quinta-feira, julho 22, 2010

Perda da eficácia do aval

Perda da eficácia do aval


Uma cooperativa ajuizou ação monitória contra duas pessoas, alegando ser credora dos dois, em razão de borderô de desconto da nota promissória, oriundo de crédito em conta-corrente. O avalista opôs embargos à monitória e o juízo de primeiro grau julgou improcedente a monitória em relação a ele e procedente em relação ao devedor principal. O TJMG manteve a sentença. A cooperativa recorreu, porém o STJ afirmou que o aval é instrumento exclusivamente de direito cambiário, não subsistindo fora do título de crédito ou cambiariforme, ou, ainda, em folha anexa a este; e, assim, inexistindo a cambiariedade, o aval não pode prevalecer, existindo a dívida apenas em relação ao devedor principal.
O aval é instrumento exclusivamente de direito cambiário, não subsistindo fora do título de crédito ou cambiariforme, ou, ainda, em folha anexa a este. Assim, inexistindo a cambiariedade, o aval não pode prevalecer, existindo a dívida apenas em relação ao devedor principal. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso da Cooperativa de Crédito Rural dos Cafeicultores e Agropecuaristas em Guaxupé Ltda..
No caso, a cooperativa ajuizou uma ação monitória contra Cláudio Bonfim e Carlos Wagner Bonfim, alegando ser credora dos dois, na importância de R$ 7.866,12, em razão de borderô de desconto da nota promissória, oriundo de crédito em conta-corrente.
O avalista, Cláudio Bonfim, opôs embargos à monitória e alegou que não há nota promissória da qual o borderô é derivado e que o aval não poderia ser lançado neste documento, sem a cambial. De resto, sustentou também a ilegalidade dos encargos cobrados.
O juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Guaxupé, em Minas Gerais, julgou improcedente a monitória em relação ao avalista e procedente em relação ao devedor principal, Carlos Wagner Bonfim. Inconformada, a cooperativa apelou, mas o Tribunal de Justiça do Estado manteve a sentença.
No STJ, a cooperativa alegou que a imprecisão técnica, no que diz respeito ao aval prestado em borderôs de descontos, não pode servir de subterfúgio aos que desejam esquivar-se do cumprimento de obrigação solidária. Assim, a expressão avalistas deve ser tomada em consonância com o disposto no artigo 85 do Código Civil, por coobrigado, co-devedor ou garante solidário.
Em seu voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, citou precedentes do STJ no sentido de que prescrita a ação cambiária, o aval perde eficácia, não respondendo o garante pela obrigação assumida pelo devedor principal, salvo se comprovado que auferiu benefício com a dívida.
Na hipótese, a nota promissória não foi anexada e o autor pretende impor ao avalista a obrigação solidária, com base em borderô de desconto, o que é inviável segundo a jurisprudência citada, afirmou o ministro.
Entretanto, o relator destacou que o TJ, quando não estiver em testilha normas de ordem pública protetivas do consumidor, como é o caso, não pode, de ofício, cortar encargos supostamente ilegais. É certo que essa Corte possui entendimento pacífico de que, nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas, disse o ministro.
Processo: REsp 707979
Ação monitória:“o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que possa requerer a juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega de coisa para satisfação de seu direito”. Nelson Nery Jr.
Aval: O aval é a garantia pessoal de pagamento de um título de crédito dada por terceiro (avalista), pessoa física ou jurídica ao emitente devedor ou endossante (avalizado). 
Direito cambiário -  Conjunto de normas que disciplinam as relações jurídicas entre as pessoas vinculadas em operação de natureza cambial. 

Newton Silva, para O Jangadeiro Online

Mosaic Jellyfish


Fotografia por Fiene Melissa  A água-viva mosaico flutua serenamente nas águas do Mar de Coral, cerca de 100 milhas náuticas de Cairns, na Austrália. As medusas são onipresentes nos oceanos da Terra.Eles podem crescer em água quente e fria, ao longo da costa ou no fundo. Seus corpos são cerca de 95 por cento de água. E embora eles não têm cérebros, água-viva, de alguma forma foi inteligente o suficiente para sobreviver por mais de 500 milhões de anos.

