segunda-feira, novembro 08, 2010

'É complicado economia forte com moeda fraca'

'É complicado economia forte com moeda fraca'
CELSO MING – O Estado de São Paulo
Um dos mais celebrados economistas do mundo, Stanley Fischer tem três recados a respeito do desdobramento da crise global: (1) A atual guerra cambial é parte do processo que repassa para o mundo o ajuste da crise financeira; (2) é melhor para todos pagar parte do preço e ajudar os Estados Unidos a retomar o crescimento do que vê-los afundar na estagnação; (3) é muito difícil pretender uma economia forte com moeda fraca, como quer o governo do Brasil.
Nascido na Zâmbia em 1943, Fisher era professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) quando foi orientador da tese do atual presidente do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke. De 1994 a 2001, foi a segunda autoridade do Fundo Monetário Internacional (FMI). Assumiu a presidência do Banco de Israel (banco central) há cinco anos. Em outubro, foi considerado o melhor presidente de banco central do mundo pela revista Euromoney.
Esta entrevista foi concedida na sede do Banco de Israel, em Jerusalém, no dia 30, a jornalistas do Estado, Organizações Globo e jornal Valor Econômico.
Como um governo pode garantir competitividade a seus setores produtivos num ambiente de abundância de capitais e forte valorização cambial?
Israel também está enfrentando esse problema. Queremos uma economia forte com moeda fraca. E isso é complicado. Quanto mais robusta for a economia do Brasil, quanto mais for reconhecida por suas riquezas com gás e petróleo e tanta coisa, mais difícil será evitar a valorização cambial.
Como esta guerra cambial vai evoluir e como vai atingir os países emergentes, entre os quais o Brasil?
Países que tiveram de aumentar os juros, mas que conseguiram sair rapidamente da crise, estão atraindo capitais e enfrentando intensa valorização cambial. Durante muito tempo me explicaram que um banco central não deve intervir no câmbio, porque essas coisas não funcionam. Aqui em Israel, preferimos não intervir, mas aprendi que nunca devemos dizer nunca. Em todo o caso, você intervém, aumenta as reservas para evitar excessiva valorização cambial, aí as reservas ficam grandes demais e então você pergunta o que mais pode fazer. Vocês, no Brasil, decidiram-se pelo aumento do IOF. Nós, em Israel, preferimos medidas pontuais regulatórias.
O que os Estados Unidos têm de fazer para sair da crise e como isso vai atingir os emergentes?
O governo dos Estados Unidos não dispõe de muitas ferramentas. Têm, sim, os instrumentos fiscais, mas o déficit orçamentário americano está grande demais. E os mecanismos monetários acionados pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) também chegaram ao limite: os juros básicos estão entre zero e 0,25 ponto porcentual ao ano. Não dá para baixá-los mais. Sobra o afrouxamento monetário quantitativo (anunciado na quarta-feira pelo Fed). No fundo, o problema principal consiste em saber como distribuir a conta do ajuste e se os mercados estão em condições de distribuí-la bem. A outra questão é o que vai fazer a China. Se mantiver seu câmbio atrelado ao dólar, um peso maior do ajuste será descarregado sobre os demais países. Mas vai ser assim? Não sei.
Há outra maneira de considerar o problema. Há a hipótese A, em que os EUA adotam os mecanismos de afrouxamento quantitativo, inundam o resto do mundo com capitais e provocam excessiva valorização cambial, mas retomam o crescimento, todos podem voltar a exportar para eles. E há a hipótese B, em que os EUA não fazem nada, não há essa enorme pressão sobre os mercados de câmbio, mas o crescimento econômico americano se mantém baixo por muito tempo. Eu prefiro a hipótese A. A gente tem de trabalhar com os instrumentos que tem. A situação ideal é aquela em que todos os países colaboram no ajuste, incluindo a China. Prefiro que os EUA saibam o que fazer para voltar a crescer.
A China vai acatar sua parte da conta?
Há uma boa possibilidade de que permita que o câmbio se ajuste mais rapidamente. Mas ninguém espere que deixe flutuar as cotações.
Pode essa guerra cambial desembocar numa guerra comercial?
Temos sempre de ser contra as guerras comerciais e contra os protecionismos. Ao longo de todas as crises que ocorreram depois da Segunda Grande Guerra, os protecionismos felizmente não prosperaram. Prevaleceu a liberação do comércio, porque os países entenderam que protecionismo e guerra comercial são ruins para todos. Enfim, estou preocupado, sim, com guerra comercial, mas este não é o primeiro item da minha lista de preocupações. Tenho uma longa lista de preocupações. Sou pago para ter preocupações.
