sábado, setembro 18, 2010

Móveis Coloniais de Acaju - "O Tempo" - TV Trama - 18/05/09

Ziraldo, em seu Blog


A campanha baixa o nível fugir do debate

A campanha baixa o nível fugir do debate
Villas-Boas Corrêa – Jornal do Brasil – 18/09/2010
NEM A ESTREANTE CANDIDATA do presidente Lula, a ex-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, nem o candidato José Serra, o tucano ex-governador de São Paulo, são os responsáveis diretos pelo baixo nível da campanha, com a troca de insultos cada vez mais pesados, que parece bate-boca em fim de feira livre. Na verdade ambos são vítimas de uma sucessão de desatinos, que mergulha o seu nascimento na ditadura militar que durou mais de 20 anos e que, como em calamidade que destrói um país, extirpou a democracia como quem arranca a planta com as suas raízes.
A ditadura militar dos cinco generais presidentes - de Castello Branco aos seis anos do João Batista de Oliveira Figueiredo, passando em cadência de quartel pelos generais Costa e Silva, a patusca Junta Militar dos três ministros Augusto Rademarker, da Marinha, Aurélio da Lira Tavares, do Exército, e Márcio de Souza Mello, da Aeronáutica; Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e os seis anos do João Baptista de Oliveira Figueiredo - fez o serviço completo de destroçar a democracia, deixando as ruínas que ainda entopem o circo do Congresso de Brasília.
A sinuca de bico desafia os desajeitados aprendizes do manejo do taco. Nem a candidata favorita, Dilma, nem o tucano José Serra, que já não tem mais nada a perder, como mostra a série de pesquisas, ousam defender a urgente faxina no Congresso, o pior de todos os tempos e que deve ser superado pelo próximo a julgar pelos candidatos que desfilam no palco do circo do horário de propaganda eleitoral, nas redes de emissoras de rádio e televisão.
Nem adiantaria grande coisa. Trocar seis por meia dúzia não aumenta o capital. Antes de limpar por fora é preciso limpar por dentro, acabando com as mordomias, as vantagens, a orgia dos assessores, das passagens aéreas para o espichado fim de semana nas bases eleitorais, dos privilégios, da semana de três dias úteis e de notória inutilidade do pior Congresso de todos os tempos.
Claro que o futuro Senado e a novíssima Câmara não mexerão uma palha para o outro desafio de recuperar Brasília, a capital do sonho de Juscelino Kubitschek, vítima da sua sôfrega ambição da volta no JK-65. Nunca se entenderá por que uma bancada com a maioria e a excelência da representação do PSD no Congresso de outro tempo não tenha apresentado e aprovado a emenda constitucional definindo Brasília como o distrito federal, a capital do Brasil, com um administrador de livre nomeação do presidente da República, sede dos três poderes e com o controle da população prevista para no máximo de 350 a 400 mil habitantes.
A mudança para a capital em obras, sem as mínimas condições para abrigar milhares de famílias, plantou a semente da crise que ora assumiu a gravidade de uma epidemia.
E chegamos a esta campanha medíocre, sem propostas para enfrentar os desafios que rolam intocados, pelos anos. E que chega a pouco mais de um mês das eleições do primeiro turno, em 3 de outubro, com a denúncias de escândalos e a troca de desaforos de candidatos que não se respeitam.

ELVIS, para o Correio Amazonense


O clima de guerra não é bom para a democracia

O clima de guerra não é bom para a democracia
Fernando Abrucio – Revista Época
As eleições costumam ser o momento mais acalorado do jogo político. A possibilidade de obter o poder ou mantê-lo mexe demais com os ânimos de políticos e seus apoiadores em qualquer democracia no mundo. Entretanto, cabe lembrar que, em condições normais, sempre há o dia seguinte das eleições. A disputa presidencial radicalizou não só a forma de tratamento entre os oponentes, como também os cenários a respeito do próximo governo.

