domingo, novembro 14, 2010

Fernando Pessoa - Tenho Dó das Estrelas

Jo Soares constrange escritores e organizadores de premio literário

Jo Soares constrange escritores e organizadores de premio literário
Apresentador foi alvo de críticas por saber pouco sobre escritores
São Paulo, 9 denovembro de 2010. A cerimônia de entrega da oitava edição do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, na noite de segunda-feira, é a fofoca do momento no mundo das letras. O assunto principal nem é a vitória de Chico Buarque, com o romance “Leite Derramado”, mas a performance do humorista Jô Soares como mestre de cerimônias da noitada, na Casa Fasano, em São Paulo.
Dez escritores concorriam ao cobiçado prêmio de R$ 100 mil, que também dá R$ 35 mil para o segundo lugar e R$ 15 mil para o terceiro.
A cerimônia foi imaginada nos moldes do programa que o humorista apresenta na televisão, incluindo o seu sexteto musical. Jô ignorou diversas passagens do roteiro preparado para a sua leitura e, improvisando, causou diferentes constrangimentos.
O roteiro previa que Jô apresentasse cada um dos dez autores finalistas do prêmio, fazendo um breve resumo biográfico e da obra que disputava a láurea. Não disse uma linha sequer. Vários dos autores indicados estavam presentes e sequer foram mencionados, O segundo colocado, Rodrigo Lacerda, autor do romance “Outra Vida”, foi praticamente enxotado do palco para a entrada de Chico.
Além de ignorar o roteiro, Jô demonstrou falta de conhecimento literário, como se viu na pouca familiaridade do apresentador com o nome de Armando Freitas Filho, um dos principais poetas brasileiros, terceiro colocado, com “Lar”.
O constrangimento estendeu-se a Pilar del Rio, viúva de José Saramago, o escritor homenageado da noite. Jô recebeu Pilar no palco e, como de hábito, falou mais que a entrevistada, além de transmitir a impressão que era íntimo do autor. Sobre o seu último livro, “As Palavras de Saramago”, distribuído aos convidados, o apresentador disse pouco.
Ao entrevistar Chico Buarque, o grande vencedor, Jô aproveitou para tecer um paralelo entre o trabalho literário do compositor e o seu próprio, além de conversar sobre futebol.
Ao final da cerimônia, Selma Caetano, curadora do prêmio, pediu desculpas aos escritores finalistas. Disse a eles lamentar que o que deveria ser uma festa da literatura tenha se transformado num evento social.
O apresentador “só não destratou o copeiro, porque não havia copeiro”, escreveu o jornalista Roberto Kaz, na “Folha”.  “Foi uma coisa realmente grotesca”, resumiu um dos presentes a este blogueiro.
A Portugal Telecom não quer comentar o episódio. Apenas considera que o prêmio está acima deste constrangimento.
Fonte: http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2010/11/10/jo-soares-constrange-escritores-e-organizadores-de-premio-literario (Blog do Mauricio Stycer)