Não há como obrigar mulheres a se candidatar, diz Cureau

Não há como obrigar mulheres a se candidatar, diz Cureau 

IG - 22/07/2010

Mudança na lei obriga presença de 30% de mulheres nas chapas das eleições proporcionais, mas quase nenhuma cumpriu a legislação
A Vice-Procuradora-Geral Eleitoral (PGE), Sandra Cureau, disse ao iG que não há como obrigar os partidos e coligações a cumprirem um dos dispositivos da nova Lei Eleitoral. No caso, a participação obrigatória de 30% de mulheres nas eleições proporcionais – para deputado federal e Estadual. Em seu entendimento, a legislação deve acabar funcionando, na prática, como a anterior, quando a obrigação era somente de se reservar a porcentagem das vagas.
“A menos que se comprove que, intencionalmente, o partido ou a coligação excluiu pessoas do sexo feminino que pretendiam concorrer às eleições, dando preferência a candidatos do sexo masculino, entendo que não há como obrigar ao preenchimento do referido percentual se não há candidatas mulheres interessadas em disputar o pleito em número suficiente”, disse.
Além da impossibilidade obrigar mulheres a se candidatar, a PGE encontra outra dificuldade no cumprimento desta determinação legal. A nova Lei Eleitoral, ao mesmo tempo que obriga o preenchimento de 30% das vagas, não indica nenhum tipo de punição para quem não cumprir o dispositivo.
No Brasil, a média nacional de candidaturas femininas nas eleições proporcionais de 2010 ficou em 21%. Embora ainda não alcance a casa dos 30%, o número é superior aos das últimas eleições gerais, quando a média ficou em 14%.

Mulheres comemoram
Mesmo sem alcançar os percentuais previstos em lei, as vices-presidentes do PSDB, Marisa Serrano, e do PT, Fátima Cleide, comemoraram o avanço das candidaturas femininas em relação à ultima eleição.
De acordo com Serrano, o aumento no número de candidaturas deve se refletir no tamanho da bancada feminina na Câmara e nas Assembléias Legislativas. “Com o aumento eu acredito que vamos ver mais mulheres eleitas em 2010, é algo muito positivo e mostra que, mesmo com uma série de dificuldades, as mulheres vão crescendo na política”.
Cleide, por sua vez, comentou que o incremento nas candidaturas veio justamente devido à nova lei obrigar o preenchimento de 30% das vagas. Para ela, a mudança na legislação, mesmo não sendo cumprida inteiramente, foi a responsável pela expansão das candidaturas.
“Considero o aumento de mulheres algo muito bom, e isso aconteceu graças à lei que obriga a apresentação de 30% de mulheres. Nas próximas eleições devemos atingir os 30%”, pontuou.

