sábado, abril 09, 2011

Eu evito


Eu evito
ZUENIR VENTURA - O GLOBO - 09/04/11
Seguindo o sábio conselho do delegado Altair Queiroz, que acabou afastado por isso, eu evito passar pela Linha Vermelha durante a noite - aliás, nem durante o dia e isso não é de hoje. Faço o mesmo em relação aos bueiros, depois de mais uma explosão e o perigo de outras a qualquer momento. Também evito deixar água empoçada nas plantas com medo da dengue. De gatos então quero distância, mesmo não estando grávido, desde que li o impressionante testemunho de José Leon, uma pessoa confiável.
Em resposta a uma internauta, que alegava que só quem come cocô do animal corre o risco de pegar toxoplasmose, ele escreveu: "Não é verdade. Aos 18 anos, peguei toxoplasmose de um gato sem precisar comer suas fezes (...). Fiquei cego de um olho. Não tenho retina, nunca mais voltarei a enxergar dela." Portanto, não se trata de ouvir dizer.
Da mesma maneira, passo ao largo de cachorros no calçadão, depois que vi uma dessas feras, enorme, sem coleira, atacar um transeunte que caminhava calma e inadvertidamente. Por motivos que dispensam explicação, procuro não andar a pé de noite pelas ruas do meu bairro, e de todos os outros. Como na música de Chico Buarque, também chego a mudar de calçada quando vejo uma bicicleta vindo em minha direção porque sei que o seu objetivo é me atropelar. E agora evito alimentar conversa com estranhos ao telefone, pois me chamaram a atenção para o mais novo golpe na praça: um sujeito liga para sua casa, se identifica como policial, alega ter recebido ameaças de um telefone cujo número registrado no Bina é o seu, diz que sua linha foi clonada e sugere que você solicite reparo à sua operadora. No dia seguinte, vestido com uniforme da operadora, ele comparece à sua casa com um auxiliar. O que acontece depois é fácil imaginar. Segundo a denúncia, já seriam 108 casos na Zona Sul e 48 na Barra da Tijuca.
Não preciso falar que evito atravessar uma rua confiando apenas no sinal verde. Antes, olho para os dois lados, inclusive o da contramão. Me lembro do poeta Manuel Bandeira, que em situação parecida advertia: "Cuidado porque ele (o motorista) já nos viu." Enfim, estou evitando evitar todas essas coisas para não acabar paranoico.
Mal acabara de escrever tudo isso, quando soube do massacre na escola de Realengo. E aí foi impossível evitar a impotência e a revolta pelo que aconteceu. Em estado de choque como todo mundo, só consigo fazer perguntas, não encontro explicação, não vejo uma razão e não posso imaginar a dor dos pais e o trauma das crianças sobreviventes. Como todo mundo, só consigo repetir: e nós que nos achávamos livres desses desatinos, desses atos de insanidade que só aconteciam lá fora. Será um efeito perverso da globalização? É mais uma especulação. Apenas uma certeza: é preciso evitar esse acesso fácil às armas.

A viagem do beijo


A viagem do beijo
IVAN ÂNGELO - Revista Veja SP
Gosto da ideia de que o beijo se espalhou pelo mundo na rota do cristianismo. A partir de costumes dos antigos judeus, gregos e romanos, costumes que se encontraram, se intercambiaram e se difundiram no Mediterrâneo, o beijo foi ganhando lentamente a Europa, a Ásia Menor, os mundos novos conquistados.
Os bárbaros europeus do leste e do norte, os aborígines do Atlântico Sul, do Índico e do Pacífico, os nativos das três Américas, os africanos — nenhum desses povos tinha o hábito do beijo, fosse como cumprimento social, fosse como gesto amoroso. A novidade espalhou-se por onde se espalharam a cultura mediterrânea e o cristianismo.
Ainda hoje há povos sem beijo: nossos índios do mato fechado (não os aculturados), os lepchas do Himalaia, pigmeus das ilhas ao sul da Índia, vietnamitas, somalianos, tribos de bantos da África Central, povos asiáticos nos escondidos do mundo — mas, aonde chegaram os costumes dos povos cristianizados, chegou o beijo.
