segunda-feira, março 28, 2011

O cadafalso sob Roger Agnelli


O cadafalso sob Roger Agnelli
Leonardo Souza. Com Marcos Coronato e Leopoldo Mateus – Revista ÉPOCA
O executivo e seu time transformaram a Vale numa máquina de fazer dinheiro – apenas para perceber que a empresa continua sob o jugo do governo

SUPEREXECUTIVO
Roger Agnelli, diretor presidente da Vale desde 2001.
 

– Roger, espera! Este é um assunto de acionistas. E está sendo tratado por nós, acionistas.
Com o braço direito estendido e a mão espalmada, Ricardo Flores, presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ, dirigiu a frase em novembro passado a ninguém menos que o diretor presidente da maior exportadora do Brasil, a Vale. Falou num tom de voz sereno, mas incisivo. O palco era a reunião do Conselho de Administração da empresa. Testemunharam a cena, não sem algum mal-estar, todos os representantes dos acionistas. O alvo era ele mesmo: Roger Agnelli, o executivo que, num período de dez anos, transformou uma antiga estatal depauperada na segunda maior mineradora do mundo e num dos símbolos da ascensão brasileira nos mercados globais.
O episódio revela como a situação de Agnelli no comando da Vale ficou insustentável. Antes visto como uma espécie de monarca absoluto na condução da mineradora, seu poder vem sendo desafiado seguidamente nos últimos meses por pessoas ligadas ao governo federal. Há pouco mais de uma semana, segundo noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, foi até o Bradesco informar que o Palácio do Planalto pretende substituir Agnelli em breve. Foi o Bradesco que, como acionista, indicou aquele que em 2001 era um de seus executivos mais promissores para presidir a Vale – e, desde então, sempre deu respaldo a sua gestão.
Nos últimos tempos, porém, os sinais que partem do banco não são animadores para Agnelli. Seus constantes choques com o governo Lula e com o PT não foram bem recebidos no Bradesco, onde impera uma cultura de relação discreta com a política. Na última sexta-feira, o jornal O Globo publicou em seu site que o banco já concordara com a saída de Agnelli. Em nota, Agnelli disse que não se envolve em questões políticas: “A decisão sobre a escolha do diretor presidente da Vale compete exclusivamente aos acionistas controladores da empresa. O que tenho feito nos últimos dias é o mesmo que fiz ao longo de toda a minha carreira: trabalhar. Não tenho envolvimento com qualquer questão política relativa a este assunto”. A depender dos planos da presidente Dilma Rousseff, expressos na atitude de Mantega, Agnelli deverá deixar a empresa em maio, ao final de seu mandato.
Se isso acontecer, será o fim daquela que talvez possa ser considerada a mais bem-sucedida gestão de uma estatal privatizada no Brasil. Na era Agnelli, as vendas da Vale foram multiplicadas por dez (de US$ 4 bilhões, em 2001, para US$ 46,4 bilhões, em 2010). A companhia se consolidou como a maior produtora global de minério de ferro e a segunda maior mineradora do mundo. A estratégia de expansão adotada por Agnelli levou a Vale a comprar outras empresas – como a canadense Inco e a Fosfértil – e a entrar em novos países e mercados – de ferrovias ao carvão, do níquel à petroquímica. Ele soube, acima de tudo, tirar proveito da demanda chinesa e adotou uma política agressiva de preços, que estabeleceu um novo patamar no mercado global de ferro. As ações da Vale registraram na gestão Agnelli uma valorização de 1.583%. Quem aplicou R$ 1.000 na Vale na posse de Agnelli, no dia 1º de julho de 2001, tinha na última quarta-feira R$ 16.829.
PRÓ E CONTRA
Ricardo Flores, da Previ, e Carla Grasso, diretora executiva da Vale. Ele representa os interesses do governo; ela é fiel escudeira de Agnelli
Diante desses fatos e números, uma pergunta se impõe: por que o Planalto quer sacá-lo da presidência da empresa? A resposta envolve características singulares de Agnelli como administrador e uma sequência de brigas e maquinações corporativas. Na mesma velocidade com que imprimiu um notável desempenho à Vale, Agnelli acumulou inimizades e um desgaste considerável dentro e fora da empresa. Nas últimas duas semanas, a reportagem de ÉPOCA ouviu diversas pessoas ligadas direta ou indiretamente à Vale para reconstituir os motivos da atual fragilidade da gestão Agnelli.
