domingo, setembro 19, 2010

O espelho da identificação

O espelho da identificação
José Arthur Giannotti - O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Quando políticos são oferecidos como fazedores ou salvadores, perde-se de vista a feroz disputa entre duas concepções de Estado e democracia.
Muito me espanta o grau de despolitização da campanha eleitoral que nos persegue. Os programas, no rádio e na televisão, são montados como se o eleitor visado estivesse confinado numa caixa de Skinner, aquela caixa em que um animal é submetido a estímulos positivos para adquirir comportamentos surpreendentes. Se um candidato aparece numa pesquisa como membro da elite, uma série de programas o mostrará frequentando o povão e, pouco a pouco, sua imagem vai sendo construída de tal modo que o eleitor com ele se identifique.
A diferença essencial - e não é pequena - é que o eleitor está submetido a vários sistemas de estímulos, cada aliança partidária construindo o seu. As últimas campanhas no Brasil têm sido polarizadas entre PSDB e PT, sendo que a atual tem apontado, pelo menos até agora, enorme vantagem para Dilma Rousseff. Se o marketing político tenta antes de tudo fazer com que cada eleitor se identifique com determinado candidato, parece natural que Dilma cresça ao ser identificada com o presidente Lula, extremamente popular.
Isso aponta para enorme diferença entre a democracia contemporânea e formas mais antigas de democracia. Quando a campanha se fazia por meios retóricos, o eleitor era persuadido, sendo obrigado a ponderar argumentos, de sorte que a racionalidade de seu voto dependia dos conhecimentos acumulados a respeito de certas questões e do candidato que as representasse. Obviamente havia processos de identificação, cujos efeitos, contudo, muitas vezes eram barrados.
O eleitor contemporâneo é conduzido a se identificar com um demiurgo capaz de realizar as maiores aspirações de consumo e de status de grande parte da população. O líder é a imagem daquilo que muitos gostariam de ser. Daí o senso comum afirmar que, numa situação econômica extremamente favorável, ser quase impossível um opositor vencer as eleições. Mas a boa situação econômica somente se transforma em votos se for politizada, se valer como aquela situação em que cada um se pense vivendo nela graças ao demiurgo que a criou. Política é mais do que um jogo de perdas e ganhos; também é luta pela vida, onde a morte não sai do horizonte. Essa luta é contida pelo Estado, mas não deixa de infiltrar os conflitos cotidianos. Esse lado normativo e existencial não é captado pela ciência, que, como deve ser, lida com séries de fenômenos homogeneizados; está mais para a mitologia. Ao negar o lado normativo da política, o marketing apresenta o líder como grande fazedor, identificando-o a um empresário bem-sucedido.
São os extremistas que salientam esse aspecto agônico, diferenciador da política. No século 19, tanto a esquerda como a direita privilegiam a luta social-política em vez de se contentarem com a luta pela apropriação dos aparelhos do Estado pela via eleitoral. Para Marx a política se articula a partir da oposição entre capital/trabalho; para Carl Schmitt, teórico do Estado totalitário nacional-socialista, a relação política entre amigos do povo e seus inimigos é anterior à constituição do Estado nacional. Uma democracia verdadeiramente representativa poderia se desenvolver sem esse conflito?
Não deveria ele comandar até mesmo o marketing político a fim de que a eleição se torne realmente política? Ora, tudo indica que as campanhas eleitorais contemporâneas tratam de neutralizar essa luta intestina. Entre nós essa neutralização esconde, de propósito, todo o esforço político desenvolvido pelo presidente Lula em seus oito anos de mandato. Desde o início tratou de dissolver qualquer oposição política marginal que escapasse do binômio PSDB e PT. Incorporou os potenciais opositores a seu governo, bloqueou as diferenças que sempre operaram no interior do PT, dependurou os sindicalistas nos aparelhos de governo, atraiu as organizações da sociedade civil mediante toda sorte de benesses, tentou até mesmo, neste caso sem sucesso retumbante, embriagar a mídia. Mas, se tratou de dissolver as oposições políticas, foi para se colocar acima do Estado, como demiurgo salvador e inovador, situando-se além do jogo político do Legislativo, reduzido a uma conversa de comadres, sempre se colocando acima de qualquer legalidade. O caso inédito de um presidente da República ser multado pelos tribunais de Justiça eleitoral apenas reforçou sua posição de herói fundador, a que todo eleitor pudesse se identificar. Lula "é nóis", não tanto o povo no poder, mas o poder como povo.
