domingo, setembro 26, 2010

Paz e comunhão - Gladir Cabral

Amarildo, hoje na Gazeta (ES)


Por que tanta raiva?

Por que tanta raiva?
Carolina Benevides - O GLOBO
Popular e padrinho da candidata favorita, Lula ataca imprensa e oposição ao ver governo envolvido em denúncias.
A pouco mais de três meses de passar a faixa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria, pelo menos, dois grandes motivos para comemorar: altíssima popularidade e o favoritismo de sua candidata, Dilma Rousseff (PT), que tem chance de vencer no primeiro turno graças a isso, o que nem ele conseguiu.
Mesmo assim, Lula tem adotado um discurso raivoso nos palanques, com ataques à oposição e à imprensa diante das denúncias de tráfico de influência e corrupção no governo.
Cientista político e professor da USP, José Álvaro Moisés diz que o comportamento de Lula é estranho: Por que o presidente está raivoso, mesmo tendo tanto sucesso? Acredito que Lula não está familiarizado com a crítica e a contestação que existem numa democracia, que fazem parte de um mundo plural. Lula se diz ao lado da democracia, mas não consegue conviver com esses aspectos.
Para Moisés, o comportamento do presidente também reflete o receio de que o que a imprensa tem revelado possa afetar o resultado eleitoral.
No caso da Erenice (Guerra, exministra da Casa Civil), Lula a desqualificou dizendo que ela jogou fora a chance de ser uma grande funcionária pública. Mas o que houve no governo para permitir que ela perdesse essa chance? E a responsabilidade de Lula? Em diversos comícios recentemente, Lula atacou a imprensa Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública e o DEM precisamos extirpar da política brasileira, e disse ainda que os veículos de comunicação têm que ter controle.
Na sexta-feira, diante da queda da vantagem de Dilma sobre seus adversários nas pesquisas, o presidente já moderou o tom, dizendo que a imprensa é muito importante para a democracia.
De acordo com Marly Silva da Motta, historiadora e pesquisadora do CPDoc da Fundação Getulio Vargas (FGV), é raro um governante chegar ao fim de dois mandatos sendo tão popular. Ao conseguir esse feito, segundo ela, Lula pode ter começado a achar que pode falar e também fazer qualquer coisa: Por conta da alta popularidade, acredito que ache que é hora de acertar as contas com algumas correntes políticas e com a imprensa, que historicamente sempre deu espaço a ele.
Se a disputa eleitoral estivesse acirrada, não sei se o presidente ia atirar para todos os lados. O que vejo é Lula fazendo acerto de contas, elegendo até políticos para derrotar como os senadores Agripino Maia (DEM) e Arthur Virgílio (PSDB).
Segundo Marly, ao ter como certa a vitória de Dilma na eleição, Lula perdeu o equilíbrio: Com a margem que Dilma tem, Lula passou a ficar pouco atento ao seu comportamento. Claro que pode desejar que o DEM desapareça, mas não é bom politicamente falar isso num palanque.
Para o cientista político Murillo de Aragão, o destempero de Lula é resultado do processo eleitoral.
Lula deve se achar injustiçado, e provavelmente acredita que a imprensa destaca aspectos negativos para tentar levar a eleição para o segundo turno. No episódio da ministra Erenice, ele teve uma reação que servia ao interesse eleitoral da acusação. Bastava ter dito que o caso era sério e que ia investigar.
Sobre a declaração de que o DEM precisa ser extirpado, Aragão diz que Lula, mesmo agindo como cabo eleitoral, deveria ter pensando antes de falar: Devia ter ponderado, especialmente porque já sabia que às vésperas da eleição não poderia se retratar.
Cientista político, Fábio Wanderley Reis diz que o destempero de Lula faz parte do processo eleitoral: Há certo exagero, mas, na reta final da campanha, é complicado separar a função de chefe de Estado da de líder partidário que quer eleger sua candidata.
Melhor seria que o tom fosse outro.

Todo poder tem limite

Todo poder tem limite
EDITORIAL FOLHA DE SÃO PAULO - 26/09/10
 Os altos índices de aprovação popular do presidente Lula não são fortuitos. Refletem o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento, apesar da crise que atinge o mundo desenvolvido. Refletem, em especial, os acertos do atual chefe do Estado.
Lula teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor. Seu governo conduziu à retomada do crescimento e ampliou uma antes incipiente política de transferências de renda aos estratos sociais mais carentes. A desigualdade social, ainda imensa, começa a se reduzir. Ninguém lhe contesta seriamente esses méritos.
Nem por isso seu governo pode julgar-se acima de críticas. O direito de inquirir, duvidar e divergir da autoridade pública é o cerne da democracia, que não se resume apenas à preponderância da vontade da maioria.
Vai longe, aliás, o tempo em que não se respeitavam maiorias no Brasil. As eleições são livres e diretas, as apurações, confiáveis - e ninguém questiona que o vencedor toma posse e governa.
Se existe risco à vista, é de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras. Nesses períodos, é a imprensa independente quem emite o primeiro alarme, não sendo outro o motivo do nervosismo presidencial em relação a jornais e revistas nesta altura da campanha eleitoral.
Pois foi a imprensa quem revelou ao país que uma agência da Receita Federal plantada no berço político do PT, no ABC paulista, fora convertida em órgão de espionagem clandestina contra adversários.
Foi a imprensa quem mostrou que o principal gabinete do governo, a assessoria imediata de Lula e de sua candidata Dilma Rousseff, estava minado por espantosa infiltração de interesses particulares. É de calcular o grau de desleixo para com o dinheiro e os direitos do contribuinte ao longo da vasta extensão do Estado federal.
Esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral.
Quem acompanha a trajetória do jornal sabe o quanto essa mesma orientação foi incômoda ao governo tucano. Basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso, na entrevista em que se despediu da Presidência, acusou a Folha de haver tentado insuflar seu impeachment.
Lula e a candidata oficial têm-se limitado até aqui a vituperar a imprensa, exercendo seu próprio direito à livre expressão, embora em termos incompatíveis com a serenidade requerida no exercício do cargo que pretendem intercambiar.
Fiquem ambos advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas - e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo.

