sábado, novembro 13, 2010

Em 1/4 das uniões, mulher se casa com homem mais novo

Em 1/4 das uniões, mulher se casa com homem mais novo
JANAINA LAGE DO RIO
IBGE mostra que, em 2009, 23% das que se casaram pela 1ª vez escolheram parceiros mais jovens
Proporção de filhos de mulheres a partir dos 30 anos aumentou; MS é Estado com maior risco de casamento fracassar
O casamento entre mulheres mais velhas e homens mais jovens está mais popular. A pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2009, do IBGE, mostra que uniões com esse perfil entre solteiros -primeiro casamento- representam 23% do total (ou 173,7 mil). Em 1999, eram 19,3%.
Segundo Claudio Crespo, pesquisador do instituto, os dados refletem o aumento da presença da mulher no mercado de trabalho e do nível de escolaridade. O resultado disso é o adiamento dos planos de maternidade e casamento.
"A sociedade está mudando a forma de ver o casamento e há uma quebra de tabus comuns antigamente", disse.
Em 2009, a maior proporção deste perfil ocorreu com mulheres de 25 a 29 anos (33%). Elas casaram, em média, com homens de 24 anos. As de 45 a 49 anos que optaram por homens mais jovens se uniram a maridos de 39.
"São mulheres mais bem colocadas no mercado de trabalho, que têm dificuldade de encontrar parceiros na mesma idade e que têm segurança para escolher. Não é uma revolução. A maioria delas ainda não reproduz o padrão masculino de casar com uma mulher 15 anos mais jovem", afirma a antropóloga Miriam Goldenberg.
A pesquisa não investigou a proporção de segundos ou terceiros casamentos de mulheres mais velhas com homens mais jovens, mas existem indícios de que essa fatia também está em alta. A proporção de divorciadas que casaram com solteiros passou de 2,2% para 5,3%.
Nos EUA e na Europa, o movimento ganhou força e as mulheres independentes e interessadas em homens mais jovens foram apelidadas de "cougars" (na tradução literal, pumas).
De modo geral, no Brasil as mulheres casam pela primeira vez aos 26 anos; os homens, aos 29. As chances de a união dar certo variam de acordo com o local. Em todo o país, a cada 100 casamentos, 23 são desfeitos.
Mato Grosso do Sul é o local com maior risco de a união fracassar: a taxa de insucesso chega a 38%. Em São Paulo, ficou em 24%.
Casados há quase 55 anos, três filhos, Ana de Jesus, 77, e Raimundo Teixeira, 82, exemplificam o sucesso do Maranhão, o Estado com menor índice: 7%.
Para o casal, a união longeva se deve a amor, compreensão, sorte e diálogo. "Nunca fizemos nada sem o outro saber", diz Anita. "Para mim, [o casamento] deve, acima de tudo, ser motivado pelo amor, pela vontade."
"RECASAMENTOS"
As alterações na legislação sobre separações e divórcios contribuíram para aumentar o número de "recasamentos". Em 1999, eles representavam 10,6% do total. No ano passado, chegaram a 17,6%.
E a perspectiva é que em 2010 aumentem ainda mais com a instituição do divórcio direto e sem prazo.
No ano passado, a taxa de divórcios teve leve queda para 1,4/mil habitantes. A taxa de separações ficou estável em 0,8/mil habitantes.
A participação das mulheres a partir dos 30 anos no total de registros de nascimento cresceu de 14,8% para 16,8%. Em alguns locais, as essas mães já têm participação maior do que as mães adolescentes, de 15 a 19 anos, como em SP, SC, RS e DF.
PARTOS
1/4 DAS MÃES TEM BEBÊ FORA DE SUA CIDADE
Mais de um quarto (26,1%) dos nascimentos do ano passado ocorreram em hospitais fora do município de residência da mãe. Para o IBGE, isso pode sinalizar que a população vai a outras cidades em busca de atendimento também em outras especialidades.
MULHER MAIS VELHA
"Nossas referências se complementam", afirma Astrid
LETICIA DE CASTRO DE SÃO PAULO
Casada há quase dois anos com o produtor Fausto Franco, 31, - seu segundo marido mais jovem - a jornalista Astrid Fontenelle, 49, diz que não se importa com a idade.
Folha - A diferença de idade muda algo na relação?
Astrid Fontenelle - Só aparece quando a gente fala de alguns fatos que aconteceram no passado e ele não vivenciou ou não se lembra. Por exemplo, a morte da Elis Regina (1982), músicas que eu ouvia na adolescência e ele não conhece.
Isso é um problema?
Não. Ele também fala de coisas moderninhas que eu não conheço, nossas referências se complementam.
Já sofreu preconceito?
Nunca ouvi um "velha ridícula". Tenho amigas que evitam esse tipo de relacionamento porque dizem que homens mais novos só querem saber de dinheiro e de fama. Acho ridículo.
MARIDO MAIS NOVO
"Nem percebi que ela era mais velha", diz designer gráfico
DE SÃO PAULO
O designer gráfico Luciano Schinke, 33, conheceu Simone, 38, há dois anos em uma praça em São Paulo, enquanto os dois passeavam com cachorros. "Nem percebi que ela era mais velha", diz. Um mês depois do encontro eles foram morar juntos e após seis meses de relacionamento decidiram se casar no civil. Há sete meses nasceu Antonio, o primeiro filho do casal. (LC)
Folha - A diferença de idade muda algo?
Luciano Schinke - Não muda nada no relacionamento. A única coisa que eu senti foi a pressa para engravidar. Se ela fosse mais nova, talvez esperássemos um pouco mais.
Já sofreu preconceito por ser mais jovem que sua mulher?
Não, pelo contrário. As pessoas se surpreendem quando descobrem a idade dela. Ela parece muito mais nova. Acho que hoje existe um fetiche em relação a mulheres mais velhas.