Amorim, para o Correio do Povo


Manobras no ar

Manobras no ar
JANIO DE FREITAS – Folha de São Paulo
A pretensão de novo e inovador parecer sobre caças implica esperar da FAB que se declare incompetente em sua razão de existir
O MINISTÉRIO da Defesa do Brasil e o governo da França uniram suas criatividades para grandes transações e, para tanto, deram novo significado a alguns termos militares comuns. Manobra militar, desde a encerrada nesta semana pelas forças aéreas brasileira e francesa no Ceará, adquire o sentido de manobra de negociantes, à maneira daquelas tão conhecidas, de governantes e empreiteiros, para manipular obras, concessões, compras e seus preços.
Com o novo sentido de exibição ou sedução, o exercício aéreo serviu ao propósito dos seus patrocinadores de obter, dos comandos e técnicos da FAB, pareceres técnicos que recomendem a compra do caça francês Rafale. Tratou-se, portanto, de manobra para proporcionar à FAB um pretexto, por pretensa sedução à vista do Rafale, para relegar suas longas e minuciosas conclusões por outro avião.
O caça da fábrica Dassault, que está longe de ser um êxito no comércio internacional de armamentos, é reconhecido como muito caro, de gastos muito altos na operacionalidade e, para o que mais interessa à FAB, menos conveniente à formação de brasileiros com a transferência de tecnologia do fabricante. No mínimo, seria a transferência de tecnologia de um avião com características inadequadas às necessidades brasileiras. E à disponibilidade orçamentária permanente.
Um aspecto paralelo da manobra com novo sentido: a pretensão de novo e inovador parecer implica esperar da FAB que se declare incompetente em sua razão de existir. Seus vastos estudos e projetos, para escolha de aviões e fabricação futura, não resistiriam nem ao breve contato com um dos relegados.
Passadas a eleição, as pressões, internas e externas, para que Lula efetive logo a compra dos caças, corresponde ao medo de que Dilma Rousseff a protele. O que seria muito compreensível, já que as atuais incertezas das finanças e da economia internacionais não recomendam negócio de tão altos valores. Há prioridades mais recomendáveis. Mas, sobretudo, não se justifica que em fim de governo se façam transações desse gênero. Dilma Rousseff não se oporá a decisão alguma de Lula, esteja de acordo ou não. A Lula cabe o dever de não invadir os comprometimentos do futuro governo, cujas circunstâncias não pode prever.
O negócio dos caças começou mal, com uma simples conversa de dois presidentes em dia de festa, no 7 de setembro de 2009, com total desprezo pelas leis brasileiras para tais transações. E ameaça terminar pior, como resultado ilegítimo de manobras.
CUIDADOS
Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles atribuiu à instituição conduta técnica precisa no tempo e nas providências que qualificou como imediatas, constada a crise do Banco PanAmericano. Mas o mesmo BC estimou que os truques ilegais praticados no PanAmericano começaram há quatro anos. Logo, mais uma vez, o dispositivo de fiscalização do BC falhou absolutamente. É incompreensível, passados tantos anos dos casos mais estrondosos de falha de fiscalização, no primeiro mandato de Fernando Henrique, que o BC ainda não conte com um sistema fiscalizador confiável.
Inconfiabilidade atestada pelo próprio Henrique Meirelles. As averiguações que a direção do BC determinou em vários bancos, para detectar possíveis práticas semelhantes às do PanAmericano, vale como condenação às atividades ditas fiscalizadoras e permanentes.
Nada exige mais fiscalização do que o chamado sistema financeiro.

Orquídea 02 - Por land.nick

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A mosca do Planalto e as redes de TV