Politizando-se a si próprio não deixou, porém, de configurar seu inimigo principal: FHC e sua herança maldita, resumo de todos os fracassos das políticas anteriores a ele. Isso pouco tem a ver com a política efetiva de Fernando Henrique Cardoso real, mas a imagem do inimigo estava constituída.
A oposição deixou que a situação pregasse no governo anterior a etiqueta de liberal. Não salientou os passos dados na reforma do Estado, os esforços de regular um novo federalismo com a Lei da Responsabilidade Fiscal, ignorou o sucesso das privatizações tanto como forma de ampliar serviços como instrumento de luta contra o patrimonialismo, envergonhou-se do Proer, primeiro controle efetivo da rede bancária. Se alianças com a direita foram feitas, no final desse governo seus grandes caciques estavam no chão, enquanto no final do governo Lula encontram-se na ativa e com a perspectiva de se tornarem sócios de um eventual governo "petista".
Como se pudesse esquecer de seu passado, a oposição deixou de pensar a si mesma, antes de tudo de sua atuação enquanto governo de FHC. Não avaliou seus acertos e seus enganos, apenas tratou timidamente de apontar que os programas sociais lulistas tinham raízes anteriores. Queria apenas ganhar vantagens marginais no novo contexto político, sem pensar num projeto de País. E, quando se apresentou como o pós-lulismo, ou como seu gestor mais eficiente, simplesmente preparou sua derrota, na medida em que deixou de se opor a um inimigo ainda que fosse imaginário. Perdeu qualquer inimigo de vista. A própria Dilma Rousseff não é apresentada, pelo marketing político, antes de tudo como a "mulher do Lula"?
Não é porque as oposições deixaram de configurar o inimigo que a política efetiva desapareceu. Está em curso uma luta de morte entre duas concepções de Estado muito diferentes, por conseguinte duas concepções de democracia. A aliança governista entende o Estado como grande fazedor, produtor proprietário dos fundos públicos e de importantes setores do capital produtivo, associando-se a determinados capitalistas eleitos, cooptando sindicatos e órgãos da sociedade civil. Até mesmo a burocracia estatal não deveria ser partidarizada? Já não propõe colar a cada ministro de Estado um alto funcionário do partido de modo a politizar as ações administrativas mais potentes? Não abre assim várias portas para a corrupção? Contra essa mistura do Estado com a sociedade civil-burguesa, a oposição antevê, embora frouxamente, um Estado regulador, baseado na efetiva divisão de poderes, capaz de organizar o funcionamento dos vários mercados, seja dos capitais, seja do trabalho, tornando transparentes as empresas e abrindo os sindicatos para que se tornem representativos, incentivando os órgãos da sociedade civil para que encontrem suas próprias diferenças efetivas. Nada a ver, portanto, com o Estado liberal, que se ausenta dos mercados para se voltar antes de tudo para a defesa dos direitos e das liberdades individuais. Pelo contrário, um Estado forte, demarcando os limites da liberdade dos mercados e do comportamento público dos cidadãos.
Sob a coberta da legislação atual, uma grande reforma política está em curso. Configurados os antagonismos, o novo desenho legal virá depois. Mas a campanha eleitoral continua apresentando os principais candidatos como grandes tocadores de obras. A dissensão dos nanicos apenas indica como estão aquém da sociedade e da política contemporânea, de seus dilemas e de suas potencialidades. Sobram os dois candidatos polares, ocultando na bagagem duas concepções de Estado e de democracia. Não é a partir daí que a escolha deveria ser feita?
* José Arthur Giannotti é professor Emérito da FFLCH/USP e pesquisador do CEBRAP

