domingo, setembro 05, 2010

Afinal, quem é que manda?

Afinal, quem é que manda?

Eliane Cantanhêde - FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O presidente da República é alertado por um presidenciável de oposição de que a Receita quebrou com intuito político o sigilo fiscal da sua filha, que corre solto nos blogs do PT. O presidente dá de ombros: "Não sou censor".
O ministro da Fazenda acha desagradável quebrarem o sigilo fiscal da filha de um candidato e de dirigentes tucanos, mas... "Vazamento sempre ocorreu", conforma-se.
O presidente do PT não sabe, não viu e não confirma a informação oficial de que o autor da procuração grosseiramente falsificada com o nome da filha do oposicionista era filiado ao PT desde 2003. "Não muda nada", decreta.
Quem faz o serviço sujo para a campanha petista na internet já tem um culpado: Aécio! É ridículo, como se esses tucanos e esse Aécio é que vivessem fazendo dossiês e usando o aparelho de Estado para violar o sigilo dos outros.
Dois dias de TV são insuficientes para detectar o impacto do escândalo na campanha, mas, com a eleição cristalizada em 50% para Dilma, 28% para Serra e a margem de seis pontos para a eleição fechar no primeiro turno, é bom todo mundo ficar esperto quanto a métodos, discurso e marketing do grupo que pode ficar 20 anos no poder.
Como convém ficar de olho na pauta do governo Lula nos três meses entre a eleição e a troca de cadeira. Os caças Rafale esquentam as turbinas nos hangares franceses, Cesare Battisti arruma as malas para sair da cadeia e se instalar de vez no Brasil, e não será surpresa se Lula aproveitar o fim do seu governo para dar as más notícias (como o ajuste fiscal), deixando Dilma mais livre para dar as boas.
Mesmo assim, não será fácil. Lula não gastou um tico de popularidade para enfrentar questões fundamentais para o país, mas geradoras de atrito, como ética pública, aloprados, oligarquias e as reformas tributária e política. Ou ele começa já ou vai cair tudo na cabeça de Dilma ou de qualquer que seja o sucessor a partir do ano que vem.