Amorim, para o Correio do Povo


Pôr do Sol na Praia de Icaraí -Niterói, RJ

 Carlos Mauricio Meira Vannier 

Um bilhão de famintos

Um bilhão de famintos
Dom Odilo P. Scherer - O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/11/10
A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Agricultura (FAO) lançou recentemente uma campanha de ajuda aos cerca de 1 bilhão de famintos ou subalimentados no mundo, sobretudo na África e na Ásia, mas também na América Latina. É muita gente! Será pela falta de alimentos, ou porque a terra é incapaz de produzi-los em quantidade suficiente?
Em áreas desérticas ou semiáridas, é provável que essas duas hipóteses sejam verdadeiras. Mas olhando o mundo como um todo, não se pode afirmar que faltem alimentos, ou que a terra seja incapaz de produzi-los. Há até sobra de alimentos e muita capacidade produtiva não aproveitada. Os verdadeiros problemas são outros e nos levam à reflexão sobre algumas questões básicas da convivência entre os povos, já abordadas em diversos documentos da Doutrina Social da Igreja: a adoção de um adequado conceito de desenvolvimento e a revisão dos parâmetros das relações entre os povos, para integrar novos critérios éticos, sem os quais a fome, a pobreza, a violência e as injustiças locais e internacionais não serão resolvidas.
No Dia Mundial da Alimentação, 15 de outubro passado, em carta dirigida ao diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, o papa Bento XVI recordou que o primeiro compromisso dos indivíduos, das organizações internacionais e dos Estados deve ser o de libertar da fome todos os membros da família humana. E convidou a comunidade internacional a estar unida nessa luta.
Infelizmente, não é isso o que se vê quando programas da agricultura voltada para a produção de alimentos não recebem o apoio e o estímulo que são dados a setores mais rentáveis da ocupação e da economia. Produção e distribuição de alimentos deveriam merecer atenção prioritária, em vista do bem social que delas depende: o elementar direito à alimentação. Esses setores poderiam dar oportunidade de trabalho a milhões de desempregados e espaço para o progresso tecnológico.
Mas aqui se coloca outra questão de fundo: que tipo de desenvolvimento e quais prioridades? Estimular setores tecnológicos da produção de supérfluos, coisas interessantes, mas não indispensáveis, que trazem lucro mais rápido e em maior volume, ou matar a fome do povo e satisfazer outras necessidades básicas, como a moradia, a saúde e a educação? Questão de escolha.
É espantoso que em certos países, como a Índia e o próprio Brasil, convivam setores tecnológicos de ponta com situações da mais dura miséria.
Na sua encíclica Caritas in Veritate (A Caridade na Verdade, 2009), o papa Bento XVI convida os povos e os seus governantes a buscarem um autêntico desenvolvimento humano, baseado na ideia de pessoa como unidade de corpo, alma e espírito; a satisfação das necessidades materiais com o acesso à tecnologia e aos bens de consumo não é tudo. O desenvolvimento humano integral vai além da posse de bens e se expressa na adesão aos valores antropológicos e éticos mais elevados, como a fraternidade, a solidariedade e o bem comum.
Tais valores são sumamente importantes quando se trata de debelar a fome. Quando o desenvolvimento econômico local e globalizado integra esses imperativos éticos, ele é capaz de favorecer o bem comum mais que os interesses de parte. A constante afirmação dos interesses fechados de países, grupos e setores, conseguida pela pressão de quem já é mais forte, até mesmo pelas armas, produziu o mundo que vemos: de um lado, mesas abarrotadas e gente superalimentada; de outro, multidões famintas a se baterem por escassas migalhas. Tem jeito de mudar isso?
O papa indica mais questões do desenvolvimento humano integral: somos parte de uma grande família e precisamos superar a indiferença diante das necessidades do próximo, seja ele pessoa, povo ou país. A humanidade é uma única família e todos estão no mesmo barco, para o bem e para o mal: ou vai para a frente esse barco, com todos dentro, ou afundam todos juntos. O bem de um é o bem de todos, a falta de paz de um é a falta de paz de todos.
Quando se levar a sério a consciência dessa responsabilidade de uns pelos outros, de um povo pelo outro, dos fartos pelos famintos, será possível combinar de forma nova as regras da convivência neste condomínio familiar maravilhoso que o Criador pôs à nossa disposição.
A solução para o problema da fome está menos na roça e nas mãos calejadas dos agricultores do que nos gabinetes e fóruns das decisões políticas, econômicas, financeiras e comerciais. A fome será superada mais pela ponta da caneta do que pelo cabo da enxada. Uma renovada fraternidade e solidariedade é urgente necessidade moral na família humana, na qual é direito que os mais sadios e fortes olhem pelos mais fracos e doentes. Não dá para continuar a fazer de conta que o problema é apenas dos outros. De fato, a atual migração de milhões de pessoas para países ricos ou regiões mais desenvolvidas mostra que as pessoas vão atrás do pão: se o pão não chega aonde as pessoas estão, elas vão lá onde o pão se encontra. O problema é de todos.
A eliminação da fome e da subalimentação requer a superação das barreiras do egoísmo, da insensibilidade e da indiferença, sinais preocupantes de um subdesenvolvimento humano e moral, e a abertura para uma fecunda gratuidade na relação de pessoas, organizações e povos. A gratuidade é uma das mais nobres disposições humanas e leva a pensar de modo desinteressado no bem do próximo; é expressão de fraternidade verdadeira na família humana. Planos e programas continuam sendo necessários, assim como o respeito pelas regras e pela justiça; mas tudo isso será animado por disposições novas, capazes de dar brilho a 1 bilhão de olhares famintos no mundo.
CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Onde fica a privacidade?