Os Segredos do Lobista - Revista Veja

 DIEGO ESCOSTEGUY E RODRIGO RANGEL
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Samuca, hoje no Diário de Pernambuco


E agora, Petrobrás?

E agora, Petrobrás?
Celso Ming – o Estado de São Paulo
Como o futebol, a política (e a história) é uma caixinha de surpresas.
Há alguns anos, o então presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentava-se como combatente contra o neocapitalismo e suas manifestações. A Bovespa, então, não passava para ele de cassino, reduto de especuladores movidos a ganância e suor de gente pobre.
Mas, hoje, o presidente Lula festejava no pregão da Bolsa a maior operação de capitalização de uma empresa em todos os tempos. Terça-feira, em cerimônia de inauguração de um trecho da Ferrovia Norte-Sul, Lula já reconhecia de peito estufado: “Eu, que passei minha vida política dizendo que era socialista, vou fazer a maior capitalização que o mundo capitalista já fez.”
Embora o governo não tenha conseguido vender todas as ações pretendidas e apesar das já analisadas barbeiragens de percurso, a operação foi bem-sucedida. E esse sucesso foi possível graças a um punhado de fatores favoráveis. Aqui vão alguns: os mercados estão inundados de liquidez; não há, no momento, grandes opções relativamente confiáveis para aplicação de dólares; apesar das questões levantadas pelos ambientalistas, petróleo hoje é fator escasso e deverá ser ainda mais raro dentro de alguns anos; e enquanto as economias do mundo rico estão se esfacelando, as dos emergentes exibem surpreendente solidez; os fundos de investimento da Ásia estão ávidos à procura de oportunidades na área de commodities…
Mas não dá para ignorar os riscos. A Petrobrás não conseguirá manter o atual ritmo de remuneração do capital porque os investimentos a serem cobertos com os recursos dessa capitalização levarão cerca de cinco anos para maturar. Além disso, precisará de mais capital para garantir seu programa de investimentos. O atual reforço foi de US$ 70 bilhões e, apenas para os próximos cinco anos, a Petrobrás precisará de US$ 224 bilhões.
Mais importante ainda, agora que se tornou a segunda maior do setor no mundo, a Petrobrás está ameaçada de gigantismo. É preciso ver até que ponto será possível garantir eficiência a uma empresa tão grande administrada pelo governo, onde há cabide de emprego e os políticos estão sempre metendo o bedelho.
O tempo dirá que efeitos essa megaoferta de ações produzirá. Em termos imediatos, dá para dizer que o Brasil está sendo mais uma vez foco das atenções no mundo das finanças. Nessas condições, atrairá ainda mais recursos. Outras empresas, nacionais e estrangeiras, acionarão operações de oferta de ações para o resto do mundo a partir do Brasil. A espanhola Repsol, petroleira global que detém um pedaço de pré-sal a explorar, já avisou que logo acionará o mercado brasileiro.
O fortalecimento do mercado de capitais do País poderá exigir um fluxo ainda mais aberto de ativos financeiros do exterior e para o exterior, sabe-se lá com que impacto sobre o câmbio. E isso, por sua vez, poderá apressar o processo de redução dos juros no Brasil, porque será preciso diminuir as oportunidades de especulação com juros (arbitragem).
A União precisa desesperadamente de recursos para fortalecer suas empresas estatais. O sucesso dessa oferta de ações parece ter criado nova percepção. A de que a capitalização das empresas estatais pode ser feita por meio de democratização do capital social sem risco de que essa operação seja depois considerada privataria. E isso pode ter consequência.

O voto, dever ou direito?