Amorim

A nova classe média

A nova classe média

VIVIANE MEDEIROS CHAIA – O Globo

Dados do IBGE atestam o ingresso de 30 milhões de brasileiros na classe C, a chamada nova classe média, no período de 2003 a 2008. São pessoas que saíram da classe D a partir de um ganho real (acima da inflação) de renda do trabalho de 7,3% no período.
A nova classe média brasileira é composta por 52% da população economicamente ativa. São 92,8 milhões de pessoas, que compõem o contingente de trabalhadores com salário mensal variável entre R$ 1.115 e R$ 4.807. Ali se concentram 46% da renda nacional.
Esses 30 milhões de cidadãos recém-chegados à classe média (um terço do total) passaram a ter um novo padrão de vida, mensurável pelo acesso a novos produtos, serviços e bens imobiliários.
Eles se instalaram no meio da pirâmide social em consequência da política de estabilização econômica (Plano Real) e da ampliação de políticas de inclusão social no governo Lula.
Uma alteração dessa grandeza no perfil socioeconômico do país implica, numa reavaliação do comportamento político da sociedade. Isso porque a classe média é o extrato populacional mais sensível à pesada carga tributária e à má qualidade dos serviços públicos.
 Seu poder é o grito. Nas urnas.
A eleição deste ano acontece sob a influência dessa mudança no perfil socioeconômico do país. O peso específico dos recém-chegados à classe média, cujo padrão de vida melhorou, já é perceptível nas pesquisas de intenção de voto: os eleitores em ascensão na escala de mobilidade social tendem a dar seu voto a candidatos com propostas mais conservadoras — ou menos transformadoras. Os ditos radicais, como são percebidos os candidatos do PSOL, PSTU e PCO, por exemplo, não conseguem espaço real nesse eleitorado.
No máximo, obtêm simpatia.
A “nova classe média” é pragmática, apolítica (no sentido da participação equidistante do jogo político) e resistente a “leituras” engajadas, de viés ideológico, da cena brasileira. A maioria não participa sequer de movimentos organizados. Não costuma se preocupar com o passado (em temas como o período da ditadura, por exemplo), mas quer saber do futuro (em temas sociais e econômicos). Quer mesmo é saber qual candidato vai garantir a manutenção da sua mobilidade social, ou seja, as condições favoráveis à expansão de seu poder de consumo. Quer saber do acesso ao crédito, à moradia e à escola, inclusive à universidade. E quer dos candidatos a apresentação de garantias, não apenas promessas.
Trata-se de um conjunto de eleitores pragmáticos, racionais, distanciados da política cotidiana, e, sobretudo, exigentes, com sede de desenvolvimento individual.
São consumistas, sim, ansiosos por produtos aos quais antes, na classe D, não tinham acesso. Seu temor é a perda do emprego, trabalho e da renda crescente — a via de acesso ao elevador social. E isso é relevante. Tratase da motivação básica com a qual metade do eleitorado — concentrada nessa nova classe — vai às urnas.
É bom manter olhos presos nesse jovem eleitor dessa nova classe média, porque fará a diferença nas próximas eleições. Ele é um ator da globalização, via internet. Se os das classes A e B têm computador em casa, os da C frequentam lan houses. E este quer chegar onde o outro já está, a começar pelos símbolos, como as roupas de grife.
Os jovens da classe C (15 a 24 anos de idade) representam 19,8% da população nessa faixa de idade — somam 18 milhões, ou 8% dos cidadãos com direito a voto. Têm papel essencial na mudança do comportamento do eleitorado.
Hoje, 48% dos jovens — em algumas regiões até mais — decidem os hábitos de consumo dentro de casa. Influenciam a família porque têm mais acesso a informação. O nível de escolaridade da classe C ainda oscila entre baixo e médio, mas seus filhos — que somam 19,8% da classe — já podem ir à universidade. Significa que estarão no centro da influência ou da referência familiar nas eleições desta década.
