sábado, maio 22, 2010

Rússia mantém venda de mísseis a Teerã

Rússia mantém venda de mísseis a Teerã
O Globo – 22/05/2010

MOSCOU. Apesar de ter garantido apoio à nova rodada de sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, o governo da Rússia anunciou ontem que a punição não vai interferir na venda de cinco mísseis terra-ar S-300 a Teerã. O contrato foi fechado entre os dois países em 2005, mas a Rússia atrasou a entrega da remessa.
- O projeto de resolução da ONU não afeta contratos antigos. Não estamos interessados na militarização do Oriente Médio, mas a Rússia é um vendedor sério em todo o mercado externo - disse à agência "Ria Novosti" o chefe do comitê de Relações Exteriores do Parlamento, Mikhail Margelov.
Estados Unidos e Israel vêm, nos últimos meses, pressionando o governo de Moscou a desistir do negócio, temendo que os mísseis sejam uma ameaça à aviação israelense caso haja uma intervenção militar contra o programa nuclear iraniano.
Segundo analistas, a concretização da venda seria inviabilizada após a adoção das sanções econômicas - que inclui um artigo determinando embargo completo ao fornecimento de armas ao Irã. Margelov, entretanto, minimizou a questão:
- Estamos falando apenas de sanções inevitáveis que podem ser necessárias caso o Irã não jogue de acordo com as regras da Agência Internacional de Energia Atômica.
Outro ponto eventual ponto nevrálgico entre Moscou e Washington é a parceria fechada com o Irã pelo presidente russo, Dmitri Medvedev, para criar a usina de energia nuclear de Bushehr, no Golfo Pérsico, num investimento de US$1 bilhão. Segundo o chefe da agência russa de energia atômica, Sergei Kiriyenko, o projeto estará em operação em até três meses.
Apesar das tentativas russas de manter uma política externa pró-Ocidente - e, sobretudo, amigável aos EUA, como demonstrou a assinatura do Start, o acordo de redução de armamento no mês passado - analistas russos dizem que o Kremlin não pode abandonar de vez os parceiros islâmicos de Teerã. Mesmo que o comércio bilateral não ultrapasse os US$3 bilhões ao ano e que companhias de gás russas como a Lukoil e a Gazprom já tenham terminado suas operações no país.
- Nossas relações com o Irã estão piores desde a reeleição de Ahmadinejad no ano passado, mas esses investimentos são meramente simbólicos, para enfatizar a posição independente de Moscou - arrisca o professor Vladimir Yevseyev, do Centro Internacional de Segurança de Moscou.

Calçadão - Violência doméstica

Calçadão - Violência doméstica

Jornal da Paraíba - 19/05/2010

Cinco mulheres foram vítimas de violência doméstica em Campina Grande, no último final de semana. Elas têm entre 17 e 37 anos e a maioria possui apenas o ensino fundamental. As vítimas foram agredidas pelos próprios companheiros e tiveram a coragem de denunciá-los. Em Campina Grande, a delegacia da mulher instaurou no ano passado 345 inquéritos. Este ano, já são mais de 50 inquéritos instaurados. 