Em diversas regiões do globo, havia agrados ligeiramente parecidos com o beijo, como cheiradinhas pelo rosto e esfregadinhas de nariz, não o boca a boca; lentamente, ele foi conquistando territórios cada vez mais longínquos.
No Japão, raros beijos em gravuras do século XIX mostram que os amantes mais escolados se beijavam entre quatro paredes de bambu, mas não havia o costume, e me garantem que os japoneses só ganharam uma palavra única para designar o beijo (kissu, que veio do inglês kiss) após a II Guerra Mundial e a ocupação americana. Nessa longa viagem pelo tempo e pela geografia, o beijo amoroso nunca teve, como agora, tanta liberdade e visibilidade. As artes e os meios visuais funcionaram como propaganda.
Não se busca mais o escondidinho próprio para o beijo, como eram o portão pouco iluminado das casas, a varanda, o carro, os bancos mais discretos da pracinha, o escurinho do cinema — porque os portões se tornaram grades de fortalezas, não há varandas senão para churrasco, carro parado em rua deserta é um perigo, praças foram tomadas por mendigos, cinema é para pipoca.
Não há lugares próprios justamente porque todo lugar se tornou próprio, e nada parece mais próprio hoje em dia do que as estações de bairro do metrô paulistano, ao anoitecer. Beija-se aí mais do que nos parques, acreditem. E não é que alguém esteja partindo, adeus, adeus, meu amor. Nada disso. É beijo bem beijado, de encontro marcado. As ruas tornaram-se perigosas; namorar ali é mais seguro.
Beijo é linguagem. Emite sinais diferentes em cada situação: amizade, respeito, submissão, interesse, compromisso, amor, licença para avançar, paixão, entrega, volúpia. Ultimamente, por estimular no organismo a produção de substâncias que provocam sensações agradáveis, o beijo entre os muito jovens tornou-se um fim em si mesmo. Basta beijar bastante, nem é preciso ir em frente.
Por que dizem que a mulher se lembra do primeiro beijo e o homem mal se lembra do último? Essa me vai parecendo uma ideia ultrapassada. É certo que ele era mais banal para os homens, porque as mulheres relacionavam os beijos ao amor e os homens os relacionavam à oportunidade. Em consequência, conseguiam beijar mais do que elas.
Eles inventaram o beijo roubado para atropelar a relutância romântica delas. Leis modernas transformaram em crime de assédio o beijo roubado, que enfeitou poemas, canções e folhetins de séculos passados. Na verdade, ele veio perdendo prestígio porque, também para elas, beijar se tornou uma questão de oportunidade. O beijo se libertou do amor.
Não me entendam mal. O beijo se libertou do amor, mas o amor não se liberta do beijo.

Reflexões ao amanhecer: não há idade para ser feliz


Reflexões ao amanhecer: não há idade para ser feliz
MIRNA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE - JORNAL DO BRASIL
Publicado em 28/03/2011 pelo(a) Wiki Repórter mirna_cavalcanti_de_albuquerque, Rio de Janeiro - RJ
Paisagem ideal para pensar, meditar e agradecer a Deus por tudo, principalmente por EXISTIR, por entender, por ser como sou e pela própria VIDA. A Linha do Horizonte, ao parecer unir o Céu ao mar, faz-me sentir a infinitude real do Ser. - Foto: Mirna Cavalcanti de Albuquerque - Praia das Flexas - Niterói - RJ com o MAC ao fundo.

Neste lindo e maravilhoso domingo que passou, 27 março de 2011, recebi um e-mail que fez com que desenvolvesse um pensamento que tem estado há muito a preocupar-me.
