09/10
Claude Lévi-Strauss me ensinou que é uma tolice tentar separar domesticado e civilizador (por oposição ao fogo selvagem e descontrolado) e, por isso, diz o estruturalismo, é preciso saber por que na mitologia grega o fogo era dos deuses que são seres sobre-humanos; ao passo que, na mitologia das sociedades tribais da América do Sul, a posse de elementos essenciais à sociedade, como o fogo, pertence a animais.
Saber por que é uma onça que dá o fogo à humanidade é a questão central. É ela que vai ajudar a compreender certos processos e enxergar além das rotinas.
Machado de Assis, décadas antes de Lévi-Strauss, faz algo semelhante no seu conto "A sereníssima República".
Nele, uma comunidade de aranhas que quer ser republicana cria partidos e constrói sistemas eleitorais.
De saída criam uma agremiação retilínea porque as teias que tecem seriam retas e a reta é o reto: o direito.
Surge, porém, uma dissidência que funda o partido curvilíneo porque, para eles, as teias eram de fato curvas e recurvada é a parte boa da natureza. Da discussão, nasce um partido radical: o reto-curvilíneo que, como o nosso governo populista, messiânico, capitalista, personalista e de coalizão, diz que o ideal é chutar com os dois pés e, se possível, usar também a cabeça e a mão. No Brasil, sociedade escravocrata e familística, os partidos são todos trabalhistas e preocupados com os pobres, os famintos e os operários. Não temos partidos de empresários, banqueiros e comerciantes. Fundados os partidos, as aranhas realizam eleições mas descobrem um fato perturbador: o número de eleitores não bate com os votos! Mas como eram aranhas e formalistas atacaram o problema de modo radical: mudaram o feitio das urnas! E assim foram fazendo como nós, brasileiros pós-modernos e cosmopolitas, que pensamos resolver os nossos problemas mais prementes com leis e por meio do Estado.
Reclamamos que esta eleição não tem debates arrebatadores, capazes de transformá-la num jogo de final de Copa do Mundo, mas - como as aranhas do Cônego Vargas - esquecemos um dado crítico: o modo pelo qual o processo eleitoral tem sido encaminhado desde o seu início. E a marca mais visível de sua paisagem não é exatamente a ausência de grandes projetos, mas a presença de um majestoso projeto de continuidade de poder que, por estar tão presente na nossa mentalidade política, passa tão despercebido quanto as tentativas das aranhas quando tolamente equacionavam a forma das urnas com a honestidade eleitoral.
Ora, o que vivemos hoje no Brasil não é mais a discussão de um plano para liquidar a inflação, deter o comunismo ou o fascismo; ou dividir o latifúndio. Não! O que está hoje em cena é o fantasma de uma total ausência de limites porque o Poder Executivo abriu mão do seu papel de gerente moral do sistema e virou um entusiasmado cabo eleitoral.
Se tirarmos essa inovação, só temos convergências, pois os problemas são claros e óbvios: é preciso uma reforma política e um sistema eleitoral que amarre os eleitores e os seus representantes de modo inequívoco; é necessário liquidar as suplências e o controle dos partidos sobre os candidatos; é urgente um programa educacional que ensine e viver mais igualitariamente e menos autoritariamente.
Mas, tal como ocorria com as aranhas, o que passa sem discussão é o projeto sem o qual nenhuma disputa pode ocorrer: o respeito pela regras do jogo, os limites de cada ator junto aos seus papéis, o movimento da sociedade sobre si mesma, fazendo com que seus administradores sejam menos condescendentes e digam não a si mesmos, adotando um comportamento ético.
Esse honrar as normas, essa internalização de limites é o ponto crítico desta disputa eleitoral. Nela, não cabe apenas discutir a morte do planeta e das florestas, as escolas públicas, a violência urbana, a criminalidade e a saúde, mas - sobretudo e acima de tudo - como essas coisas serão alcançadas, como serão implementadas, que tipo de gerenciamento irá torná-las concretas. Em outras palavras, falta um programa que anuncie uma participação maior da sociedade no governo e no Estado.
Falta discutir os limites dos papéis vigentes nos cargos do governo para que eles possam ser efetivamente úteis à sociedade para os quais foram criados e não uma fonte de nepotismo e de riqueza ilícita para os seus ocupantes. Numa palavra, falta roubar o fogo da onça. Ou seja: discutir a sinceridade e a ausência de demagogia como programas. Como os programas mais importantes para tornar o Brasil um ator planetário neste século.