Tiago Recchia, para Gazeta do Povo



Mal traçadas

Mal traçadas

DORA KRAMER  - O Estado de S.Paulo - 22/05/10

Se a alteração na redação não muda o conteúdo do projeto Ficha Limpa, por que na última hora o Senado resolveu modificar o texto aprovado na Câmara?
Por mero apreço à boa escrita não valeria o ensejo de suscitar uma celeuma que suas excelências, experientes, certamente já previam.
"Harmonia gramatical" não é argumento robusto.
Se havia o mínimo risco de que a mudança do tempo do verbo em relação aos abrangidos pela lei fosse interpretada como um ato deliberado para postergar a aplicação das novas regras e esse não era o propósito, que se deixasse a gramática de lado.
Por muito menos se assassina o português (o idioma, bem entendido) todos os dias.
Ao definir a condição de inelegibilidade a emenda trocou a expressão "tenham sido" para "os que forem" condenados em decisão transitada em julgado ou por órgão judicial colegiado.
O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, senador Demóstenes Torres, o autor das emendas de redação, senador Francisco Dornelles, e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que apresentou a proposta de iniciativa popular, são de opinião de que a alteração do texto não modifica o mérito.
Já o relator do projeto na CCJ da Câmara, José Eduardo Cardoso, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, juristas e parlamentares compartilham do entendimento de que a nova redação remete a aplicação da lei para o futuro.
No tocante a linguagem, prevalece a ambiguidade.
O senador Demóstenes Torres argumenta que a correção visava a deixar claro que a nova regra não atinge os casos encerrados, mas alcança os processos em andamento.
Ocorre que a impossibilidade de se aplicar uma lei em caráter retroativo já é norma estabelecida.
Ao falar no futuro não há como não se reconhecer que o texto final enfraqueceu o espírito da demanda social que resultou na aprovação da lei e fortaleceu os que a aprovaram por oportunismo, confiando no terceiro tempo na Justiça.
E aqui voltamos à questão inicial: se a mudança na redação não alterou o mérito do projeto Ficha Limpa, se todos os seus defensores estão convictos de que foi feito um trabalho sólido, celebrado como um encontro do Parlamento com a sociedade por que o Senado não deixou o texto como estava?

Carimbo. Na política vale mais a versão que o fato.
Tenha tido ou não a intenção de facilitar a vida dos colegas com sua polêmica emenda ao projeto Ficha Limpa, o senador Francisco Dornelles ficou marcado.
Caso esteja mesmo cotado para vice na chapa de José Serra - e essa hipótese não tenha sido aventada apenas para tirar Aécio Neves de cena durante um período estratégico - é de se conferir se o PSDB banca o risco de escolher um vice sob contestação em tema tão sensível ao eleitorado mais informado.

Racional. Em questão de dias, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, desistiu de confrontar o projeto Ficha Limpa e de tentar adiar a votação do reajuste dos aposentados para livrar o presidente Lula do ônus da decisão sobre o veto.
Na segunda-feira viu que pregava no deserto e avisou aos liderados: "Não vou segurar essa bomba sozinho."

Carapuça. O vídeo vetado pela campanha do PT na sabatina dos três pré-candidatos na Confederação Nacional dos Municípios era um relato de fatos antigos como a Sé de Braga.
A peregrinação dos prefeitos pela capital em busca de recursos, os percalços impostos pela burocracia, atrasos no repasse de verbas.
Invenção do governo Lula? Só em cabeças disponíveis para quaisquer carapuças.
Por elas, a fundação da TV Globo em 1965 deve ter sido premeditada para fazer coincidir o aniversário de 45 anos da emissora com a eleição presidencial de 2010 em que a oposição concorre por partido registrado sob o número 45.

Cícero, para Jornal de Brasília



Obama apoiou Lula a fazer acordo

Obama apoiou Lula a fazer acordo

Carta enviada ao Brasil dizia que negociações com Irã trariam confiança e reduziriam tensão
Eliane Oliveira* O Globo

Embora tenha reagido com ceticismo ao acordo nuclear assinado segunda-feira pelo Irã, 15 dias antes o presidente dos EUA, Barack Obama, incentivara as negociações brasileiras com o governo de Mahmoud Ahmadinejad para a troca de urânio enriquecido fora do país. Segundo a agência de notícias Reuters, Obama enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva há duas semanas, afirmando que o entendimento para a troca de combustível nuclear com o Irã criaria confiança e reduziria o nível de tensão internacional.
"Do nosso ponto de vista, uma decisão do Irã de enviar 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do país geraria confiança e diminuiria as tensões regionais por meio da redução do estoque iraniano", escreveu Obama, segundo trechos da carta obtidos pela Reuters. Essa quantidade de urânio, no entanto, foi desmerecida pelas autoridades americanas logo após a assinatura do acordo, como sendo insuficiente para deter possíveis intenções bélicas do Irã.
Ontem à noite, o Itamaraty e a Presidência confirmaram que o documento foi mesmo entregue a Lula, mas evitaram confirmar oficialmente o conteúdo reproduzido pela agência. A divulgação da correspondência coloca numa saia justa a diplomacia americana: um dia após o acordo assinado em Teerã, contrariando os apelos brasileiros, os EUA disseram ter o apoio dos outros quatro membros permanentes do Conselho de Segurança e apresentaram à ONU uma proposta de resolução determinando sanções ao Irã.
Durante as negociações, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chegou a citar a correspondência algumas vezes em conversas diplomáticas, afirmando que as preocupações de Obama inspiraram os termos da Declaração de Teerã. Segundo o acordo, os iranianos concordariam em depositar os 1.200 quilos de urânio enriquecido a 3,5% na Turquia e, em troca, receberiam 120 quilos de combustível para um reator nuclear destinado a pesquisas médicas na capital.