A Vale é uma corporação com características peculiares. Mesmo tendo sido privatizada, o governo ainda exerce uma enorme influência na empresa. Juntos, a Previ, outros fundos de pensão de estatais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) detêm 61% da Valepar, corporação que controla a mineradora (o bloco de controle é formado por Previ, Bradesco, BNDES e pelo conglomerado japonês Mitsui). Segundo o acordo de acionistas da Vale, a presidência do Conselho é ocupada pelo presidente da Previ – um colosso com R$ 150 bilhões de patrimônio. A presidência executiva, que comanda o dia a dia da empresa, é exercida por Agnelli.
Em virtude dessa natureza híbrida, a gestão de Agnelli foi marcada por diversos conflitos com interesses do governo. Os casos mais conhecidos foram as demissões na empresa durante a crise de 2008 e a divergência sobre o destino de alguns investimentos, que o governo Lula desejava dirigir para regiões ou setores que lhe interessavam agradar. Como em qualquer companhia de capital aberto, esse tipo de conflito entre acionistas deveria ser arbitrado pelo Conselho de Administração, que funciona como uma espécie de “câmara superior”. Toda decisão de peso, como grandes investimentos e eventuais aquisições de concorrentes, precisa ser submetida a ele pela diretoria executiva. Até o ano passado, porém, Agnelli não dava muita atenção a essa hierarquia. Na prática, era ele próprio quem conduzia as reuniões do Conselho. Em muitos casos, temas delicados eram encaminhados aos sócios com poucos dias de antecedência. Quando o diretor financeiro Fabio Barbosa – um dos executivos mais importantes da companhia – foi substituído, no ano passado, os executivos e os conselheiros só ficaram sabendo por um e-mail seco, enviado no meio do jogo entre Brasil e Portugal na Copa da África do Sul. No dia seguinte, o então presidente do Conselho, Sergio Rosa, e um representante do Bradesco no Conselho declararam ao jornal Valor Econômico ter sido surpreendidos.
Na reunião de novembro passado, os conselheiros abordaram de forma indireta a postura de Agnelli diante da “câmara superior”. Por iniciativa de Ricardo Flores, em sua primeira reunião como presidente do Conselho, um dos itens da pauta foi o exíguo tempo que a diretoria costumava dar aos conselheiros para analisar assuntos relevantes. Nesse ponto, Agnelli se exaltou e contestou as críticas. Foi aí que Flores o interrompeu e disse que o assunto era da alçada dos acionistas. Agnelli não retrucou. “O clima entre os dois é ótimo, não teve briga nenhuma”, diz Fábio Spina, diretor global de assuntos institucionais e jurídicos da Vale. “Ele pode até ter levantado o braço e dito algo como: ‘Espera aí, deixa eu concluir’. Mas ele não disse nada que era assunto de acionistas, ele nunca trataria o Roger dessa forma.” Para outros participantes do encontro, porém, houve uma mensagem clara no gesto de Flores: na administração de Dilma, quem vai mandar na Vale é o governo.
Depois de uma longa lua de mel com o governo Lula – a Vale pagou até a reforma do Palácio da Alvorada –, o desgaste de Agnelli com o ex-presidente e o PT começou em dezembro de 2008. Assustada com a dimensão da crise internacional e com a queda nas exportações, a diretoria da Vale decidiu demitir 1.200 funcionários. Lula reclamou da atitude da empresa e de sua diretoria. Alguns meses depois, em abril de 2009, outro fato estremeceu ainda mais a relação entre Agnelli e o governo. Naquele mês, Demian Fiocca, executivo ligado ao ministro Mantega e ex-presidente do BNDES, foi demitido da diretoria de Sustentabilidade da Vale sem explicações.
A partir dali, Lula começou a fazer insinuações de que a Vale não era tão bem gerida quanto Agnelli alardeava. Deu a entender que a mineradora perdia dinheiro ao não enriquecer seu principal produto, o minério de ferro, antes de vendê-lo. Lula passou a defender publicamente a ideia de que a Vale investisse em siderurgia. Seu objetivo era que Agnelli criasse uma siderúrgica no Pará, como compensação pela extração do minério de ferro de Carajás. Depois de resistir, Agnelli – contra o parecer da área financeira da Vale – acabou cedendo à pressão. Mas as obras da siderúrgica nunca foram prioridade em sua gestão.
O empresário Eike Batista tornou-se parte do jogo.
Disse ver na Vale “diamantes não polidos”
No mesmo período, outro personagem também se tornaria adversário de Agnelli. Havia insinuações de que o empresário Eike Batista, o mais rico do Brasil, queria comprar a Vale. Eike afirmou que gostaria de ver Sergio Rosa, então presidente da Previ, no comando da empresa. “A Vale poderia fazer investimentos para agregar valor aos produtos que exporta. Olhando de fora, enxergo na Vale diamantes não polidos a rodo”, disse.