Como os países sem moeda própria, como os da área do euro, que não podem manejar o câmbio, podem garantir competitividade para seus produtos?
Os alemães usaram os recursos que estão nos livros de texto. Os salários deixaram de crescer mais rapidamente. Trabalharam para ajustar os preços relativos. É difícil conseguir esse grau de disciplina. Outro caminho são reformas estruturais, que também são difíceis de aprovar, como os casos das reformas previdenciárias da França e da Grécia acabam de mostrar. Existem ainda medidas pontuais, como regulações e coisas assim. Mas não há muito o que fazer. No caso europeu, medidas fiscais também são problema, porque os déficits são grandes demais.
Quer dizer que moeda comum é uma encrenca em tempo de crise?
Economistas, amigos meus, estão dizendo isso. Mas se esquecem de que, no tempo em que tinham moeda própria, esses países também enfrentaram problemas. Eles desvalorizaram o câmbio e provocaram inflação, como se desvalorização e inflação fossem vantagens. Foi disso que se livraram agora, se livraram do problema de a cada quinze anos terem de desvalorizar o câmbio, de provocar inflação e de, em seguida, não desembocar em nenhum lugar seguro. A conclusão é a de que o essencial é garantir disciplina fiscal. Nessa hora, é bom olhar para os países que têm de se ajustar sem poder contar com o recurso da manipulação do câmbio.
A crise consagrou o princípio de que bancos grandes demais não podem falir. Mas isso aponta para futuras irresponsabilidades bancárias. Como evitar isso?
A questão mais importante não é o que fazer com os bancos grandes demais para falir. É o que fazer para que bancos grandes se tornem impossíveis de falir e, assim, evitar o pânico. Em teoria, a gente sabe como lidar com um banco quebrado e evitar problemas. Na prática, as coisas são diferentes, como vimos quando da quebra do Lehman Brothers. E, quando se trata de um grande banco global, fica tudo mais complicado, porque as leis são diferentes de país para país.
Boa parte desse problema não está acontecendo porque os bancos são cada vez mais globais e, no entanto, os bancos centrais que os supervisionam não passam de instituições locais?
Bancos centrais são, por definição, nacionais, exceto o da área do euro. Por ocasião da quebra do Lehman Brothers, países como França, Holanda e Bélgica não lidaram adequadamente com algumas consequências e isso está sendo agora levado em conta na elaboração de um conjunto de regras destinadas a enfrentar casos parecidos no futuro. As discussões se concentram sobre se um grande banco deve ter filiais (por ele controladas) ou subsidiárias (que atuam independentemente) e sobre a qual banco central entregar a supervisão. Os especialistas que estão trabalhando nesses temas no Conselho de Estabilidade Financeira (no âmbito do G-20) me disseram que há pouco progresso, porque esses assuntos são complexos demais. O Citigroup e o HSBC estão em mais de 100 países.
Até que ponto avançaram os estudos para acertar um novo acordo monetário global?
Estamos muito distantes disso. Foram esses mesmos problemas, com o câmbio e com o equilíbrio do sistema internacional, que provocaram o acordo de Bretton Woods e a fundação do FMI, em 1944. E foram essas também as razões pelas quais o acordo de Bretton Woods acabou, no início dos anos 70. A grande volatilidade das cotações do dólar e do euro não é o problema principal, porque os dois lados são economias relativamente fechadas, em que o peso do comércio exterior no PIB é pequeno. Mas, no caso de Israel, que exporta entre 40% e 45% do PIB, o problema é mais sério. O sistema internacional não tem um método para obter equilíbrio; não tem um conjunto de regras para intervenções nos fluxos de capital porque elas interfeririam no comércio. O FMI está começando a pesquisar o que pode e o que não pode ser feito.
Parte do problema não se deve à falta de poder do FMI de impor regras (enforcement) aos governos?
As agências internacionais lidam com esse problema. A única instituição que tem bons mecanismos de enforcement é a Organização Mundial do Comércio (OMC). A ONU é fraca porque seus membros não a querem forte. Temos de lidar com o fato de que os países não querem abrir mão de soberania. Esse é o problema também do FMI. O caminho é a persuasão. Quando, por exemplo, o FMI entender melhor como funciona o câmbio será mais ouvido.