É daí que virá o impulso de mudança na política. Com acesso à informação e melhor nível de escolaridade que seus pais, esse jovem já é um consumidor exigente e deve se tornar um eleitor cada vez mais exigente.
Os políticos ainda não conseguiram alcançá-lo. Mas é certo que propostas do tipo troca de voto por dentadura ou uma “boquinha” não vai conseguir seduzilos. Há indícios de fim do voto clientelista no horizonte. Ao menos da forma como conhecemos nos últimos 50 anos. Se duvidam, ponham na conta do meu otimismo, e aguardem.

Às favas com os direitos

Às favas com os direitos

Dora Kramer - O Estado de S. Paulo

Só pesquisas podem medir com alguma chance de precisão se um episódio como o da quebra reiterada de sigilo fiscal nas dependências da Receita Federal mexe com a sensibilidade do eleitorado ao ponto de fazer da preservação do Estado de Direito um dos fatores para definição de voto.
A primeira impressão é a de que não influi. Isso com base no peso que a população tem dado a questões como valores e princípios.
A ética foi enterrada como indigente. Em silêncio, sem choro nem vela e à grande maioria pouco se lhe dá se o Estado aumenta seu poder discricionário, invade privacidade, agride a Constituição, barbariza com o patrimônio público, usa, abusa e ainda sai dizendo que o que vem debaixo não o atinge.
Distorce a verdade para fazer o papel de vítima sabendo-se na condição de algoz.
Permite que o ministro da Fazenda assuma como normal a insegurança dos dados do contribuinte e, se alguém diz que isso é crime de responsabilidade, acusa "golpe eleitoral".
Enquanto isso os mais pobres se alegram em poder comprar, atribuindo a bonança à ação de um homem sem compreender que é resultado de um processo; os mais ricos não querem outra vida; os mais retrógrados nunca tiveram tanto cartaz; os mais à esquerda não perdem a esperança de vir a ter; os mais conscientes percebem algo fora do lugar, mas preferem se irritar porque não têm ao seu lado também um líder carismático e sem pudor.
Em um cenário assim desenhado, convenhamos, os valores que estão em jogo soam difusos para o grosso do eleitorado: os deveres do Estado e os direitos do cidadão.
Neste Brasil de tantas necessidades é provável que, se for posto na balança de um lado o crédito farto e de outro a liberdade parca, o prato penda a favor do consumo largo.
É um debate difícil de ser feito. Quase impossível em períodos eleitorais porque sempre haverá por parte dos acusados a alegação de que são injustamente atacados por adversários "desesperados", enquanto a essência da questão se perde: a invasão do espaço institucional por tropas de ocupação com interesses específicos. Ideológicos, fisiológicos ou simplesmente corruptos.
Sob a indiferença das vanguardas (onde?) e deixadas à mercê do poder da propaganda, as pessoas não conseguem ter a dimensão da gravidade.
Não atentam para o seguinte: o Estado que deixa sigilo ser quebrado, não se incomoda com propriedades privadas invadidas e insiste no controle dos meios de comunicação amanhã ou depois pode querer reduzir a liberdade alegando agir em prol do povo e do patriotismo como fator indispensável ao triunfo do Brasil.
Por isso é improvável que haja repercussão eleitoral. Se houver, terá sido por causa dos tropeções e das contradições do governo.
A naturalidade do ministro da Fazenda ao dizer que as informações do contribuinte não são invioláveis é tão escandalosa quanto a quebra de sigilo.
Nesse caso a urgência fez a imprudência. No afã de afastar de Dilma Rousseff as suspeitas de uso político da máquina pública, Guido Mantega informa ao público pagante que a Receita Federal e a casa da mãe joana são ambientes similares.

