domingo, setembro 26, 2010
A musculatura do PT
A musculatura do PT
Ruy Fabiano - Blog do Noblat
Nenhuma liderança política na história do país foi tão beneficiária da mídia quanto Lula ¬- constatação que não é nova e que ele próprio já a fez diversas vezes, alternando-a com manifestações ciclotímicas de desagrado, em que lhe atribui propósito inverso, de querer destruí-lo.
Mas foi a imprensa que, ainda nos anos 70, reconheceu no líder operário que emergia um novo fenômeno na política brasileira: era popular, sem ser populista, e defendia a ascensão social das massas trabalhadoras, sem submissão ao receituário ideológico da esquerda.
O PT nasceu sob a égide desse discurso. Um discurso diferente, que, na sequência, o aproximaria da Igreja Católica e de setores progressistas da academia. Recusou todas as alianças políticas que lhe foram propostas no processo de redemocratização.
Alegava que eram representantes da "velha política", mesmo argumento ora invocado para combater a imprensa, a "velha mídia".
Mesmo na campanha das diretas, não se articulou com a frente partidária que a promoveu. Correu por fora. Não votou em Tancredo Neves no colégio eleitoral, negou apoio ao governo Sarney (de quem hoje é aliado incondicional) e, mesmo depois de destacada participação no impeachment de Fernando Collor (hoje também aliado), recusou-se a apoiar o governo de Itamar Franco, que ajudou a colocar no poder.
Chegou a expulsar Luiza Erundina e Walter Barelli por terem aceitado integrar aquele ministério. Recusou também parceria com o PSDB, proposta por FHC antes das eleições de 1994. Nada de velha política, era o argumento inabalável.
Nesse período, conforme revelou agora José Dirceu, na já memorável palestra da semana passada aos petroleiros na Bahia, o PT acumulava forças para chegar ao poder, optando por evitar o contágio com os políticos tradicionais. Colocava todos no mesmo baú, não importando se se chamavam Tancredo Neves ou Paulo Maluf. Farinhas do mesmo saco. Até o trabalhismo de Brizola era rejeitado, como herança do peleguismo varguista, visto como nocivo.
Nesse processo, que durou duas décadas, constatou, ao chegar ao poder, em 2002, que a musculatura adquirida não era ainda suficiente para exercê-lo sozinho. Submeteu-se então, pela primeira vez, ao velho – e antes rejeitado - regime de parcerias. E aí aderiu, com um apetite insuspeitado, à "velha política". O resultado é história, de que o mensalão tornou-se um marco.
O ponto, porém, não é esse. Compartilhar o poder com forças afins poderia até ter sido um avanço. Mas, além da surpresa em relação aos parceiros que escolheu – o que há de mais anacrônico na política do país -, causaram espanto a rapidez e voracidade com que assimilou práticas antes repelidas e denunciadas.
Eis, porém, que, no dizer de José Dirceu, chegou a hora de iniciar nova etapa e colocar em cena o verdadeiro projeto de poder do PT. Lula foi peça-chave na formação da musculatura do partido, agregando-lhe popularidade e quebrando resistências na classe média. Mas Lula não é o PT. Ficou até maior que o PT, segundo Dirceu, mas é apenas uma etapa dessa trajetória.
Por isso, disse, a eleição de Dilma é mais importante que a de Lula. Dilma é a materialização das propostas de base do partido, sintetizadas no Programa Nacional de Direitos Humanos 3, elaborado na Casa Civil da Presidência ao tempo em que era ministra.
O PNDH 3 resume as conferências nacionais da militância e estava, em síntese, no primeiro programa de governo de Dilma, registrado no TSE – e depois retirado, face às resistências que provocou, com propostas radicais de controle social da mídia, liberação do aborto e descriminalização das invasões de terra.
Mas, como declarou Marco Aurélio Garcia naquela oportunidade, as propostas saíram do papel "mas continuam na cabeça".
Ocorre que, numa eventual eleição de Dilma, o poder terá que ser ainda compartilhado. A parceria com o PMDB não dá ao PT a necessária autonomia política para implementar o seu programa, cujo teor está longe dos anseios de seus parceiros de chapa eleitoral.
Se vitorioso, o PT carece de mais uma etapa, que porá lado a lado a fina flor do fisiologismo político e a militância mais aguerrida, sem que haja alguém com liderança e popularidade para arbitrar os inevitáveis choques de interesses. Que começam já na escalação do governo, na divisão do butim estatal, a que ambos acorrem com o furor de tropas de ocupação.
Ruy Fabiano é jornalista
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