Enigma

Enigma
ELIANE CANTANHÊDE Folha de São Paulo
BRASÍLIA - Com a eleição caminhando para um desfecho já no primeiro turno, Dilma Rousseff precisa explicitar o que pretende fazer no seu governo e se irá ou não implementar o tal "projeto político" do PT alardeado por José Dirceu.
A campanha de Dilma entregou ao TSE um programa "hard" pela manhã, se arrependeu e trocou por um programa "light" à tarde. Seria um dos dois o projeto a que Dirceu se refere? Não se sabe, como não se sabe quais são as reais intenções de Dilma e até onde ela irá com a ameaça de "controle social" da mídia.
Numa livre tradução, Dirceu disse que agora, sim, o PT vai mandar, fazer e acontecer. Deixou claro que Lula e sua imensa popularidade foram só um meio para chegar a um fim, como se esses oito anos fossem um aquecimento para a implantação do projeto real. Ok. Mas qual é ele? Por que ninguém pode falar? E por que nós não podemos saber?
Caso Dilma seja eleita, terá os ventos a favor na economia, o Congresso às suas ordens e poderá usar e abusar de seus poderes, baixando o centralismo democrático para (ou contra) a imprensa, a área militar e os costumes. Bem faria se deixasse bem claro quais são os seus planos.
Também não está claro como tratará a questão ética. Ou será que está? Sob Lula, houve quatro escândalos no coração do poder: depois de Waldomiro achacando bicheiro, o primeiro ministro foi parar no STF como "chefe de quadrilha", a segunda patrocinou dossiê contra ex-presidente e a terceira montou um time caseiro de craques em cobrar "taxa de êxito" de empresários.
O passado condena, sem haver compromissos para o futuro. Qual será o padrão ético do novo governo? O que o PT na oposição pregou contra Collor ou o que o PT no poder praticou com suas Erenices?
Após a eleição, bandeiras e programas vão para o lixo. A melhor pista do que vai sobrar é a de Dirceu: vem aí o "projeto político" do PT, seja lá o que isso signifique. Depois ninguém entende por que boa fatia do eleitorado está tão tiririca.

Amarildo, hoje na Gazeta (ES)