Alguém abre um livro

Alguém abre um livro
RUY CASTRO – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO - Outro dia, falando num encontro de livreiros, eu dizia que todos nós, que trabalhamos com livros -que os escrevemos, editamos, distribuímos, vendemos ou promovemos-, devíamos nos sentir privilegiados. Nosso produto não anuncia na TV, não é vendido na farmácia junto com os xampus, fraldas e chinelos e, para ser apreciado, precisa ser lido linha a linha e ainda temos de lamber o dedo para virar a página. Mas, toda vez que um brasileiro abre um livro, o Brasil melhora.
Tal afirmação ameaça parecer uma pieguice poética num país que, segundo o novo relatório divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), pode estar em 73º lugar no ranking mundial de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) -o que, em si, já é uma vergonha-, mas, num dos itens mais importantes, empata com o Zimbábue, que, em 169º no ranking, é o mais atrasado do mundo.
Nossos estudantes passam o mesmo número de anos na escola que os infelizes zimbabuenses - os quais precisam lutar para não morrer de fome em criança ou de Aids em adulto, além de ter de viver correndo do leão. Nossos garotos não têm um leão nos calcanhares e ainda podem empinar pipa na laje ou brincar de médico com a vizinha. Talvez por isto fiquem apenas 7,2 anos na escola, contra 12,6 anos da Noruega, que está em 1º no IDH.
Não se sabe o que os noruegueses fazem com tanta educação. Mas o Brasil também não tem se notabilizado pelos seus cientistas, filósofos ou professores. Na verdade, o que mais produzimos são cabeças-de-área, duplas caipiras e flanelinhas - e, se já é difícil hoje fazer um país com eles, imagine no futuro.
Por isso, quando alguém abre um livro por aqui, é por conta própria, à margem do Brasil oficial. Significa que essa pessoa tem uma meta pessoal e está usando a cabeça para persegui-la.

Fani, para A Tribuna


Futurologia

Futurologia
FERNANDO RODRIGUES – Folha de São Paulo
BRASÍLIA - Dois nomes se consolidaram na eleição deste ano no campo governista e na oposição.
O governador de Pernambuco reeleito, Eduardo Campos (PSB), é o emergente mais vistoso entre os dilmistas. E o senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) lidera o lado oposto.
Se moverem as peças corretas no tabuleiro, não é um exagero dizer que ambos estão habilitados para concorrer com chances reais de ganhar o Palácio do Planalto algum dia. Pode ser em 2014, 2018 ou 2022. Aécio tem 50 anos. Eduardo Campos, 45. O tempo está a favor deles. Jovens, podem esperar a fila andar e o momento certo.
No caso do tucano, tudo dependerá de como se sairá depois da transição de poder em curso no PSDB. Os aliados tradicionais da legenda, DEM e PPS, também precisam ser devidamente cooptados de maneira mais perene. Há alguns anos ouve-se a hipótese de fusão dessas siglas para criar uma agremiação análoga ao Partido Republicano dos EUA aqui no Brasil.
Essa eventual incorporação é vital para Aécio. O PSDB passa por um processo de raquitismo. Sem músculos partidários, o mineiro não terá uma caminhada suave.
No caso de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes (1916-2005), a conjuntura é semelhante. Ele comanda um partido que terá em 2011 seis governadores, 34 deputados e três senadores. É a força de centro-esquerda mais saliente depois do PT. Por que não fundir as duas siglas e construir a maior agremiação de apoio a Dilma Rousseff a partir de 2011?
Juntos, PT e PSB teriam 11 governadores, 122 deputados e 18 senadores. Nasceria a maior sigla desde o PMDB anabolizado artificialmente nos anos 80 por causa do Plano Cruzado. Esse é um cenário improvável. Impossível talvez. Mas certamente seria uma aposta robusta para viabilizar um projeto presidencial competitivo de Campos nessa espécie de neo-PT.