O voto, dever ou direito?
Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo
O voto é um dever cívico ou um direito subjetivo? A instigante questão diz muito a respeito da qualidade de um sistema democrático. No nosso caso, a resposta é dada pela Constituição, que torna o voto compulsório, exceção feita aos jovens entre 16 e 18 anos, eleitores com mais de 70 anos e analfabetos. Quem deixar de votar e não apresentar justificativa plausível estará sujeito a sanções. Que implicações haveria para a democracia brasileira caso o voto fosse facultativo? O primeiro efeito seria a quebra de 35% na participação da população nas eleições, conforme projeções feitas por estudiosos do sistema eleitoral. Tomando como referência o conjunto deste ano - 135.804.433 eleitores -, iriam para as urnas entre 85 e 90 milhões de eleitores. Esse volume menor não significaria, porém, enfraquecimento da nossa democracia representativa, como alguns querem comprovar sob o argumento de que o País ainda não alcançou grau elevado de institucionalização política. Tal abordagem não resiste a uma análise mais acurada.
Para início de conversa, há um dado irrefutável que precisa ser levado em consideração: com o somatório de abstenções, votos nulos e em branco, ocorre uma quebra de 25% no resultado geral, conforme se viu no segundo turno da última eleição presidencial, em 2006. Pelo visto, o voto, apesar de obrigatório, queima considerável parcela da votação, sendo razoável projetar para este ano algo como 33 milhões de votos que não entrariam na planilha da apuração. Já o voto facultativo, significando a liberdade de escolha, o direito de ir e vir, de participar ou não do processo eleitoral, abriga a decisão da consciência, calibrada pelo amadurecimento. Se milhões de eleitores poderiam abster-se de votar, por livre e espontânea vontade, outros milhões compareceriam às urnas com discernimento para sufragar nomes e partidos previamente selecionados. O processo registraria, assim, índices bem menores de votos nulos e em branco, eis que a comunidade política, ativa e participativa, afluiria em peso aos locais de votação.
É falaciosa a tese de que a obrigatoriedade do voto fortalece a instituição política. Fosse assim, os EUA ou os países europeus, considerados territórios que cultivam com vigor as sementes da democracia, adotariam o voto compulsório. O fato de se ter, em algumas eleições americanas, participação de menos de 50% do eleitorado não significa que a democracia ali seja mais frágil que a de nações onde a votação alcança dados expressivos. Como observa Paulo Henrique Soares, em seu estudo sobre a diferença entre os sistemas de voto, na Grã-Bretanha, que adota o sufrágio facultativo, a participação eleitoral pode chegar a 70% nos pleitos para a Câmara dos Comuns, enquanto na França a votação para renovação da Assembleia Nacional alcança cerca de 80% dos eleitores. Portanto, não é o voto por obrigação que melhorará os padrões políticos. A elevação moral e espiritual de um povo decorre dos níveis de desenvolvimento econômico do país e seus reflexos na estrutura educacional. Na lista do voto obrigatório estão os territórios da América do Sul, com exceção do Paraguai, enquanto a lista do voto facultativo é integrada por países do Primeiro Mundo, os de língua inglesa e quase todos os da América Central.
A facultatividade do voto, ao contrário do que se pode imaginar, animaria a comunidade política, engajando os grupos mais participativos e vivificando a democracia nos termos apregoados por John Stuart Mill, numa passagem de Considerações sobre o Governo Representativo, quando divide os cidadãos em ativos e passivos. Diz ele: "Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes -, mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, os governantes acabariam por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão somente a pastar capim uma ao lado da outra." Valorizar o voto dos mais interessados e envolvidos na política, pela via do voto consciente, pode evitar que conjuntos amorfos participem do processo sem convicção. Alguns poderão apontar nisso posição elitista. Ao que se contrapõe com a indagação: o que é melhor para a democracia, uma minoria ativa ou a maioria passiva? A liberdade para votar ou não causaria um choque de mobilização, levando lideranças e partidos a conduzir um processo de motivação das bases.
O voto obrigatório, vale lembrar, remonta à Grécia dos grandes filósofos, tempos em que o legislador ateniense Sólon fez a lei obrigando os cidadãos a escolher um dos partidos. Era a forma de conter a radicalização de facções que quebravam a unidade em torno da polis. Ao lado da proibição de abstenção, nascia também ali o conceito de distribuição de renda. Já entre nós, a obrigatoriedade do voto foi imposta nos tempos do Brasil rural. O voto compulsório se alojou no Código Eleitoral de 1932, tornando-se norma constitucional em 1934. O eleitorado abarcava apenas 10% da população adulta. Temia-se que a pequena participação popular tornasse o processo ilegítimo. Hoje a paisagem brasileira é essencialmente urbana e os desafios são bem maiores. As contrafações se multiplicam. Os desvios se amontoam. O caráter amorfo de mais de 50% do eleitorado é responsável por muitos deles. O eleitor desatento não sabe, por exemplo, que o voto num "abestado" ou na celebridade que lhe é mais simpática acabará puxando outros nomes de que nunca ouviu falar ou sonhou eleger. Também ignora o fato de que seu candidato, mesmo sendo bem aquinhoado pelo voto, poderá ter de ceder o lugar a outro, de inexpressiva votação. E, assim, o desconhecimento da mecânica eleitoral expande, a cada pleito, a leva de oportunistas.
As eleições de outubro vão demonstrar, mais uma vez, que o pasto alto, verde e farto é a cerca mais segura para acalmar rebanhos e perpetuar o status quo. Mais eficaz que o alimento do espírito, o único que pode fazer de um território bárbaro uma grande nação.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