No final do ano passado, a relação com o governo parecia ter melhorado. Agnelli convidou Lula para discutir, a portas fechadas, o cronograma de investimentos que permitiu à Vale ampliar em 12% seu quadro de funcionários. Mas a trégua não durou. Neste mês, já no governo Dilma, o Ministério de Minas e Energia cobrou o pagamento de R$ 4 bilhões em royalties da Vale pela exploração do solo em municípios de Minas Gerais e do Pará.
Meses antes do entrevero com Flores na reunião do Conselho, Agnelli já tivera um embate indireto com seu antecessor na presidência da Previ, Sergio Rosa. Em fevereiro de 2010, o Conselho recebera uma carta anônima com denúncias de tráfico de influência na Vale. O acusado era o então diretor de Projetos de Capital e Sustentabilidade, Guto Quintella, homem de confiança de Agnelli. O caso fora encaminhado na ocasião à auditoria da Vale, subordinada ao Conselho. Dizia a denúncia que Guto teria beneficiado a empresa de seu irmão, o empresário Wilson Quintella, num contrato com a Vale na área de reciclagem de lixo.
A empresa de Wilson, a Estre Ambiental, é a maior do país no setor de gestão de lixo. A investigação, conduzida pela auditoria, copiou todos os e-mails enviados e recebidos por Guto a partir de seu endereço eletrônico na Vale. Numa das mensagens, Guto pedia à então diretora de Energia da empresa, Vânia Sommavila, que recebesse seu irmão. Dias depois, o encontro entre os dois ocorreu.
DESENTENDIMENTOS
A publicitária Bia Aydar (acima), Sergio Rosa, ex-presidente da Previ (à dir.), e Guto Quintella, ex-diretor da Vale. Bia e Rosa se desentenderam com Agnelli. Quintella virou alvo na briga com o governo
Procurado por ÉPOCA, Guto confirmou a história, mas negou que tenha se tratado de tráfico de influência. “Não houve nada de ilegal ou irregular. Tentaram fazer barulho com esse caso para atingir o Roger”, diz ele. Guto afirma, ainda, que nenhum contrato entre a empresa de seu irmão e a Vale foi assinado. “A Vale tem regras de contratação”, diz Spina, o diretor jurídico. “É quase como uma licitação pública. Eu não faria isso (apresentar o irmão), mas não vejo nada de errado. Se ele dissesse: ‘Contrata ela, pula as regras de licitação’, aí sim seria grave.” Segundo Guto, a Estre, empresa cujo faturamento anual é superior a R$ 800 milhões, já fechara um contrato para a reciclagem de lixo com a australiana BHP Billiton, concorrente da Vale. Guto diz que, por isso, sugeriu o contato com a Estre. De acordo com ele, o contrato não foi adiante porque a Estre desistiu. A auditoria da Vale chegou a outra conclusão. Entendeu que a postura de Guto configurou uma tentativa de tráfico de influência. Guto afirma em seu favor que, apesar de a auditoria ter acabado em março, ele só deixou a Vale em dezembro.
Guto só não perdeu o cargo na ocasião porque Agnelli comprou uma briga em seu nome. Agnelli teve um duro embate com a equipe de auditoria, alegando perseguição a Guto. A interlocutores próximos, Agnelli dizia que se tratava de um ataque a ele promovido por Rosa. Para integrantes do governo, Agnelli tentou encobrir um comportamento suspeito de um apadrinhado seu. Para representantes da empresa, o caso é trivial. “Essas coisas são tão bobas, tão corriqueiras que comprovam não haver nada a criticar na gestão atual”, diz Spina. “Não há nada para falar de performance, de orientação para resultados.”
Agnelli é um executivo capaz de cativar seus interlocutores com seu dinamismo e um tom de voz de simplicidade interiorana. Como executivo, tem um perfil agressivo – e não disfarça sua fama de arrogante e centralizador. Teve desentendimentos com diversos diretores – e vários saíram da Vale nos últimos anos, entre os quais nomes bem cotados no mercado (além do ex-diretor financeiro Fabio Barbosa, Gabriel Stoliar, Guilherme Laager e José Lancaster). Ele criou também uma teia de relacionamentos que se estende por ícones da comunidade internacional de negócios – e inclui do bilionário americano Bill Gates ao magnata indiano do aço Lakshimi Mittal. Aos 51 anos, faz parte da elite global dos executivos.