E la nave va

E la nave va
Luiz Werneck Vianna VALOR ECONÔMICO
Há consenso entre os analistas de que, nessa disputa pela sucessão presidencial, a linguagem dominante foi a do marketing, e não a da política. Com efeito, durante os longos meses da campanha no horário eleitoral, a agenda que os candidatos seguiam - saúde, educação, segurança - procedia das pesquisas quantitativas e qualitativas elaboradas por especialistas dessa técnica de comunicação, embora não se lhes possa negar o desempenho eficiente ao expor seus antigos feitos nesses quesitos e na apresentação dos que prometiam para o futuro.
Democracia, suas instituições e seu aperfeiçoamento, assim como programas de governo, contudo, foram considerados temas fora do alcance do entendimento da massa do homem comum e, como tais, marginalizados, quando não completamente ignorados pelos candidatos, inclusive no segundo turno eleitoral. O diagnóstico, que lhes vinha das pesquisas, era o da satisfação dos eleitores com o estado de coisas reinante no país, do qual derivaria a orientação comum de se apresentarem como agentes da continuidade.
As questões ameaçadoras, como as das reformas tributária, política, trabalhista e sindical - nem pensar na agrária e, menos ainda, na previdenciária - deveriam ser deixadas para depois do período eleitoral, com o que se infantilizou o eleitor, visto como um mero consumidor de bens e serviços. É certo que, por acaso, pelo estudo dos votos evangélicos obtidos pela candidata Marina Silva no primeiro turno, veio à tona uma questão efetivamente ameaçadora, a do aborto, que suscitou paixões falsas nos candidatos, postas no lugar das que poderiam revelar as verdadeiras, mantidas dentro do armário e que vão sair dele a partir de agora.
Para o bem e para o mal, a política promete voltar
Findo o processo, vitoriosa a candidata Dilma, mesmo que ainda em estado de ressaca cívica, a cidadania começa a se dar conta de que o mundo de fantasia do horário eleitoral não condiz com o mundo efetivamente existente. Apesar disso, baixadas as cortinas, há muito que comemorar, em primeiro lugar, o fortalecimento das instituições republicanas e da democracia. Um hábito novo - constata-se à vista de todos - se difunde em todas as camadas sociais do país: o do respeito às leis e às regras do jogo, salvo alguns escorregões presidenciais e o reconhecimento, que se generaliza, de que é por aí que se encontram os caminhos que levam a uma política de transformação social. Em segundo, a consagração da questão social como estratégica para a composição das forças políticas e de seus projetos de poder. A vitória nas urnas é inacessível sem ela, e isso foi bem compreendido pelos candidatos.
O mundo efetivamente existente é o da política e o das controvérsias sobre quais os rumos a serem seguidos. A marca do governo Lula foi a de trazer para o interior do Estado uma pluralidade de classes, de frações de classes, alinhadas ou não partidariamente, administrando os conflitos entre elas a partir dos recursos de poder presidenciais, assim interditando a sua manifestação no terreno da sociedade civil escorados em suas representações políticas e sociais. Decerto que essa tarefa exigia qualidades extraordinárias do seu operador, que não faltaram ao carismático Lula.
Dilma não é Lula, nem o seu quatriênio de governo será o mesmo daquele que passou. Aliás, se os registros biográficos servem para algo, não se pode desconsiderar que Lula construiu sua identidade no meio sindical, nas circunstâncias da ditadura militar, avessa a manifestações de uma ética de convicção por parte de um líder operário, e adotou o pragmatismo como lema de vida. Dilma, por sua vez, provém da política, e de uma política, como atesta sua história na resistência armada, orientada pelo culto da vontade, a que, de algum modo, preservou nos seus tempos de militante do PDT de Brizola, um político que também cultuava o primado da vontade em sua forma de agir. Se traços desse estilo pessoal persistem, eles não são favoráveis à difícil tarefa de manter contrários em equilíbrio.
Por outro lado, Dilma governará em condomínio com o PMDB, que terá na vice um dos seus melhores quadros, respaldado por políticos notabilizados, por mais que se fale mal deles, pelo tirocínio político e sabedoria na preservação do poder. O estilo Lula de administração se assentava no monopólio que ele desfrutava no exercício da política e na sua capacidade de interlocução direta com o povo. Dilma não contará com esse monopólio, inclusive porque o PT não lhe concederá tanto quanto concedeu a Lula em matéria de abdicação de poder, e alguns partidos da chamada base aliada se fortaleceram, como o PSB, dirigido pelo governador de Pernambuco, que herdou do seu avô, Miguel Arraes, as mesmas aspirações presidenciais. Tampouco, como notório, é vocacionada para a ida ao povo.
A sinalização da mudança de cenário também é indicada pelo novo mapa dos governadores eleitos, com a oposição à testa dos principais Estados da Federação, o que exigirá um andamento para a política mais consensual, inclusive porque a maioria governamental no Congresso é mais um resultado das estratégias eleitorais dos partidos que a compõem do que de uma união política em torno de um programa. Tal terreno não parece próprio para a emanação de virtudes carismáticas. Aliás, esse foi mais um recado trazido pela campanha eleitoral, quando a opção dos candidatos foi a de se mostrarem como os mais credenciados para impor uma administração racional à economia e às políticas públicas, ao invés de procurar rumos novos para a sociedade.
Com Dilma o que se tem é principado novo, e se ingressa, de fato, em uma ordem burguesa racionalizada, que o messianismo implícito de Lula, ao encarnar a representação do povo, sabia temperar. Sem ele e o seu estilo de negociador nato, os interesses e os conflitos de interesses devem fluir mais soltos, evadindo-se da jurisdição estatal e retomando seus lugares na sociedade civil. Para o bem e para o mal, a política promete voltar.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras.