Onde fica a privacidade?
Adriana Barsotti – O Globo
 Vinte e um anos depois de ter escrito “A sociedade do espetáculo” (Contraponto), o filósofo francês Guy Debord afirmou, em 1988, comentando sua própria obra: “Posso me gabar de ser um raro exemplo contemporâneo de alguém que escreveu sem ser imediatamente desmentido pelos acontecimentos”. Se estivesse vivo, teria mais motivos ainda para se gabar. O livro, escrito numa época em que não havia YouTube, blogs, fotologs e redes sociais, afirmava que o espetáculo era a principal produção de uma sociedade que privilegiava a visão. O que diria ele agora das redes sociais com georreferenciamento, o mais recente fenômeno digital, onde todos não apenas querem ser vistos, mas localizáveis? Com algumas diferenças, elas funcionam assim: ao chegar a determinado local, o usuário, através de seu celular, recebe uma lista de restaurantes, supermercados, parques, academias, farmácias, shoppings ou qualquer outro tipo de estabelecimento perto de onde se encontra. A partir daí, ele pode encontrar na lista o local onde está e fazer um check-in. Se ele ainda não estiver cadastrado, ele mesmo pode fazê-lo. Ao fazer seu check-in, ele pode optar comunicá-lo aos seus amigos da rede social móvel que está utilizando e também à sua rede no Facebook e no Twitter. Além de revelar sua localização, ainda pode acrescentar alguma mensagem do tipo: “afogando as mágoas num milk-shake de chocolate”. Também pode não comunicar a ninguém, opção que parece bem menos atraente aos usuários.
Com o limite cada vez mais frágil entre o público e o privado e as possibilidades de superexposição multiplicando-se, o que estaria motivando essa ditadura da intimidade, que agora pode ser literalmente mapeada? Um novo conceito de privacidade estaria surgindo? As redes sociais que usam o GPS trazem várias discussões à tona: o uso mercadológico, pois na Europa e nos EUA muitas já oferecem vantagens a seus usuários, a da falta de segurança — se você está em algum lugar é porque não está em casa — e a da falta de privacidade, foco deste debate.
— A intimidade hoje não é a mesma do século passado. Vivemos numa sociedade confessional — analisa o psicanalista Chaim Samuel Katz.
Entre o narcisismo e o ativismo
 Pesquisadores se dividem quanto ao valor social das novas ferramentas, destacando seu uso como forma de controle ou canal de mobilização coletiva
 Autora do livro “O show do eu: a intimidade como espetáculo” (Nova Fronteira), Paula Sibilia, professora do Departamento de Estudos de Mídia da UFF, usa a metáfora da ilha deserta para ilustrar o excesso de exposição.
— Agora não temos mais como fugir, não temos a ilha deserta.
Na sociedade burguesa do século XIX, havia o lado prazeroso de se ficar em casa, mas a fuga era possível. Hoje todos somos localizáveis e disponíveis o tempo todo. Estamos amarrados.
É paradoxal que a retórica desses dispositivos jogue com a liberdade, pois estamos cada vez mais presos — analisa.
O assunto está longe de alcançar consenso entre os estudiosos da cibercultura e da mídia.