Campanha amazônica refuta discurso verde - O Outro lado

Campanha amazônica refuta discurso verde
Candidatos criticam ambientalistas e atribuem indicadores sociais ruins a visão da floresta como "santuário"
Especialistas criticam discurso de políticos na eleição e temem que degradação ambiental na região aumente
ESTELITA HASS CARAZZAI - FELIPE BÄCHTOLD - DE SÃO PAULO KÁTIA BRASIL - DE MANAUS – Folha de SP
 Se na campanha para presidente Marina Silva (PV) é a militante ecologista, nos Estados da Amazônia há candidatos fazendo campanha cujo lema é a flexibilização de restrições ambientais.
Na esteira da discussão sobre o novo Código Florestal, partidos prometem lutar por mais autonomia dos Estados nos licenciamentos. Há ressentimento contra o que chamam de centralização de Brasília e "tecnocratas" que "agem com base no Google".
Vários candidatos culpam os indicadores sociais ruins da região pela visão da mata como "santuário".
A disputa no Acre é o caso mais evidente: uma das maiores coligações tem como nome "Liberdade e produzir para empregar".
Tião Bocalom - foto esquerda (PSDB), que disputa o governo, fala que a população "não aceita" o atual modelo de desenvolvimento sustentável "do PT".
"Muitos olham a Amazônia e apenas os macacos, as árvores, os bichos e esquecem que aqui tem gente também, que essa gente precisa de qualidade de vida."
Outros mantêm críticas ao mesmo tempo em que adotam o slogan do "desenvolvimento sustentável".
Em Roraima, a revolta tem origem na demarcação de terras indígenas, como a Raposa/Serra do Sol, e de áreas de preservação federais.
O governador José de Anchieta Júnior - foto à direita (PSDB), que tenta a reeleição, e seu rival Neudo Campos (PP) acham que isso trava a economia local (leia texto nesta página).
Anchieta fala que os países desenvolvidos querem que o Brasil seja a "babá ambiental do planeta".
Em Rondônia, Expedito Júnior- foto esquerda, candidato tucano, vai na mesma linha e diz que outros países "acabaram com suas florestas e agora querem interferir" no Brasil.
O governador, João Cahulla - foto abaixo (PPS), falou num debate que o "agricultor da mão calejada está sendo enrolado pelos ambientalistas".
O candidato do PSDB no Amapá, Jorge Amanajás, que também fala em sustentabilidade e em "pressões internacionais", considera que a candidatura de Marina não "defende da forma que deveria" o desenvolvimento da região. "Não podemos olhar só o lado preservacionista."
"AMAZÔNIA ARRASADA"
Especialistas criticam a visão das campanhas e temem que as ideias se concretizem.
O pesquisador do Imazon Adalberto Veríssimo afirma que essas propostas prejudicam interesses do país.
"O Brasil pode e deve desenvolver a Amazônia sem desmatar. Temos uma área desmatada de três vezes o Estado de São Paulo. É uma parte, inclusive, abandonada. Vamos aproveitar áreas já desmatadas, intensificar a agropecuária lá."
Cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o americano radicado no Brasil Philip Fearnside diz que a liberdade aos Estados "arrasaria a Amazônia".
"[Os Estados são] muito mais sujeitos a lobbies de quem vai ganhar diretamente com os desmatamentos", afirma Fearnside, integrante da equipe premiada com o Nobel da Paz por trabalhos sobre mudanças climáticas.
 
Ser "pulmão do mundo não resolve problema do caboclo", diz Anchieta
FOLHA DE SÃO PAULO
 O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), 45, foi um dos maiores críticos da demarcação contínua da terra indígena Raposa/Serra do Sol, decidida na Justiça em 2008. Segundo ele, países ricos querem que o Brasil seja "coleção de árvores a ser mantida em pé". Leia trechos da entrevista, feita por e-mail.
Folha - Por que o sr. é contra a criação de novas áreas de conservação no Estado?
José de Anchieta Júnior - Não dá para concordar com o tecnocrata de plantão que risca propostas de criação ou ampliação de reservas no mapa de Roraima tirado do Google.
É imperativo que a União reconheça o direito dos roraimenses de destinar parte do território à geração de riquezas. [Uma das propostas de parque] é maluquice e lutaremos contra.
Como o sr. quer fazer o PIB do setor primário crescer 20% sem dano à preservação?
Nossa base agrícola é pequena. O crescimento será baseado no aumento da produtividade por hectare mediante tecnologia adequada.
O sr. pensa que Roraima seja punida com pressões internacionais pela Amazônia?
Essa coisa de pulmão do mundo não resolve o problema do caboclo. Enquanto o Sul-Sudeste encarar a Amazônia como almoxarifado de matéria-prima e Brasília achar que resolve a questão criando unidades de conservação, prevalecerá esse regime de destruição.