Mayrink, para Charge Online


O maior escândalo da paróquia

O maior escândalo da paróquia
Alessandra Medina – VEJA Rio
Monsenhor Abílio, ex-administrador da Mitra e pivô do incidente no aeroporto: críticas ao antecessor no cargo - Foto:  Uanderson Fernandes/Ag. O Dia
Estudo da FGV aponta falhas administrativas e aumenta desgaste da Cúria do Rio, abalada pelo episódio do ecônomo que tentou sair do país com 53 000 euros escondidos na bagagem e na cueca
Uma figura da Igreja Católica até então despercebida ganhou destaque no noticiário de uns tempos para cá. O ecônomo, o tal personagem em questão, tem a incumbência de administrar as finanças da Mitra, como é designada a figura jurídica da Arquidiocese. Até duas semanas atrás, o cargo esteve ocupado por monsenhor Abílio Ferreira da Nova. Flagrado tentando embarcar para Portugal com 53 000 euros espalhados pela bagagem, meias e cueca, o pároco, que estava demissionário desde maio, acabou sendo afastado. Foi substituído pelo monsenhor Helio Pacheco Filho, filho de um general e ex-reitor do Seminário São José. Seu principal desafio na função é reorganizar toda a parte administrativa. Não será uma tarefa simples. VEJA RIO teve acesso exclusivo a um estudo da Fundação Getulio Vargas encomendado pela própria instituição religiosa em 2008. Após uma análise detalhada da estrutura financeira da Cúria, a FGV chegou a conclusões surpreendentes, que apontam para a falta de transparência “nos processos geradores de recursos financeiros” e nos “critérios de cobrança de luvas e aluguéis”. Entre outros alertas, enfatiza a inexistência de comunicação entre os departamentos, e que nada é documentado nem fiscalizado. Resumo da missa: uma bagunça.
Com mais de 300 páginas, o relatório esmiúça diversas vertentes de gerenciamento: a patrimonial, a financeira, a contábil e a de recursos humanos. Analisada meramente como uma empresa, a Arquidiocese do Rio exibe números grandiosos. Formada por 251 paróquias, ela possui centenas de imóveis. Todo esse patrimônio, no entanto, não lhe tem proporcionado a devida rentabilidade. De acordo com a radiografia feita pela FGV, a receita está na faixa dos 2 milhões de reais por mês, provenientes de aluguéis, doações e das esmolas dos fiéis (veja o quadro na pág. 19). Parece muito, mas em vista do capital imobilizado a soma chega a ser irrisória. Para piorar, a despesa supera o valor arrecadado, o que causa um déficit de 100 000 reais por mês. O item que mais onera o bolso da Igreja é a sua folha de pagamento, na casa de 400 000 reais. Ela emprega cerca de 1 700 funcionários que trabalham sem controle de frequência ou punição por atrasos e faltas. Concluído em novembro de 2008, o estudo sugeriu o corte de pessoal como uma das medidas necessárias para estancar a sangria financeira. Até hoje, a orientação foi ignorada.
Embora tenha uma linguagem mais afeita ao mundo dos negócios, o relatório é de leitura simples — e causa espanto. Um de seus capítulos mais reveladores aborda a “administração patrimonial e de suprimentos”. A FGV observou a inexistência de regras para monitorar a administração dos imóveis alugados. Em alguns casos, não há sequer documentos de locação. Em outros, os valores são estipulados aleatoriamente, sem levar em conta critérios terrenos como localização, oferta e procura. Ou seja: é absolutamente frouxo o controle sobre o fluxo de verbas de suas transações comerciais. De acordo com o levantamento, a Cúria tem hoje 450 contratos de locação em vigência, que lhe rendem mensalmente a quantia de 850 000 reais. Num cálculo rápido, cada uma dessas propriedades fornece, em média, 1 888 reais. Levando-se em consideração o aquecimento do mercado imobiliário carioca, até parece caridade. Um desses imóveis é o prédio de 22 andares situado na esquina da Rua São José com a Avenida Rio Branco, um ponto valorizadíssimo do Centro da cidade. Segundo corretores consultados pela reportagem, só o aluguel dessa propriedade deveria render ao locador, numa estimativa conservadora, 1 milhão de reais, mais do que toda a soma arrecadada.
Acima, fragmentos do relatório feito pela
Fundação Getulio Vargas: constatação de falta
de transparência em transações realizadas pela Arquidiocese
Em certa medida, o relatório apenas joga mais luz sobre um problema que não surgiu da noite para o dia. Antecessor de monsenhor Abílio como gestor dos bens da Cúria, o padre Edvino Alexandre Steckel foi obrigado a deixar a função, em maio do ano passado, após ser alvo de uma série de denúncias. Com ótimo trânsito na alta sociedade carioca e amante de roupas de grifes internacionais, o pároco teve como estopim de sua saída a compra de um apartamento de 500 metros quadrados no Flamengo, pelo qual pagou 2,2 milhões de reais. Chegou a circular o boato de que o imóvel seria ocupado por dom Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro entre setembro de 2001 e abril de 2009, depois que saísse de sua posição. Acusado de ser perdulário, o padre Edvino (que, por sinal, foi quem encomendou a pesquisa à FGV) andava em automóvel importado e gastou mais de 50 000 reais na reforma de uma das salas na sede da Mitra. Só por um sofá de couro teria desembolsado mais de 20 000 reais. Um adendo: tanto o imóvel quanto o mobiliário de luxo ainda não foram vendidos. Numa decisão do arcebispo atual, dom Orani Tempesta, monsenhor Abílio foi reconduzido ao posto após o afastamento do padre Edvino. Assim que reassumiu a função, lamentou não saber o destino dos 7 milhões de reais que dissera ter deixado no caixa em sua primeira passagem pelo cargo.
Dom Orani Tempesta (acima), o atual arcebispo do Rio, o ecônomo anterior, Edvino Steckel (abaixo.), e o prédio do Centro alugado pela Igreja e que é alvo de polêmica: finanças questionadas