Expectativa do arbítrio em fim de campanha

Expectativa do arbítrio em fim de campanha
Rosângela Bittar - VALOR ECONÔMICO
Para quem crê naquele PMDB que assumirá o poder no caso de Dilma Rousseff (PT) eleger-se Presidente, e ainda se o partido quiser mesmo assumir o papel de poder moderador oferecendo garantias contra a repetição, aqui, de arroubos autoritários que destroçam países vizinhos, a expectativa é que entre logo em ação aquele partido de imagem construída por Doutor Ulysses. Neste momento é a hora certa, pois vão logrando êxito, na reta final da campanha eleitoral que reúne em chapa as duas maiores legendas do país, as vozes do radicalismo.
Os ataques à imprensa no governo Lula não são novidade, sempre existiram, vêm de toda parte, e estão explicitados, com intenção específica de controle, no programa de governo do seu partido. Embora não tenha Lula os transformado efetivamente em medida concreta, ao longo de seus quase oito anos de mandato, algumas medidas tentadas foram frustradas pela reação. Mas não desistiu do principal ideário de anulação do pensamento discordante. Tanto que se repetiram no programa da candidata do partido à sua sucessão e até foram enviados ao Tribunal Superior Eleitoral como documento oficial (com um leve recuo a posteriori para não criar mais polêmicas na campanha).
Como é um modelo sempre em perspectiva, transforma-se em ameaça aguda tão logo o governo se vê diante da necessidade de enfrentar novas denúncias de corrupção ou até mesmo uma manifestação simples de opinião diversa.
Fiador da democracia, PMDB confia nos aliados
As recentes denúncias sobre a persistência de vida ativa em núcleos de corrupção bem próximos ao gabinete do Presidente da República e no próprio gabinete que foi ocupado pela candidata à sua sucessão, a Casa Civil, tiveram o condão de acionar o costumeiro script: primeiro a desqualificação, depois o sofisma, um ensaio de defesa pelo ataque aos adversários, em seguida um gesto no sentido de ordenar apuração que resulta em nada, ficando o grande final para o ataque contundente, violento, para o qual arregimenta rapidamente todos os instrumentos que mantém azeitados, à imprensa.
Ao longo dos anos Lula, as vítimas, com a contribuição da indignação da sociedade e apoio de algumas figuras de governo com convicções democráticas mais firmes -, pelo menos dois deles cotados para continuar no poder no caso de vitória da candidata do PT -, vinham conseguindo evitar a mão de força contra o pensamento discordante. As ameaças, porém, nunca cessaram, e este é um momento de total fertilidade para elas por causa das novas suspeitas de irregularidades.
Só que, desta vez, à voz do deputado cassado José Dirceu em pregação a sindicalistas na Bahia, e ao acionamento precoce da militância com seus tambores de guerra, além da convocação dos sindicatos contra a mídia, juntaram-se o presidente Lula e a candidata Dilma em injustas e distorcidas considerações sobre o trabalho da imprensa. Em uníssono.
Com a proximidade do fim da campanha e a retomada do governo, com as ameaças em estado febril, não são mais tão remotas as possibilidades de se viver, aqui, a opressão que vivem vizinhos até há poucos anos exemplos de desenvolvimento econômico e democracia.
Um Congresso em que muitos parlamentares tiveram seus malfeitos também denunciados, e por isso se juntaram aos que querem calar a imprensa, o governo terá na próxima legislatura maioria esmagadora, portanto em condições de amplificar esses sinais de radicalização.
O PMDB, mesmo com muitos de seus parlamentares envolvidos em escândalos denunciados pela imprensa, está prometendo, desde o início da formulação do programa de governo, não embarcar em propostas totalitárias.
O deputado Moreira Franco, ex-diretor da Caixa Econômica Federal no governo Lula, coordenador da elaboração do programa do PMDB, principal representante do partido no grupo de aliados que compatibilizaram as ideias da coligação entregues à candidata petista, até duvida que a ameaça à democracia exista. Assegura que é para valer e tem classificação prioritária um dos 13 itens do projeto conjunto, o que firma o compromisso com as liberdades democráticas.
"O que vale, na vida democrática, é você partir do pressuposto que existe dissenso. O consenso é uma utopia autoritária. Todo mundo não pensa igual", diz o deputado que, no momento, trabalha em Estados onde o PMDB está dividido para haver o mínimo de defecções na inédita união partidária em torno dos candidatos Dilma Rousseff e Michel Temer (PMDB).
Diz, sobre a pregação de José Dirceu (que, de resto, resume as posições do partido contra a imprensa), não ter a menor dúvida que é uma opinião isolada da qual não compartilham a candidata, nem a maioria das pessoas que estão na campanha, nem refletem o pensamento dos partidos que a apoiam.
"Sobretudo o PMDB. O nosso legado, a nossa luta, a luta de uma geração inteira foi exatamente por liberdade: liberdade de imprensa, de organização, de expressão. Não vamos agora cuspir na nossa biografia".
Moreira Franco argumenta que o PMDB tem posição clara quanto à democracia, fez um programa consistente, com compromissos bem definidos em relação aos temas polêmicos, entregou-o à candidata publicamente, discutiu-o publicamente. "Adotamos a atitude mais transparente, até contundente".
O PMDB espera fazer de 95 a 100 deputados e a maior bancada de senadores. Crê o coordenador do programa que, após a eleição, o partido seguirá unido, mas não haverá necessidade de mediar nada, como não há razão para antecipar a busca do equilíbrio. "Todos os indicativos que tenho são de que a Dilma tem compromissos democráticos muito claros, ela tem uma biografia comprometida com esses valores, ela reiterou para nós, várias vezes, que esses são os compromissos de vida dela".
O PMDB, diz o coordenador, está vendo as ameaças do momento sem inquietação, mais como discurso, que não exigem mobilização, ainda. Mesmo com o fim da campanha chegando e tornando-se real a possibilidade de as ameaças ultrapassarem a fronteira da retórica.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Humberto, hoje no Jornal do Commercio (PE)