Perigos de uma herança maldita

Perigos de uma herança maldita
Alberto Dines - JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O presidente Lula tem um compromisso de capital importância a partir de 4 outubro ou, no caso de segundo turno, a partir de 1º de novembro: punir severamente os que erraram e restabelecer a credibilidade da máquina pública abalada pela segunda demissão em sete anos num dos nichos mais importantes do primeiro escalão da República: a Chefia da Casa Civil.
Tarefa sua: inalienável, indelegável, intransferível. E imediata. Quem o suceder no Palácio do Planalto precisará encontrar a casa em ordem, limpa, saneada, dedetizada. Quando a gente está na vida pública não tem o direito de errar e quando erra tem que pagar, afirmou o presidente na última quinta-feira.
Já no dia seguinte à lacônica e incisiva sentença, a Comissão de Ética da Presidência censurou a ex-ministra Erenice Guerra e na prática abriu um procedimento para investigá-la. Motivo: não atendeu às exigências de prestar esclarecimentos em seguida à posse no cargo sobre os seus bens, seus familiares e áreas geradoras de potenciais conflitos de interesse.
Se atendesse a esta exigência mínima de decoro funcional, teria poupado o governo de sofrer um constrangimento de consequências ainda imprevisíveis no seu momento mais glorioso.
O presidente Lula tem pela frente um desafio histórico e um prazo curtíssimo para vencê-lo. O futuro chefe da nação não poderá perder tempo com providências policiais ou legais. Sua atenção deverá estar concentrada na transição, nos programas e cronogramas dos próximos quatro anos.
O escândalo que arrastou Erenice Guerra tem complicadores e desdobramentos latentes de alta periculosidade. Imprevisíveis. Eventuais desatenções ou omissões poderão parecer leniência, complacência ou arrogância e custarão ao sucessor/sucessora irreparáveis desgastes e desperdícios de energia.
É confortável a situação econômica e financeira do País, mas a do mundo é altamente instável. Fidel Castro está preocupado com a iminência de um confronto nuclear no Oriente Médio. Barack Obama enfrenta a oposição histérica da ultra-direita empenhada apenas em soluções isolacionistas, intolerantes e desesperadas. O desastrado Bonaparte, Nicolas Sarkozy, parceiro estratégico do Brasil, conseguiu rachar a França e a Europa. A América Latina precisa de uma liderança, México e Venezuela estão ameaçadas de rupturas, a Argentina patina nas suas velhas milongas.
Como se não bastassem tantas e tão variadas emergências e demandas no plano externo, temos o insistente e clamoroso coro dos calendários, relógios e alarmes do País inteiro avisando em uníssono que os prazos para a Copa do Mundo de 2014 estão cada vez mais apertados. Não se trata de construir estádios mas de montar nos próximos três anos e meio uma moderníssima infra-estrutura que nos sete anteriores foi apenas esboçada.
O presidente Lula merece um descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa desativar as bombas de efeito retardado espalhadas pelo País inteiro e não apenas no Executivo federal. Algumas alianças regionais que o apoiaram estão literalmente putrefatas, insustentáveis. A chaga Sarney espalhada em dois Estados Maranhão e Amapá é a mais evidente, não a única.
A corrupção avolumou-se, tornou-se endêmica, profunda, consolidou uma extensa rede de ilícitos aparentemente insignificantes que começam com o nepotismo e desaguam em propinas, começam com a quebra do sigilo fiscal de adversários políticos e pode ganhar dimensões de crime organizado.
O presidente Lula merece descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa usar a sua incrível capacidade convocatória para chefiar uma empreitada moral praticamente intocada. Até lá tem a obrigação de enfrentar o único fantasma que realmente deveria atormentá-lo: legar uma herança maldita.
Alberto Dines é jornalista