A varredura na contabilidade constatou uma absoluta falta de informações gerenciais. Princípios básicos, adotados até por pequenos negócios como padarias e açougues, são ignorados. Um exemplo é a inexistência de controle sobre os salários dos funcionários. As remunerações são estabelecidas nas igrejas pelos próprios vigários, e, na Matriz, pelo ecônomo. Muitas vezes, para nova surpresa dos especialistas que produziram o estudo, os pagamentos são feitos em dinheiro vivo. As paróquias devem repassar 30% de sua arrecadação para a Mitra. O restante é administrado internamente, com monitoramento frágil e beirando a informalidade. De acordo com o relatório, os pagamentos de remunerações extras não são documentados, e as autorizações de aumento para os funcionários são transmitidas ao departamento de recursos humanos por telefone. Inexiste também fiscalização sobre pagamentos feitos a autônomos. Entre as recomendações apresentadas pela fundação para reordenar a vida financeira da Arquidiocese do Rio estava a implantação de um sistema de informação que integrasse os dados de todas as paróquias. Por enquanto, nada foi feito. Eis mais um mistério da fé.
Procurados por VEJA RIO, o padre Edvino, monsenhor Abílio, a Fundação Getúlio Vargas e a Arquidiocese do Rio preferiram não se manifestar.

A musculatura do PT

A musculatura do PT
Ruy Fabiano - Blog do Noblat
 Nenhuma liderança política na história do país foi tão beneficiária da mídia quanto Lula ¬- constatação que não é nova e que ele próprio já a fez diversas vezes, alternando-a com manifestações ciclotímicas de desagrado, em que lhe atribui propósito inverso, de querer destruí-lo.
Mas foi a imprensa que, ainda nos anos 70, reconheceu no líder operário que emergia um novo fenômeno na política brasileira: era popular, sem ser populista, e defendia a ascensão social das massas trabalhadoras, sem submissão ao receituário ideológico da esquerda.
O PT nasceu sob a égide desse discurso. Um discurso diferente, que, na sequência, o aproximaria da Igreja Católica e de setores progressistas da academia. Recusou todas as alianças políticas que lhe foram propostas no processo de redemocratização.
Alegava que eram representantes da "velha política", mesmo argumento ora invocado para combater a imprensa, a "velha mídia".
Mesmo na campanha das diretas, não se articulou com a frente partidária que a promoveu. Correu por fora. Não votou em Tancredo Neves no colégio eleitoral, negou apoio ao governo Sarney (de quem hoje é aliado incondicional) e, mesmo depois de destacada participação no impeachment de Fernando Collor (hoje também aliado), recusou-se a apoiar o governo de Itamar Franco, que ajudou a colocar no poder.
Chegou a expulsar Luiza Erundina e Walter Barelli por terem aceitado integrar aquele ministério. Recusou também parceria com o PSDB, proposta por FHC antes das eleições de 1994. Nada de velha política, era o argumento inabalável.
Nesse período, conforme revelou agora José Dirceu, na já memorável palestra da semana passada aos petroleiros na Bahia, o PT acumulava forças para chegar ao poder, optando por evitar o contágio com os políticos tradicionais. Colocava todos no mesmo baú, não importando se se chamavam Tancredo Neves ou Paulo Maluf. Farinhas do mesmo saco. Até o trabalhismo de Brizola era rejeitado, como herança do peleguismo varguista, visto como nocivo.
Nesse processo, que durou duas décadas, constatou, ao chegar ao poder, em 2002, que a musculatura adquirida não era ainda suficiente para exercê-lo sozinho. Submeteu-se então, pela primeira vez, ao velho – e antes rejeitado - regime de parcerias. E aí aderiu, com um apetite insuspeitado, à "velha política". O resultado é história, de que o mensalão tornou-se um marco.
O ponto, porém, não é esse. Compartilhar o poder com forças afins poderia até ter sido um avanço. Mas, além da surpresa em relação aos parceiros que escolheu – o que há de mais anacrônico na política do país -, causaram espanto a rapidez e voracidade com que assimilou práticas antes repelidas e denunciadas.
Eis, porém, que, no dizer de José Dirceu, chegou a hora de iniciar nova etapa e colocar em cena o verdadeiro projeto de poder do PT. Lula foi peça-chave na formação da musculatura do partido, agregando-lhe popularidade e quebrando resistências na classe média. Mas Lula não é o PT. Ficou até maior que o PT, segundo Dirceu, mas é apenas uma etapa dessa trajetória.
Por isso, disse, a eleição de Dilma é mais importante que a de Lula. Dilma é a materialização das propostas de base do partido, sintetizadas no Programa Nacional de Direitos Humanos 3, elaborado na Casa Civil da Presidência ao tempo em que era ministra.
O PNDH 3 resume as conferências nacionais da militância e estava, em síntese, no primeiro programa de governo de Dilma, registrado no TSE – e depois retirado, face às resistências que provocou, com propostas radicais de controle social da mídia, liberação do aborto e descriminalização das invasões de terra.
Mas, como declarou Marco Aurélio Garcia naquela oportunidade, as propostas saíram do papel "mas continuam na cabeça".
Ocorre que, numa eventual eleição de Dilma, o poder terá que ser ainda compartilhado. A parceria com o PMDB não dá ao PT a necessária autonomia política para implementar o seu programa, cujo teor está longe dos anseios de seus parceiros de chapa eleitoral.
Se vitorioso, o PT carece de mais uma etapa, que porá lado a lado a fina flor do fisiologismo político e a militância mais aguerrida, sem que haja alguém com liderança e popularidade para arbitrar os inevitáveis choques de interesses. Que começam já na escalação do governo, na divisão do butim estatal, a que ambos acorrem com o furor de tropas de ocupação.
Ruy Fabiano é jornalista