Faltou a Maria da Penha

Faltou a Maria da Penha 

Correio Braziliense - 22/07/2010

Mônica Sifuentes - Desembargadora do TRF da 1ª Região

Dizem que mandou prender a namorada, torturar, cortar em pedaços e atirar aos cães. Ninguém em juízo perfeito suporta mais ouvir falar das crueldades diuturnamente reveladas sobre a morte da modelo Eliza Samudio, atribuída ao goleiro Bruno. Não sei se me incomodam mais os detalhes macabros do caso, avidamente esmiuçados, como aqueles sobre como os cachorros comeram o corpo da modelo, ou o ar de indiferença, de quem não tem nada a ver com isso, do antes idolatrado atleta. Espera-se que a polícia consiga desvendar rapidamente o caso, poupando a todos, especialmente as famílias dos envolvidos, de maiores sofrimentos. Vale anotar que de outro bárbaro crime, ocorrido há pouco mais de um ano na capital federal, do qual foram vítimas conhecido advogado, sua mulher e sua funcionária, até hoje se aguarda o resultado das investigações. Surpreende saber, no entanto, que em outubro do ano passado Eliza Samudio formulou pedido de proteção à Vara de violência doméstica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Afirmou que havia sido sequestrada por Bruno e temia novas agressões. O pedido tramitou pela burocracia judiciária, passando por várias mãos. Primeiro, considerou-se que o caso não era de violência doméstica, porque Bruno e Eliza não eram casados e nem viviam juntos, motivo pelo qual foi enviado para a Vara Criminal. Daí passou pela delegacia de Polícia, virou inquérito policial, foi ao Ministério Público e culminou com um singelo e lacônico despacho: “junte-se aos autos”. Enquanto esse inquérito ainda dormitava pelas prateleiras das repartições públicas em Jacarepaguá, outro se iniciava em Minas Gerais: o que apurava a morte daquela mesma vítima que pedira proteção. 

O trágico caso representa a mais cristalina imagem da negligência que ainda impera no tratamento dos casos de violência contra a mulher pelas nossas autoridades. A decisão de não apurar a notícia do crime na vara especializada em violência doméstica teve como base o fato de que o relacionamento de Eliza e Bruno fora esporádico e, embora tivessem tido um filho, não chegaram a constituir uma família. Creio que uma leitura mais detida da lei que regula os casos de violência contra a mulher teria conduzido a autoridade responsável pelo caso a conclusão diversa. A Lei nº 11.340, de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi concebida não apenas para cuidar da violência doméstica, entendida como aquela que ocorre entre quatro paredes, no ambiente familiar. 

Tem a lei dimensão mais ampla, pois logo no preâmbulo está posto o seu objetivo de regulamentar também a aplicação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher, ratificada pelo Brasil em 1995. Ademais, o artigo 5º da Lei Maria da Penha considera como violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, praticada não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Essa era, ao que tudo indica, a situação da vítima com o suposto autor ou mandante do homicídio: a existência de relação íntima de afeto, comprovada pelo nascimento do filho em comum, ainda que sem coabitação. 

Não cabe afirmar ou mesmo conjeturar sobre se o crime teria ou não ocorrido, acaso tivesse sido o pedido de proteção formulado por Eliza correta e imediatamente processado. Mas afirmar que a ausência de relacionamento de natureza familiar ou doméstica da modelo com o goleiro afastava a competência da vara especializada em violência contra a mulher é, com todo o respeito, interpretação discriminatória e contrária aos claros objetivos da lei. Há que se situar esse exemplo em um espectro mais amplo, que reflete certa displicência e, porque não dizer, descaso, quando se trata de questão relativa à violência contra a mulher. . Ah, isso faltou.

Leandro, no Diário de Guarulhos

Pinguim chama atenção de crianças em Cabo Frio

Pinguim chama atenção de crianças em Cabo Frio

Animal foi encontrado por um turista e levado para um posto guarda vidas.
Esse ano, outros dez pinguins já foram encontrados em Cabo Frio.

Um pinguim foi encontrado na tarde desta quarta-feira (21) na Praia do Forte, em Cabo Frio, na Região dos Lagos. O animal foi a atração para algumas crianças que estavam de férias na praia. O pinguim foi encontrado por um turista e levado para o posto dos salva-vidas. O animal estava com uma aparência bem cansada.