A mosca do Planalto e as redes de TV
ELIO GASPARI – O Globo
Silvio Santos fez o que ninguém fez e botou seu patrimônio, inclusive o SBT, no pano verde
AQUILO QUE pareceu uma má notícia no mercado financeiro virou uma novidade do mundo das comunicações. O empresário Silvio Santos, com um rombo de R$ 2,5 bilhões no banco PanAmericano, contou à repórter Mônica Bergamo que uma das maiores redes de televisão brasileira está à venda.
Vale relembrar que no início do governo de Nosso Guia chegou ao Planalto um boato segundo o qual haveria empresários interessados no SBT, e ele disse: "Não dá pra gente comprar?"
Quem é "a gente", não se sabe, mas é possível que "a gente" tenha influenciado a Caixa na compra, por R$ 1,4 bilhão, de um buraco de R$ 2,4 bilhões do PanAmericano.
Silvio Santos frustrou as intenções de atravessadores que gorjeavam soluções capazes de contornar o problema do PanAmericano.
Na manhã de quinta-feira, o empresário Eike Batista anunciou que poderia estar interessado no SBT. À tarde, desmentiu.
A ideia de que "a gente" precisa controlar uma rede de televisão está nas asas das moscas que vivem no Planalto. Em 1981, depois da falência da Rede Tupi, a Editora Abril habilitou-se para comprar a emissora e estava na reta de chegada quando foi abatida pelo tiro da desconfiança política. Ele partiu do general Otávio Medeiros, chefe do Serviço Nacional de Informações. Silvio Santos levou a Tupi.
REZANDO PRA XANGÔ, O ENEM DE 2011 IRÁ BEM Nosso Guia disse bem a respeito da catástrofe do Enem: "Se for necessário fazer uma prova, faremos. Se for necessário fazer duas, faremos. Se for necessário fazer três, faremos, mas o Enem continuará a ser fortalecido".
No seu sentido literal, Lula fez mais uma bravata. O Inep e seus educatecas não têm capacitação para organizar uma prova, muito menos três.
Para fortalecer o Enem, a doutora Dilma precisa aprender a lição: um MEC de burocratas-companheiros que mandam "A" fazer uma coisa, sabendo que disso resultará uma ordem para "B" e outra para "C", só produzirá novos desastres.
O MEC comprou a aposta do fracasso em abril do ano passado, um mês depois de lançar o Enem/Vestibular, quando anunciou que só realizaria uma prova. Prometera duas. Os educatecas sabiam que com isso mantinham os estudantes sob a velha tensão do vestibular. Se as provas fossem duas, a tensão seria diluída. Esqueceram-se de que concentravam a probabilidade do próprio fracasso.
À época, disseram que em 2010 as provas seriam duas. Recuaram e repetiram o erro.
Para apressar a prova de 2009, o Inep reduziu todos os prazos de elaboração e impressão das provas. Neste ano, apressaram o treinamento dos fiscais.
Em maio do ano passado, o MEC disse que a Polícia Federal cuidaria a segurança do exame. Isso foi feito à la educateca: O Inep mandou um ofício à PF, recebeu de volta outro, informando que ela não estava capacitada nem autorizada para a tarefa. Em vez de ligar o alarme, arquivaram o ofício da PF.
Nenhum dos dois exames naufragou por conta de orientações pedagógicas. Todas as ruínas decorreram de erros logísticos porque "A" (o MEC) deu uma ordem para "B" (o Inep) que contratou "C" (os consócios Connasel e Cespe/ Cesgranrio) e todos acharam que o assunto estava resolvido.
O erro básico de 2009 foi o abandono da segunda prova. Agora, juntaram outro, que continua encravado. A realização da prova em papel é arriscada, megalomaníaca e anacrônica.
Se o MEC e o Inep começarem a trabalhar amanhã, em 2011 poderão ser realizados no mínimo dois exames, on-line. Basta copiar o sistema do exame Toefl americano e expandir o banco de questões de 10 mil para, no mínimo, 100 mil.
