domingo, novembro 14, 2010

Judiciário é controlado por elites familiares e acadêmicas, aponta pesquisador

Judiciário é controlado por elites familiares e acadêmicas, aponta pesquisador
SISTEMA OLIGÁRQUICO
Beatriz Bulla - 14/11/2010 - 14h52min
A Constituição de 1988 tem como um de seus pilares o princípio da igualdade de direitos e oportunidades entre os cidadãos. A chamada Carta Cidadã buscou eliminar todas as distinções de origem, cor, raça, gênero, orientação religiosa e sexual. No entanto, o amplo arcabouço de leis e normas criado para atingir esses princípios – leis trabalhistas e concursos públicos, por exemplo — talvez não tenha surtido efeito justamente na classe encarregada de zelar pela sua aplicação: a classe jurídica.
É o que afirma o cientista político Frederico Normanha Ribeiro de Almeida, autor de uma tese de doutorado que aponta a existência de uma elitização do Poder Judiciário, fruto de uma divisão social do trabalho, que começa no berço e nos bancos das faculdades de direito. Segundo o pesquisador, gênero, origem geográfica, relações familiares e diploma são fatores determinantes para que alguém participe da pequena elite de juristas que controla a Justiça no país.
Frederico Almeida encontrou o que chama de campo político da Justiça. “Um espaço de poder relacionado ao controle político das organizações profissionais e burocráticas de administração do sistema de justiça estatal”, que, segundo ele, é encabeçado por uma elite com características muito menos diversificadas do que as bases profissionais. “Prevalecem pessoas com recursos e capitais – não só materiais, mas também simbólicos — comuns”, diz o autor.
Na tese, intitulada A nobreza togada – as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil, defendida na FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), Frederico Almeida desenha o perfil deste jurista dominante.
“É alguém do sul ou do sudeste, branco, homem, de uma faculdade de elite, de classe média escolarizada, de família tradicional que já era do mundo do direito. Além disso, é alguém que teve algum a relação anterior com a política. Enfim, uma pessoa com várias trajetórias que tornam sua condição mais favorecida do que a dos outros”, disse o pesquisador, em entrevista exclusiva a Última Instância.
Além da origem familiar e das relações políticas, outro fator determinante para um bacharel em direito galgar posições mais elevadas na carreira jurídica é o prestígio da faculdade em que ele se forma. “Identifiquei uma divisão social do trabalho jurídico, ou seja, há algumas faculdades que formam aqueles que vão estar na elite e algumas faculdades que formam os que vão ser colocados em posições secundárias”.
Segundo o pesquisador, o diploma em uma instituição renomada pode ser uma forma de contornar o poder de influência das oligarquias familiares da Justiça, o que pode ser um fator de conflito interno. “O filho de um ex-desembargador ou de um ex-ministro do STJ ou do STF, está junto com o filho de uma professora universitária, por exemplo, que é de elite também. Mas os dois estão neste grupo por conta de apenas uma característica comum, que é o diploma”, coloca o autor.
Participação feminina
Apesar das tendências de maior participação feminina no campo jurídico, o autor analisa que há barreiras sociais e políticas para a ascenção das mulheres a posições de poder. “Eu falo em barreira social e política para dizer que não é uma questão de geração. Não dá pra dizer assim 'ah na década de 90, as mulheres estavam nessa posição, daqui a uns dez anos elas vão estar então ocupando determinado lugar', não é uma questão de geração”, observa Frederico Almeida.
Além disso, ele aponta a existência de um discurso que se pretende elogioso, mas, na verdade, designa para a mulher um papel que não é o mesmo do homem: "Há um discurso que é muito masculino sobre a questão das mulheres na Justiça, que cria um lugar específico para elas. Dizem que a mulher é uma juíza de família melhor, porque é mais sensível, ou que é uma juíza criminal mais rigorosa, porque é mais séria. São discursos discriminatórios, apesar de parecerem elogiosos".
Em A nobreza togada, Frederico Almeida analisou a participação feminina na composição de diferentes grupos: magistratura, advocacia e Ministério Público. Segundo o autor, o MPF (Ministério Público Federal), é um grupo com maior grau de feminização, o que pode ser explicado por sua recente institucionalização profissional. Sua estrutura interna de poder é mais livre – se comparada com a advocacia e magistratura —, o que acaba por privilegiar a participação das mulheres.
Almeida coloca ainda que o recente institucionalismo do MPF, juntamente com seu maior grau de feminização, contribue para a visão de que o órgão ocupa um papel secundário. "Tem a ver com falta de prestígio.  Uma outra carreira que a gente vê que é muito feminina, na verdade que tem até mais mulheres do que homens, é a defensoria pública. Apesar de ser um trabalho muito louvável, o que todo mundo vai admitir que é, certamente se você perguntar para um aluno de direito se ele quer ser juiz ou defensor público, ele vai te responder que quer ser juiz", opina Frederico Almeida.
Além do diploma de uma universidade de prestígio e da questão do gênero, o autor aponta a origem geográfica como fator determinante para o pertecimento do grupo de elite do campo político da justiça. A maior parte dos integrantes do círculo, segundo seu estudo, desenvolveu sua trajetória profissional e de vida no sul ou no sudeste do país, levando em consideração também o fato de essas regiões do Brasil concentrarem um maior número das faculdades de direito ditas de elite.
Democratização
Sobre a democratização do sistema de Justiça, Frederico Almeida alerta para os diferentes sentidos do conceito: "Um sentido é o da democratização do acesso da população à Justiça e o outro é uma democratização interna". O primeiro sentido relaciona a sociedade com o acesso aos meios judiciais e extrajudiciais de resolução de conflitos. Desta ideia partiram várias iniciativas de autorreforma do judiciário, por exemplo, para que se ampliasse e democratizasse o acesso à justiça.
O segundo sentido, entretanto, orienta o pensamento de um grupo que entende que a atuação do Poder Judiciário precisa estar próxima da realidade social do país. Segundo esse entendimento, coloca o autor em sua análise, se apresenta o movimento do direito alternativo e de outras ações que acreditam que o mito da neutralidade da função judicial deve ser superado.
Pauta das reformas
Frederico Almeida também coloca em seu estudo que a existência de um subcampo político da administração da Justiça estatal pode ser um fator de resistência a reformas. Para exemplificar, o autor fala sobre a Reforma do Judiciário, no período entre 2003 e 2004. Segundo ele, a aprovação da reforma só foi possível porque os grupos de elites jurídicas – os mesmos que compartilham trajetórias e posições semelhantes — lideraram o movimento. Nesse sentido, a agenda é pautada de forma mais racionalizadora do que democratizante, pois, no entendimento do autor, as decisões são voltadas para a centralização do sistema e não para a ampliação de acesso à Justiça.
Apesar disso, Almeida reconhece que Reforma do Judiciário de 2004 trouxe avanços, mas, ainda assim, confessa: "quando eu faço esse retrato, eu acho que nada vai mudar nunca". Para ele, o fato de as reformas serem feitas sempre pelo mesmo grupo fortalecem o poder dos mesmos, que buscarão a manutenção de sua posição dominante. “As mudanças acabam sendo conservadoras, porque preservam essas posições”, considera Almeida.

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