Nesta época do ano, a chegada de frentes frias ao litoral faz com que os pinguins se desviem de suas rotas migratórias na Patagônia argentina, a região mais fria da América do Sul, e acabam indo parar na região.
Esse ano, outros dez pinguins já foram encontrados em Cabo Frio. Todos foram soltos longe da costa para que pudessem encontrar novamente a corrente marinha, o meio de transporte para retornarem às terras geladas.
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/07/pinguim-chama-atencao-de-criancas-em-cabo-frio.html

Erasmo, para o Jornal de Piracicaba

Expressão de vontade

Expressão de vontade
Dora Kramer
O Estado de S. Paulo - 22/07/2010

No geral o eleitorado cresce, mas o registro de jovens (16 e 17 anos) votantes decresce. Eles eram 2,5 milhões na última eleição presidencial, quando havia 125,9 milhões de eleitores no Brasil, e são 2,3 milhões agora, quando há 135,8 milhões de pessoas aptas a votar no País.
A primeira e mais óbvia explicação que nos ocorre é o desinteresse motivado pela desqualificação da mão de obra do ramo: quanto menos confiança inspira a atividade política, mais afastados tenderiam ficar os jovens.
Mas por que só os jovens e não os eleitores como um todo? 
É o tipo da pergunta que não se pode responder apenas pelo exame dos registros da Justiça Eleitoral, porque adolescentes de 16 e 17 foram autorizados a votar a partir da Constituição de 1988, mas o direito é facultativo. Nessa idade só vota quem quer.
Dos 18 aos 70 anos de idade (a propósito, entre os setentões o eleitorado cresceu de 5,5 milhões em 2006 para 6,2 milhões em 2010) o voto é obrigatório; o registro, portanto, compulsório. 
Pelo critério aplicado aos jovens de 16 e 17 anos fica impossível saber se o desinteresse se estende, ou não, a outras faixas etárias, classes sociais e níveis de escolaridade. 
Saber ninguém sabe ao certo o motivo da redução de eleitores entre os adolescentes. Culpar a torpeza dos políticos e a inépcia dos partidos é sempre mais fácil. Inclusive porque pode realmente ser um dos fatores, senão o principal.
Talvez valesse a pena perguntar a eles numa pesquisa específica. Na consulta empírica a (des)motivação varia, mas não varia muito: uns dizem que não têm paciência de pensar no assunto, outros alegam que não há estímulo temático ou pessoal.
Ou seja, a agenda em pauta não é estimulante e os candidatos também não justificam "o trabalho" de prestar atenção no tema, escolher um deles e no dia determinado ir até a seção eleitoral para votar.
Note-se um aspecto não explorado dessa questão: para o bem ou para o mal, a expressão de vontade é um dado essencial na discussão sobre o voto do adolescente, coisa que não é levada em conta no voto dos demais. O mesmo ocorre com os maiores de 70 anos. 
Argumenta-se que o voto deve ser obrigatório porque o dever cívico é um imperativo sem o qual a democracia correria o risco de sucumbir à ilegitimidade, pois "o brasileiro" não teria condições de discernir sobre a importância do exercício desse direito e tenderia a se ausentar em massa. Faltaria acrescentar ao arrazoado "por preguiça".
Traça-se também um paralelo entre o voto e o pagamento de impostos. Se este é obrigatório aquele também deve ser, diz-se.
Pois bem, mas a faixas em tese economicamente não ativas e, no caso dos púberes, ainda não amadurecidas sob vários aspectos (o cívico inclusive) é conferida a prerrogativa da escolha.

Um contrassenso.
Conviria pesquisar se a maioria do eleitorado (126,5 milhões, descontados os jovens de 16 e 17 anos e os adultos entre 70 e 79 anos de idade) também não estaria profundamente desinteressada em participar da política, por meio de eleições, em virtude da pobreza da temática e do desempenho da mão de obra à disposição no mercado.
Se o voto fosse facultativo para todos isso poderia ser medido tal como se mede agora o grau de envolvimento dos adolescentes. Registradas quedas, provavelmente partidos e políticos ver-se-iam na obrigação de melhorar e estaria, portanto, estabelecida uma relação mais justa entre o direito de votar e o dever de merecer ser eleito.
Nisso se insere - em lugar de absoluto destaque, registre-se - a decisão dos candidatos de participar ou não de debates. Nesse assunto, e em vários outros, mandam os marqueteiros: reza a norma deles que quem está na frente nas pesquisas, não é bom de serviço na arte da comunicação ou não tem suficiente preparo para enfrentar um embate não deve se arriscar a um acidente de percurso.
Perfeito. Mas e o eleitor entra onde? Na obrigação de comparecer em 3 de outubro?
O ideal seria que pudesse escolher só votar mediante o estabelecimento de uma relação mais justa entre o direito de escolher e a obrigação de merecer ser eleito.