Para isso, será necessário seguir a "oração pra Xangô" proposta por Carlos Lyra e Vinicius de Moraes:
"Pra pôr pra trabalhar, gente que nunca trabalhou".
DEMOFOBIA
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, continua desconfortável com o povo da cidade em que vive.
Criou um Bilhete Único de ônibus com duas horas de validade e descobriu-se que o benefício é inútil para pessoas que consomem o tempo da tarifa numa só perna da viagem. É impossível ir de Bangu ou de Realengo ao centro em duas horas quando há muito trânsito.
A primeira reação do doutor Eduardo foi de ensinar: "Às vezes a pessoa está acostumada a pegar uma determinada linha. Ela tem que ver que pode pegar outras linhas que a levarão ao mesmo destino".
Ou seja, a lentidão do trânsito do Rio é um problema irrelevante e o prazo exíguo do cartão é despiciendo, pois o problema está numa patuleia que não sabe andar de ônibus.
Em São Paulo, o Bilhete Único dura três horas, serve para quatro viagens e tem uma tarifa integrada à rede de trilhos. No Rio, a prefeitura ainda não conseguiu se entender com a SuperVia nem com o Metrô, joias da privataria dos anos 90.
CLERO E FARDÃO
Com a morte do padre Fernando Bastos de Ávila, abriu-se uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Ele foi antecedido por dois religiosos e um setor tradicionalista sustenta que o novo acadêmico deveria sair dos quadros da igreja. O cardeal Eugenio Salles seria o herdeiro da honraria.
Como a academia não tem cadeiras cativas para corporações, um dos conhecedores de sua etiqueta teme que o tradicionalismo estimule duas outras candidaturas saídas do clero: o ex-franciscano Leonardo Boff ou frei Betto.
No voto, as chances de ambos seriam nulas, mas na bibliografia, cada um deles já publicou dezenas de livros, alguns de grande valor.
ALOPRADOS
Há aloprados no entorno do planejamento político do governo de Dilma Rousseff. Três dias depois de sua eleição, a doutora perfilhou uma proposta de aumento da carga tributária, com a ressurreição da CPMF.
Passou-se uma semana e acrescentaram um novo item ao programa da doutora: o aumento do próprio salário.
MADAME NATASHA
Madame Natasha adora acrobacia verbais da malandragem e concedeu uma de suas bolsas de estudos aos doutores que explodiram o banco PanAmericano. Descoberto um buraco de R$ 2,5 bilhões no banco, a turma do PanAmericano informou que "inconsistências contábeis não permitem que as demonstrações financeiras reflitam a real situação patrimonial da entidade". Não quiseram dizer que o ervanário sumiu.
EUA HUMILHADOS
A truculência e o mau humor dos funcionários da segurança aérea e da imigração dos Estados Unidos cobraram seu preço. A SkyTrax, empresa que avalia a qualidade dos serviços de 165 aeroportos, colocou os americanos numa situação humilhante. No item da qualidade de atendimento pelos serviços de segurança, só o de São Francisco entrou num ranking de 165 aeroportos, em 38º lugar.
O melhor do mundo é o de Beijing. Entre os 10 mais amigáveis, 8 estão na Ásia e 2, na Europa. Os brasileiros não foram avaliados.
COSTURA
O governador eleito Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), sonham com uma fusão dos dois partidos.
Como nem os doidos acham que o DEM quer levar o PMDB para a oposição federal, resta só uma possibilidade, a turma do ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena, quer mais uma vez mudar de nome para entrar no governo.