Peso da corrupção

Peso da corrupção
Miriam Leitão - O GLOBO - 22/09/10
É evidente que houve um aumento da corrupção no governo. Houve um momento em que era comum dizer que o rigor da apuração dava a impressão de mais corrupção. Agora, é difícil esconder. O caso Erenice traz sinais inquietantes.
Um deles é a sem-cerimônia com que uma família no coração do governo se espalhou em lobbies, nepotismo, conflitos de interesse.
Cinco anos depois do mensalão, e já sabedores de que alguns dos suspeitos de 2005 hoje respondem a processo no Supremo Tribunal Federal, os integrantes do grupo em torno da ex-ministrachefe da Casa Civil faziam seus negócios. Mesmo que se desconsiderem todos os pontos ainda obscuros ou inconsistentes, ainda assim, o que resta é prova clara de que há uma sensação de impunidade no governo.
O ano de 2005 ficará como marco de uma fronteira, e ela não é boa. Naquele ano, após as longas noites que os cidadãos ficaram de vigília acompanhando as estarrecedoras confissões e depoimentos dos responsáveis pelo caso do mensalão, o país tinha dois caminhos: encobrir ou enfrentar. Escolheu o pior. O melhor seria ter debatido a construção dos mecanismos de proteção da sociedade brasileira contra a repetição dos mesmos eventos.
O que acabou prevalecendo foi o caminho das versões mutantes do presidente da República, que saiu do “fui traído”, para a versão mais conveniente que é a de dizer que é vítima da “elite”.
O Brasil está num momento importante da sua história.
Venceu vários obstáculos, fez reformas modernizantes, estabilizou a economia e começa a incluir os que estavam à margem do progresso. Isso foi feito por governos diferentes. Somos considerados no mundo um caso de sucesso, temos algumas vantagens em relação aos concorrentes, podemos atrair capital que financie o nosso desenvolvimento.
A corrupção, no entanto, é um entrave político e econômico.
Na política, por óbvio.
A qualidade das instituições está se deteriorando.
Depois do deprimente espetáculo de políticos da base recebendo dinheiro distribuído por um fornecedor do governo, do escatológico dinheiro na cueca, o país não melhorou. Novos escândalos surgiram. No Executivo e no Congresso. O caso do DEM de Brasília, por ter sido tão bem documentado, deixou nas retinas as imagens da corrupção em mãos, meias, paletós, sacolas e bolsas. O resto é um certo cansaço do cidadão, como se tudo isso fizesse parte da paisagem.
Outra forma de distorção é o uso abusivo da máquina pública para fins partidários.
A saída do governo, para fugir da acusação de crime político de espionagem de adversários, foi a de rebaixar uma instituição como a Receita a uma recorrente praticante de crime comum.
A compra de dossiê forjado para combater adversários foi banalizada, depois que nada aconteceu com pessoas do comitê de campanha do presidente da República em 2006, que foram apanhadas com a extravagante quantia de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo.
O rebaixamento dos padrões morais e a repetição produzem descrença no cidadão.
Parece um filme visto e revisto. As autoridades afirmam nada saber e invocam o princípio jurídico da dúvida em favor do réu.
Que ninguém duvide que esse princípio é fundamental.
Mas está na hora de alguém invocar um princípio que proteja a vítima da repetição incessante dos desvios do dinheiro coletivo.
Na economia, os reflexos não são menos corrosivos.
Aumentam custos, induzem à ineficiência. Como o grande mercado de qualquer economia é o de compras governamentais de mercadorias e serviços, e como é o setor público que distribui licenças de operação de serviços, todas as empresas se organizam na lógica da corrupção. Em vez de buscar a eficiência, se esforçar por uma tecnologia ou um processo de produção mais barato para ganhar a licitação, é muito mais lucrativo recrutar quem sabe entregar o envelope à pessoa certa. Os funcionários das empresas que sabem aumentar a eficiência, reduzir o custo ou promover o salto tecnológico do produto a ser vendido ao Estado têm menos importância do que os que conhecem corredores, gavetas, bolsos ou contas bancárias das pessoas certas.
Dessa forma, cria-se um ambiente de contágio mútuo, um círculo vicioso. Quanto mais a empresa corrompe, mais o Estado é corrompido.
Quanto mais o Estado é corrompido, mais qualquer negócio com ele só pode ser feito mediante o pagamento por fora. Quanto mais se paga propina, mais o serviço encarece e perde qualidade.
Quanto mais avança esse processo, mais se criam privilégios e cartórios.
Num país assim, os melhores investidores não entram.
O risco e o grau de incerteza crescem. O país passa a atrair investidores que sabem jogar o mesmo jogo e isso acaba contaminando também o capital externo que entra.
A corrupção tem de ser vencida, porque é um obstáculo ao progresso político, econômico e institucional.
Mas essa grave barreira ao nosso futuro é discutida aos espasmos, a cada novo escândalo. A solução não é pregar o moralismo que já nos levou a outros descaminhos.
A solução sempre será prestação de contas, transparência e punição.