Casa Grande - Gladir Cabral

A Previdência e os candidatos

A Previdência e os candidatos
Suely Caldas - O ESTADO DE SÃO PAULO - 26/09/10
Em agosto a taxa de desemprego caiu ao recorde histórico de 6,7%, a contratação de trabalhadores com carteira assinada já se aproxima de 2 milhões e o aumento da arrecadação previdenciária fez o trabalho informal cair para 47% do mercado de trabalho. São números positivos que, aparentemente, reforçam o argumento da classe política e de alguns economistas de que a ampliação do emprego formal e da contribuição ao INSS, por si só, com o tempo tende a anular o déficit da Previdência. Portanto, seria dispensável uma reforma previdenciária. Só que os números resistem a dar a partida a essa trajetória do bem.
Em 2008 o déficit do INSS foi de R$ 36,2 bilhões, em 2009 cresceu para R$ 43,6 bilhões e para 2010 o Ministério da Previdência projeta alcançar R$ 46 bilhões. Ou seja, nos últimos três anos a crescente expansão do emprego não foi capaz de reduzir nem sequer desacelerar a trajetória de crescimento do rombo previdenciário.
Se a trajetória do INSS é ruim, mais explosiva ainda é a dos funcionários públicos federais. Em 2008 o déficit da previdência pública foi de R$ 41,1 bilhões, em 2009 saltou para R$ 47 bilhões e para 2010 não há projeção oficial, mas com certeza não ficará abaixo de R$ 50 bilhões. Ou seja, a previdência pública federal no Brasil beneficia menos de 1 milhão de aposentados, mas custa mais do que a de 27 milhões de trabalhadores privados vinculados ao INSS. Quando se fala em concentração de renda no Brasil os funcionários públicos costumam ser poupados. Obviamente por razões políticas, embora todos os anos as pesquisas do IBGE apontem Brasília como a cidade que exibe o maior PIB per capita do País. Mas veja, leitor, algumas comparações que mostram a disparidade entre a renda dos funcionários aposentados e a dos mais pobres (números do Ministério da Fazenda):
Em 2009 o déficit da aposentadoria pública beneficiou apenas 937.260 pessoas, mas foi quatro vezes maior do que o valor pago a 13 milhões de famílias pobres (50 milhões de brasileiros) que receberam dinheiro do Bolsa-Família.
O pagamento de aposentadorias e pensões desses 937 mil servidores custou ao contribuinte R$ 67 bilhões em 2009 e foi maior do que toda a verba destinada à saúde, que sustenta o SUS, toda a rede de hospitais públicos espalhados pelo País inteiro e atende, pelo menos, 130 milhões de brasileiros.
Para o contribuinte de impostos (e os pobres pagam mais do que os ricos) os 937 mil aposentados públicos custaram mais do que os 27 milhões de aposentados privados vinculados ao INSS.
Nesta campanha eleitoral os candidatos evitaram a todo custo revelar o que farão com a Previdência. É assunto que não dá voto, ao contrário, tira. Mas a matemática é uma ciência exata, não dá para brigar contra ela e os números mostram que eles terão de fazer ajustes se quiserem distribuir a renda pública com mais justiça social. Dilma Rousseff já disse que alterará a idade mínima de acesso à aposentadoria do INSS e calou em relação ao sistema público. José Serra e Marina Silva limitaram-se a mencionar genericamente a necessidade da reforma, sem nada detalhar. E os comentários que escapam das campanhas se restringem a pequenos ajustes nas regras do INSS, como fixar uma idade mais elevada (hoje é livre) para o cônjuge requerer pensão. Isso corrige uma parcela minúscula das causas do déficit, não o resolve. Tudo indica que o ajuste maior virá pela elevação da idade de acesso e rejeição no Congresso da proposta de eliminar o fator previdenciário.
Os ajustes deveriam se concentrar nos privilégios da previdência pública. Mas é improvável que a candidata com chances de vencer desafie o funcionalismo e o Congresso com propostas ousadas, como a de igualar as regras da previdência pública às do INSS, como queria Lula em 2003 e acabou desistindo. No máximo, Dilma Rousseff vai tentar alterar as regras, mas só para quem vier a ingressar no serviço público no futuro, e manter os privilégios para os atuais.
Com a população vivendo mais anos, é indispensável adaptar essa realidade aos direitos previdenciários. Mas aceitar a ideia é tão difícil...