Irã envia acordo até segunda-feira
Na carta, o presidente americano destacou ainda a postura iraniana "de dar sinais de flexibilidade" a Lula e a outros líderes enquanto, formalmente, continuava a reiterar posições inaceitáveis aos funcionários da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ou seja, insistindo em reter seu urânio - mesmo enriquecido a baixos níveis - em seu próprio território até a entrega do combustível nuclear. Outra preocupação do presidente americano dizia respeito à possibilidade de o Irã acumular, no prazo de um ano, o estoque físsil necessário para fabricar duas ou três bombas atômicas:
"Para iniciar um processo diplomático construtivo, o Irã precisa transmitir à AIEA um compromisso construtivo de engajamento, através de canais oficiais, algo que não foi feito até o momento. No meio tempo, insistiremos na aprovação de sanções", afirmava a carta.
O acordo turco-brasileiro com o Irã previa um prazo de sete dias - a expirar na segunda-feira - para que o Irã enviasse o documento à apreciação da AIEA. Ontem, Amorim disse ter recebido a garantia do chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, de que os termos do acordo serão remetidos ao órgão dentro do prazo.
O chanceler brasileiro preferiu minimizar as ameaças vindas do Parlamento do Irã, na quinta-feira, de que o país poderia suspender o acordo caso novas sanções fossem aprovadas pela ONU. Apesar de defender as negociações, o ministro admitiu, porém, que os planos iranianos de seguir enriquecendo urânio - motivo de grande preocupação dos EUA - não foram discutidos:
- Não estava na agenda. Ninguém nos disse: "Olha, se vocês não pararem o enriquecimento até 20%, esqueçam o acordo." Claro que ainda há discussões, garantias. Muitas coisas ainda têm que acontecer. É difícil, mas há um caminho. É preciso tempo para trabalhar.
Amorim disse ainda esperar que a proposta de sanções apresentada pelos EUA não seja levada à votação do Conselho de Segurança. Ele disse ainda ter conversado com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e depositou nele a esperança de uma contribuição ao caminho diplomático.
- Espero que não cheguemos à votação. Acho que todos estão interessados na paz e nossa esperança é que haja um acordo - reafirmou.
Em visita a Istambul, Ban disse ontem esperar que o acordo turco-brasileiro possa "abrir as portas" para uma solução pacífica sobre o destino do polêmico programa nuclear desenvolvido pelo Irã.
- O acordo feito por Brasil e Turquia foi uma iniciativa importante para resolver a tensão internacional sobre o programa iraniano por meios pacíficos - disse o secretário.
Ban lembrou, no entanto, que os termos do acordo são, na verdade, os mesmo do proposto em outubro passado pela AIEA - e que foram renegados por Teerã - e devem ser submetidos à análise profissional da agência.
* Com agências internacionais

Mas talento puro, sem respeitar as construções anteriores, não sei se vale para tudo

I'd rather have a lot of talent and a little experience
 than a lot of experience and a little talent.

John Wooden

Robert John Wooden (nascido em 14 de outubro de 1910) é um treinador de basquete aposentado americano. Ele é um membro do Basketball Hall of Fame como jogador (turma de 1961) e como treinador (turma de 1973). Ele foi a primeira pessoa já consagrados em ambas as categorias, apenas Lenny Wilkens e Bill Sharman já foram tão honrados.  Seus 10 NCAA National Championships em um período de 12 anos, enquanto na UCLA são inigualáveis por qualquer outro treinador de basquete universitário. 