Em maio, a revista “Time” incluiu o Foursquare, a mais popular rede social móvel que usa GPS, na lista das 50 piores invenções de todos os tempos. No dia 16 do mês anterior, foi comemorado o Foursquare Day em 250 cidades e 35 países. “É apenas outra ferramenta ajustada a uma geração de narcisismo”, afirmou a revista. No outro extremo, a mais prestigiada publicação de tecnologia, a “Wired”, estampou no mês seguinte em sua capa o criador da ferramenta, Dennis Crowley, apresentado como “o rei das redes sociais”
Dados são coletados em http://draft.blogger.com/post-create.g?blogID=4759591329996691554 e usados para fazer perfis
Diretor do Pan-Media Lab, da ESPM, e professor da UERJ, Vinícius Pereira é cauteloso ao analisar as redes com georreferenciamento.
Ele lembra que a ideia de interioridade era o que podia dar consistência à existência do indivíduo até o século XIX, mas agora os atributos valorizados são cada vez mais o instantâneo e o atual: — Hoje, o quarto privado é o blog.
Porém, ele acredita que o exibicionismo é apenas uma das motivações para o uso dessas redes. Pereira faz um paralelo com o Twitter. Criado para ser uma ferramenta de mero exibicionismo (a pergunta “O que você está fazendo?” não deixava dúvidas), ele ganhou outro status, entre eles o de ter se transformado numa poderosa fonte de informação. Pereira ressalva que o mesmo movimento já pode estar em curso nas redes sociais móveis com GPS. Alguns usuários do Foursquare, a mais popular delas, já estão modificando o conceito original da rede ao fazer check-ins em engarrafamentos que encontram em seus trajetos pela cidade.
— A exposição do ego é uma questão redutora. Ao informarem sobre as condições de trânsito, os usuários podem estar fazendo uma crítica ao tempo que perdem em seus deslocamentos e dando informações de interesse público — pondera ele.
Professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da cibercultura, André Lemos critica o narcisismo digital, mas relativiza a perda de privacidade.
Usuário do Foursquare, sua estratégia não é revelar onde está, mas por onde passou.
— Não precisamos pensar a privacidade em seus extremos: ou a garantia total ou a perda total.
Essas redes geram a possibilidade de produção de vínculos sociais. Temos que negociar a privacidade para ampliarmos nosso capital social. Hoje posso revelar onde estou, amanhã posso não dizer.
Para ele, o risco da perda de privacidade está onde os usuários não enxergam. O professor lembra que faz parte dessas redes rastrear a navegação dos usuários para coletar dados e traçar perfis: — Esses dados podem ser usados contra o usuário. As pessoas deveriam ter direito a ser gestoras de suas próprias informações.
Uma forma de monitoramento voluntário
Organizador do livro “Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída” (Mauad), o professor Henrique Antoun, da Escola de Comunicação da UFRJ, faz coro: — Essas redes se intercomunicam.
Do ponto de vista do negócio, estão extraindo padrões de comportamento.
Além dos conceitos de público e privado, ele lembra que o de vigilância também mudou. Não existe mais a sociedade descrita pelo filósofo francês Michel Foucault, onde o vigiar estava relacionado à punição em instituições como prisões e escolas.
— As empresas e o Estado inventam diversas maneiras de monitoramento. As melhores são as voluntárias, como as contas de e-mail e o Foursquare, que ainda acopla oportunidades.