Gaspari, a ditadura e a Suprema Corte

Gaspari, a ditadura e a Suprema Corte
GILMAR MENDES - Folha de São Paulo - 14/11/2010
Decisões controvertidas fazem parte da história de qualquer magistratura, cujo grau de transparência muito serve ao fortalecimento da democracia
Faz quase 50 anos: designado embaixador em Washington pelo governo de 64, o general Juracy Magalhães, entusiasmado pelo estilo de vida dos "irmãos do norte", soltou a frase infeliz: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". Até hoje faz escola.
Admirador da ditadura brasileira e macaqueador dos americanos, Elio Gaspari gosta muito de comparar modos e feitos da Suprema Corte com o nosso Supremo Tribunal. Erra feio, até porque cada jurisdição tem feições próprias.
Além da disparidade dos sistemas jurídicos -lá vige o "common law", enquanto aqui se adota o direito romano-, beira o nonsense confrontar a aplicação da vetusta Carta americana de seis artigos com a da imberbe Constituição pátria de quase 300 dispositivos, muitos dos quais ainda a requerer complementação legislativa.
Se, por teimosia, despreparo ou autoindulgência, o jornalista persistir em traçar paralelos entre instituições ou culturas tão díspares, deveria -a exigir-se um mínimo de honestidade intelectual- citar também algumas das vicissitudes que acabaram por fazer a corte americana avalizar, durante décadas, regimes de intolerância, como a terrível escravidão (a exemplo do caso Dredd Scott) ou, para nem ir tão longe, casuísmos polêmicos, como os que permearam o caso Bush versus Gore.
Decisões controvertidas e outros percalços fazem parte do aprendizado ou da história de qualquer magistratura, cujo grau de transparência muito serve ao fortalecimento da democracia. Daí por que não cabe sonhar, como quer Gaspari, com "a etiqueta da corte americana".
Felizmente -e muito em função dos esforços de aproximação dos últimos anos-, o Supremo abandonou a torre de marfim que tanto o distanciava dos cidadãos brasileiros. Os julgamentos, que foram sempre públicos, hoje em dia estão mais acessíveis pela transmissão simultânea via Rádio e TV Justiça.
Por isso, não sobram desculpas às desinformações que o colunista veicula em artigos que mais servem ao escracho do que ao esclarecimento. Se houvesse assistido às sessões relativas à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, Gaspari saberia que a autocrítica -e não crítica- que fiz acerca da oportunidade do segundo julgamento teve lugar no plenário da corte, perante meus pares.
Aliás, reafirmo as posições ali externadas, que, longe de ferirem o decoro ou a elegância, contribuem para o enriquecimento do debate, o primeiro passo para o consenso.
Mas não: na pressa em escancarar a notória americanofilia, Gaspari prefere incorrer em distorções grotescas, na já bem conhecida avidez de apontar, à patuleia, as falhas de Pindorama, para usar o corrosivo jargão do jornalista.
Uma pena. Não fosse assim, poderia ver os esforços que todo o Judiciário vem fazendo rumo à modernização, capitaneado pelo Supremo, com o auxílio do Conselho Nacional de Justiça. O mesmo e velho Supremo que bancou sucessivos habeas corpus para os dissidentes da ditadura, enquanto áulicos do regime bajulavam generais.
Pela resistência e pela envergadura, o Supremo continua personificando, para o brasileiro, a estabilidade das instituições, da democracia -conquista difícil e das mais valiosas -, agora um valor em si mesmo para a população.
Esses e outros aspectos importantes passam batido na visão imediatista e popularesca de gente como Gaspari, mais preocupada em criticar do que em compreender a realidade brasileira.
GILMAR FERREIRA MENDES, mestre pela UnB (Universidade de Brasília) e doutor em direito do Estado pela Universidade de Münster (Alemanha), é ministro do Supremo Tribunal Federal.