Ainda há gente que, de forma errada, tem preconceitos mais do que tolos, sem fundamento- como todos os preconceitos, por sinal. Uma grande parte da chamada sociedade ocidental (ao reverso da oriental) pensa que após alguns- ou muitos anos a mais de vida, os longevos perdem seu valor como criaturas úteis: COISA ALGUMA podem mais fazer e tentam enterrá-los- ou desterrá-los- considerando aqui a metáfora-psicológica, moral, intelectual e sentimentalmente.            
São os velhos punidos pelo Estado (no caso dos valores das aposentadorias e pensões), e muitos - ainda por seus próprios filhos que lhes colocam em asilos (verdadeiros depósitos de gente) e deles fingem esquecer-se – ou realmente esquecem.
Na realidade, atitudes mesquinhas (do Estado ou da família), se estão alastrando como ervas daninhas, devido aos espíritos egoístas e até mesmo desumanos. Esquecem-se que, se viverem também mais, chegarão à velhice e mais: por sua forma de agir, serão eles não só maltratados, como de forma ainda mais cruel, pois é esse o exemplo que estão a dar a seus filhos. No caso dos filhos: mesmo que não venham, por sua vez a tê-los, parecem desconhecer a indefectível Lei do Retorno e dessa, ninguém escapa: o Destino, Deus, o Juiz dos Juízes: Ele Mesmo, encarrega-se de executar Sua Sentença.
Os que lerem este, por favor: repensem seus ultrapassados conceitos - se é que os têm. Quanto a preconceitos, desnecessário a eles referir-me, pois significam principalmente, atraso espiritual;
A VIDA nada mais é do que um interstício entre o nascimento e a morte: um curto espaço de tempo que aqui passamos (o que significam cem anos para a História?)...
Pensem! Devemos vivê-la da forma que nossa consciência nos orientar, dentro dos Princípios e Valores todos que são os fundamentais para que possamos realmente ser considerados Seres Humanos. Portanto, desde que não magoemos propositalmente os demais, façamos o que quisermos, para tentarmos alcançar o que consideramos seja “felicidade”, cuja busca deve ser nosso objetivo.

Deus quer-nos felizes – mas temos o livre arbítrio. Cabe a nós escolhermos- e a ninguém mais. Somos responsáveis por todos os nossos atos, sejam bons ou não.
Não foi outro o motivo que levou os Founding Fathers (*) a escreverem a expressão “Pursuit of Happiness“, como objetivo-mor do povo, para constar no documento de Declaração de Independência dos Estados Unidos da América do Norte, há mais de três séculos.(**)
Por outro lado, Marcel Proust escreveu:” À la récherche du Temps Perdu” (À busca do tempo perdido)… Um complementa o outro. É só pensar : fazer ocorram as sinapses pessoais, interpretar consoante a intertextualidade e, acima e além: deixando à alma, à sensibilidade e à própria vivência chegarem às conclusões corretas.
Todavia, há que ressaltar-se: é lamentável constatar que a sociedade humana é composta por membros, em sua maioria, que agem como verdadeiros rebanhos: precisam ser tangidos ou não sabem que rumo tomar.(***)
Ocorre que muitos se deixam tolher - ou mesmo prender por hipócritas e humanas convenções: o que faz percam chances de serem felizes- nem que por momentos.
Autenticidade, dignidade, sinceridade, objetividade, devem fazer parte dos que pretendem SER. Os que carecem dessas qualidades, jamais poderão tornar-se criaturas inteiras, mas excrescências – e negativas: seres nocivos que infelizmente existem em todos os níveis da sociedade.
Combatamos esse tipo de gente com as armas do bem; afastemo-los de nosso convívio, pois são como ervas daninhas. Se, todavia for impossível isso fazer, lutemos contra esses seres das trevas com as armas mencionadas retro: o bem, as palavras, as leis, em busca da JUSTIÇA. Ela existe, acreditem-me, quando distribuída por verdadeiros juízes: os que enobrecem as negras togas que envergam.
Livres então daqueles outros maus cidadãos, libertemo-nos também das ideias preconceituosas, pois ersatz (sucedâneas) da carência de Valores e Princípios e, baseados justamente nestes, pois os possuímos, busquemos viver de forma a fazermos a nós mesmos felizes.