A questão é perguntar se isso é vigilância. A antiga tinha mecanismo de punição. A atual tem um sistema de recompensa: você ganha descontos, prêmios, vira uma celebridade por cinco minutos — critica.
Um outro viés da questão é a segurança física. “Agora, os ladrões têm sua própria rede social com georreferenciamento”, afirmou o respeitado blog de tecnologia Techcrunch a propósito do lançamento do site Please Rob Me, em fevereiro deste ano. Criado para alertar os usuários das redes sociais que usam GPS sobre os riscos que correm ao revelarem sua localização na web, o projeto acabou sendo bombardeado por grande parte da mídia que cobre tecnologia.
O site revelava em tempo real os chek-ins dados fora de casa por usuários de diversas redes sociais.
A ideia era alertar que, se não estavam em casa, poderiam ser roubados. Além de exibir os check-ins online, o site mandava a seguinte mensagem aos usuários do Twitter: “Oi , você sabe que o mundo inteiro pode ver sua localização via Twitter?” E assinava: “#pleaserobme.com” A intenção era mostrar com humor como o usuário estava se expondo. O Techcrunch, apesar das críticas, elogiava o fato de o site alertar para a falta de privacidade dos usuários destas redes. Os pais do projeto aparentemente o abandonaram. O site ainda está no ar, com sua declaração de propósito. Porém, não informa mais os checkins de usuários quando estão fora de casa e relaciona links de comentários que, segundo seus criadores, souberam interpretar seus objetivos. No texto, eles se dizem satisfeitos por terem chamado atenção para o tema e dizem que ainda estão estudando um destino para o projeto.
'Novos modos de agregação'
CORPO A CORPO
CHAIM SAMUEL KATZ
Autor de “Complexo de Édipo” e “Temporalidade e psicanálise”, entre outras obras, o psicanalista Chaim Samuel Katz afirma que o conceito de intimidade mudou em relação ao século passado e lembra que vivemos numa “sociedade confessional”.
Para ele, a questão é saber que tipos de sujeitos vão emergir a partir dos deslocamentos de significados como o da intimidade, numa era marcada pela exibição dos reality shows.
Adriana Barsotti O GLOBO: Como o senhor vê a corrosão da fronteira entre as esferas pública e privada numa era marcada pela superexposição?
CHAIM SAMUEL KATZ: Ainda temos o preconceito de raciocinar sobre essa questão da individualidade em termos iluministas, quando o “eu” era centralizado.Não acredito na unicidade do eu do iluminismo.O que há é uma multiplicidade de “eus”. Temos várias identidades dependendo das circunstâncias.
As redes sociais móveis que utilizam a geolocalização não estão superexpondo a intimidade?
 KATZ: Acho menos grave a participação nessas redes do que os pais que controlam e vigiam seus filhos através de celulares com GPS, sob a alegação de preservarem a integridade deles.Nessas redes, a adesão é voluntária. Elas reúnem interesses e crenças contemporâneas que há dez anos não imaginávamos que pudessem acontecer.Não estou defendendo o uso delas, mas sim tentando entender o fenômeno.
Quais os efeitos que elas podem provocar no conceito de privacidade?
KATZ: Um novo tipo de articulação está se formando. Só não sei quais serão as consequências do uso desses novos meios eletrônicos. O fato é que o sujeito tem a liberdade de adesão, formam-se novos modos de agregação, novas elaborações de individualidades.
A intimidade hoje não é a mesma do século passado. Vivemos numa sociedade confessional.
Há um afrouxamento do significado de intimidade?
KATZ: Hoje as crianças falam de seu lado sexual, de atrações homossexuais, o que seria considerado pornográfico em tempos passados. Sem dúvida, há um deslocamento do que é íntimo no mundo numa época marcada pelo Big Brother.