As desculpas são sempre de uma criatividade!

IQUE - No Jornal do Brasil



As vítimas eram os juízes

As vítimas eram os juízes


Jornal do Brasil - Sexta-feira, 21 de Maio de 2010


O jornalista Chico Otávio escreveu recentemente que havia sido vítima de um crime cibernético por ter um funcionário terceirizado do Tribunal de Justiça enviado e-mails fraudulentos envolvendo o seu nome para 180 magistrados.

Noticia que tomou conhecimento através de uma fonte que havia recebido o tal e-mail, donde se conclui que a fonte era um desembargador. Aqui começa nossa preocupação interna. Temos uma fonte jornalística em nosso meio que passa informações internas para a mídia, e trata-se de uma fonte altamente técnica porque profundo conhecedor do estilo do jornalista em questão a ponto de antecipar que: “Sei que isso não é seu. É armação”.

Em seguida, o repórter demonstra perplexidade porque apenas um dos 180 desembargadores que teriam recebido o tal e-mail se manifestara sobre a falsa mensagem. Quero esclarecer que não recebi tal mensagem e desconheço o seu conteúdo. Mas ainda que tivesse recebido, o que pretendia o jornalista que fizesse?

Indaga o articulista quantos teriam fornecido dados para uma reportagem que nunca existiu. Fiquei muito curioso sobre que dados seriam esses imaginados pelo Chico Otávio.

Ora, a reportagem que nunca existiu nos enche de curiosidade e daria uma bela reportagem.

Acredito que não deva haver segredos impublicáveis entre nós, sobretudo quando temos uma fonte tão especializada que fornece informações à mídia com tanta precisão.

Concordo com o repórter que isso tudo é muito grave, sobretudo quando o que se espera de um poder público é, no mínimo, que haja total transparência e probidade nos atos aqui realizados. Afinal, não se trata de uma repartiçãozinha qualquer, mas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o primeiro no Brasil a estar totalmente informatizado e, portanto, modernizado graças ao seu milionário Fundo e a excelentes administrações.

Por tudo isso, concluo que as vítimas fomos nós, magistrados, que primamos pelo trabalho sério e dedicado e nos vimos envolvidos com atos ilícitos sem sequer conhecer o conteúdo dos instrumentos utilizados para o crime. Portanto, mesmo sem exame da materialidade, mais uma vez fomos vítimas de manipulações de poder que nos expõem à sociedade como uma casa de fuxicos e segredos. Resta, agora, revelar ao público a verdadeira autoria do crime.

THE ANIMATOR 2008 (Vencedor Anima Mundi 2008)

 

O despertar para o “ponto virgem”