No regime democrático, nenhum partido ou presidente pode propor a extinção do oponente, nem de brincadeira. É bem verdade que o senador Bornhausen foi o autor da frase mais infeliz dos últimos 20 anos – supondo que poderia se livrar por 30 anos da “raça” de petistas – e sua agremiação partidária parece estar recebendo a praga que rogou ao outro. Há vinganças em política, mas qualquer uma exige a admissão de que a conquista do poder não pode ser obtida acabando com o adversário. E o comandante maior do país deveria ser o primeiro a zelar por esse princípio básico da democracia.
Numa linha mais sofisticada de radicalismo, aventa-se a hipótese de que o país esteja caminhando para o modelo que vigorou por décadas no México, marcado pela dominação do PRI em relação ao restante das instituições. Quem sentou na cadeira do presidente brasileiro sabe que isso é impossível quando é preciso dividir o poder com o PMDB. Não haverá hegemonismo petista caso Dilma Rousseff ganhe a eleição. O mais provável é a vigência de um condomínio lulista, mais amplo que o petismo.
Já estamos acostumados a dossiês e acusações mútuas. Parte desse jogo é saudável, uma vez que supõe o controle mútuo entre os oponentes. Mas, quando isso ganha completa centralidade no processo eleitoral, só há duas explicações: ou estamos na pior crise ética de nossa história, o que me parece um enorme exagero, ou o país está perdendo a chance de discutir seu futuro. A propósito desse clima de guerra, alguns observadores estrangeiros têm me dito que veem um grande paradoxo no Brasil atual: de um lado, nunca estivemos tão estáveis, nos campos econômico, social e mesmo político, e, de outro lado, a virulência da campanha expressa uma situação que seria mais cabível na eleição de 1989, e nunca no pleito de 2010.
A estratégia do quanto pior, melhor está com os dias contados. O dia seguinte à eleição vai exigir serenidade
O dia seguinte à eleição vai exigir mais serenidade e cooperação do que anuncia a campanha do apocalipse a que estamos assistindo. Duas razões me levam a esse argumento. Primeiro, porque situação e oposição terão postos importantes na Federação brasileira, e o jogo intergovernamental exige graus crescentes de parceria para que todos possam cumprir com suas obrigações junto ao eleitorado. Isso será tanto mais verdadeiro por causa da preparação do país para os megaeventos esportivos da década que se avizinha. Não haverá lugar para o isolacionismo que Cesar Maia adotou na época do Pan. Ressalte-se que a complexidade dos problemas de políticas públicas, em áreas como segurança, depende de soluções conjuntas dos níveis de governo. Sinto informar que o eleitorado já percebeu isso, como mostram as pesquisas.
A necessidade de aperfeiçoamentos e reformas do Estado brasileiro vai ganhar maior espaço na agenda dos grupos organizados da sociedade. Empresários vão pressionar muito mais pela redução do custo Brasil e, se forem habilidosos, obterão amplo apoio na população. Quem votará contra isso? A estratégia do quanto pior, melhor está com seus dias contados. E os primeiros que se colocam contra esse posicionamento reativo são os eleitores resultantes do processo recente de ascensão social, pois eles são muito pragmáticos.
No dia seguinte à eleição, presidente e governadores, bem como políticos e grupos sociais, terão de conversar, para encontrar pontos de divergência e convergência. A disputa presidencial poderia deixar mais claro que agendas orientarão tais diálogos e negociações. Em vez disso, prefere-se atiçar um clima irrealista de guerra pelo poder. Só que, depois da contagem dos votos, os problemas do Brasil terão de ser enfrentados por todas as forças políticas relevantes. A posição catastrofista é um privilégio das legendas que não disputam os postos estatais, o que não é o caso do PT nem do PSDB.
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Só agora o governo vai punir Erenice por não revelar bens