Igreja de Madeira, Groenlândia

Fotografia por Peter Essick, National Geographic

Em passo de ganso e à margem da lei

Em passo de ganso e à margem da lei
Wilson Figueiredo - JORNAL DO BRASIL
Agora foi para valer. O presidente Lula deu a senha quando acusou a imprensa de atuar como partido político e as centrais sindicais aproveitaram a deixa para entrar na cena eleitoral como tropa de choque. Montado o quadro, a retórica presidencial insuflou o eco sindicalista e autorizou a suspeita de que se aproximava a oportunidade de coordenar ameaças, propagar a intimidação e seguir em frente. O espalhafato deu a medida da irracionalidade em curso. Pairou no ar irrespirável a expectativa de chumbo grosso por conta da prestação de serviço desnecessário, pois as pesquisas apontam resultado favorável à candidata oficial que, com perdão da palavra, anda botando preferência pelo ladrão.
A exibição de força é recurso comprometedor para quem conta, já no primeiro turno, com a maioria de votos (prometidos pelas pesquisas) suficiente para evitar a segunda prova de fogo. A exaltação presidencial, aumentada pelo receio de ocorrer a necessidade de voltar às urnas (um efeito democrático que não se destina a humilhar nenhum candidato), excedeu a racionalidade e gerou a suspeita de algo emboscado na primeira curva do percurso. Nesta encenação da fábula de La Fontaine, o papel principal coube ao presidente Lula, na pele do lobo: as pesquisas mostram a candidata Dilma Rousseff a montante do candidato José Serra e, portanto, desautorizam a alegação petista de que os jornais – vá lá, a mídia - excedem o direito de informar e opinar, e mandam às favas a versão de que os meios de comunicação usurpam o papel de partidos políticos. A diferença está no palanque oficial (e não à margem do riacho que irriga a fábula): ela, Dilma, na parte superior e ele, Serra, embaixo nas pesquisas. E, por mais que Lula deblatere, não há rio que corra para cima por mais que Lula desafine. A conclusão, como qualquer riacho que se preze, se encaminha para onde desembocam todas as suspeitas que levaram água abaixo sofismas e desculpas esfarrapadas.
Se o presidente Lula quiser salvar mais do que as aparências, valendo-se mais uma vez da alegação de que deve sua eleição à liberdade de imprensa, não pode esquecer que as centrais sindicais têm precedência na sua biografia, mas lhes falta autorização legal para assumir função de instrumento político. São as centrais sindicais, e não os meios de comunicação, que, no passo maior do que as pernas, invadem trilha exclusiva de agremiações políticas e passam por cima das convenções. O clima de agouro não melhora a posição enfática do sindicalismo que aceita o papel de agente estatal e se encarrega da missão de atravessar o espaço democrático em passo de ganso. A diferença entre a ameaça e a ação desce dos palanques, mas para fazer plantão à beira do riacho da fábula de La Fontaine.
Em dois mandatos - do mensalão detonado no primeiro mandato de Lula, à multiplicação da propina que, já no segundo, correu solta nas cercanias da Casa Civil - o ufanismo inflou o governo e subiu à cabeça do presidente Lula, mas se recusa a descer. O espírito do Conde de Afonso Celso baixou sobre o presidente e o liberou de todos os cuidados, dos gramaticais aos retóricos.
Os entendidos na variação do humor presidencial oferecem desconto de 50 por cento na dose de intolerância oficial com a liberdade de imprensa, e lembram que, para chegar a 2012 com os trunfos para se candidatar, o presidente Lula não comprometeria o patrimônio eleitoral que acumulou em intenções de votos. À democracia nem sempre basta parecer. À oposição competia utilizar sua farta capacidade ociosa e aplicar-se às funções que os eleitores lhe atribuíram. A verdade é que, se a oposição não tivesse sido tão displicente no exercício das suas responsabilidades, não haveria espaço para o que se vê e se ouve sobre matéria historicamente vencida.