Thomate, hoje no A Cidade(R. Preto)


Um copo de vinho, Sr. Marx?

Um copo de vinho, Sr. Marx?
Martin Jacques
Publicado em GRAMSCI E O BRASIL
Tradução: Zander Navarro
Houve uma batida na porta. “Entre”, eu disse. Era o momento pelo qual eu tinha aguardado. Ele era um pouco menor do que eu esperava, mas não menos imponente, com seus longos cabelos, agora na maioria grisalhos, e uma barba. Suas feições eram um tanto mais escuras do que imaginara. É claro, pensei: “O velho Mouro” [1]. Ofereci uma cadeira, agradecendo por reservar aquele tempo para a entrevista. Ele balançou os ombros, olhou para o gravador com alguma perplexidade e esperou que eu começasse.
“Sr. Marx, o Sr. escreveu no Manifesto comunista, às vésperas da revolução de 1848: ‘Um espectro assombra a Europa, o espectro do comunismo’. O espectro que agora assombra a Europa parece ser muito mais o capitalismo”.
Comecei a explicar o que ocorrera em 1989, mas ele interrompeu com alguma impaciência. “Eu sei, eu sei. Tenho seguido os eventos, não durmo enquanto estou na Sala de Leitura”. “É claro”, pensei, “assento G7” [2]. Como ele parecia bem informado sobre as notícias, apressadamente revisei a minha entrevista.
“O que pensa de 1989? É o fim do comunismo?”
“É fascinante. Um ano notável. Sob alguns aspectos, é como em 1848. Um movimento popular irresistível em muitos países e todos ao mesmo tempo. Mas, desta vez, as revoluções provavelmente sobreviverão. Essas são revoluções pela democracia. Acho que 1989 é o final de 1917. É o final da era da Revolução Russa. Suspeito que ela fracassou”.
Fiquei espantado com a sua disposição de descartar muito do que, afinal de contas, tinha sido feito em seu nome. “Mas”, respondi, “desde o final da década de 1860, o Sr. mesmo passou a ver a Rússia como a candidata mais provável para a revolução”.
“Também escrevi, com Engels, que uma revolução russa poderia ‘oferecer o sinal para a revolução proletária no Ocidente, de tal forma que uma complementaria a outra’ (está no prefácio de uma nova edição russa do Manifesto comunista). Foi o que quase aconteceu. Quase ocorreram revoluções em diversos países europeus no período imediato à Primeira Grande Guerra, para não mencionar apenas a Alemanha, é claro. Mas não era para acontecer. E a Rússia estava no seu próprio caminho, um país com um proletariado muito pequeno e sem tradição democrática. Era a receita para um regime autoritário cruel. E foi exatamente o que ocorreu. Prevíamos o socialismo em termos de emancipação, autogestão e uma avassaladora maioria. Mas, de fato, ocorreu o contrário. Foi um socialismo em nome do povo, mas nas mãos de uma minoria”.
“Mas tudo foi realizado com suas ideias, em seu nome”.
“E daí?”, ele retrucou. “O marxismo se transformou em muitas e diferentes tradições. Esta foi uma delas, e no início parecia promissora. O problema é que ela se tornou ‘o’ marxismo. Tornou-se a linha oficial. Todas as outras tradições, como aquela da Segunda Internacional, foram deixadas na escuridão, foram excomungadas [3]. Como resultado, o marxismo, que tinha crescido no Ocidente, ficou indissoluvelmente ligado ao Oriente, ao atraso, ao despotismo. O socialismo foi separado da democracia. Foi uma tragédia”.
Estava surpreso com a franqueza de Marx. Mas talvez ele estivesse sendo, primeiramente, um filósofo, e somente depois um militante, a despeito do que está escrito em seu túmulo, no Cemitério de Highgate [4]. Insisti um pouco mais: “Mas, certamente, o Sr. precisa aceitar alguma responsabilidade pelo que foi feito em seu nome. Certamente, existia algum autoritarismo incipiente em sua própria perspectiva...”
“Com a nossa ênfase sobre as leis da história e a inevitabilidade do socialismo, demos crédito a um certo autovirtuosismo, a um elitismo, à ideia de que os fins justificam os meios. Mas você não pode seriamente me tornar o responsável pelo que aconteceu no tempo de Stalin, por Deus!”
“Mas o seu estilo debater e polemizar não estabeleceu um mau exemplo para seus seguidores? Foi marcado por um grau de intolerância imitado por muitos, incluindo Lenin”.
Marx parecia incomodado. Gesticulando vigorosamente, disse: “Era a cultura do meu tempo, especialmente nos círculos de refugiados de Londres. De qualquer forma, não posso ser acusado pelo comportamento de outros que sequer conheci”.
“Em seus escritos, o Sr. previu o socialismo como uma consequência inevitável do capitalismo. O Sr. não disse isso uma vez, mas mil vezes. O Sr. escreveu com extraordinária perspicácia sobre o capitalismo, de tal forma que atualmente muitas pessoas que jamais sonhariam se chamar de marxistas foram influenciadas por suas ideias. O Sr. escreveu muito sobre revoluções, particularmente sobre 1848 e a Comuna de Paris. No entanto, escreveu muito pouco sobre o socialismo. Quando os bolcheviques tomaram o poder, eles herdaram pouco mais do que uma folha de papel em branco”.
“Suponho que assumimos que, ao chegar o momento, seria relativamente claro o que precisava ser feito. Fomos culpados, creio, de um certo utopismo. Tudo estaria logo acertado já da noite para o dia. A outra razão é que isto nunca pareceu ser a principal prioridade. Sempre pareceu fazer parte do futuro. Entender o capitalismo era mais importante do que sonhar sobre o socialismo”.
“Está bem, vamos conversar sobre o capitalismo. O Sr. fez duas previsões. Primeiro, que o capital iria se concentrar cada vez mais, que a natureza privada de sua apropriação ficaria mais e mais evidente. E, segundo, que o proletariado industrial cresceria ao ponto de representar a vasta maioria da população e, assim, se tornar o motor central de uma nova sociedade, o socialismo. Mas esta última tendência nunca ocorreu. O proletariado industrial está agora contraindo rapidamente. E a população trabalhadora, longe de ficar mais homogênea, está, de fato, se tornando crescentemente heterogênea”.
“Sejamos claros acerca da história, primeiramente. Depois que saí de cena [5], o proletariado industrial continuou a crescer com grande velocidade em toda a Europa. Isto foi verdadeiro até 1945. Foi somente durante os anos cinquenta que a classe trabalhadora industrial começou a declinar como proporção da força de trabalho. Além disto, ela tinha ficado rapidamente organizada, mais consciente do que eu tinha antecipado”.
“Sua interpretação é válida para a Europa, mas não muito para outros lugares, como os Estados Unidos, por exemplo”.
“É verdade. Em geral, não entendemos bem os Estados Unidos. De qualquer forma, deixando aquele país de lado, aceito que, desde os anos cinquenta ou por aí, a previsão acerca da crescente preponderância do proletariado industrial empacou. É agora claro que o crescimento do proletariado foi a característica de uma era, e não uma tendência permanente. Agora, ele está em declínio. Até o final deste século, constituirá menos de 20% da população trabalhadora deste país”.
“Exatamente. O que significa que durante um tempo o Sr. estava certo sobre a centralidade da classe trabalhadora como motor da mudança, mas esta era agora passou. A classe trabalhadora está em declínio. A sua ação histórica a favor do socialismo não existe mais”.
“Concordo. Foi o nosso grande erro. Durante algum tempo estávamos corretos. De fato, estivemos certos durante setenta anos mais ou menos, até que me rendi. Mas aquela não foi uma conclusão desprezível. Agora não é mais assim; a história pregou uma peça no velho Marx. Além disto, suspeito que o nosso conceito de socialismo deve ser repensado. O que o socialismo quer dizer sem o seu centro social de mudança? Acho que estamos de volta à elaboração”.
De novo, estava surpreso com a disposição de Marx de enfrentar frontalmente os fatos, mesmo quando esses afetavam os fundamentos de seu pensamento. Mencionei isto para ele, que me recordou sua máxima favorita: De omnibus dubitandum (É preciso duvidar de tudo). Precisávamos de alguma “lubrificação” e lembrei-me de como ele gostava de vinho tinto. Ele respondeu com entusiasmo à ideia, embora um tanto surpreso que o Weekend FT não pudesse oferecer um vinho melhor [6].
Continuou: “Discutimos somente uma das minhas duas previsões. Parece-me que a outra era notavelmente precisa. Quaisquer que sejam as tendências à descentralização no interior das firmas, tem ocorrido uma enorme concentração do capital. Veja as grandes companhias globais. Além disto, sempre insisti que o capitalismo era um sistema revolucionário. Mas nunca sugeri que tinha esgotado o seu potencial, embora admita que mesmo eu estou surpreso por sua vitalidade na segunda metade do século 20”.
E ainda: “É a minha vez de citar meus escritos para você. ‘A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e em consequência as relações de produção e, com elas, as relações totais da sociedade. Um constante revolucionar da produção, a permanente perturbação de todas as condições sociais, uma duradoura incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Todas as relações que são fixas, congeladas, com o seu padrão de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis, são varridas... tudo o que é sólido se desmancha no ar’. Nada mal, hein? E escrevi isto em 1848, bem antes do meu trabalho em O capital. Não é uma má descrição daquela década”.
“Não há nenhuma dúvida de que o Sr. foi extraordinariamente preciso acerca do dinamismo do capitalismo. Aliás, o Sr., mais do que qualquer outro, influenciou as pessoas que pensam sobre o assunto atualmente. Ao mesmo tempo, no entanto, o Sr. subestimou inteiramente a capacidade de adaptação do capitalismo, de construir um sempre crescente padrão de vida. Mais, o Sr. realmente não imaginou que era um sistema capaz de reformar-se, de se tornar bem mais humano do que era quando escreveu”.
Marx se curvou para frente, serviu-se de outra taça de vinho, parou por um momento e então disse: “Certamente, subestimei a capacidade de a classe trabalhadora, através da organização coletiva, contrapor-se à tendência de sua renda estagnar ou declinar. Isto está claro. Mas contesto em parte o segundo ponto. Já bem antes que eu saísse de cena, partidos socialistas de massa, normalmente se intitulando de marxistas, estavam se enraizando e abrindo caminhos em termos de reformas. Engels e eu reconhecemos a importância fundamental do voto universal. Você conhece a introdução de Engels para o meu livro A luta de classes na França, escrita em 1895? Ali ele argumenta que o voto universal tornara obsoletos os métodos insurrecionais de 1848 e a Comuna de Paris. Mais, ele sugeriu também que o Estado poderia ser reformado por dentro”.
“De qualquer forma, as reformas realizadas na Europa Ocidental certamente foram além dos seus sonhos mais intensos. Em seus últimos dias, é verdade que o Sr. reconheceu o valor das reformas graduais, e até mesmo viu este caminho como a melhor esperança naquele tempo, mas sempre com base na crença de que num certo momento ocorreria uma revolução. Examinando agora em perspectiva, o Sr. seria simpático a um de seus seguidores, o revisionista Eduard Bernstein, que se tornou um poderoso defensor do gradualismo, ao ver o processo de reforma como mais importante do que a meta final, a revolução?”