Duke, para O Tempo


O verbo e a verba

O verbo e a verba
CARLOS HEITOR CONY – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO - O bom senso recomendaria que eu comentasse a eleição passada. Mas quase todos os cronistas escreveram sobre o assunto, com mais entusiasmo e mais autoridade do que eu.
Sendo assim, vou falar de um caso que não interessa a ninguém, nem mesmo a mim, mas que deve ter alguma coisa a ver com a situação que atravessamos.
Um sujeito vende livros usados no Largo do Machado. Não sei onde ele arranja seu estoque, que é fantasticamente variado, pois tem romances de Clarice Lispector em edições antigas e vagabundas, livros de medicina legal, catálogos de telefone de Alagoas e um guia turístico de Sergipe, até mesmo a coleção completa de uma enciclopédia espanhola.
Sempre que passo por ele recebo o tratamento de "doutor" e a oferta de uma novidade, que não compro, mas examino com interesse. Semana passada, ele me ofereceu um catatau de 600 páginas, intitulado "Por que perdi a eleição?"
Era de um tal Ataliba Pessoa (inventei este nome para não criar caso com o personagem verdadeiro), candidato a deputado estadual em Coroa Grande, acho que no Estado do Rio. Jurisconsulto, poeta, historiador, conicultor (nenhuma relação comigo, simplesmente um criador de coelhos), e nas horas vagas, maçom de elevado grau numa loja do Grande Oriente.
Ele perdeu a eleição e desabafa os podres da campanha com a mesma sinceridade com que se elogia. Faz um histórico dos problemas nacionais e internacionais, detendo-se, sobretudo na problemática situação de seu município.
Teve briga séria com um delegado local -que ele chama de "Satanás do litoral fluminense"- e defende-se com unhas e dentes de um caso de defloramento que lhe foi atribuído pela família da vítima.
E conclui que perdeu a eleição não por falta de verbo, mas de verba.