Uma confissão de incapacidade de prestar o serviço contratado pelo cidadão e a impossibilidade de cumprir a lei que se impõe a todos.
É a rendição do Estado à ação do crime.
A propósito, se era para dizer uma estultice dessa envergadura o ministro da Fazenda estava mais bem posicionado em sua omissão diante dos fatos.
Quórum. Dos 22.561 candidatos inscritos às eleições deste ano só 55 haviam se cadastrado no site ficha limpa.org.br até a tarde de sexta-feira.
Significa dizer que 0,24% dos concorrentes a mandatos se dispuseram a firmar compromisso com a Lei da Ficha Limpa e a semanalmente prestar contas sobre as doações e os gastos nas respectivas campanhas eleitorais, apresentando também declaração de que não são alvos de processos nem renunciaram a mandatos eletivos para evitar cassações.

Caso de política e não de polícia

Caso de política e não de polícia
Wilson Figueiredo - JORNAL DO BRASIL
HÁ DUAS SEMANAS o Brasil está diante de um episódio que não iria merecer atenção, nem desencadear a inquietação da cidadania, se não coincidisse com a etapa final de uma sucessão diante da qual a História pode lavar as mãos. Não lhe diz respeito o espetáculo.
Candidatos por um lado, cidadãos por outro. A Receita Federal tratou como acidente burocrático a violação do sigilo pessoal, cuja proteção é seu dever estrito e sem o qual, em qualquer democracia, a cidadania deixa de se exercer em sua plenitude.
Diante de um fato objetivo, da qual foi vítima a filha do candidato José Serra (à Presidência da República), e depois de uma investigação sigilosa, a Receita Federal proclamou a descoberta de um mercado em que informações podem ser adquiridas (ou vendidas) livremente, como se acrescentassem uma dimensão virtual à própria democracia.
Dizem que a degradação começou quando o secretário anterior da Receita foi trocado pelo atual, sob o véu protetor do eufemismo de atender a motivo de força maior, mas na verdade a serviço de razão inferior. No Brasil, a democracia se considera preparada para fazer eleições aperfeiçoadas pela contribuição eletrônica, mas ainda não melhorou os partidos políticos, nem convenceu os eleitores de que há outros motivos para recusarem preferência a candidatos que nada têm a ver com os princípios que citam e muito com os fins ocultos de que se valem. Lula não é convincente no papel de Pilatos, em que se especializou.
Os radicais já tomaram o pulso presidencial e estão se lixando.
Tudo começou na última troca de comando da Receia (o substituto se esqueceu de que, etimologicamente, secretário tem tudo a ver com segredo). É fato indiscutível que ocorreu uma vazão de irregularidades, muito superior ao que se poderia considerar acidente de trabalho. Daí a preocupação crescente com os fundamentos da democracia, no ponto crítico onde a sociedade e o Estado demarcam as respectivas autonomias. O petismo fez estoque de informações e, em épocas eleitorais, aplica-se ao trabalho subterrâneo de aproveitar o material utilizável em período de retração da ética. Quando nada, para retardar efeitos nocivos da normalidade democrática.
Antes que se recorresse à versão segundo a qual, em nome da economia de mercado, florescia no país um negócio de compra e venda de informações valiosas, mas sigilosas, o presidente Lula confirmou a impressão de estar perfeitamente a par do que se passou e vai continuar. Sempre há outro escândalo à espera de oportunidade para a vaga do anterior, do qual o cidadão desistiu por falta de resultado. A versão do sigilódromo, para diluir o prejuízo moral, foi politicamente desastrosa. Expôs a Receita à suspeita de que nada é acidental.
Dificilmente ela será a mesma depois que se assentar a espuma eleitoral deste escândalo, e o governo se der conta de que a cidadania não disfarça a indignação por ser tratada como personagem daquele pesadelo em terceira dimensão que George Orwell legou ao século 20 no seu profético 1984.