Miguel, para o Jornal do Commercio


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Suposto pai não pode ser preso por deixar de pagar alimentos provisórios antes da sentença
STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - DECISÃO - 04/11/2010 - 08h02
Homem que foi preso por não pagar pensão alimentícia provisória, apesar de ainda não ter sido reconhecida a paternidade, deve ser solto. Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que negou o pedido de liberdade.
A 3ª Vara de Família da Comarca de São Gonçalo (RJ), ao decretar a prisão, pelo prazo de três meses, afirmou que o executado não apresentou nenhuma proposta de acordo para parcelamento da dívida e entendeu que ele poderia atrasar ainda mais os pagamentos, da mesma forma que estava atrasando os autos da investigação de paternidade. O recorrente entrou com pedido de habeas corpus no tribunal de Justiça carioca, que seguiu o entendimento da primeira instância.
No recurso, o recorrente informou que entrou com uma ação para revisão da pensão alimentícia com pedido de antecipação de tutela, para a imediata suspensão das cobranças das prestações vencidas e das que estavam por vencer, até que se comprovasse a sua paternidade.
Ele alega que não teve o direito de propor conciliação e que tanto a doutrina como a jurisprudência e a legislação não admitem a fixação de alimentos provisórios em ação de investigação de paternidade, já que os alimentos só são devidos após a sentença que reconhece o estado de filiação. Afirma também que o exame de DNA só não foi realizado porque a alimentada não compareceu ao laboratório, sem apresentar qualquer justificativa.
O relator do recurso, ministro Raul Araújo, destacou que o habeas corpus não é o meio adequado para se discutir a obrigação de prestar alimentos em si, mas apenas para se analisar a legalidade do constrangimento à liberdade de ir e vir do paciente.
O ministro afirmou que tanto o artigo 7º da Lei nº 8.520/1992 como o artigo 5º da Lei nº 883/1949 nada dispõem sobre a fixação de alimentos provisionais quando ainda não há reconhecimento judicial da paternidade; eles tratam expressamente da possibilidade quando já proferida sentença que reconheça a paternidade.
O relator considerou que não é pacífica a questão relativa à possibilidade de fixação de alimentos provisionais em ação de investigação de paternidade antes do decreto sentencial. Para ele, a prisão não deve ser considerada uma medida razoável pelo descumprimento de uma decisão cuja legalidade é questionável.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Inflação aleija, mas câmbio mata

