terça-feira, junho 21, 2011

Paixão, para Gazeta do Povo


O tempo - Danuza Leão


O tempo
DANUZA LEÃO - FOLHA DE SÃO PAULO - 19/06/11
Qual de nós não foi mais feliz do que agora? E se não éramos, achávamos que iríamos ser um dia
A coisa mais misteriosa que existe: o tempo.
O tempo acaba com tudo: com as árvores, com as montanhas, com as pedras, com a água -que se evapora-, com os sentimentos, com os bichos, com os homens.
O tempo acaba com o vigor físico, com o paladar, com o olfato, com o interesse pelas coisas; com a vontade de viajar, de comprar uma roupa nova, de reencontrar um velho amigo, até com a vontade de viver. É cruel, o tempo.
Quem se salva do passar do tempo? Os que não pensam, talvez, ou talvez os que só pensem no momento, aquele que estão vivendo; mas mesmo assim podem pensar que já viveram momentos parecidos e muito melhores que nunca mais vão se repetir, por culpa do tempo.
Qual de nós não foi mais feliz do que agora? E se não éramos, achávamos que iríamos ser um dia, quando tivéssemos mais dinheiro, quando encontrássemos o verdadeiro amor, quando tivéssemos filhos, quando eles crescessem, quando, quando, quando. E agora, você espera exatamente o quê, e a culpa é de quem? Apenas do tempo.
Dele, nada escapa: é o tempo que acaba com os grandes amores, e com os grandes entusiasmos que não resistem a ele, que passa e passa. Não são as coisas que passam: é ele.
Passar é modo de dizer: quando se está muito feliz, ele voa, e quando se está esperando muito por alguma coisa, é como se ele tivesse parado.
É como se estivesse sempre contra nós, e quando acontece de se ter uma vida razoavelmente feliz, um dia se vê que ela já passou, e com que rapidez.
Mas o tempo às vezes é amigo; quando se tem uma grande dor, não há dinheiro, viagens, distrações, trabalho ou aventuras que ajudem: só o tempo.
Não chega a ser um tratamento de choque, rápido, como se gostaria; é uma coisa vaga, lenta, que não dá nem para perceber que está acontecendo, mas um dia você acorda e se dá conta de que o sol está brilhando - coisa que passou meses sem perceber que acontecia diariamente-, se olha no espelho, tem uma súbita vontade de abrir a janela e respirar fundo.
Ainda não sabe, mas está salva. E um dia, muito depois, vai saber que foi o tempo, e só ele, que a salvou.
Nunca se pensa no poder do tempo, do quanto ele comanda nossa vida; também nunca se pensa no quanto ele é precioso, mas um dia você vai lembrar que ele passou e não volta mais. Lembra quando você tinha 20, 30 anos, e se achava infeliz? Se achava, não: era mesmo.
E quando era adolescente, não era também profundamente infeliz, como é obrigação de todos os adolescentes?
Mas será que ninguém tem um tio, desses meio doidos que todo mundo tem, que pegue um desses meninos ou meninas de 13, 15 anos, sacuda pelos ombros e diga "pare de achar que tem problemas, viva sua juventude, não perca tempo sendo complicada, neurótica, reclamando que sua mãe não te entende e que seu pai não te dá a devida atenção. Danem-se seu pai e sua mãe, aproveite a vida".
Para ter uma maturidade com poucos arrependimentos, é preciso não perder tempo, e mesmo fazendo uma bobagem atrás da outra, é melhor do que não fazer nada. Os pais querem que os filhos estudem para ter uma profissão, e estão certos; mas quem vai dizer aos adolescentes para eles aproveitarem o tempo para serem felizes em todos os minutos da vida? Quem?
PS - Quando terminei de escrever esta crônica, lembrei de uma entrevista que fiz há mais de 20 anos com Pedro Nava, dez dias antes de sua morte. Ele disse que os jovens, até 30 anos, não deveriam fazer nada, nem estudar, nem trabalhar, apenas viver a vida. Ele talvez tivesse razão.