Procuremos a tranquilidade de espírito, a paz de consciência, a alegria que só pode sentir um coração límpo, valente, forte e justo.
Outrossim, não nos mortifiquemos por erros passados. Somos humanos e pois, passíveis de falhas das quais, após algum tempo, nos arrependemos. Destarte, arrependamo-nos sinceramente. Contudo, não permitamos ocorram acusações de quem quer que seja. A ninguém é concedido o poder de julgar-nos. Por via de consequência, temos o dever de impedir suas pretensões atinjam o objetivo colimado: além de juízes, se transformem em nossos algozes. (****)
Mantenhamo-nos firmes em nossos propósitos. Façamos o bem, defendamos nossos direitos quando necessário e jamais temamos os iníquos. Estes não se podem a nós ombrear-se: são vencidos por seus próprios agires (ou não agires, quando deveriam tê-lo feito). Há muito são perdedores, por chafurdarem no lamaçal em que vivem.
Portanto, amigos leitores, desenhemos a cada amanhecer um sorriso no rosto. Agradeçamos a Deus podermos fazer as coisas mais simples, mas que na verdade, são atos todos componentes para o bem viver: caminhar, falar, comer, ver e principalmente, possuir sensibilidade para apreciar o que de belo a Natureza nos oferece. Essa sensibilidade é característica fundamental do grau de desenvolvimento de nosso espírito. É ela que deveras nos revela humanos, que faz sintamos solidariedade, bondade, piedade por nossos irmãos menos favorecidos de qualquer sorte, e que nos move para tentarmos considerar seus sofrimentos como se nossos fossem - e realmente o são. Não é isso que nos ensinam todas as religiões? Não é o que nos orienta a Filosofia? Não é o que toda e qualquer pessoa de bem e do bem, mesmo agnóstica ou ateia pratica?
Não há idade para sermos felizes.
Ao assistir o vídeo que me foi enviado por um amigo, pus-me a pensar sobre o assunto, pois ele já se encontrava há muito tempo em minha mente.
Emocionou-me assisti-la, pois enquanto o fazia, esses pensamentos todos expendidos acima passavam como um filme em minha memória, e doíam-me na alma. Além das minhas dores (todos as temos) , sentia e sinto as dores de meus semelhantes. Sei que não é original isto que escrevo, mas nada me preocupa menos do que a originalidade: “Sinto em mim todas as dores do mundo”.
Pois bem: uma senhora inglesa, do alto de seus oitenta anos, Anie Cutler, conseguiu realizar seu sonho... E, ao ser perguntada a razão de haver-se inscrito para cantar, respondeu com bom humor: “Antes tarde do que Nunca"!
A voz dessa cantora deixa a desejar à de muitos ’cantores’(assim considerados). Sonora, forte, límpida. E, ao considerarmos que o instrumento do cantor são as cordas vocais, essas envelhecem. Não as dela: têm o vigor da juventude e sua interpretação é pura sensibilidade.
É exemplo a ser seguido. Todos temos sonhos e também podemos realizá-los! Perseveremos! Não nos deixarmos abater por revezes quaisquer que sejam e, alimentados pela fé, continuemos a crer em nós, em nossas potencialidades.
Anie Cutler e seu cantar corroboram de forma ostensivamente verdadeira – e principalmente feliz, o sentimento que me anima:  nossa vida nesta Terra só acaba quando é exalado o último suspiro e, enquanto aqui estivermos, temos o dever não só de sermos felizes, como fazermos todos o possivel para levarmos a felicidade aos demais.
Estou certa de que é esta a principal missão de todos nós.
Mirna Cavalcanti de Albuquerque, Rio de Janeiro, 27 de março de 2011
NOTA: acessem, para assisti-la: http://www.youtube.com/watch?v=8ADvp6fkMyQ
(*) Leiam a respeito, em: http://www.archives.gov/exhibits/charters/cons...