Parte do incômodo que ele gera no PT está ligada ao sucesso da Vale depois da privatização, um anátema para o partido. Outra parte está sem dúvida ligada às origens políticas de alguns de seus principais executivos. Guto Quintella sempre foi visto como um nome com bom trânsito no PMDB de Renan Calheiros. Barbosa foi secretário do Tesouro na gestão FHC. E ninguém se destaca tanto ao despertar a ira petista quanto a diretora Carla Grasso, que acumula as áreas de serviços compartilhados, compras, recursos humanos e tecnologia da informação – e se tornou uma espécie de braço direito de Agnelli. Carla é ex-mulher de Paulo Renato Souza, ministro da Educação no governo FHC, em que ela ocupou o cargo de secretária de Previdência Complementar. Carla entrou na Vale depois da privatização e comandou o enxugamento que deu maior eficiência à empresa.
RIQUEZA COBIÇADA
Mineração de ferro da Vale no Complexo de Carajás, no Pará. A companhia, considerada globalmente estratégica, foi envolvida na rede de interesses do governo
Partiu de Carla, no ano passado, a ruptura unilateral de um contrato de publicidade que chamou a atenção de integrantes do governo e chegou ao Planalto. Trata-se de um contrato com a agência de publicidade MPM, que cobria toda a campanha publicitária da companhia em Minas Gerais, incluindo anúncios na TV, em jornais e revistas. O contrato perdurou por cinco anos e oito meses, período em que a MPM recebeu da Vale R$ 38 milhões. No final do primeiro trimestre do ano passado, a área de Segurança Empresarial, dirigida por Ricardo Gruba, fez uma análise minuciosa dos serviços prestados pela MPM. Concluiu que havia divergências entre o objeto do contrato e o que foi entregue pela agência. Em outras palavras, levantou a suspeita de que os serviços pagos pela Vale não haviam sido devidamente prestados pela MPM.
A responsável pelo contrato era a publicitária Bia Aydar. Em dezembro de 2009, ela deixou a sociedade na MPM e, por consequência, a campanha para a Vale. A área de Segurança Empresarial é subordinada a Carla. Após a análise feita pela equipe de Gruba, Carla teve uma reunião na sede da Vale com um dos sócios da MPM, Rui Rodrigues. Com base no trabalho, Carla questionou Rui sobre os serviços que não teriam sido prestados corretamente. Rui argumentou que a responsável pelo contrato era Bia e que somente ela poderia dar explicações melhores. Bia não compareceu a esse encontro porque estava de cama, com dengue.
Uma semana depois, Rui voltou à Vale, acompanhado de Bia e de outro sócio do grupo ABC, controlador da MPM, Guga Valente. Gruba também participou da reunião. O tom do encontro foi tenso, sobretudo entre Bia e Carla. Bia argumentou que todos na Vale conheciam aquele contrato – inclusive Carla e Agnelli – e que era um absurdo levantar suspeitas sobre a prestação dos serviços. Bia afirmou a Carla que estava afastada da MPM, que não tinha mais responsabilidade pelo contrato e que também nunca mais botaria os pés na Vale. Depois desse dia, Bia e Carla, que mantinham boa relação, não se falaram mais.
Procurada por ÉPOCA, Bia não negou o episódio, mas disse que não poderia falar sobre o assunto, pois não tinha mais vínculo com a MPM. Por meio de sua assessoria, Guga informou que não se manifestaria. Por e-mail, Carla afirmou que “a Vale mantém um rigoroso acompanhamento de todos os seus contratos” e que “vários distratos são feitos diariamente entre a Vale e seus milhares de fornecedores”. Em relação às perguntas feitas pela reportagem sobre sua discussão com Bia, ela respondeu que se trata de um “emaranhado de conjecturas e especulações sem sentido”. Apesar do que teria dito a Carla, Bia voltou a pôr os pés na Vale. Ela repetiu a Agnelli que as suspeitas contra a MPM não tinham fundamento. Bia e Agnelli ainda se falam.
Os movimentos públicos do governo para tirar Agnelli da Vale causaram indignação na cúpula da empresa. Ao longo da semana, diretores nos três níveis da hierarquia começaram a articular um movimento de demissão em massa, em repúdio ao que chamam de “intervenção estatal” na mineradora. Na Vale não há vice-presidente. Abaixo de Agnelli estão os diretores executivos. Em seguida, os diretores globais (a Vale está presente hoje em 38 países). Por último, os diretores de departamento. Segundo executivos da companhia ouvidos por ÉPOCA, cerca de 30 diretores já teriam manifestado intenção de deixar a empresa. Alguns cogitaram passar a usar uma faixa preta no braço, em sinal de luto. Eles começaram a chamar a ação do governo de “venezuelização” da Vale, numa referência ao estatismo do presidente Hugo Chávez.