O despertar para o “ponto virgem”
Faustino Teixeira

Nós brasileiros vivemos tempos de grande insegurança e desencanto. É lamentável a situação em que chegamos, marcada pelo desgaste dos valores mais essenciais e pela afirmação da cidadania da indiferença, que se revela letal para os caminhos do futuro. São tempos de intransparência e de exercício nihilista altamente preocupantes. Habermas dizia que “quando secam os oásis utópicos estende-se um deserto de banalidade e perplexidade”. Mas, felizmente, vozes dissonantes vêm marcando sua presença contestadora, e anunciando a convocação de um novo modo de ser, de uma nova espiritualidade. São vozes que acreditam na potencialidade do humano, no vigor da hospitalidade e cortesia, da solidariedade e compaixão, na possibilidade de um horizonte de paz. A crescente atenção para com a espiritualidade, não é algo que toca exclusivamente os religiosos, mas todos aqueles que acreditam nos valores fundamentais que habitam o núcleo do ser humano, e que expressam a dinâmica de simplicidade, de delicadeza e cuidado com toda a criação.
 Temos que recuperar a memória de tantos “amigos de Deus” que nos ajudam a manter o nosso olhar voltado para esta dimensão interior e profunda do ser humano, e que mantêm viva esperança de oxigenar de sentido uma história que se vê ameaçada pelo fascínio do mal, pela indiferença e brutalidade gratuitas. A espiritualidade é algo essencial para todos nós, que nos acende para dimensões esquecidas ou adormecidas. Com ela nasce uma renovada alegria no coração, uma fecunda vontade de se abrir à vida, de afirmar a vida, de ouvir as vozes que vêm do Real, de escutar o clamor que vem do outro.
 Um desse “amigos de Deus” que precisam ser acolhidos nesse nosso momento atual é Thomas Merton (1915-1968), que foi uma das figuras mais conhecidas e influentes da igreja católica no século XX, e também uma das mais contestadas. Sobre ele acaba de sair publicado na espanha um livro maravilhoso, organizado por Jonathan Montaldo: Un año con Thomas Merton. Meditaciones de sus “Diários”. Santander: Sal Terrae, 2006 (379pp). Poucos contemplativos tiveram um tal impacto na igreja e na sociedade. É difícil encontrar alguém que conseguiu traduzir de forma tão bonita e rica o significado de uma vida espiritual. Para ele, o autêntico contemplativo, nunca está desligado do tempo, mas profundamente inserido em seu coração. Trata-se de alguém que assume viver a experiência integral da vida, que acende no coração uma atenção especial para com tudo o que existe, e que vive, simplesmente, a vida em sua profundidade, como o peixe na água. Em seu diário dizia: “A única coisa necessária é uma verdadeira vida interior e espiritual, um crescimento verdadeiro, por minha conta, em profundidade, numa nova direção (...). Minha obrigação é não parar de avançar, crescer interiormente, rezar, livrar-me de apegos e desafiar os medos, aumentar minha fé, que tem sua própria solidão, procurar uma perspectiva inteiramente nova e uma nova dimensão em minha vida” (setembro de 1959).
 O radical despertar para o sentido da vida foi se firmando para Merton no aprendizado do silêncio da floresta, sobretudo nos últimos anos de sua vida, enquanto eremita na abadia trapista de Gethsemani. Uma experiência que viveu com todo o seu ser. E curiosamente, quanto mais vivia a unificação interior, mais dilatava o seu coração e sua abertura para os outros e para o universo inteiro. Em certo momento de sua vida, em Lousiville, se dá conta que a verdadeira vida contemplativa não pode significar separação do mundo, e que sua solidão vem animada por uma responsabilidade social: que ela não lhe pertence. Nessa ocasião percebeu de forma súbita e iluminada, como se captasse a beleza do coração de todos os seres humanos, que era um com eles. De que não eram seres estranhos à sua vida espiritual, mas que ocupavam nela um lugar central. Em lance que não passou de um átimo, penetrou na profundeza do coração dos irmãos humanos, naquele ponto que poucos alcançam, no cerne da realidade de cada um. E indagou: “Se ao menos todos eles pudessem ver-se como realmente são. Se ao menos pudéssemos ver-nos uns aos outros deste modo, sempre. Não haveria mais guerra, nem ódio, nem crueldade, nem ganância... Suponho que o grande problema é que cairíamos todos de joelhos, adorando-nos uns aos outros”. Foi o ponto de partida para uma nova percepção de Merton, quando então pôde captar a força da presença e gratuidade de Deus no íntimo de cada um.
 Ao se aproximar da cavidade secreta do coração, que é o ponto de contato com o divino, Merton viveu uma tal experiência de liberdade interior, que no seu olhar ampliado soube reconhecer o segredo e o valor da alteridade. Na sua relação com a natureza pôde perceber o significado mais profundo do que denominou “ponto virgem” (le point-vierge), que seria o “momento mais maravilhoso do dia”, quando “a criação em sua inocência pede licença para ´ser`de novo, como foi, na primeira manhã que uma vez existiu”. O “ponto virgem” acontece quando a aurora se anuncia, quando ocorrem os primeiros trinados dos pássaros, num “céu ainda desprovido de luz real”. É como se, despertados pelo sim de Deus, tomassem a coragem para “ser” de novo. Trata-se de um “momento de pasmo e inexprimível inocência”, e para todo aquele que está atento traduz a porta de entrada para o vasto e aberto  segredo da gratuidade. Mas nem sempre se presta atenção para o que isto significa, pois o olhar não está educado para esta mirada. No “ponto virgem” habita o “paraíso de simplicidade, de autoconsciência – e de esquecimento de si -, liberdade e paz”. É nesse ponto “cego e suave” que se criam as condições para a sabedoria e o conhecimento de si e para a singular acolhida do outro. Na visão de Merton, é do coração da floresta, de sua “quentura escura” que brota “o segredo que só se ouve em silêncio, mas que está na raiz de todos os segredos sussurrados na cama, em todo o mundo, por todos os que estão se amando”. Esse ponto vazio, que habita o centro de nosso ser, “é o centro de todos os demais amores”. É nele que habita a centelha que está na raiz de toda busca autêntica, e que pertence inteiramente ao Mistério sempre maior, que nós cristãos identificamos como Deus.
 Nada mais essencial em nosso tempo sombrio do que saber cultivar o exercício de uma espiritualidade autêntica, de buscar encontrar este pontinho de nada que revela um sentido esquecido e abre portas fundamentais para a percepção do Real. Para além da lógica do mercado, marcada pela competição, pela produtividade, pela vontade de poder, pela ganância e egoísmo, existe um outro horizonte, onde o que é gratuito fala mais forte, e onde o humano pode brilhar com mais autenticidade. Como Merton assinalou, não há programa definido para esta ampliação do olhar, mas há que estar desperto para a sua irrupção. É algo que é dado de graça, e que se revela a cada momento pois está em toda parte. Como assinala Rûmî, um dos grandes místicos sufis, que estaria completando 800 anos neste ano, “Não busques a água; mostra apenas que estás sedento, e a água jorrará ao teu redor”.