Kid Abelha - Como eu quero

SPONHOLZ

México distante

México distante
Gaudêncio Torquato - O Estado de S. Paulo

O tema volta a frequentar a mesa da polêmica: está em marcha um processo de mexicanização da política nacional? Uma eventual vitória da candidata governista em outubro aproximaria o Brasil da experiência que o México viveu do final dos anos 1920 ao final dos anos 1990, quando o PRI dominava o Estado e a sociedade? Por mais que se enxerguem motivos para acreditar nesse risco - aparelhamento intenso da estrutura do Estado, controle de máquinas sindicais e de movimentos sociais, esvaziamento de funções de órgãos de fiscalização -, há uma razão maior que derruba qualquer hipótese de "ditadura" do partido único: é o caráter multifacetado e polimorfo de nossa cultura política, que rejeita a ideia do poder exercido por um exclusivo protagonista. As possibilidades - reais - de controle total do Senado e da Câmara pelo Executivo, avocadas como sinais preocupantes por analistas da política, não são novidade no registro das relações entre os Poderes. Tem sido essa a rotina.
Basta lembrar o governo FHC, que contou com sólida maioria parlamentar para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição, barrou a abertura de CPI para apurar compra de votos, aprovou a quebra de monopólios estatais nas áreas de comunicação e petróleo, garantindo, enfim, o programa de estabilidade que marcou sua gestão. No ciclo da redemocratização, apenas Fernando Collor, por inabilidade, foi escorchado por um Congresso que acabou por afastá-lo do cargo. Até o governo Sarney, sufocado por uma inflação que subia às alturas, arrebanhou apoios necessários para abrigar pacotes experimentalistas no campo da moeda. Quanto ao futuro imediato, é bem provável que a base governista de hoje se expanda para além de 380 deputados e 50 senadores, o que, evidentemente, livraria o governo de surpresas desagradáveis, como a que Lula teve no Senado com a derrota da prorrogação da CPMF, em 2007.
Poderá ocorrer, no primeiro ciclo de eventual administração continuísta, o aprofundamento dos eixos do governismo, tendência a se manter na esteira do êxito da política econômica, cujos efeitos acabam se irradiando por todos os estratos. Portanto, a locomotiva econômica é que puxará o imenso trem governista e este se manterá nos trilhos até se esvaírem os altos índices de satisfação social. Assim, não é de todo improvável que, mais adiante, sob o empuxo de rombo nas contas públicas - contas externas, estouro da Previdência, despesas com funcionalismo -, sejam comprometidos os investimentos e desestruturadas as ações que propiciaram a inserção de milhões de brasileiros no mercado de consumo. Mesmo diante de perspectivas animadoras, como as que se projetam nas frentes do pré-sal e da energia, por exemplo, são poucos os que apostam no comportamento sempre ascendente da economia. As projeções apontam para altos e baixos, ao fluxo das idas e vindas provocadas pela intermitente crise internacional. E o Brasil, mesmo dispondo de imensas riquezas, não pode ser considerado uma ilha de segurança no meio do oceano revolto.
Sob esse espelho, a mexicanização da política só alcança o foro de debates por conta da eleição. Pois, como se pode aduzir, a gangorra econômica vem de encontro à ciclotimia política. Os atores escolhidos de nossa democracia, de eufóricos no primeiro instante, poderão, no segundo ou terceiro instantes, mudar de vontade. Gostam de usar, bem o sabemos, a capacidade de transitar no arco partidário. O nosso sistema de representação, por sua vez, dá-lhes o direito a reivindicar posições na estrutura do Estado, o que também contribui para eliminar a tese de transformação do PT em partido hegemônico, nos moldes do PRI. Outros aspectos de nossa cultura evidenciam a inviabilidade de um modelo vertical como o mexicano. Veja-se, por exemplo, a adoção da verticalização da propaganda partidária. Não demorou muito e a própria regra imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral - proibição de aparições de candidatos à Presidência em horários destinados a aliados regionais que são de partidos adversários na chapa nacional - foi derrubada por ele mesmo. A queda da verticalização veio atender ao menu da salada mista que se serve nos Estados e que é consumida por fiéis e infiéis partidários. Denota, ainda, a pasteurização política criada com o fermento de partidos assemelhados.
Considere-se, ainda, como fator de inibição de uma ordem única e autoritária a polaridade que certamente terá continuação em nosso sistema político. Ou alguém pensa que os partidos oposicionistas serão devastados pelo rolo compressor do governismo? E se o PSDB, por exemplo, continuar a governar São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores contingentes eleitorais do País? Não seria só isso mais uma demonstração de que o temido modelo mexicano é coisa fora de propósito? Descartada a hipótese, vejamos outras. A formação de poderosa bancada governista deixará, isso sim, o presidencialismo brasileiro mais robusto. Neste caso não há como discordar do pensamento que aponta para uma pauta legislativa sob supervisão direta do Executivo. Mas há razões para otimismo. Dois grandes compromissos foram assumidos pelo sistema governista, caso Dilma Rousseff seja bem-sucedida. O primeiro, firmado pela própria candidata, diz respeito à reforma tributária, com ênfase na desoneração da folha de salários e no incentivo aos investimentos. O segundo é a promessa de Lula de trabalhar com afinco pela reforma política.
E aqui se apresenta mais uma barreira ao tal modelo mexicano. Mesmo sob patrocínio de um Executivo forte, é difícil acreditar na aprovação das duas reformas centrais para a modernização do Estado e o aperfeiçoamento da democracia. O Congresso tem muitos filtros.