Duke, para O Tempo


Em outro tom

Em outro tom
EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO - editoriais@uol.com.br
Surgem alguns indícios de que, na política externa, futuro governo Dilma não pretende reproduzir os traços mais criticáveis de Lula
Não foge à natureza das coisas políticas o fato de que, aos poucos, a presidente eleita Dilma Rousseff venha dando indícios de sua disposição para impor ao futuro governo uma marca pessoal - afastando-se do padrão reflexo que, durante a campanha, vinculou-a ao presidente Lula.
Do que se intui do noticiário, não se resume à acomodação pontual dos novos assessores e das velhas alianças o incipiente movimento de inflexão. É numa área em que o atual governo acumulou vários desacertos -a da política externa- que se notam mais nitidamente, e há motivos para saudá-las, as sinalizações de alguma correção de rumos.
Viu-se, por exemplo, Dilma Rousseff manifestar com ênfase seu repúdio à cruel condenação da iraniana Sakineh Ashtiani. Em contraste com o presidente Lula, que com característica ligeireza evadiu-se do assunto, Dilma declarou-se "radicalmente contra" a aplicação da pena de morte, por apedrejamento, decidida pelo regime dos aiatolás.
"Mesmo considerando os usos e costumes de outros países", disse a presidente eleita, "continua sendo muito bárbaro". Evidentemente que não se espera, de representantes de qualquer país, iniciativas de intervenção nos assuntos internos de outro. Mas o princípio da não intervenção não impede ninguém de dar às coisas o seu devido nome, e foi isso o que, no seu esforço contínuo de prestar homenagens ao regime de Mahmoud Ahmadinejad, o presidente Lula não teve disposição para fazer.
Vai na direção do atual ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o segundo sinal amarelo em relação aos rumos da política externa no futuro governo.
Constava da agenda do chanceler a sua presença na cúpula do G20, em Seul, da qual Lula e Dilma participaram. Um telefonema do Palácio do Planalto, entretanto, dispensou-o da missão. Alimentam-se assim, com bons fundamentos, as especulações de que não continuará no posto depois da posse de Dilma.
Diga-se, a bem da verdade, que não recai sobre o estilo e as convicções pessoais de Celso Amorim a exclusiva responsabilidade pelas orientações vigentes na política externa brasileira. O governo Lula criou uma espécie de dupla gestão na diplomacia, com a presença, ao lado do ministro das Relações Exteriores, de um assessor especial para assuntos externos, Marco Aurélio Garcia, peça nada decorativa recolhida diretamente do museu doutrinário petista.
Agregou-se a isto a particular vocação para a frase impensada e leviana do próprio presidente da República, que felizmente pesou menos que o prestígio do país e de seu carisma no tratamento que obteve no cenário internacional.
Cortejando autocratas como Ahmadinejad e o venezuelano Hugo Chávez, menos por real interesse pragmático do país do que para satisfazer o público interno de seu partido, a cujas convicções ideológicas outras decisões suas frustraram impunemente, o presidente Lula deu o tom, que Amorim, Garcia e outros assessores secundaram, de uma política externa marcada pelo estrépito. Já é tempo de mudar a partitura, o maestro e seus solistas.