SPONHOLZ



Bailarinas, Berlin Fotografia de Helena Maria Buckley , My Shot

Bailarinas se preparam para subir ao palco em um teatro em Berlim. Na última década, o surgimento de bailarinas de classe mundial e coreógrafos levou a um crescente interesse no balé alemã.

Israelenses e palestinos celebram escritores, mas cada um do seu lado

Israelenses e palestinos celebram escritores, mas cada um do seu lado

Festivais ocorreram na mesma semana sem reconhecimento um do outro.
Eventos deveriam se reunir?

Ethan Bronner Do New York Times, em Jerusalém e Ramallah  20/05/2010 07h20 - Atualizado em 20/05/2010 07h46
Há momentos, nesta cidade dividida e cruel, em que céticos se tornam crentes. A noite de 6 de maio – os muros antigos acesos, o ar carregado de madressilva e jasmim – foi um desses momentos. Distintos autores estrangeiros e talentosos músicos locais se lançaram em uma celebração da literatura, música e companheirismo internacional.Porém, embora esta seja uma cidade de pedras, também é uma cidade de espelhos. Não houve apenas uma festa naquela noite, mas duas, uma israelense e uma palestina – e ambas se ignoravam. O Festival Palestino de Literatura e o Festival Internacional de Escritores de Israel ocorreram naquela semana sem consciência ou reconhecimento um do outro. Os dois eventos se encerraram em 6 de maio com leituras e músicas. Ambos se trataram da beleza das palavras, mas nem um nem outro pôde evitar a amargura da realidade.

 O autor israelense David Grossman recita prosa durante o Festival Internacional de Escritores de Israelocorrido na mesma semana de evento semelhante palestino. (Foto: Rina Castelnuovo/New York Times)