Cidadômetro

Cidadômetro
Merval Pereira – O Globo
 Nesses dias em que predomina a percepção de que estamos fragilizados como cidadãos, impotentes diante das seguidas demonstrações de que um órgão do Estado brasileiro como a Receita Federal, que deveria ser o guardião de dados pessoais de cada um dos contribuintes, está exposto à ação de quadrilhas que compram e vendem sigilo fiscal e, sobretudo, à manipulação política, vale a pena discutir o que é possível fazer para reforçar a cidadania contra a leniência (ou cumplicidade) do Estado.
O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem o site “A voz do cidadão”, onde põe em debate os direitos e os deveres de um cidadão, está planejando colocar em circulação pelas cidades do país o Cidadômetro, concebido como uma complementação do Impostômetro, que mede, em São Paulo, o quanto de impostos o cidadão paga, soma que vai bater R$ 1 trilhão antes do fim do ano.
Assim como o relógio que mede os impostos, localizado na Avenida Paulista, procura chamar a atenção do consumidor para o tamanho de nossa carga tributária, Maranhão quer fazer o que chama uma “medida de cidadania”, tanto no sentido de iniciativa quanto de mensuração propriamente dita.
O projeto procura levar o debate público para a rua, para o cidadão comum, estimulando a pluralidade de opinião. Uma espécie de “Ágora ambulante”, sonha Jorge Maranhão, referindo-se ao espaço público na Grécia Antiga, onde ocorriam discussões políticas e os tribunais populares.
A ideia é testar nas ruas se você é um cidadão tão exemplar quanto imagina.
Maranhão acha que o problema da Receita Federal “é exemplo do que acontece hoje na política brasileira, onde há um claro interesse corporativo que confunde instituições do Estado que devem servir mais aos cidadãos que pagam impostos, do que aos governantes”.
É preciso, segundo ele, entender que as instituições do Estado são perenes e que “ou se constrói a democracia com instituições fortes, ou vamos deixar espaço para que venha um tirano ocupa-lo, tanto faz se é de direita ou de esquerda”.
A própria reação dos governistas, que consideram que as quebras de sigilo fiscal ocorridas nas agências da Receita no ABC paulista não terão repercussão no eleitorado, já que a grande maioria dos eleitores nem mesmo declara o Imposto de Renda, é uma demonstração de como não se leva em conta os direitos dos cidadãos.
“O que estamos fazendo para aperfeiçoar as instituições, como a Receita Federal, para nos apropriarmos publicamente das instituições?”, pergunta Maranhão.
Ele lembra que até bem pouco tempo tínhamos “aquele sensato temor em relação à Receita Federal, à Polícia Federal, que eram vistas como instituições sérias, as famosas ‘carreiras’ do Estado”.
Hoje, o temor saudável transformou-se em receio de que essas mesmas instituições abusem de seus poderes contra qualquer cidadão que seja considerado um “adversário”.
Ou que elas estejam a serviço de interesses privados criminosos, quebrando sigilos fiscais com fins comerciais ou grampeando conversas telefônicas.
Maranhão está convencido, no entanto, de que a opinião pública brasileira hoje quer mais questionar e perguntar do que “ouvir a empulhação das autoridades”.
As afirmações das autoridades nesse caso da Receita não são de políticas públicas, mas de governo. Jorge Maranhão dá o processo de construção da Lei da Ficha Limpa como um exemplo de atuação da cidadania, que interferiu objetivamente na vida política nacional.
Ele se engajou na campanha da Ficha Limpa, colocando sua ONG A Voz do Cidadão ao lado de outras 50 ONGs, entidades e movimentos que atuaram formando o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
“Conseguimos superar barreiras corporativas dentro do Congresso Nacional, fomos inicialmente recebidos a pedradas”, lembra Maranhão.
Para ele, não é apenas a cidadania que é um valor corrompido no Brasil. São todos os valores. “A questão brasileira não é a corrupção política, mas a corrupção dos valores.” Isso gera a confusão do público com o privado, do Estado com os programas de governo. O Cidadômetro pretende sair pelas ruas das cidades — inicialmente no Rio de Janeiro — para perguntar ao cidadão comum: “Você transforma sua indignação em uma arma de engajamento?”; “Você ocupa a calçada com seu carro, mas não gosta que o camelô ocupe a calçada?” A Voz do Cidadão definiu três tipos de cidadão: o “solidário”, que deseja participar, mas o faz mais por caridade, convicção moral ou espírito humanitário do que imbuído de uma plena consciência de seu papel na sociedade. O “consciente”, que sabe o seu papel na sociedade e tem posição crítica em relação a governantes, gestores públicos e políticos, mas não passa disso e acha que tudo se resolve com o Estado. E o “atuante”, que, com base na percepção crítica que o cerca, não só pensa como age em direção à cobrança de resultados e à fiscalização de diferentes esferas de poder público, sempre estimulando os outros a fazerem o mesmo. Este seria o Cidadão Exemplar.
Jorge Maranhão sonha levar o caminhão do Cidadômetro para todos os lugares do país, inclusive Brasília. A questão da ocupação dos espaços públicos é replicável no Brasil inteiro; a demagogia no Morro do Bumba, em Niterói, construída sobre um aterro sanitário, que foi destruída nas chuvas, se reproduz em vários estados do país.
A versão completa do Cidadômetro teria ferramentas eletrônicas de interação, que divulgariam as respostas em tempo real.
Haveria também totens montados em estacionamentos de shopping centers, supermercados, campi universitários. Com base nas respostas, será montado um Índice de Consciência de Cidadania.
Tudo com o objetivo final de estimular o cidadão a agir como responsável pela fiscalização do espaço público onde vive.