(**) http://www.embaixadaamericana.org.br/index.php?action=materia&id=645&submenu=106&itemmenu=110
(***) isso pode ser facilmente constatado nos movimentos das massas manipuladas por lideres políticos c om intuito de dominá-las . Usam técnicas várias: a História têm-nos registrado. Mais recentemente ( bem-nem tão recentemente: o Nazismo e o Comunismo, bem como todo e qualquer outro Regime de Força, são exemplos do que assevero)
(****) não me refiro aqui a crimes de qualquer espécie. Quanto a esses – há os Tribunais, aos quais recorremos, para que nossos direitos, desrespeitados ou feridos por outrem, sejam devidamente reconhecidos, declarados e reparados, consoante a Legislação vigente.

A dor de Realengo
CRISTIANE SEGATTO -REVISTA ÉPOCA
O Facebook ajuda ou atrapalha na superação do trauma?
Nenhum outro assunto nos mobiliza tanto nesses dias tristes quanto a tragédia de Realengo. Nos perguntamos por que um ex-aluno entrou armado numa escola municipal, matou 12 adolescentes, feriu outros 12 e se matou. Nos solidarizamos com a dor das famílias e nos perguntamos como o horror poderia ter sido evitado. Nesse momento de grande comoção, não posso fugir do assunto.
Não vou, porém, cair na tentação de tentar traçar o perfil psicológico do assassino Wellington Menezes de Oliveira, um rapaz aparentemente atormentado de 23 anos. Quem sou eu para tentar entrar na mente de quem quer que seja? Quem são os psiquiatras e outros "especialistas" que se apressam a apresentar na TV diagnósticos baseados em informações pífias e desencontradas?
Relatos de vizinhos e parentes não bastam para revelar os sentimentos mais íntimos de Wellington. A mente é um domínio sinuoso, feito de luz e sombra. É cheia de cantinhos inacessíveis até mesmo aos psicólogos e psiquiatras que acompanham um paciente por um longo período. Esses cantinhos, muitas vezes, estão fora do alcance da própria pessoa. São como uma teia de aranha que cresce atrás de um armário antigo. A vassoura não a alcança, mas ela está lá, avançando. Só se torna visível quando já é grande o suficiente para incomodar.
Não pretendo fazer a defesa de Wellington, mas chamá-lo de facínora e colocar uma pedra sobre esse caso não evitará que a história se repita. É preciso refletir sobre o que é possível fazer para identificar o sofrimento mental precocemente e tratá-lo antes que o sangue de outras vítimas seja derramado. A atenção à saúde mental no Brasil é tão ruim que, sinto dizer, veremos esse filme muitas outras vezes.
O que é possível fazer, agora, para reduzir o impacto da crueldade de Realengo? Como ajudar as famílias que perderam seus filhos e as crianças que sobreviveram a superar esse trauma? Como explicar uma história dessas a qualquer outra criança que, um dia depois de exposta às imagens de horror, terá que pegar sua mochila e entrar numa escola em qualquer lugar do Brasil?
Acho que o mais produtivo e útil, nesse momento, é entender o que ajuda e o que atrapalha a superar o chamado stress pós-traumático. Ele é decorrente de um trauma emocional de grandes magnitudes, como guerras, catástrofes naturais, massacres etc. Quem sofre disso revive o trauma por meio de sonhos e pensamentos; evita situações que o façam reviver o episódio; sente medo; apresenta sensações físicas de desconforto e ansiedade. O tratamento costuma ser feito por psicólogos, por meio de técnicas de apoio e encorajamento. Muitas vezes o tratamento requer medicações e acompanhamento de psiquiatras.
Uma forma de contribuir, nesse momento, é relatar experiências de quem já passou por situações semelhantes. Muita dessa experiência está concentrada nos Estados Unidos, onde ocorreram vários ataques a escolas e universidades nos últimos anos
Procurei a psicóloga Amanda M. Vicary, da Universidade de Illinois. Ela resolveu pesquisar se as mensagens instantâneas enviadas pela internet e as redes sociais (em especial, o Facebook) contribuíram ou não para aplacar o sofrimento de alunos depois dos ataques ocorridos no campus de Virginia Tech e da Northern Illinois University, em 2007.