"Todos aqui são obcecados em restaurar alguma parte do passado”, observou Amos Oz, o escritor mais celebrado de Israel, durante o festival israelense. “Muitos vieram para Jerusalém, não para construir e ser reconstruído, mas para crucificar ou ser crucificado”. Mesmo assim, as relações de poder não são igualitárias aqui e não houve escapatória, em ambas as conferências, do sofrimento causado aos palestinos por parte das forças policiais israelenses, embora tenha havido nuances de interpretação. “Fiquei indignada”, disse Nancy Kricorian, romancista e poeta da cidade de Nova York que visitou Jerusalém pela primeira vez por causa do festival palestino e enfrentou postos de controle militar e a barreira de separação. A questão que pairava no ar em ambos os festivais foi como a leitura de bons livros poderia fazer a diferença. Nir Baram, jovem escritor israelense que se pronunciou na abertura do festival israelense, forneceu uma resposta. “Kafka disse que um livro deveria servir como um machado para o mar congelado dentro de nós”, ele disse. “Há muitas coisas sobre as quais não falamos”, e incluiu entre elas “o confisco sistemático dos direitos de não-judeus em Israel e seus territórios”. Baram disse que os israelenses tinham parado de perceber isso, da mesma forma como as pessoas que moram perto do mar acabam sem ouvir as ondas. Seus comentários causaram agitação entre vários membros do governo que estavam na plateia. Os escritores do evento palestino não sabiam nada do discurso de Baram, mas teriam se interessado. Eles passaram a semana percorrendo a Cisjordânia, indo de universidades a centros culturais, e receberam uma dose dos postos de controle israelenses e da frustração palestina, que incluiu cinco horas na fronteira entre a Jordânia e a Cisjordânia enquanto autoridades israelenses interrogavam as pessoas com nomes árabes. No dia 5 de maio, em Ramallah, no jardim de uma casa antiga usada pelo falecido poeta palestino Mahmoud Darwish, Kricorian leu trechos de seu romance “Zabelle”, baseado nas sofridas experiências de sua avó armênia nas mãos dos turcos. A leitura falou de deslocamento e sofrimento, temas dolorosamente familiares para a plateia. Outro escritor, Mahmoud Shuqeir, palestino, causou grande risada quando contou uma história sua em que Michael Jackson, Naomi Campbell e Donald Rumsfeld são trazidos como convidados para Ramallah. Resumo da história: seu tio acaba como prisioneiro na Baía de Guantánamo. Os israelenses não puderam ouvir essa história. Mas, na noite anterior, em Jerusalém, em uma pensão municipal para escritores e artistas conhecida como Mishkenot Sha’ananim, o autor israelense David Grossman e o romancista americano Paul Auster conversaram no palco sobre suas rotinas como escritores, sua amizade e seus medos. Foi uma conversa brilhante cobrindo, entre outras coisas, o prazer surpreendente de narrar um romance na voz de uma mulher e a dor de dizer adeus aos personagens depois que uma obra é terminada. “É como ser um casal”, disse Grossman sobre viver com seus próprios personagens inventados. “Um muda o outro”. Auster, acompanhado no festival por sua mulher, a autora Siri Hustvedt, concordou. Ele falou da pausa atual em sua vida, pois finalizou recentemente um romance, mas ainda não começou o próximo. A conversa logo virou o que os israelenses chamam de “hamatzav”, “situação”. Auster esteve aqui pela última vez no começo de 1997 e ficou chocado com o clima mais sombrio que encontrou agora. Treze anos atrás, a paz entre Israel e seus vizinhos parecia uma probabilidade real. Mas não hoje, ele disse. Apesar da presença na cidade de George J. Mitchell, enviado ao Oriente Médio do governo de Obama, hoje as coisas parecem piores. Israel, ele disse, teme sua própria sobrevivência.

Público assiste ao Festival Palestino de Literatura, em Ramallah, na Cisjordânia. Evento semelhante ocorreu em Israel ao mesmo tempo e mostra divisão da região. (Foto: Rina Castelnuovo/New York Times)