Bello, hoje na Tribuna de Minas

A meta é triplicar vagas até 2010

A meta é triplicar vagas até 2010
Brasil começa a se tornar referência para o mundo na formação demão de obra demandada pelas fabricantes de aeronaves. Universidades tentam ampliar cursos sem comprometer a qualidade
Correio Braziliense
A indústria aeronáutica brasileira atravessa um momento de elevada produção e, consequentemente, enfrenta o problema da falta de mãodeobra qualificada.Na Helibras, filial da francesa Eurocopter, sediada em Itajubá, tal escassez é motivo de assombro. A empresa, que já está trabalhando em dois turnos, pretende dobrar de tamanho e mais do que triplicar o número de funcionários até 2012de 300 para 1 mil.
Está difícil encontrar profissionais especializados, tanto engenheiros quanto técnicos, em um momento em que estamos em plena capacidade produtiva, diz o vice-presidente da fabricante de helicópteros, Eduardo Mauad. É reflexo do expressivo crescimento da economia, que está levando junto o setor aeronáutico, acrescenta. A urgência com que a Helibras procura mão de obra qualificada está associada à recente encomenda do governo de 50 helicópteros EC 725 para as Forças Armadas, com capacidade para 30 passageiros.
Mauad conta que a maquete da nova fábrica com 11 mil metros quadrados está pronta e, para garantir a ampliação do quadro de pessoal, a companhia fechou parceria com a Universidade Federal de Itajubá (Unifei). A meta é criar um curso para formação de engenheiros aeronáuticos, no qual os estudantes terão a oportunidade de estagiar na sede da Eurocopter, na França. Dessa forma, vamos garantir a mão de obra para o futuro, pois pretendemos ampliar a fábrica e produzir o primeiro helicóptero concebido aqui mesmo na companhia, afirma.
Paralelamente, a Helibras está buscando profissionais em eventos acadêmicos.
Na semana passada, com o Itaú uma das instituições financeiras que mais têm engenheiros em seu corpo de funcionários a empresa participou de uma feira de carreiras na unidade da Universidade de São Paulo (USP)em São Carlos, que tem um dos mais disputados cursos do país o de engenharia aeronáutica.
Ou fazemos isso ou não conseguiremos preencher os postos que se abrirão com a ampliação da nossa fábri ca, ressalta Mauad. Ainda há uma carência grande para os nossos projetos, admite, lembrando que o Brasil tem uma das maiores frotas de helicópteros do mundo. São quase mil em operação.
Desde a entrada no país,em1979, a Helibras ampliou a sua fatia de mercado 14% para 52%.
Na Embraer, fabricante de jatos comerciais regionais, a retomada das encomendas fez a empresa recontratar parte dos 4 mil funcionários que demitiu depois do estouro da crise mundial, em setembro de 2008. A empresa está operando hoje com 16 mil empregados espalhados pelo mundo e, para suprir a falta de profissionais especializados, recorreu a parcerias com centros de formação como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O projeto, batizado de Programa de Especialização em Engenharia Aeronáutica (PEE), busca atrair recém-formados em engenharia de diversas áreas. A companhia seleciona 100 engenheiros por ano.
O aumento da produção de jatos executivos na fábrica da Embraer em Gavião Peixoto tem absorvido grande parte dos profissionais que são formados pela unidade da USP em São Carlos. Para o coordenador do curso de engenharia aeronáutica da instituição, Fernando Martini Catalano, com a fusão das empresas aéreas TAM e LAN, aumentará ainda mais a demanda por engenheiros, pois o centro de manutenção de todas as aeronaves da futura companhia, a Latan, funcionará na cidade do interior paulista.
Tomara que tenhamos condições de atender a tanta demanda, diz.