Edgar Vasques, para Todo Dia


Coisas importantes - Caetano Veloso

Coisas importantes
CAETANO VELOSO - O GLOBO
A influência recíproca entre Chico Buarque e Guinga é um traço auspicioso da música brasileira contemporânea. É algo que chegou a tempo (tarde na carreira de Chico, cedo na de Guinga), em mágica sincronia. Guinga sempre soou como quem teve sua musicalidade (mais do que qualquer outro aspecto de sua natureza) formada na audição do músico Chico. Chico, que é tanta coisa para tanta gente, só é assim uma espécie de Milton Nascimento para Guinga. Este o ouviu como músico, como os músicos-músicos ouviram o músico Milton. É diferente. É importante. É nos detalhes que mora o tinhoso. Deus. Chico admirou as harmonias de Guinga, muito possivelmente sem se reconhecer nas sequências de acordes. Talvez mais atraído por sua brasilidade carioca genuína, sua obstinada lealdade de gênio ao modo de ser do homem brasileiro comum, seu total fastio pelos adornos do êxito pop. Aí talvez visse algo do que sempre soube de si mesmo. Mas parece que a música em si, a interpretação crítica de sua própria musicalidade que está embutida nas peças de Guinga, isso ele ouviu como coisa nova, alheia. É assim que ouço o que há de Guinga em Chico. Que existe por causa do que há de Chico em Guinga. Guinga sempre sabendo, e Chico, a princípio, inocentemente. É tudo muito bonito.
Quando um jornalista gaiato quis desqualificar o trabalho de Chico sob a alegação de que podia falar mal do seu então novo disco sem ouvi-lo, já que esse forçosamente conteria as velhas fieiras de rimas, quebrou a cara: era o disco em que Chico já soava como quem tinha entendido Guinga, fato que o levara a entrar por caminhos melódicos insuspeitados — e (o que destruía com maior violência a argumentação do involuntariamente cômico repórter) a um uso rarefeito das rimas, a uma etérea zona do mundo das palavras, que agora se distribuem em formações esgarçadas, muito longe das sempre justas e amarradas construções que caracterizaram a produção do Chico da juventude e da primeira maturidade.
Leo Tomassini (que já teve um grupo chamado Família Roitman, que se especializava em sambas antigos: pra que discutir com madame Francis? — para citar outro jornalista engraçado, embora finado) me mandou um link para Guinga cantando “Senhorinha” (dele e de Paulo César Pinheiro) e eu achei que Guinga estava totalmente Nana Caymmi, que a canção era tão incrivelmente Nana Caymmi que ele estava cantando como ela. Daí vi logo ao lado a sugestão do YouTube para ouvir a própria Nana cantando a mesma música. Fui ouvir. Confirmado. Lembrei que já tinha ouvido. E amado. Mas fiquei com a impressão de que Guinga estava mais Nana do que Nana. São umas ramificações intestinas das belezas nossas, que muita gente no mundo pode nunca chegar a conhecer — e me é espantoso que tantos em tantos lugares já conheçam tanto: por causa de João Gilberto um mundo de música e de poesia intraduzível se infiltrou insidiosamente nas cabeças de pessoas espalhadas pela Terra,
pessoas que nada sabiam da língua portuguesa, que ainda não conhecem o Império nem as ideias de José Bonifácio, que não viram a sociedade norte-americana desde a perspectiva de Joaquim Nabuco.
Um dia alguém de qualquer lugar poderá ver, com a mesma clareza com que alguns de nós aqui vemos, que Nana cantando “Medo de amar” (gravação que, quando foi lançada, Bethânia me telefonou para ir correndo à casa dela ouvir) é tão forte e bonito quanto “Os sertões” de Euclides da Cunha. Mas mesmo que isso não acontecesse — que não aconteça do modo como conheço em potência —, nada pode mais negar a verdade essencial que me apareceu como um sol e agora aos poucos se desvela.
O sol da nossa música é Antonio Carlos Jobim. João foi o momento antes do tempo em que o sol se formou. João não tem tempo. Eu poderia passar todo o mês de junho festejando seus 80 anos. Seria o mesmo que nada. Não se mede. Paquito sabe. Entro pelas vielas do Candeal e chego ao estúdio de Brown, onde estou, com Moreno, gravando Gal. Gastamos muito tempo conversando. Gal contribui com histórias e comentários. Mas só uma confissão a arrebata: “João, João cantando é o maior amor da minha vida.” Salvador encharcada de chuva. Nada para atrapalhar a essência do que João levou daqui. Nenhuma aparência do que um turista inculto reconheceria como Bahia. Estamos a salvo. A casa de Moreno também é no Rio Vermelho. Minha nora e meus netos já estão dormindo. Chego lá e ficamos só meu filho e eu ouvindo coisas que ele escolhe. Nova canção de Chico no disco de Thaís Gulin. Aí começou a conversa que me trouxe para casa com Chico e Guinga na cabeça. Moreno diz que não para de ouvir esse CD. E principalmente essa faixa. Passamos para o novo (inacabado) disco de Moreno: ele tinha interesse em me mostrar como Daniel Jobim toca uma de suas músicas. É muito bonito, tudo. Daniel, tão profundamente Jobim, o +2 reunido outra vez, Maurício Pacheco, tanta gente importante — e a quase onipresença do samba de roda do Recôncavo, mostrando o quão arraigado em meu filho está o gosto de nossa terra de nascença. E ele cantando, com sua voz que só guardou da minha a parte timbrística que, na minha juventude, a fazia semelhante à de Chet Baker. Moreno soa mais Chet Baker do que o Chet Baker que havia em minha cabeça quando, aos 18 anos, eu o ouvi por causa de João Gilberto. Mas não é Chet. É algo puro que ele isolou do som de Chet. Só o espírito do som. O som do espírito é João quem explica.