Só agora o governo vai punir Erenice por não revelar bens
O GLOBO - Chico de Gois
Somente após demitida sob suspeita de participação no suposto esquema de tráfico de influência comandado por seu filho, a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra foi punida pela Comissão de Ética da Presidência. Por não ter apresentado, quando assumiu o cargo, em março, documentos sobre a evolução de seu patrimônio e a relação de parentes que trabalham ou têm negócios com o governo, ela foi advertida ontem com uma "censura ética", que pode dificultar sua contratação em outros órgãos públicos. A Declaração Confidencial de Informações, cobrada dela pelo menos duas vezes, é uma exigência do Código de Conduta da Alta Administração Federal. Só ontem foi divulgado que Erenice a desrespeitava. Mais um funcionário da Casa Civil deixou o cargo: Stevan Knezevic, também acusado de ligação com a empresa de Israel Guerra.
Sem prestar contas
Erenice não declarou patrimônio ou parentes no governo ao assumir, mas só agora é punida
BRASÍLIA - Um dia depois de deixar a Casa Civil, sob suspeita de participação no suposto esquema de tráfico de influência comandado pelo seu filho Israel Guerra, a ex-ministra Erenice Guerra foi punida pela Comissão de Ética da Presidência porque não apresentou documentos sobre a evolução do seu patrimônio nem a relação de seus parentes que trabalham no serviço público ou fazem negócios com empresas públicas.
A Declaração Confidencial de Informações (DCI), cobrada dela reiteradas vezes, é uma exigência prevista no Código de Conduta da Alta Administração Federal. Por causa da falha, só agora tornada pública, Erenice foi punida ontem com uma censura ética, prevista para o caso de ex-autoridades.
A DCI deve ser encaminhada à Comissão de Ética no prazo de até dez dias depois da posse da autoridade.
Apesar de ter enviado a DCI quando assumiu o cargo de secretária executiva da Casa Civil, em 2005, quando Dilma Rousseff tornou-se ministra da pasta, Erenice não o fez quando a substituiu, em 31 de março deste ano.
Ao notar, dentro do prazo, que Erenice não enviara o documento, a secretaria da Comissão de Ética lhe enviou ofício solicitando a DCI. Não foi atendida. Trinta dias depois, voltou a cobrar a declaração e, mais uma vez, não houve resposta.
Exigência ignorada várias vezes
Uma segunda reiteração ocorreu e, de novo, Erenice não atendeu à exigência da Comissão de Ética. Nem explicou a razão por não seguir a norma.
E o assunto também não foi encaminhado pela Comissão ao governo.
Ontem, nem Erenice nem o Planalto se manifestaram sobre a falha.
A DCI serve para que a autoridade ministros, secretários de Estado, titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, presidentes e diretores de agências nacionais e autarquias informe sua variação patrimonial, relacione o nome das empresas das quais é sócia, apresente a relação de parentes que trabalham ou mantêm negócios com o poder público.
Como ficaram evidentes nas denúncias da última semana, Erenice não só tinha parentes trabalhando no governo, mas seu filho e irmãos usaram a influência que tinham no governo para intermediar interesses privados junto a empresas públicas.
Embora não tenha um caráter prático de punição Erenice poderá, por exemplo, voltar a trabalhar no serviço público , a censura ética fica registrada na ficha funcional da ex-autoridade por três anos, o que pode dificultar sua contratação em outros órgãos públicos.
Na segunda-feira, a Comissão de Ética resolveu abrir um procedimento preliminar para averiguar a notícia publicada pela revista Veja, que acusa o filho de Erenice, Israel Guerra, de praticar lobby em favor de uma empresa de aviação que mantinha negócios com os Correios.
Depois disso, surgiram novas denúncias contra Erenice e seus familiares a última delas provocou sua queda: o consultor paulista Rubnei Quícoli acusa o filho de Erenice de cobrar R$ 240 mil e mais 5% de comissão de êxito para facilitar um empréstimo de R$ 9 bilhões que pretendia junto ao BNDES.
Ontem, a Comissão de Ética se reuniu em caráter extraordinário.
O relator do processo, Fábio Coutinho, sugeriu, e foi apoiado pelos demais quatro conselheiros, que se transformasse o procedimento inicial em um processo de apuração ética.
A Comissão deliberou também que, ainda no âmbito do procedimento preliminar, já havia uma falta ética da ex-autoridade disse Coutinho. Entendeu-se hoje que a solicitação não atendida e sua reiteração configuraram falta ética pela que agora é ex-autoridade.
Essa falta ética já implicou a sanção de censura ética complementou, explicando que, se ela ainda estivesse no exercício do cargo, teria recebido uma advertência.
É uma falta de atendimento a uma determinação que pode prevenir uma série de situações indesejáveis do ponto de vista da autoridade acrescentou Coutinho.
Erenice será notificada, provavelmente na segunda-feira, e terá dez dias para apresentar sua defesa, por escrito. O relator afirmou que ela também deverá ser ouvida, além de seus parentes. De acordo com Coutinho, dependendo do que for apurado, Erenice poderá receber outra sanção ética. O processo tramitará em sigilo.
O relator declarou que a Comissão de Ética também resolveu modificar o procedimento que era adotado até agora. Antes, como foi o caso de Erenice, mesmo a autoridade não apresentando a Declaração Confidencial de Informações, nada aconteceria se não houvesse algum fato que levasse a Comissão a abrir um procedimento administrativo. A partir de agora, a autoridade que não entregar a DCI no prazo e não atender aos pedidos da Comissão para o fazer, levará uma advertência, se estiver ainda no cargo.
Coutinho disse que, neste momento, a Comissão não vai se dedicar a investigar a conduta do diretor de Operações dos Correios, o coronel Eduardo Artur Rodrigues Silva, ex-consultor da Master Top Airlines (MTA), outro servidor citado nas denúncias de tráfico de influência envolvendo o filho de Erenice. Para Coutinho, essa investigação poderá ocorrer durante o processo aberto contra a ex-ministra.