Em breve no dicionário

Em breve no dicionário
RUY CASTRO - FOLHA DE SÃO PAULO - 22/09/10
O taxista fala pelo rádio com a central e diz que está “tripulado”. Ou seja, tem um passageiro. É um conteúdo novo para o verbo tripular, que, até há pouco, nos dicionários, significava “prover um veículo do pessoal necessário para os serviços e manobras”. Donde bastaria ao táxi ter um motorista para estar tripulado. Essa inversão de sentido é até divertida.
Outro dia, no aeroporto de Congonhas, o sistema de som anunciou que, como o Santos Dumont estava fechado para pouso, meu avião iria “divergir” para o Galeão. Estranhei, mas, pensando melhor, concluí: Está certo. Divergir é afastar-se progressivamente, desviar-se – e só depois discordar, dissentir.
Mas confesso que embatuquei quando a companhia aérea informou que os voos xis e ipsilone seriam “fusionados” – fundidos num só. Em casa, fui ao dicionário e aprendi: fusionar existe, e é o mesmo que fundir. Então, ótimo: divergir e fusionar não estão errados. São apenas pernósticos. Não tão pernósticos, claro, quanto dizer que a estrada tal é “pedagiada” – ou seja, cobra pedágio.
Bem ou mal, a língua não para, e velhas palavras ganham sangue novo segundo a necessidade. “Aparelho”, por exemplo, sempre foi um engenho, utensílio ou peça para determinado fim. E “aparelhar”, a disposição desse objeto para uso. Em outros tempos, no entanto, “aparelho” foi também um local destinado a esconderijo ou ponto de reuniões de um grupo clandestino.
Pois temos agora, derivado dele, o novo verbo “aparelhar”: a tomada de órgãos do Estado por um grupo político-ideológico, sem preocupação com a qualificação técnica dos nomeados para geri-los e com a consequente (e já visível) deterioração de seus serviços. Exemplos disso, por enquanto, são os Correios, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Receita Federal e a Casa Civil. Em breve num dicionário perto de você.

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