Xalberto, para a Charge Online


Primavera com marca de agosto

Primavera com marca de agosto
Wilson Figueiredo - JORNAL DO BRASIL
Não deu para perceber, mas o mês de agosto deu-se o privilégio de registrar cinco domingos, cinco segundas-feiras e cinco terças e, mesmo sendo acontecimento raro, pois só ocorre a intervalo de 823 anos, não mereceu sequer a atenção dos candidatos à sucessão presidencial.
Tradicionalmente, agosto valia por um ano inteiro de emoções. Enquanto a oposição se esbaldava, o governo se deixava paralisar pelo medo e a opinião pública se fartava com o imprevisto. Uma consciência republicana de culpa histórica se estendia sobre o país. Mas as crises mesmo se reservavam aos anos que, para evitar confusão, alternavam as oportunidades eleitorais e as crises.
Cada qual a seu tempo.
Independentemente do calendário que balanceava encrencas políticas e eleições, o país era fiel ao culto do sobrenatural, de raízes históricas, nas diferentes maneiras de manter sempre um pé atrás em relação a práticas nem tão ocultas como parecem. Agosto era esperado com sobressalto e recebido como fatalidade. Depois da Constituição de 1988, porém, o Brasil deixou para trás o exercício de crises inconsequentes, a partir de episódios menores que, mais adiante, fugiam ao controle. As pequenas denúncias de que, em meio à ociosidade política, até hoje se ocupa a oposição e os governos depreciam enquanto não perceberem o engano, viravam crises por omissão oficial.
Aconteceu, com atraso de um mês, o que devia ter ocorrido em agosto mas ficou para setembro, a tempo de vitalizar a oposição nesta sucessão sem sucesso.
A perda de tempo em abafar ou esclarecer a suspeita obrigava o governo a correr atrás do prejuízo, não como se fosse lucro, mas para debitá-lo à oposição.
Quando se fala em governo, fica subentendido o presidente Lula.
O último agosto dele passou em branco, mas setembro não chegaria ao fim sem pagar pedágio. A lambança, com epicentro na Casa Civil, chegou perto demais.
Com atraso de um mês e na reta final da campanha eleitoral, o sobrenatural se apresentou e chamuscou setembro. A contribuição do além andava escassa.
Veio da China, que sabe esperar prazos. A China arrebentou economicamente em agosto, embora a repercussão internacional ficasse para setembro.

No Brasil, afortunadamente, a eleição ainda não arrebentou, nem contra nem a favor.
Em outubro talvez fosse tarde, exceto para os que se meteram em complicações com a Receita e adjacências sigilosas.
A Casa Civil pegou fogo e o governo, abanado pelas pesquisas, insistia em fazer que não via.
O fato, não a versão, é que Lula está com pressa e não perde tempo com concordância que não seja eleitoralmente rentável (em votos, bem entendido).
Prejuízo, não. Quem fez vai pagar. O presidente, antes de passar ao ócio pós-presidencial, com ou sem dignidade, confirma que é ele quem detém as iniciativas, como Júpiter fazia com os raios.
Está descobrindo, na nostalgia ética dos brasileiros, uma nova dimensão a ser explorada daqui para 2014, antes que a oposição acerte com um filão precioso de escândalos.
Em sua faina eleitoral, o presidente farejou risco no ar e não quis saber: mandou a Polícia Federal botar o preto no branco no tal sigilo que não fez cerimônia nas adjacências do poder. Lula quer sair, mas para voltar, pela porta da frente, à sombra do slogan Vou ali e volto já; vou apanhar maracujá.
Ninguém sai intacto de uma prova, escrita ou oral, como esta que arremata a campanha.
Assim como o presidente pode mandar apurar com espalhafato, nada impede que recomende, por via transversa, ir devagar pelas razões de Estado ao seu dispor. O resto sempre pode esperar.

Pelicano, para Bom Dia (SP)


ANJ e OAB reagem a ataque do presidente

ANJ e OAB reagem a ataque do presidente
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/09/2010 - 06h32min

A ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) reagiram aos ataques feitos pelo presidente Lula à imprensa neste sábado.
Em nota, a ANJ disse ser "preocupante" que o presidente manifeste desconhecimento em relação ao papel da imprensa em sociedades democráticas.
"O papel da imprensa, convém recordar, é o de levar à sociedade toda informação, opinião e crítica que contribua para as opções informadas dos cidadãos, mesmo aquelas que desagradem os governantes", declarou a associação na nota.
"Ele [Lula] jamais criticou o trabalho jornalístico quando as informações tinham implicações negativas para seus opositores", ressaltou a ANJ.
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, também criticou o teor do discurso de Lula. "Esse é um país onde a imprensa é livre. Denúncias sempre existiram, hoje e antes, quando o presidente estava na oposição", afirmou.