Novamente, parecia que os dois grupos de escritores poderiam se beneficiar de ouvir as reflexões uns dos outros. Os festivais deveriam se reunir? Será que Jonathan Safran Foer e Nicole Krauss, A. B. Yehoshua e Daniel Mendelsohn, todos palestrantes em Israel, deveriam se unir a Geoff Dyer, Victoria Brittain e Raja Shehadeh, os escritores do outro lado? Sim, disse Anthony David, biógrafo americano e professor do Bard Honors College of Al Quds University, em Jerusalém Ocidental. “É ridículo ter escritores do mundo todo na mesma cidade sem se encontrarem uns aos outros”, ele disse, enquanto esperava o início de uma leitura em Ramallah. “A mentalidade de boicote aqui entre os palestinos está tão incrustada que as pessoas são ameaçadas por se encontrar com pessoas do lado israelense. Construir redes é a única forma de minar forças nefandas”. Mas Ahdaf Soueif, autora egípcio-britânica que organiza o festival palestino, discorda. “Acho que os palestinos muitas vezes são vistos como acessório ou o lado oposto da moeda”, ela disse. “A Palestina é uma entidade em seu próprio direito e merece seu próprio festival. Se chegar o dia em que Jerusalém for uma capital compartilhada, então podemos considerar a possibilidade”.
Um de seus escritores convidados, Adam Foulds, que fez uma leitura no festival de seu poema narrativo “Broken Words”, afirmou entender. Foulds, que é judeu britânico, passou um ano em um kibbutz em Israel, 17 anos atrás, e nunca esteve nas cidades palestinas da Cisjordânia, até o festival. Ele ficou surpreso com o que encontrou. “Ouvimos tanta coisa sobre ódio, o clima violento”, ele disse, “mas encontrei uma linguagem de paz, liberdade e justiça. O festival é o reconhecimento da vida independente do povo palestino. Ultrapassar a barreira invisível do medo na verdade me encheu de esperança. Encontrei um humanismo profundo do outro lado”.
Tradução: Gabriela d’Ávila

A amiga dos pombos


14/03/2010 - 08:57 - Marcelo Migliaccio – Jornal do Brasil
Tive um ótimo professor de biologia, chamado Claudio Mario, que brincava na sala de aula quando falava de pombos. Dizia que, pelos hábitos predadores dessa espécie, era possível entender por que no mundo há tantas guerras:
_ Foram escolher logo esse bicho para símbolo da paz...
As grandes cidades estão infestadas de pombos, que vejo como ratazanas aladas. Isso se deve, em parte, creio, à sujeira reinante, mas também a pessoas como essa senhora da foto acima, que quase todas as manhãs pode ser vista numa das esquinas de Copacabana distribuindo milho às centenas de aves que para lá voam em busca do desjejum.
Um dia desses, parei para falar com ela. Perguntei se não temia pegar uma das doenças que os pombos podem transmitir ao ser humano.
_ Já estou doente do rim _ surpreendeu-me a anciã, resignada.
_ Por causa dos pombos?
_ Não, nada a ver com eles.
Foi a primeira vez que ouvi um argumento desse tipo "se já tenho uma doença não tenho medo de pegar outras". Lembrei imediatamente de uma piada sobre um jogador de futebol que teria tomado muito mais doses de remédio do que o indicado pelo médico do clube. Questionado, ele saiu-se com essa:
_ Bom, mas se é remédio, quanto mais, melhor...
Voltando aos pombinhos, a senhora se queixou de que estão roubando pombos de rua. Não sei se é verdade, mas quando ela disse aquilo seus olhos marejaram.
_ Chegam um carro aí todo dia e levam uns cinco ou seis, não sei para quê.
Fiquei conjecturando sobre o que, a ser verdade aquela história, levaria pessoas a roubarem pombos nas ruas. E lembrei de um motorista do Jornal do Brasil que me deu a receita de pombo a passarinho, iguaria que ele adorava.
_ Mas tem que ser filhote, porque a carne é mais tenra _ segredou-me o gourmet.
Quanto àquela anciã solitária, talvez ela precise mais dos pombos do que eles dela. E como há solitários no formigueiro humano de Copacabana...
Confesso que em determinado momento pensei em repetir para ela que não se deve alimentar pombos, pois aumenta ainda mais sua população e o decorrente desequilíbrio natural, mas vi que de nada adiantaria. Falar dos países europeus que optaram pelo extermínio em massa, nem pensar. De mais a mais, ela estava cercada de pombos que batiam asas em torno de mim, me obrigando a prender a respiração seguidamente. Quando viu meu desconforto no meio daquele filme de Alfred Hitchcock ao vivo, a senhora esboçou um sorriso.
Seus guardiões, mais uma vez, estavam afugentando um intruso que atrapalhou aquele ritual afetivo diário.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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