A guerra por cérebros

A guerra por cérebros

Correio Braziliense

Escassez de engenheiros aeronáuticos estimula uma disputa feroz entre empresas e bancos por esses profissionais. Centro de excelência em formação, o ITA quer dobrar o número de vagas
O engenheiro aeronáutico é um profissional raro no Brasil, como um metal nobre, e vem sendo cada vez mais disputado no mercado não somente pelas empresas do setor. Nas poucas faculdades formadoras dessa nata acadêmica, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), o assédio a esses cérebros feito pela iniciativa privada, especialmente bancos, já começa no terceiro ano. Ou seja, antes mesmo de o aluno fazer o estágio obrigatório que ocorre a partir do quarto e do quinto anos, ele já é abordado com ofertas de programas de estágio extremamente sedutores e com salários iniciais superiores aos R$ 5 mil praticados pela indústria aeronáutica, que já estão acima da média para o engenheiro iniciante.
O coordenador do curso de engenharia aeronáutica da USP São Carlos, Fernando Martini Catalano, revela que a procura pelas cabeças da universidade do interior paulista é tão grande que a instituição que forma apenas 40 engenheiros aeronáuticos por ano procurou alternativas para que os estudantes não abandonem a aeronáutica no meio do caminho, seduzidos pelo canto dos bancos ou de empresas de vários setores, como petróleo e até mesmo parque de diversões. Buscamos exigir o estágio do quarto e do quinto anos nas áreas de formação, senão os alunos acabam indo muito cedo para bancos ou outras empresas, diz ele, acrescentando que a universidade também estimula o desenvolvimento de projetos de iniciação científica, que acabam dando uma exposição maior para o Brasil no exterior.
Existe realmente um deficit no mercado desse profissional, pois é possível contar nos dedos o total de faculdades com essa cadeira. Até gostaríamos de aumentar o número de vagas, mas não há professores suficientes para dar as aulas, uma vez que eles também são disputados, afirma Catalano.
Temos uma cadeira vaga há mais de quatro anos. O professor de certificação aeronáutica e manutenção aeronáutica da USP São Carlos, James Rojas Watehouse, é taxativo: Quem dá aula, o faz por vocação e não pelo salário. Dono de uma empresa ligada ao setor aeronáutico, ele oferece estágio para alguns de seus alunos. Mas reconhece a dificuldade em concorrer com os salários do mercado financeiro.
Sonho de infância
A grande procura pelos estudantes de engenharia aeronáutica não é de hoje.
Muitos de nossos alunos estão hoje trabalhando em bancos, informa o vicereitor do ITA, Fernando Toshinori Sakane.
Há uma procura grande porque o que os bancos procuram é cérebro. E eu acho que o iteano tem os conhecimentos de matemática, raciocínio lógico que interessam aos bancos, afirma. Ele lembra que algo entre 6 mil e 6,5 mil candidatos disputam anualmente as 130 vagas, das quais 80 são destinadas aos alunos civis, disponíveis a cada ano.O instituto tem planos de dobrar o número de vagas nos próximos cinco anos, mas ainda depende de o projeto ser incluído no Orçamento da União.
Um bom exemplo do assédio do mercado financeiro é Conrado Engel, presidente da filial brasileira do gigante HSBC, maior banco do mundo. Nascido em Concórdia, Santa Catarina, ele saiu cedo de casa para estudar em período integral no disputadíssimo ITA. Ao se formar,em1980,Conrado se deu ao luxo de poder escolher onde queria trabalhar.
Com proposta da Embraer, seu sonho de infância e hoje uma das maiores fabricantes mundiais de jatos comerciais regionais, ele apostou as fichas no Citibank. Podia ter ido para a Embraer.
Fiquei impressionado com o programa de recrutamento que o banco montou no ITA para vender a carreira financeira aos novos engenheiros, relata.
A estudante da USP São Carlos Carolina Lima do Nascimento, 23 anos,que está no quarto anodo curso de engenharia aeronáutica, começa agora a escolher onde fará estágio. Ela diz que prefere seguir a carreira acadêmica e fazer mestrado.
Realmente, há um grande número de amigos meus que estão interessados em estágios oferecidos pelo setor financeiro, diz.Muitos comentam que o que mais atrai os estudantes é o salário inicial para o recém-formado. Eu pretendo ficar na área aeronáutica porque é o que eu gosto.
Contudo, se não houver emprego, vou para a área financeira ou para outra oportunidade que aparecer, afirma.
O economista-chefe do Banco alemão WestLB, Roberto Padovani, comenta que é grande o número de engenheiros no mercado financeiro. Nas últimas décadas, o país não cresceu e muitos engenheiros não tinham onde trabalhar. Isso reflete bem o retrato da economia atual, pois o país voltou a crescer e essa mão de obra começa a ficar escassa.Todos os tipos de profissões atravessam um momento positivo, de ganho salarial. O nível de desemprego nunca esteve tão baixo, afirma.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters