quinta-feira, julho 22, 2010

Ciência // A revolução da salamandra

Ciência // A revolução da salamandra
Pesquisa // Cientistas descobrem que células-tronco de um pequeno anfíbio são semelhantes às dos mamíferos. Especialistas receberam com entusiasmo a revelação por considerar que isso pode abrir uma série de oportunidades para novos tratamentos de doenças degenerativas 
Paloma Oliveto - palomaoliveto.df@dabr.com.br - Diário de Pernambuco
Brasília - Um pequeno anfíbio mexicano conhecido como axolotl (Ambystoma mexicanum) poderá revolucionar os estudos que buscam a cura para doenças degenerativas. A partir de análises feitas para entender a genética e a evolução das células-tronco em uma salamandra de 15cm, um grupo de pesquisadores da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, descobriu que as células dos animais são extremamente similares às dos mamíferos. 
De acordo com os cientistas, a descoberta possibilita uma oportunidade única para estudar as propriedades das células-tronco embrionárias e das células germinativas. E também lança luz sobre uma nova teoria evolutiva, segundo a qual a diversidade de mecanismos do desenvolvimento animal tem uma única origem, seja para seres primitivos ou mais complexos. 
"Conseguimos provas que a pluripotência - a habilidade de uma célula-tronco embrionária transformar-se em qualquer tipo de célula - é, na verdade, muito antiga em termos evolutivos. Apesar de todo o conhecimento que temos sobre elas até agora provir de pesquisas feitas com mamíferos, nosso estudo sugere que elas existem em outros animais, e não apenas naqueles que usamos em laboratório", explicou ao Correio Braziliense/Diario de Pernambuco Andrew Johnson, o principal autor da pesquisa. 
Os resultados do estudo, apresentados na semana passada durante a conferência anual sobre células-tronco da Inglaterra, foram recebidos com entusiasmo pela classe científica. "Na realidade, as células-tronco pluripotentes provavelmente existem nos embriões de simples animais, classe da qual os anfíbios fazem parte", disse Johnson.
Diferentemente de sapos, peixes, moscas e minhocas usadas como cobaias de laboratório, a salamandra axolotl, endêmica do México, tem células pluripotentes em seus embriões, equivalentes às encontradas nos embriões de mamíferos. Elas são capazes de se transformar em estruturas germinativas e em células somáticas - aquelas que formam os tecidos e os órgãos do corpo. Numa perspectiva prática, os embriões da salamandra vão fornecer ferramentas úteis para entender como manipular as células-tronco embrionárias humanas, de forma a desenvolver terapias úteis no tratamento de diversas doenças degenerativas. 
Segundo Johnson, a axolotl é uma salamandra que conserva as características primitivas dos primeiros anfíbios, os animais descendentes dos peixes que se mudaram do ambiente aquático para o terrestre cerca de 385 milhões de anos atrás. Esses primeiros anfíbios foram os ancestrais de todos os vertebrados que vivem na terra - incluindo os humanos. "Isso coloca a axolotl em uma posição perfeita para entendermos como os vertebrados se desenvolveram no solo", diz o pesquisador. 
"Descobrimos que os mecanismos genéticos que controlam o desenvolvimento dos embriões da salamandra não se modificaram à medida que os anfíbios evoluíram para répteis e, depois, mais tarde, para mamíferos", conta Johnson. "Isso explica por que as salamandras, que são anfíbios, se parecem muito mais com os lagartos, que são répteis - e, como os mamíferos evoluíram diretamente dos répteis, faz sentido que o mecanismo genético que controla o desenvolvimento embrionário continuou em grande parte intacto desde as axolotls até os humanos." 
A pesquisa mostrou que os embriões da salamandra mexicana são muito mais similares aos dos humanos do que os de sapos e de peixes, os mais estudados pelos pesquisadores. "Recentemente descobrimos que a pluripotência nas axolotls e nos mamíferos depende de um gene chamado nanog, o qual não existe em sapos. Acreditamos que esse gene desapareceu do genoma dos sapos depois que esses animais e as salamandras evoluíram separadamente de seu ancestral comum", diz Jonhson. O cientista explica que esse fato contraria uma ideia há muito tempo circulante de que as células pluripotentes evoluíram apenas com os mamíferos e sugere que essas células podem ser, na verdade, uma das estruturas embrionárias mais antigas. 
Evolução - A afirmação do cientista pode gerar uma dúvida pertinente ao que se sabe, até hoje, sobre a evolução. Como o processo evolutivo pressupõe o desenvolvimento de características que beneficiam a perpetuação da espécie, por que os sapos teriam perdido as células pluripotentes, e as salamandras, não? Segundo Johnson, uma teoria desenvolvida por sua equipe há sete anos fornece a prova de que, para os sapos, possuir esse tipo de célula seria, na verdade, uma desvantagem. 
Ele explica que a peça-chave na evolução dos vertebrados é a relação entre as células germinativas, que vão se transformar em esperma e óvulos, e o resto do organismo, chamado soma, em referência à palavra grega que significa "corpo". Se possuíssem células pluripotentes que se transformariam, mais tarde, em órgãos e tecidos, os sapos perderiam uma de suas principais características: a grande quantidade de variantes da espécie. Como não são portadores desse tipo de célula, para evoluir, os sapos precisam passar por diversas modificações físicas e fisiológicas. Dessa forma, existem quase 5 mil espécies diferentes. Isso também explica por que, desde o homem de Neandertal, extinto há 30 mil anos, a raça humana é única.
"Essa também é a razão de existirem duas formas diferentes de produzir células germinativas. Os embriões da maioria dos animais usados em laboratório, incluindo os sapos (mas não os ratos), contêm um material chamado plasma germinativo, e esse plasma traz todas as informações necessárias para as células se transformarem em óvulos e espermatozoides", diz Johnson. Na salamandra, porém, ocorre algo diferente. Os embriões deste animal não contêm plasma germinativos e, em vez disso, ele usa um sistema muito similar ao dos ratos e dos humanos. Assim, as axolotls produzem suas células germinativas a partir das células pluripotentes por um processo chamado indução - extremamente semelhante ao que ocorre em humanos. 
FOTO: A axolotl de apenas 15cm usada na pesquisa: embriões muito mais similares aos dos humanos do que se pensava Foto: Andrew Johnson/Divulgação

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