Mulher que sofre aborto espontâneo fica sem apoio

Mulher que sofre aborto espontâneo fica sem apoio
IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO
Dor da perda é agravada pelo silêncio e a banalização do fato, diz psicóloga
Pesquisa mostra que profissionais de saúde não percebem sinais de depressão em mães de natimortos
Na última semana o aborto espontâneo foi assunto duas vezes. Primeiro, porque a cantora britânica Lily Allen perdeu o bebê. Depois, porque o ex-presidente dos EUA George Bush contou, na TV, um episódio de sua adolescência, quando a mãe lhe mostrou um pote com o feto que havia perdido.
Falar do assunto é o que menos acontece na vida de quem não é celebridade. Sociedade e medicina não dão suporte emocional para quem passou por aborto espontâneo, segundo organizações que trabalham com grávidas.
"Nas maternidades, essa mulher é tratada como se não tivesse acontecido nada de especial com ela. Fica apática por estar deprimida, e os profissionais dizem que ela "aceitou" a perda", diz a psicóloga Márcia Rodrigues.
Para sua tese de mestrado, Rodrigues acompanhou, entre 2007 e 2008, mulheres que tiveram filhos natimortos em hospitais de São Paulo. A conclusão da pesquisa é que a dor da perda é agravada pelo despreparo dos profissionais e pelo silêncio que as pessoas próximas impõem em relação à perda.
CHOQUE EMOCIONAL
"A maioria dos médicos só vê e fala dos aspectos técnicos. Mas essa mulher precisa de alguém que a ouça, porque o mais difícil é lidar com o choque emocional de alguém que estava esperando uma vida, não a morte", afirma Rodrigues.
Do ponto de vista médico, é esperado que até 20% das gestações acabem em aborto espontâneo nos três primeiros meses. A maioria dos casos é provocada por alterações nos cromossomos, que causam defeitos no feto.
"Para o médico, é como se fosse uma "seleção natural", pode fazer parte da rotina. Mas não podemos desvalorizar o que a mãe está sentindo, banalizando o evento", diz o ginecologista Newton Eduardo Busso, secretário-geral da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).
Marcia Rodrigues conta que, em sua pesquisa, os profissionais de saúde se mostraram despreparados para ajudar essa mulher. "Às vezes, não é preciso muito, só ouvir o que ela tem a dizer. Uma enfermeira bem formada pode fazer isso", afirma.
A psicóloga acredita que a formação de profissionais para o parto humanizado também ajuda a humanizar os procedimentos associados ao aborto espontâneo ou ao parto de natimortos.
DIGNIFICAR O LUTO
A escritora portuguesa Maria Manuela Pontes, autora de "Maternidade Interrompida" (ed. Ágora), afirma que a sociedade não dignifica o luto da mulher que sofreu aborto espontâneo.
"Perder um bebê no útero é um dos piores lutos que existem. Para elaborá-lo, a mulher precisa falar do que está sentindo e ser ouvida por todos ao seu redor."
Para o psicanalista Roosevelt Cassorla, autor de "Da Morte" (ed. Papirus), é exagero afirmar que a sociedade desqualifica a dor e o luto dessas mulheres.
"Talvez apenas não valorize tanto, porque ainda não era um ser nascido, e o aborto espontâneo faz parte das possibilidades da gestação. A consequência é que a mãe se sente só, e para elaborar um luto é necessário compartilhar com outras pessoas."