Lobby dos remédios

Lobby dos remédios
EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO - editoriais@uol.com.br
Uma pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, divulgada na sexta pela Folha, revela a abrangência do lobby da indústria farmacêutica sobre médicos e demais profissionais da saúde. Surpreende no levantamento sobretudo o grau de assédio dos fabricantes de remédio sobre os administradores da rede pública.
Entre os gestores do Sistema Único de Saúde, 75% disseram receber visitas mensais de representantes de fármacos. A estratégia de promoção de produtos mais utilizada é a distribuição de brindes com o nome dos remédios.
Cerca de 40% dos 700 médicos ouvidos admitem que podem ser influenciados por esse tipo de abordagem na hora de receitar.
Tendo em vista tal poder de sugestão, o Código de Ética Médica e o Conselho Federal de Medicina proíbem a seus profissionais o recebimento de benefícios -dinheiro, brindes, viagens- em troca da prescrição de remédios.
Raramente, porém, ocorre permuta tão explícita. Médicos não receitarão fármacos de menor qualidade em troca de chaveiros ou um par de dias em hotéis de luxo. O efeito de brindes, custeio de congressos e propagandas sobre a atividade clínica -constatado em estudos- se dá de forma indireta e pouco consciente. Mas não resta dúvida de que, quanto mais estreito o vínculo entre a indústria e os profissionais da saúde, menor a confiança que um paciente pode depositar na escolha do médico ao receitar um medicamento.
Atento ao conflito de interesses, o Ministério da Saúde acena com novas restrições à atividade dos representantes de medicamentos, sem ainda ter definido quais medidas poderão ser aplicadas.
O caso exige firmeza, mas também moderação - pois é um direito da indústria farmacêutica, observando parâmetros éticos, promover seus produtos. Melhor é que os próprios médicos, por meio de normas profissionais, contenham os riscos dessa relação.

Sinfrônio, no Diário do Nordeste (CE)


Currículo de desigualdades

Currículo de desigualdades
Roseli Fischmann - O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS
O Enem se propõe a ser um instrumento mais igualitário, em nível nacional, mas tem lidado mal com questões administrativas
A crise desencadeada pelo Enem é proporcional à sua relevância na vida de tantos jovens que querem ingressar nas universidades públicas ou conseguir acesso a um dos programas de apoio do governo para o ensino privado. Classificar estudantes, mais do que medir competências, é uma árdua equação entre as expectativas de cada jovem e da sociedade, as políticas públicas, os direitos de todos e as heranças históricas ocultadas pelo tempo.
Na Colônia não havia ensino superior, já que não interessava a Portugal emancipar o Brasil pela educação; é um período de mais de 300 anos, dos 510 após Cabral. Para cursar ensino superior, ia-se a Coimbra; se aqui tivesse estudado com jesuítas, haveria fácil equivalência de estudos, porque era dirigida pela mesma Companhia de Jesus, com verbas do Padroado Régio.
A vinda da Família Real em 1808 trouxe a necessidade de "civilizar" a nova sede da Corte, criando-se a Escola de Anatomia. Após a Independência, o primeiro curso seria o de Direito, com a criação das duas primeiras faculdades nessa área, a do Largo de São Francisco e a de Olinda, em 1827. Dessa época, registra-se a ausência do poder público na oferta do ensino de primeiras letras, em um prenúncio dos equívocos que percorreriam nossa história. Os estudantes que poderiam candidatar-se aos cursos superiores provinham de escolas mantidas por ordens religiosas católicas, ligadas à então igreja oficial e subsidiadas pelo Império. Ou recebiam instrução dada por preceptores, em seus lares. O Império criou o mecanismo de "exames parcelados", que, organizado por província, aos poucos substituiu e desestruturou o ensino regular, pois era determinante para concorrer ao ensino superior. O parcelamento de exames, sem exigência de frequência, abreviava o caminho.
Tardiamente, na década de1930, começaram as universidades do País. O desenvolvimento da pesquisa, articulada com ensino e extensão, passou a estruturar a tríplice missão das ainda poucas universidades. As vagas limitadas impunham processo seletivo rigoroso, em fases eliminatórias de provas escritas e orais.
A crise de 1968 teve no vestibular um de seus temas mais candentes. O exame era ainda eliminatório, com nota mínima para aprovação em cada disciplina. Esse critério elevou o rendimento dos estudantes, havendo, aos poucos, mais aprovados do que vagas. Era a figura do excedente que reivindicava, pela aprovação, o direito à vaga inexistente. O governo militar resolveu a situação alterando o critério de eliminatório para classificatório, com o que, formalmente, não mais haveria excedentes. Foram criadas universidades federais pelo Brasil, necessidade antiga, esperando resolver a demanda. Com o critério classificatório, somado ao sistema de provas objetivas, o acesso à universidade ganhou novos contornos.
Ao mesmo tempo, nos anos 1970 o ensino obrigatório passou de quatro para oito anos, eliminando o gargalo do exame de admissão e atribuindo identidade ambígua ao ensino médio. O ensino privado viveu a abertura de facilidades para a criação de cursos de ensino superior, com o que se ampliaram vagas, mas atreladas a mensalidades.
A leva seguinte de mudanças no ensino superior viria com a Lei nº 9394/96. Houve a abertura para instituições privadas utilizarem a denominação "universidade", com base na criação de programas de pós-graduação stricto sensu reconhecidos pela Capes. Era uma sinalização de abertura do mundo da pesquisa. Mas o vestibular continuava classificatório e, com a ampliação de vagas e níveis, houve a possibilidade de maior proximidade da população com a ideia de cursar uma universidade.
Já a partir de 2003 surgem outras propostas, seja de ampliação, como o Reuni, reestruturando e ampliando as universidades federais, seja a resposta aos custos das particulares, com o Prouni e o Fies, alvos também de processos seletivos.
O marco de um debate mais consequente em relação ao efetivo questionamento da relação entre acesso à universidade e desigualdade, contudo, chegaria apenas com a proposta de ações afirmativas, erroneamente simplificadas como "oferta de cotas". O que se coloca nesse debate é a desigualdade criada historicamente por um tipo de seleção que privilegiou os privilegiados, fragilizando a democracia.
O Enem se propõe a ser um instrumento mais igualitário, em nível nacional, mas tem lidado mal com questões administrativas, da dificuldade de reconhecer os estudantes que, por razão de crença, guardam o sábado (bastaria realizar o exame em dois domingos) a problemas com gráficas e sigilo. Tem méritos relevantes, no sentido de buscar um caminho nacional mais igualitário para o acesso às oportunidades educacionais no ensino superior, de forma, também, a valorizar o ensino médio não como curso "de passagem", mas com valor em si, parte da educação básica e da formação do cidadão. Resta, agora, ajustar as diversas falhas que, pela extensão da proposta do Enem, provocam tanta comoção, para o que é indispensável aprender as lições do passado.
Roseli Fischmann é professora do programa de pós-graduação em Educação da USP e da Universidade Metodista de São Paulo