No primeiro ataque, um rapaz matou 25 estudantes e cinco funcionários e se suicidou. Um vídeo deixado por ele comprovou a premeditação do crime. Alguns meses depois, algo semelhante aconteceu no Dia dos Namorados, na Northern Illinois University. Um ex-aluno matou cinco estudantes e deixou 18 feridos.
Minutos depois dos dois ataques, os alunos encontraram um meio rápido e acessível para expressar a dor e a confusão: o Facebook. No dia do primeiro ataque, um estudante criou um grupo chamado "Um tributo aos mortos de Virginia Tech". Até o final da noite, mais de 100 mil pessoas haviam se juntado a ele. O mesmo aconteceu na outra universidade.
A imprensa, em especial o New York Times e o Washington Post, especulou que esse comportamento traria mais prejuízos do que benefícios. A tese era a de que o processo de superação seria prejudicado porque os envolvidos estavam fixados no assunto. Não conseguiam pensar ou falar sobre outra coisa.
Amanda decidiu investigar. Selecionou perfis mantidos no Facebook por 1,8 mil alunos das duas instituições e enviou a eles formulários da pesquisa acadêmica que realizava. Desse total, 124 estudantes da Virginia Tech e mais 160 da outra universidade aceitaram participar. Amanda descobriu que 71% dos participantes tinham importantes sinais de depressão duas semanas depois dos ataques. Sintomas de stress pós-traumático foram observados em 64%.
Os voluntários tinham, em média, 21 anos. Na rede social, participavam ativamente dos grupos criados para lembrar a tragédia. Um terço conhecia pessoalmente uma das vítimas. Mais de 80% conhecia alguém que era amigo de uma das vítimas.
Oito semanas depois dos ataques, Amanda testou a condição mental dos mesmos voluntários. O índice de deprimidos havia caído de 71% para 30%. O grupo com sinais de stress pós-traumático havia sido reduzido de 64% para 22%.
Ao contrário do que a imprensa dizia, o Facebook fez bem? Não exatamente. Ao analisar o tempo de uso da rede social, o tipo de mensagem postada e outros parâmetros, a psicóloga não encontrou nenhuma relação entre o Facebook e a recuperação dos alunos. "O Facebook não ajudou nem atrapalhou", disse Amanda a ÉPOCA. "Muitos estudantes disseram se sentir melhor depois de falar sobre o assunto na rede, mas os sintomas deles não melhoraram. Entre os que apresentaram recuperação, não foi possível associá-la ao uso da rede", afirmou.
Há algumas possíveis explicações para a discrepância entre a sensação de alívio relatada pelos alunos e a real condição psíquica deles:
1) É possível que os alunos tenham se sentido bem logo depois de usar a internet, mas esse efeito não tenha durado mais do que poucos minutos.
2) Talvez os alunos tenham observado uma pequena melhoria depois de algumas atividades on-line, mas essa melhoria não tenha sido forte o suficiente para influenciar na redução dos sintomas.
3) Quando uma pessoa espera que uma medida ou um tratamento seja benéfico, essa expectativa é capaz de produzir sensações de melhoria. É o conhecido "efeito placebo".
Pessoalmente, acho que falar é sempre melhor do que guardar. O ideal é poder falar sobre a dor, a insegurança, a culpa, a fantasia com quem é capaz de ouvir sem fazer julgamentos. Se essa pessoa não está ao alcance da mão, talvez compartilhar pensamentos pelas redes sociais traga algum alívio. Ainda que essa sensação seja enganosa e passageira. Hoje é um daqueles dias em que até o Facebook parece acanhado diante da dor de Realengo.
O que você acha? As redes sociais ajudam ou atrapalham na superação de traumas? O que é preciso fazer para reduzir a dor das famílias de Realengo e do Brasil?
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato écristianes@edglobo.com.br

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