Lobby sem limites nos corredores de Brasília

Lobby sem limites nos corredores de Brasília
Propostas contra o tráfico de influência não avançam; a mais recente está em compasso de espera na Casa Civil
Jailton de Carvalho – O Globo
 BRASÍLIA. O escândalo que derrubou da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito da candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT), mostra que Brasília ainda tem as portas abertas ao lobby espúrio e ao tráfico de influência. Sem freios explícitos na legislação, lobistas como Israel Guerra, filho de Erenice, e Vinícius Castro, ex-assessor jurídico da Casa Civil, circulavam pela Esplanada dos Ministérios, pelo Congresso e por gabinetes dos tribunais superiores em busca de dinheiro fácil.
Propostas de regulamentação do lobby, para inibir o tráfico de influência, aparecem em momentos críticos, mas esbarram num invisível e poderoso movimento contrário a leis específicas.
O mais recente projeto para punir o lobby ilegal está parado na Casa Civil desde o fim de 2009. O texto, com regras contra o tráfico de influência no Executivo, Legislativo e Judiciário, foi criado por uma comissão com representantes da sociedade civil e da Controladoria Geral da União (CGU). Entre os autores da ideia, estão membros do Instituto Ethos, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Ética da Presidência.
Nem assim a proposta andou.
A Casa Civil, até quinta-feira chefiada por Erenice, não mandou o projeto ao Congresso por suposta falta de consenso no governo sobre a questão. O anteprojeto obriga autoridades e lobistas a registrarem eventuais encontros e o conteúdo dos temas tratados.
Os encontros teriam que ser informados à CGU.
Se as medidas estivessem em vigor, Israel e Vinícius teriam que informar os motivos dos encontros que tiveram com Fábio Baracat e Rubnei Quícoli, que acusam os dois de cobrar propina para viabilizar a renovação de um contrato nos Correios e um empréstimo no BNDES — que não foi aprovado. A ex-ministra teria que dizer também se teve contato com Quícoli e Baracat.
— O lobby regulamentado poderia diminuir o tráfico de influência.
A autoridade tem que declarar que recebeu um lobista, que o lobista vocalizou determinados interesses e, a partir daí, abrir espaço na agenda para eventuais concorrentes desse lobista — diz Izabela Moreira, gerente da Diretoria de Prevenção de Corrupção da CGU.

''O transcendente não pode deduzir-se do imanente''