A operação do governo para apear Agnelli do comando da mineradora não deve ser simples. De acordo com porta-vozes da Vale, os 61% do capital da Valepar nas mãos de Previ, fundos de pensão e BNDES não são suficientes para isso. Pelo acordo de acionistas, diz a assessoria da empresa, a troca exige pelo menos 75% do capital controlador. O governo necessitaria, portanto, do apoio de pelo menos um dos outros dois sócios para substituir Agnelli. A Bradespar, do Bradesco, detém 21,3% do controle; e o grupo japonês Mitsui, 18,24%. Ainda que consiga esse apoio, há outro complicador para os planos do Planalto. O acordo de acionistas exige que mudanças na diretoria executiva respeitem um ritual. Primeiro, a companhia precisa contratar uma empresa internacional de seleção de executivos (head hunting). Essa empresa, então, apresenta uma lista com três nomes. A relação tem de ser incluída na pauta da reunião do Conselho, a quem cabe a escolha de um dos nomes. E esse assunto não consta da próxima pauta do Conselho, marcada para o dia 31.
A situação de Agnelli está longe, muito longe de ser confortável. No final do ano passado, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, quando já se falava em sua substituição, ele afirmou ao jornal O Globo: “Tem muita gente procurando uma cadeira. E é geralmente gente do PT”. Nas próximas semanas, as ações do governo para substituí-lo dirão se – e quanto – ele estava certo.

Um povo heroico - Lya Luft


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A interferência do Estado no mundo dos negócios


A interferência do Estado no mundo dos negócios
Carta do diretor de redação Helio Gurovitz – Revista ÉPOCA
A gestão do executivo Roger Agnelli no comando da Vale, a maior produtora de minério de ferro e segunda maior mineradora do mundo, sempre foi vista com reserva nas hostes petistas. Numa trajetória de sucesso indiscutível, Agnelli pegou a Vale recém-privatizada e, com uma gestão moderna e arrojada, transformou-a num colosso global. Para o PT, partido que sempre combateu as privatizações e nunca escondeu sua resistência à livre ação do capital privado, o êxito da Vale representa um incômodo contraexemplo. Sob Agnelli, a empresa cresceu como nunca, gerou empregos como nunca e deu a uma corporação brasileira um status – como reza o bordão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – “nunca antes visto neste país”. A Vale foi, para desespero do PT, a privatização que deu certo.
Exceto por um detalhe: apesar de, no papel, ser uma empresa privada, a Vale nunca esteve imune à influência nem à interferência de grupos políticos. Agnelli teve vários embates – em público ou reservadamente – com o governo Lula. E o governo petista sempre se sentiu autorizado a palpitar na gestão da Vale em virtude do intrincado acordo de acionistas, que, na prática, confere ao Palácio do Planalto o controle do capital da empresa. A Vale também sempre manteve executivos associados a outros partidos e cultivou uma teia complexa de interesses, situada na fronteira entre os negócios e a política.
Companhia privada sob controle estatal, a Vale é um animal corporativo só encontrado nos países com forte presença do Estado na economia, como França ou Rússia. Os resultados dessa fauna empresarial para esses países têm sido, numa leitura benevolente, ambíguos. Enquanto a empresa tem a liberdade para crescer movida por suas próprias forças – regime que, apesar das pressões, Agnelli tem conseguido imprimir à Vale –, o benefício é claro. No momento em que o governo decide que ela tem de subordinar seus negócios aos interesses do Estado, quando não à mera ingerência política, o país sai perdendo.
O governo Dilma já deu sinais de que pretende usar seu poder para trocar o comando da Vale e pôr fim à gestão Agnelli. Em sua reportagem de estreia em ÉPOCA, o novo diretor da Sucursal do Rio de Janeiro, Leonardo Souza, investiga como a situação de Agnelli, cujo contrato expirará em maio, ficou mais frágil nos últimos meses. Produzida com a garra de um repórter agraciado com dois prêmios Esso no ano passado, a narrativa revela casos inéditos que demonstram essa fragilidade e analisa um quadro que, de acordo com Leonardo, se tornou “insustentável”. Para o próprio Agnelli, talvez tenha mesmo chegado a hora de sair. Mas será muito difícil que o governo consiga pôr na liderança da Vale um executivo tão competente quanto ele.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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