Inflação aleija, mas câmbio mata
Nathan Blanche - O Estado de S. Paulo - 08/11/2010
A frase "inflação aleija, mas câmbio mata", do saudoso economista Mário Henrique Simonsen, pode ser aplicada tanto nos movimentos de desvalorização (escassez de divisas) quanto nos de valorização (excessos de dólares) da moeda brasileira. O real forte é resultado dos bons fundamentos conquistados por meio das reformas macro e microeconômicas que tiveram início no final da década de 1980, com destaque para o Plano Real e o primeiro mandato do governo Lula. Esse longo processo resultou no atual tripé da estabilidade da política econômica, que permite o crescimento sustentável: responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante.
Caso se mantenha a atual linha "desenvolvimentista" e estatizante, por meio da expansão fiscal, e se continue a promover intervenções na política cambial, via restrições tributárias indiscriminadas sobre o influxo de capital estrangeiro e/ou tarifa sobre exportação de commodities (à moda argentina), corre-se o risco de comprometer a credibilidade conquistada até aqui.
Enquanto isso, países da zona do euro e os EUA sofrem com o baixo crescimento, o alto nível de desemprego e lutam contra a estagnação ou até um segundo mergulho recessivo. É legítima, portanto, a adoção por esses governos de políticas fiscais e monetárias expansionistas anticíclicas.
Com isso, o real não tem sido "filho único" no movimento de valorização em relação ao dólar, uma vez que o Brasil faz parte de um conjunto de países denominados commodity-currency, que está em processo de crescimento. Nos últimos 12 meses o real, o dólar australiano, o rand sul-africano e o dólar neozelandês se apreciaram, respectivamente, 5,3%, 10,7%, 7,9% e 5%.
Recentemente, liderados pelos EUA, vários países têm reivindicado que o governo chinês aprecie sua moeda com o objetivo de inibir seus enormes superávits da balança comercial. Para países exportadores de commodities, como o Brasil, a apreciação do yuan pode potencializar uma pressão adicional de valorização de suas moedas. Com esse contexto externo, prometer a combinação de câmbio para cima e juros para baixo é "história da carochinha". Ademais, só para ilustrar, se a taxa de câmbio chegasse a R$ 2/dólar, por exemplo, haveria um impacto de 1 ponto porcentual no IPCA (12 meses). Dessa forma, o Banco Central (BC) seria obrigado a dar um aumento adicional na Selic de cerca de 200 pontos-base para conter o avanço da inflação, "matando" parte do crescimento econômico.
O fato é que as grandes restrições ao nosso crescimento são o custo Brasil e o baixo nível de poupança doméstica. Isto é, o crescimento acaba sendo sustentado pelo aumento do déficit em transações correntes. Não há nenhum problema, no curto prazo, em continuar a obter financiamentos para sustentar estes déficits de até 3,5% do PIB. No médio prazo, entretanto, os riscos podem aumentar, pelo fato de o País continuar a ter como mola propulsora do crescimento o consumo e uma política fiscal expansionista.
Além disso, apesar do tão criticado nível apreciado do real e mesmo com importações crescendo mais de 40%, as exportações aumentam 28% e o saldo da balança comercial deve ficar positivo em US$ 18 bilhões em 2010. O Brasil, como outros países exportadores de commodities, obteve altos ganhos nos termos de troca, dado o baixo crescimento dos países desenvolvidos. No nosso caso, de janeiro a agosto, o ganho foi de 7,7%. Fator relevante para esses ganhos são as correções automáticas entre a desvalorização do dólar e a valorização dos preços das commodities, o que eleva a competitividade das nossas exportações de commodities e tem influência de baixa nos preços internos.
Em relação ao balanço de pagamentos, o superávit gerado por uma conta capital robusta pode ser atribuído à posição relativa favorável do Brasil e à lenta recuperação das economias desenvolvidas, e não ao diferencial de juros, majoritariamente. Pode-se constatar, nos dados abertos do balanço de pagamentos, que as necessidades totais de financiamento da conta corrente e a amortização de médio e de longo prazos em 2010, que somam US$ 79,8 bilhões, serão financiadas por Investimento Estrangeiro Direto (IED) mais investimentos em papéis de longo prazo e ações, mais os empréstimos e financiamentos, no total de US$ 113 bilhões. Essas contas não podem ser qualificadas como "dinheiro ruim" (ou capitais especulativos).
Assim, pode-se dizer que a taxa de câmbio apreciada colabora para o forte crescimento econômico do País - que deve alcançar 7,2% neste ano, com inflação de 5%. Mas medidas mais intervencionistas no sentido de tentar controlar o nível da taxa de câmbio em patamar mais depreciado podem dar início à fragilização de dois pilares do crescimento sustentável: responsabilidade fiscal e câmbio flutuante. Continuar neste caminho será rumar para um cenário em que a extinção da liberdade operacional do BC e o fim das metas de inflação poderão começar a ser cogitados.

Nani Humor


Bateu, levou!