''O transcendente não pode deduzir-se do imanente''
José Maria Vidal
Stephen Hawking, um dos mais prestigiosos cientistas do mundo, nega a existência de um Deus criador (um dos principais dogmas do cristianismo) e, questionada, a Conferência Episcopal Espanhola guarda silêncio. Nem sequer aproveita a ocasião para oferecer uma catequese sobre o tema. Porém o faz o padre jesuíta Javier Leach Albert, especialista na matéria, o qual, para rebater a tese de Hawking de que Deus não criou o universo, recorre a Santo Agostinho: “O transcendente não pode deduzir-se do imanente”.
O que responderia à tese de Hawking de que “Deus não criou o Universo”?
A fé no Criador se baseou historicamente na busca filosófica e na fé compartilhada por muitas religiões. Supõe uma visão compartilhada do mundo baseada numa percepção ou experiência de tipo filosófico ou religioso. Não pode deduzir-se do conhecimento empírico. Citando Santo Agostinho, podemos dizer que “o transcendente não pode deduzir-se do imanente” (“Si comprehendis non est Deus”).
Com efeito, o silencio da linguagem científica sobre a criação pode ajuda a purificar a fé religiosa, permitindo que o crente encontre a harmonia existente entre as leis da natureza e a presença do Criador.
Sem dúvida houve vozes na história que afirmaram que a ciência e a fé no Criador têm que opor-se, porque suas percepções e sua linguagem estão em conflito mortal. Num livro que aparecerá publicado em inglês neste mesmo mês de setembro pela Editorial Templeton, intitulado ‘Mathematics and Religion’, procurei mostrar que as muralhas entre ambos os campos beligerantes não são tão firmes como acreditaram a ciência ou a religião em outras épocas. O mundo e seus sistemas naturais estão abertos, ao mesmo tempo em que a consciência de nosso pensamento aponta com necessidade lógica à existência transcendente.
Na busca de conhecimento acerca das últimas causas do mundo, nós nos voltamos para a metafísica e sua linguagem específica, a qual excede a linguagem empírico-matemática e que se nos torna compreensível no contexto de uma tradição e uma comunidade. O fato de que esta busca continue, mostra a existência, na mente humana, de certa consistência sublime, desinteressada e universal.
Pode-se demonstrar que Deus não existe?
Qualquer demonstração se baseia no ato de deduzir uma conclusão de certas premissas. Se eu quiser convencer alguém de algo, baseio-me em certas premissas que considero válidas e que meu interlocutor também tem por válidas, e deduzo a partir delas o que quero demonstrar.
Historicamente se escreveram demonstrações da existência e da não existência de Deus. As demonstrações da existência de Deus utilizam uma linguagem e certas premissas de tipo filosófico. O problema de sua validez não se estriba em que a argumentação não esteja bem construída. O problema está em aceitar a validez das premissas.
Algo semelhante ocorre com as demonstrações da não existência de Deus. Nas premissas já há afirmações de tipo agnóstico ou ateu acerca da existência dos seres da realidade. Uma destas afirmações poderia ser, por exemplo, que somente admito o conhecimento que eu possa expressar mediante uma linguagem física numa teoria física.
A criação espontânea descarta o criador?
Depende do que entendamos por espontânea. Provavelmente ‘espontânea’ significa sem causa. A que tipo de causa nos estamos referindo?
Se mediante o termo ‘criação espontânea’ negamos que exista uma causa da origem do universo que possamos expressar mediante uma teoria física, então a criação espontânea descartaria o criador somente se ao mesmo tempo afirmarmos que só podemos expressar uma causa da origem do universo mediante uma teoria física (e esta afirmação é de tipo filosófico e excede a física).
Novamente, em nossa argumentação, voltamos a discutir as premissas. Uma premissa crente nos leva a conclusões crentes. Uma premissa não crente nos leva a conclusões não crentes.
Pode-se manter cientificamente a idéia de um Deus criador?
O uso da linguagem matemática por parte da Física moderna, a partir do século XVII e com figuras como Galileu, Newton e Leibniz para explicar observações feitas, tem o efeito de unificar a linguagem com a qual nos referimos aos diversos tipos de causas. A capacidade de descrever matematicamente as relações causa-efeito está precisamente no coração da ciência moderna.
A ciência é competente no conhecimento dos componentes empíricos do universo e a religião na busca de valores éticos e do significado espiritual de nossas vidas. Sem embargo, para alcançar a sabedoria de uma vida plena faz falta muita atenção a ambos os domínios. Um grande livro nos diz que a verdade pode tornar-nos livres e que viveremos em harmonia com nossos próximos quando aprendermos a atuar com justiça, a amar com misericórdia e a caminhar humildemente... A ciência abrange o universo empírico: aqueles elementos que constituem a realidade (fatos) e as razões por que as coisas funcionam da maneira em que o fazem (teorias). A religião abrange as questões de significado moral e os valores.
Segundo esta proposta, a ciência e a religião não podem separar-se. Sua relação é complementar, porém não é uma relação simétrica.
Podemos dizer que, segundo esta relação, o conhecimento religioso necessita da ciência, enquanto a ciência pode ser feita sem religião. Esta assimetria é um ‘plus’, um mais ou um além para a ciência, já que nela se considera que a ciência é autônoma, mas também é um ‘plus’ para a religião, porque atribui à religião uma visão mais integral do mundo e da vida.
Fonte: Religión Digital e Unisinos

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