Meu teto caiu

Meu teto caiu
JOÃO XIMENES BRAGA – O Globo – Segundo Caderno
Bem no momento em que o trem de pouso se levantou da pista do Tom Jobim ouvi um “cataploft” ao meu lado. Um pedaço do teto acabara de cair no corredor, numa trajetória rasante por sobre a minha careca.
Era uma espécie de sanca do bagageiro que residia sobre meu assento, com cerca de um metro de comprimento e meio palmo de largura. Uma comissária se aproximou e, muito gentil, fez questão de mostrar que o material era leve. Inofensivo.
Sou particularmente ignorante em física, mas na única aula que não matei aprendi que um pedaço de plástico é uma coisa, um pedaço de plástico caindo do teto de um avião no momento em que este toma o impulso da decolagem é outra bem diferente. Mas no caos que anda a aviação, o que é um pedaço do teto caindo em cima da gente, não é mesmo? Bonito nessa história é descobrir como essa sanca é afixada sobre os bagageiros. Quer saber? Eu conto. É velcro.
Juro. Tenho fotos pra provar. V-e-l-c-r-o.
Não confio num bolso com velcro pra segurar chicletes, mas a Gol confia em velcro pra segurar um pedaço de teto sobre a minha cabeça. Só posso concluir que tendo a supervalorizar chicletes. Findo o finde, é hora de voltar. Na fila do embarque, uma contastação aterradora: estaremos no mesmo voo que uma garotada argentina de seus 17 anos, em sua primeira viagem de avião, fazendo uma excursão do colégio ao Rio de Janeiro.
Eles, excitadíssimos.
Nós, em pânico.
Vamos pro fim da fila, queremos ser os últimos a entrar, na esperança de ficar o mínimo de tempo necessário dentro daquele avião. Quando não há mais escapatória, embarcamos.
Não no avião, mas no ônibus que nos levará até ele. Creio que o piloto da Gol queria uma vaga sem flanelinha e estacionou quase na Patagônia, não havia finger que lá chegasse.
Acomodamo-nos no ônibus. Chega o motorista uniformizado, sentase em seu banco, virase pra mim como se fosse a coisa mais natural do mundo e pergunta: — É pra Varig? Não sei o que me deixou mais pasmo, se ele perguntar por uma companhia que já não existe, ou se tirar dúvida do trajeto com um passageiro em plena pista do aerporto.
Nisso chega uma mocinha da Gol, uniformizada, agitada, falando ao rádio. Ela sobe no ônibus já dando ordens ao motorista, partimos e nos tranquilizamos.
A tranquilidade durou meio segundo. Logo a moça está gritando no rádio, em castelhano: — Não tranca as portas! Tô com 50 passageiros aqui! Espera aí, pô! Tudo funcionava com precisão suíça, como podem ver. E eis que o ônibus faz uma curva e finalmente nos vemos diante de nosso avião. Todo pimpão, garboso, com o logotipo Varig exposto em alto e bom azul na lateral.
Juro que acompanhei a compra da Varig pela Gol.
A esta altura, porém, já não lembrava mais se tinha lido a respeito nos jornais ou nos livros de História, não estava psicologicamente preparado pra entrar num avião com o logotipo da Varig. Tenso, lembrei-me do voo de ida e comentei com meu companheiro de viagem: — Se no avião da Gol o teto é preso com velcro, o que segura o teto num avião da Varig? mdash; Sei lá… Fumo de rolo? Os adolescentes argentinos foram tranquilíssimos.
Estavam excitados, claro, batiam papo uns com os outros, em grupos, mas sempre em tom de voz civilizado, cordato, nada que desse vontade de usar a saída de emergência.
Já os brasileiros passados dos 50 anos, todos com cara de pessoas maduras e responsáveis que votam contra defensores do aborto, gralhavam como se estivessem numa taberna da Idade Média, em alto e mau som, aos berros e perdigotos.
Ao desembarcarmos, bem à nossa frente no curral pra mostrar passaporte, um senhor de aparência elegante combinava com a esposa de entrar pela fila dos comissários.
A senhora virouse pra nós: — Se eu não conseguir eu volto, tá? Guarda o meu lugar — disse, com o óleo de peroba escorrendo.
Postaram-se de quatro pra passar por baixo da fita de segurança e escapar do curral. Entraram pela fila dos comissários diante do olhar ruminante dos funcionários terceirizados da Polícia Federal, os mesmos que organizam a fila gritando "estrangeiros por aqui" em português.
Enquanto isso, na fila dos estrangeiros, a adolescentada portenha se portava como fidalgos ingleses no chá das cinco.
Por isso me ufano do meu país. Escumalha igual à nossa não há.
E-mail para esta coluna: jxbraga@gmail.com

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