Bateu, levou!
DENIS LERRER ROSENFIELD – O Globo
O já longo período eleitoral terminou em temperatura bastante elevada, ofuscando algumas questões centrais. A rigor, não foi apresentado por nenhum dos candidatos um conjunto sério de propostas que digam respeito ao nosso futuro. Chegamos à esdrúxula situação em que a candidata vitoriosa apresentou como plano de governo uma visão sucinta do programa partidário, impregnado do viés dogmático do 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos, logo retirado para modificações. No segundo turno tivemos apenas propostas genéricas, em que virtualmente tudo poderia ser incluído. O candidato oposicionista nem isso fez, ao não apresentar plano de governo algum, salvo o cumprimento de um procedimento burocrático no TSE, via recorte de dois de seus discursos. A pergunta que se impõe é: será que o País não merecia ser discutido? Será que somos cidadãos considerados incapazes de apreender e discutir ideias e concepções? Somos apenas objetos de marqueteiros?
Numa campanha carente de ideias, ganhou força novamente o que já se torna um mantra: seguir um pseudoprincípio das campanhas eleitorais segundo o qual "quem bate perde"! Tal como é apresentada, essa ideia ganha o estatuto de uma verdade a priori, válida independentemente de qualquer experiência. O mais curioso é que José Serra a seguiu em todo o primeiro turno e início do segundo, colocando-se, dessa maneira, numa posição de nítida desvantagem. Marina Silva, com seu jeito calmo e cordato, afastou-se desse "princípio", cobrando de Dilma Rousseff o escândalo de tráfico de influência de Erenice Guerra na Casa Civil. Terminou ela viabilizando o segundo turno.
Dilma e sua equipe, desorientados com esse resultado, tiveram, contudo, uma visão mais realista da situação. Certamente auxiliada por pesquisas internas que davam a diminuição de sua vantagem em relação a Serra, a candidata petista mudou de atitude e passou a "bater" em seu adversário, e "levou"! Não seguiu o mantra que aparentemente acatava. Ou melhor, em campanhas eleitorais o que conta são as verdades a posteriori, que dependem de uma reflexão ancorada na experiência. Em alguns momentos convém não bater, em outros é mais do que conveniente. A candidatura Serra não soube avaliar esse timing e terminou vítima de si mesma e da bem conduzida campanha de sua adversária.
Intervém, aqui, outro fator da maior relevância, o de que o "ataque" de Dilma se tenha aproveitado de um velho preconceito a respeito das "privatizações". Chega a ser incompreensível que depois das derrotas de 2002 e 2006 os tucanos não se tenham preparado para esse debate de ideias. Na verdade, mostram-se envergonhados do que fizeram quando governo. As privatizações são um sucesso estrondoso, sobretudo nas áreas de telecomunicações e siderurgia, na Embraer e na Vale, entre outras. O País mudou, e para melhor. Algumas dessas empresas se tornaram players internacionais, sendo motivo de orgulho para o País. Pagam altos impostos, geram renda para si e para seus acionistas, empregam e dão muito boas condições de vida a seus trabalhadores. Argumentos não faltam.
O que fez Serra, confrontado com o problema? Acusou Dilma de "privatista"! Ou, ainda, quis se mostrar tão ou mais estatizante do que ela. Recusou-se a um verdadeiro debate, foi incapaz de mostrar a herança bendita legada por Fernando Henrique. Caiu em duas armadilhas: a do PT, entrando em seu jogo, e a de suas pesquisas "qualis", que partiram da ideia de que o cidadão brasileiro tem uma concepção negativa das privatizações do governo FHC.
Acontece que as pesquisas "qualis", se bem feitas, retratam somente um momento, uma foto fixa de um estado de espírito. Ora, esse estado de espírito foi formado ao longo destes oito anos de governo Lula, e mesmo antes, pois no período anterior elas foram consideradas um mal necessário, algo que deveria ser apenas tolerado. O governo petista aproveitou-se dessa "vergonha" e fez um longo trabalho de formação da opinião pública, cujo "retrato final" foi oferecido pelas pesquisas. A verdadeira política se faz nesse longo processo de formação da opinião pública, e não apenas no calor de uma campanha eleitoral, em que ideias já se encontram cristalizadas. Se os tucanos em todos esses anos não souberam defender o que fizeram, fica, de fato, difícil em poucos meses e semanas reverter uma situação desse tipo.
Neste deserto de ideias, sobra como alternativa nos apegarmos ao discurso da presidente eleita e no que resta de propostas das oposições. Dilma, em seu discurso de vitória e em manifestações posteriores, foi extremamente sensata, tendo sabido captar a importância do momento. Mostrou-se à altura deste, com um discurso de união nacional que poderia ser subscrito pelos oposicionistas. Fez veemente defesa da democracia representativa, da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, do Estado de Direito, posicionando-se, mesmo, contrária às invasões de prédios públicos e de propriedades privadas pelo MST. Sinalizou também um afastamento do Irã, por seus atos de barbárie contra as mulheres. Em algumas dessas questões, demarcou-se de seu mentor. Convém, porém, fazer um acompanhamento de seus passos, para que possamos melhor avaliar se essas ideias vieram para ficar ou não. Seria altamente promissor saber que a nova presidente não é uma "metamorfose ambulante"!
Os tucanos, perdidos, estão na obrigação de se reinventar. Deverão fazer uma avaliação rigorosa de três fracassos sucessivos, em 2002, 2006 e 2010. Deverão apresentar ideias e concepções que deixem claro ao eleitor brasileiro o que significa o seu nome: "social-democracia". Deverão, enfim, fazer uma defesa do seu próprio legado e, em particular, enfrentar a questão das privatizações e, com ela, as das reformas tributária, previdenciária e política. Não podem omitir-se. Se o fizerem, estarão destinados novamente ao fracasso em 2014.