Soledad Villamil - Rencor - Tango

Mauá e Fox

Mauá e Fox
Caetano Veloso – O Globo – Segundo Caderno
Depois de receber os comentários de Ronaldo Lemos em resposta à minha pergunta sobre a não entrada do iTunes no Brasil — e sugerir que Éboli, o presidente da Universal Brasil, polemizasse com ele — recebi os seguintes comentários deste último: “O Brasil, assim como o México antes da chegada do serviço, em agosto de 2009, apresenta vendas insignificantes simplesmente por não ter ‘o site’ aqui instalado.
Quer queiram ou não, o iTunes é cool entre os usuários, e é por essa razão que suas vendas representam cerca de 80% do total vendido no mundo inteiro no serviço à la carte (quando o usuário escolhe o que comprar dentre milhões de músicas disponíveis). Ou seja, ter ou não o iTunes no país faz uma tremenda diferença. No México, somente com o repertório da Universal Music, as vendas subiram de um patamar de aproximadamente dez mil para 200 mil/mês atualmente! Um crescimento espetacular! Por que isso não ocorreria no Brasil?!
quer dizer que existe, sim, “um mercado de música legal para o consumidor poder baixar suas músicas com segurança e respeitando todos os direitos autorais e artísticos”.
O que é preciso “são serviços de qualidade e prestígio, o que o iTunes tem de sobra”. Deslocando a discussão da questão dos impostos (que a Apple acharia altos demais no Brasil) para a consideração do absurdo de o iTunes não estar ainda entre nós, o chefe da gravadora com que tenho contrato desde que o mundo é mundo insiste que “o Brasil, sendo um país tão musical, pode replicar esse fenômeno que aconteceu no México com muito mais contundência. Daí a nossa preocupação”.
Seria preciso tempo para consultar os arquivos do blog Obra em Progresso para sentir em que tom vinham as reações a Gil Lopes quando este propunha o que Éboli propõe hoje. Mas estou em Los Angeles, a convite do artista Doug Aitkin, para participar de um happening que ocupará todo o MoCA (Museum of Contemporar y Arts), e não tenho tempo, entre ensaios e encontros sociais, de fazer nenhum tipo de pesquisa.
Para relaxar, leio na cama os “Vultos da república” da “Piauí” (dentre muito bons artigos, o de João Moreira Salles sobre Francenildo destacase pela força literária, histórica e jornalística) e releio o “Mauá” de Jorge Caldeira. Tenho uma lembrança vaga de que as discussões no blog giravam em torno da maior ou menor atração de quem comentava pelo acesso ilegal a obras artísticas. E pela menor ou maior desconfiança de toda negociação “convencional” pela internet.
Eu estava acostumado a odiar Los Angeles. A primeira vez que vim aqui, fui levado do aeroporto para um hotel (um Hilton desses, sei lá) perto de antigos estúdios da Universal, em frente a um shopping ao ar livre, chamado City Walk, não longe de Woodland Hills.
City Walk é o modelo do Downtown carioca e do Aeroclube de Salvador: ruas cenográficas compostas de lojas reais e cinemas excelentes, que vendem roupas, joias, brinquedos e sonhos por dinheiro verdadeiro. Como eu só tinha visto estradas desde o aeroporto até a porta do hotel, fiquei com a impressão de que Los Angeles se resumia a largas estradas e minibairros falsos. Essa impressão não mudou muito quando tomei contato com áreas mais urbanizadas da cidade: as ruas de comércio de LA parecem construídas no Projac, cada fachada dando a impressão de nada esconder dentro. Um cenário modesto e feito às pressas para uma filmagem que vai se dar hoje: amanhã restará o deserto e alguns coiotes. Uma vez meu amigo Peter Sellars, o diretor de teatro de vanguarda, me mostrou bairros onde a polícia dava duras em mexicanos; as deslumbrantes torres de Watts; um restaurante chinês colado ao centro; e — mais importante do que tudo — Joshua Tree. Passei a sentir o fascínio do deserto nas ruas da cidade.
Mas isso não criava uma unidade. O “centro” (Downtown LA) faz pensar em filmes de ficção científica em que o mundo acabou, tendo restado apenas uma dúzia de pessoas perdidas entre alguns prédios vazios. Arranha-céus em Chic a g o o u N o v a York estão cheios de vida — e cercados de multidões atarefadas.
Em LA, os prédios parecem mortos, e as ruas estão desertas em volta deles. Hoje vi um grupo de pessoas com cara de imigrantes ilegais ajudando umas às outras a descerem de uma mureta e achei que estava no “Ensaio sobre a cegueira” de Fernando Meirelles.
Só uma vez senti realidade em LA: na festa do Oscar.
Bem, o tapete vermelho parece um sonho estranho: mulheres vestidas e maquiadas para a noite à luz dura do sol, galãs de black-tie numa luz de praia. Mas dentro do teatro, tudo encorpa: há verdade, história, Humanidade. Fui começando a gostar daqui. Ainda não cheguei lá: sou de Madri, Nova York, Buenos Aires.
Penso que as calçadas dos bairros residenciais de LA podem ser lambidas: nunca ninguém as pisou. A “calçada da fama” é enganação. Pisamos nos astros e não nos distraímos, mas não sentimos a magia do estrelato. É pobre.
Mas Fox veio para cá fugindo das amarras das patentes e criou Hollywood. Os defensores da pirataria têm nele um exemplo da criatividade que vence direitos esclerosados.
Temos de deixar rolar o que funciona e imaginar leis que acompanhem o processo. No momento, pareceme que é mais Fox desejar que o iTunes entre no Brasil do que desprezá-lo por amor a supostas liberdades.
Não sei. Meu interesse não coincide com o da Universal: permaneci numa mesma gravadora não por apego mas por indiferença.
Mas acho que devemos sempre relembrar Mauá.

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