Zope, para Charge Online


Alerta contra a anestesia crítica

Alerta contra a anestesia crítica
Carlos Guilherme Mota - O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Manifesto em SP aponta falhas da República de polichinelo, às voltas com euforia econômico-social
O Manifesto em Defesa da Democracia, lançado nessa semana com discreto alarde, surge tardiamente, em tempos de desencanto e ilusões nacionais perdidas. Mas quando nasceu o problema que os manifestantes denunciam, o do perigo de patrulhamento da imprensa, agora agravado com os arroubos presidenciais autoritários?
Ele vem de longe. Veja-se a censura ao estadão.com.br e ao Diário do Grande ABC.
Mas na verdade tudo começou no período pós-ditatorial, passada a animação das "lutas pelas liberdades democráticas", toleradas aliás nos estritos limites do liberalismo precário da terra.
Supondo que haja tempo, é de se esperar que os comentaristas políticos aprimorem a mira e lancem seus torpedos na direção certa. Pois o alvo não é apenas o modelo político caduco em que Lula se compõe com Sarney, Collor e a escumalha do PMDB.
É outro o alvo, para além dos tais índices de crescimento: o perigo de ainda maior esgarçamento do tecido da incipientíssima sociedade civil. Urge fazer notar que a população brasileira duplicou em 40 anos, mas a pobreza não diminuiu sob o pontificado de marqueteiros. E que a malaise social se aprofunda, empurrando a Nação para o charco do mundo peemedebista, que agora vai comer o eventual governo Dilma pelas bordas.
A contrapartida a esse manifesto é a preocupante iniciativa denominada "Contra o Golpismo e em Defesa da Democracia", de Luís Nassif, contratado a bom preço pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), órgão oficial, que tenta mobilizar movimentos de apoio do mundo sindical atrelado à Presidência, com financiamento de muito discutíveis ONGs, blogs, etc.
Neste momento mais grave de nossa história desde 1984, a sociedade parece envolta numa bruma ideológico-religiosa-lulista em que se anestesiou o espírito crítico. Brasília foi tomada por "aloprados" e enlameada pela "lambança", palavra muito veiculada em Fatos e Versões, da TV Globo, por Franklin Martins, quando atuava do outro lado do balcão. Lula, vale recordar, "extirpou" o conceito de "luta de classes" ao retirar do programa de seu partido ideia que tanto aborrecia a direita, pela qual, hoje, "a sua" esquerda é mobilizada, procurando rachar o País.
Vive-se nesta etapa histórica um desenvolvimento político-cultural precário, de falsa euforia econômico-social, e, como em Portugal, Espanha ou Grécia, a fatura chegará, passadas as eleições. Com o aplastamento da inteligência das lideranças da sociedade civil, ou do que resta dela, não chega o tal manifesto a impactar a Nação. Mas tem o mérito de levantar uma ponta da questão nacional, que é - uma vez mais - a impunidade, a falta de transparência, a precária independência dos poderes, o centralismo exacerbado de uma República em frangalhos.
Uma República de polichinelo, com o presidente fazendo graça com seus superpoderes (que nem eu nem ninguém lhe conferiu), do neopopulismo pobrista, neste quadro sociocultural em que florescem tiriricas e mulheres-pera. É perigosa a mobilização populista de uma população que ainda não entrou na antessala da sociedade democrática moderna - por falta de educação, saneamento, saúde, mas sobretudo por falta de exemplos de cima.
Raymundo Faoro, o combativo jurista amigo de Lula, falava na triste característica do mundo político brasileiro no Segundo Reinado, controlado por um Parlamento de polichinelo. O conceito pode ser ampliado, pois os casos de Waldomiro Diniz a Erenice revelam um vasto submundo do qual nem o presidente teria conhecimento. "Não sabia", como se a imprensa - sempre a imprensa! - e o Ministério Público não viessem martelando tais falcatruas.
Faoro alertava, em Os Donos do Poder, que o modelo político brasileiro se desdobra, desde o Segundo Reinado, nessa máquina baseada na exclusão, na Conciliação, apurando mecanismos que levam ao fortalecimento da chefia única. E, como ensina a história, sempre com trágico desfecho.
Que o presidente que se quer estadista, uma vez curado da embriaguez pelo poder, retome a liturgia e a solenidade que o cargo lhe impõe como presidente de todos os brasileiros - meu inclusive -, e não condottieri de um partido ou facção. Que abra espaço e tempo para entender o que significa o que outro amigo seu, o professor Florestan Fernandes, ensinou: é preciso desmontar o atual modelo autocrático-burguês. Tarefa que Lula não conseguiu realizar, muito ao contrário, pois fez todas as conciliações, inclusive algumas inomináveis. E Florestan sempre o advertiu do perigo da "costura política pelo alto", pois os dedos podem ficar presos.
Luís Carlos Prestes, quando da festiva fundação do PT, perguntado sobre o que faltava a esse novo partido, respondeu secamente: "Falta leitura". O problema hoje é que talvez já não haja tempo para Lula ler, meditar e aplicar o princípio pétreo de um participante da Revolução Francesa, Maximilien Robespierre. "O Incorruptível", em sua anotação para um discurso à Convenção Nacional republicana, pouco antes de seu guilhotinamento em 1792, deixou escrito o seguinte: "Fui talhado para combater o crime, não para governá-lo".
Mas para isso, claro, é preciso ter (digamos) pescoço.
CARLOS GUILHERME MOTA, HISTORIADOR, É PROFESSOR EMÉRITO DA FFLCHUSP, PROFESSOR TITULAR NA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE E AUTOR DE IDEOLOGIA DA CULTURA BRASILEIRA (EDITORA 34) E, COM ADRIANA LOPEZ, DE HISTÓRIA DO BRASIL. UMA INTERPRETAÇÃO (EDITORA SENAC)

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