O Supremo em débito

O Supremo em débito
ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR – O Estado de São Paulo
Não é nada agradável ter de dizer isto, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) ficou devendo ao País uma decisão menos vacilante a respeito da lei que impede a candidatura de políticos qualificados como "fichas-sujas". Ao empacar num empate por 5 votos a 5 e delegar a um tribunal inferior - o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - a competência para decidir a questão, os ministros do Supremo se desvalorizaram perante os olhos de todos os que aguardavam uma posição mais firme. Enfim, como Pilatos, lavaram as mãos.
Quando esse órgão máximo da Justiça brasileira, guardião carimbado da Constituição federal, vacila diante de uma lei que admitiu a ilegalidade de condutas que nenhuma lei anterior qualificava como ilegais, resta a conclusão de que boa parte da garantia dos cidadãos foi por água abaixo.
Enfim, a partir desse vazio, e do péssimo exemplo, qualquer comportamento atualmente tido como regular poderá no futuro ser admitido como criminoso por lei posterior que assim disponha.
Agir dessa forma, ou seja, admitir que uma lei retroaja para prejudicar, ao invés de beneficiar, o Supremo Tribunal externou desprezo ao princípio constitucional, universalmente aceito, de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, e que está na raiz de existência do próprio Supremo Tribunal Federal.
Tal disposição, denominada princípio da legalidade, não poderia ser ignorada no caso dos "fichas-sujas", porque está expressa na Constituição federal e dá suporte praticamente a todo o arcabouço jurídico do País.
Sabidamente, o princípio da irretroatividade das leis é também princípio constitucional complementar ao da legalidade, porque permitir retroação significa - como se viu no caso dos "fichas-sujas" - considerar irregulares, ilegais ou criminosos fatos que não estavam submetidos a norma legal alguma quando foram praticados.
O artigo 5.º, XXXIX, da Constituição federal, dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Isso vem desde os primórdios do Direito romano, pelo brocardo nullum crimen nulla poena sine lege (não há crime nem pena sem lei preexistente), que atravessou os séculos e constitui garantia e direito subjetivo de qualquer cidadão.
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a questão, teve comportamento escorregadio, que levou em conta, quem sabe, orgulho e vaidades pessoais, que resultaram em esquecer o que mais importava: o respeito à Constituição e às leis.
A chamada Lei da Ficha Limpa é bem-vinda e poderia representar um avanço no processo democrático do País, não fosse a decisão contrária ao Direito de permitir que tenha eficácia anteriormente à data da publicação. O comportamento do Supremo Tribunal Federal impôs um buraco negro na vida legislativa do País, ou seja, deixou-nos diante de um retrocesso no Estado de Direito.
A interpretação forçada de que não se trata de retroação da lei, mas de simples indeferimento de candidaturas de políticos com passado não recomendável, equivaleu a negar vigência a princípios constitucionais de extrema relevância, que não poderiam ser ignorados.
O indeferimento de candidaturas de políticos ligados à corrupção ou a comportamentos inadequados é algo para ser recebido com festa e champanhe, mas não nas circunstâncias atuais, que considerou criminosas ou infratoras determinadas condutas que nenhuma lei definia como inadequadas na época de sua prática.
Afastar tais políticos por essa forma deveria ser motivo de alegria, não do luto decorrente de estarem desmoronando princípios constitucionais que são a garantia de qualquer brasileiro.
O pior é que restou a ideia de que houve submissão judicial aos anseios da população, compreensivelmente engajada na luta para afastar os "fichas-sujas". Não se pode compreender que juízes julguem ao sabor dos ventos, porque estes mudam de direção a toda hora. Juízes não assumem suas funções para agradar ou desagradar, mas para dizer o direito que emerge da Constituição e das leis.
Essa má impressão, que é pública, alcançou os diferentes Tribunais Regionais Eleitorais do País e o próprio Tribunal Superior Eleitoral, cujos juízes acabaram afrouxando o rigor e a lucidez, que deveriam ser marca registrada da magistratura.
Em verdade, restou a ideia de que houve um esforço nada jurídico para agradar e com isso permitir que tivesse eficácia uma lei não a partir de sua publicação, mas com inconstitucional retroação. Esse é um erro muito grave, não quanto ao espírito da lei, que é ótima, mas pela condescendência que se fez, criando um precedente perigoso.
É pacífico o entendimento de que a definição legal de crime ou de simples infração administrativa, assim como a previsão de pena ou de sanção, hão de preceder o fato tido como delituoso.
Sem lei anterior que tenha assim disposto, torna-se realmente incômodo observar que o Supremo Tribunal Federal e os tribunais eleitorais indeferiram o registro de candidaturas de políticos cuja conduta não era considerada irregular por lei à época em que foi praticada.
Não é o caso de defender esses políticos ou a sua conduta. O que se deve defender é a impossibilidade de serem punidos por fatos que não estavam previstos em lei no momento de sua prática, uma vez que a violação desses princípios representa uma perda para cada um de nós, principalmente os que amam o Direito.
Lembrando Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, forçoso é concluir: se vierem a dobrar, não será para festejar a lei "ficha-suja", mas para tornar patente o que cada um de nós perdeu com isso.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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