Marx pareceu incerto sobre como responder. Alisou a barba e disse:
“Em retrospecto, acho que estava certo até o fracasso das revoluções na Europa Ocidental, no início do século 20. Aquele período marcou o final da possibilidade de revoluções nos países capitalistas avançados. A melhor opção passou a ser o caminho da reforma. Os partidos da Segunda Internacional, como a Social Democracia alemã, provavelmente ofereceram o melhor modelo de longo prazo”.
“Se é assim, o Sr. vê o seu legado pensando na União Soviética ou, por exemplo, na Suécia?”
“Ambos são parte do legado. Mas agora está claro que o primeiro caso se esgotou, fracassou. Por outro lado, a tradição social-democrata permanece plena de possibilidades históricas”.
Marx tirou seu relógio de bolso do lado esquerdo do colete.
“Preciso seguir meu caminho”, disse. “Preciso encontrar uma pessoa em Maitland Park Road” (a sua casa anterior).
“Brevemente, então, um ou dois temas finais. Onde tudo isto deixa o marxismo no final do milênio?”
“Vamos ser claros. Nunca subscrevi o marxismo. Lembre-se quando eu disse: ‘Tudo que sei é que não sou um marxista’. Mas não posso negar que agora existe uma tradição marxista. Parece que o sentido de 1989 é que o cordão umbilical que ligava o marxismo a 1917 está rompido. O marxismo finalmente se tornou plural, se tornou marxismos. Ao mesmo tempo, perdeu a sua exclusividade. Assume seu lugar ao lado de outras tradições em posição de igualdade e não de predominância. Depois de mais de um século, é assim que deveria ser”.
“Mas, então, o que permanece?”
“Acho que já respondi muito sobre isto. Apenas acrescentaria que o capitalismo está vivo e saudável e, da mesma forma, portanto, está a desigualdade e a injustiça. Está tudo à nossa volta”.
“O Sr. tem algum arrependimento em sua vida?”
“Por que deveria ter? Citando Hamlet:
Sure, he that made us with such large discourse,
Looking before and after, gave us not
That capability and godlike reason,
To fust in us unused...” [7]
Quando percebi, ele já tinha saído. Cocei meus olhos. Teria sido um sonho ou uma exclusiva para terminar com todas as exclusivas?
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Martin Jacques é professor visitante da London School of Economics. Foi editor da revista Marxism Today (1977-1991). É autor de When China Rules the World. The Rise of the Middle Kingdom and the End of the Western World (2009). Esta “entrevista com Karl Marx” foi originalmente publicada no Financial Times, Londres, em 10 de janeiro de 1990.
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Notas
[1] Apelido de Marx entre seus familiares e amigos.
[ 2] Referências à Sala de Leitura e à cadeira favorita de Marx no Museu Britânico. Foi o seu ambiente principal de trabalho, em especial, durante a década de 1850.
[3] Uma organização de partidos de esquerda (social-democratas, socialistas e trabalhistas). Nasceu em 1889, organizada pela facção marxista que rompeu com a Associação Internacional dos Trabalhadores e, por esta razão, chamada de “Segunda Internacional”.
[4] Em seu túmulo, no cemitério londrino de Highgate, estão inscritos o parágrafo final do Manifesto comunista (“Proletários de todos os países, uni-vos!”) e a igualmente famosa frase extraída das Teses sobre Feuerbach (“Os filósofos apenas interpretaram o mundo em vários sentidos; a questão é transformá-lo”).
[5] Marx morreu em 1883.
[6] O suplemento de final de semana do Financial Times, onde esta entrevista foi publicada.
[7] Shakespeare, William (1602), Hamlet. Ato IV, cena 4.

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