Nani


Agroglifos: mensagens ou fraude?


Agroglifos: mensagens ou fraude?
MARCELO GLEISER - FOLHA DE SÃO PAULO
Que mensagem é essa dos círculos cortados em plantações, que precisa ser escrita sempre à noite e sem nenhuma testemunha?
Após meu texto da semana passada ter abordado o vídeo com a autopsia de um alienígena, achei pertinente continuar o tema, investigando agora outro sinal de que "eles" nos visitam: os misteriosos agroglifos. Desde o final dos anos 70, eles se espalham pelo mundo.
Antes, um esclarecimento: agroglifos são padrões simétricos do tamanho de campos de futebol que são cortados em plantações de trigo (em inglês, são "crop circles", algo como "círculos em plantações".)
Talvez o leitor se lembre do filme "Sinais", de 2002, dirigido por M. Night Shyamalan e estrelando Mel Gibson como um reverendo cujos campos recebem essas mensagens.
Nesse filme, os padrões são um código para direcionar naves de ETs em sua invasão. O longa faturou cerca de US$ 410 milhões. Se você buscar por "agroglifos" na internet, encontrará dezenas de belíssimas imagens, retratos dos vários tipos de padrões cortados em plantações trigo, principalmente no Reino Unido (pobres fazendeiros!)
Alguns parecem mandalas, outros têm aparência mais abstrata. Recentemente, surgiu um perto de um radiotelescópio, com o rosto de um ET e um disco perto -um CD gigante com uma mensagem para nós (veja o link: http://www.youtube.com/watch?v=-4CYcp5wObs).
Vários documentários se dedicam ao assunto. Um bem sensacionalista, dirigido por William Gazecki ("Agroglifos: Busca Pela Verdade"), entrevistou "autoridades" que confessaram não entender o mistério, atribuindo-o à ETs ou fenômenos paranormais. Outro, mais sóbrio, apresentado pela NatGeo na série "É Real?", mostrou como é relativamente fácil fazer os agroglifos.
A revista "Scientific American" publicou, em 2002, as confissões de um criador de agroglifos, o autor Matt Ridley. Em suas palavras: "Trate autoridades com ceticismo e verifique se não têm algum interesse na história ""muitos cerealogistas ganharam dinheiro escrevendo livros e guiando turistas boquiabertos por fazendas com agroglifos. Quanto à identidade dos criadores, incluindo os recentes com formas fractais, acredito mais provável que sejam estudantes do que ETs."
Formas geométricas fractais estavam em voga nos anos 90, quando esses padrões começaram a aparecer nos campos.
Teria sido genial se esses agroglifos tivessem aparecido bem antes de Benoit Mandelbrot ter inventado os fractais. Mas esse tipo de prova de inteligência ET nunca ocorre.
Aliás, agroglifos só começaram a aparecer em 1978, quando dois ingleses, Doug Bower e Dave Chorley, confessaram ter criado esses padrões para assustar as pessoas.
Mesmo assim, há quem continue acreditando na origem misteriosa dos agroglifos. Se seu objetivo é trazer uma mensagem, por que não o fazem em frente a testemunhas? A coisa ocorre sempre à noite, em segredo. E que mensagem é essa que precisa de grandes áreas em plantações, escrita continuamente por mais de 30 anos? Ou ela é muito complexa ou nós somos primitivos demais para entendê-la.
Talvez alguém esteja se divertindo às custas da necessidade de se acreditar no que não existe. Pergunto: o que existe, com sua beleza e grandiosidade, não é suficiente?

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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