Sentimento novo

Sentimento novo

Quero cantar o amor que não se esconde, que não tem vergonha de existir
Declara-se inteiro e alegre, encantando com a descoberta de si mesmo,
Amor que nasce das surpresas da vida, de onde jamais se poderia suspeitar
Suplantando obstáculos de tempo e espaço, coisas bobas que para ele sequer fazem sentido
Surpresa e surpreendida, eu canto esse amor puro e feliz, sincero, franco
Inesperado, mas tão sonhado, que me devolve as sensações juvenis,
Fazendo jorrar nova e abundantemente essa fonte madura
Tão novo e já traz saudades de beijos breves e furtivos, abraços e vigores contidos
Gosto de pensar, imaginar mesmo assim, talvez desacompanhada de intenções
Todavia, desconfio, não de desejos e vontades ainda não cumpridas
Tudo é pouco, nada é muito, uma pequena festa particular em minha alma antes vazia
Venha e se acomode, tome conta e se mostre, benfazejo sentimento
Meu mais novo e querido companheiro, eu tenho muitos prodígios a somar
Seja firme e corajoso em ficar, assim como vieste calmo, sorrateiro e encantador
Que ainda nem desconfia a força que tem, sem temor, sem quaisquer amarras ou preocupações
Preenchendo tão somente o espaço desbravado e conquistado quase sem lutas...

Diana Esnero

ROBERTA SÁ E CELSO FONSECA-A VOZ DO CORAÇÃO

Nani Humor


O clarão na noite

O clarão na noite
Miriam Leitão - O GLOBO - 18/09/10
O fogo chegou de repente. Veio subindo o morro com avidez. Queimou o eucaliptal de um vizinho, avançou estalante sobre a capoeira do outro vizinho e, no meio da noite, se aproximou de um pedaço de mata no qual tenho investido emoções, recursos, tempo e esperança. Foi uma longa batalha noturna de vários braços de amigos, vizinhos e funcionários.
Capoeira, para quem não está acostumado com termos rurais, é uma quase mata, a formação primeira do que poderá vir a ser um dia, se deixada quieta, uma área de regeneração. Essa, do vizinho, tinha algumas árvores mais altas perto da mata da RPPN que mantenho em Minas. Para o fogo passar da copa de uma para a de outra, bastava uma lufada de vento.
E ventava. No chão, o fogo corria veloz com a ajuda do capim seco e se aproximava perigosamente.
A Reserva tem 18 hectares de área preservada, mas a gente vem há vários anos replantando espécies de Mata Atlântica, ao lado, em mais 18 hectares. Com outros pedaços, preservamos ao todo 46 hectares.
Tem sido um sufoco que foi empolgando todo mundo que trabalha lá: aprender o que fazer, o que plantar, achar parceiros, encontrar mudas, plantar na hora certa, torcer pelo tempo certo, proteger da braquiária, com quem as mudas travam luta de vida ou morte.
Ao todo, plantamos 22 mil mudas. As das espécies pioneiras estão altas. Há áreas de regeneração natural.
Os muitos dispersores vão ajudando.
Quanto mais protegemos e refizemos o que um dia foi destruído, mais a terra agradeceu.
Os pássaros voltaram, as águas das nascentes ficaram mais abundantes, mamíferos aparecem: raros, ariscos e belos. A ideia foi, então, saber melhor o tamanho do patrimônio. Chamamos dois ornitólogos do Aves Gerais e eles fizeram um primeiro levantamento promissor. Naquele pedacinho foram detectados em poucos dias de pesquisa 120 espécies: algumas raras, três em extinção, muitas endêmicas da Mata Atlântica. Algumas espécies eram florestais, o que significa que precisam de árvores altas, áreas de recuperação avançada. Todos esses dados atestam a qualidade da matinha que temos protegido em Minas, perto de Santos Dumont.
Mas o fogo veio no meio da noite. Ameaçador. Quem viu não esquece. O clarão era forte, tão forte, que Deo, o primeiro a chegar, nem precisou de lanterna para subir o morro; outros foram chegando de repente. Vizinhos não precisaram ser chamados. Com galhos, facões e algumas técnicas aprendidas iam enfrentando as chamas.
- Parecia uma guerra, a gente estava lutando de um lado e, de repente, olhava e aparecia alguém ao seu lado para ajudar - contou Elmar, meu sobrinho.
Os ornitólogos, que haviam ido lá meses atrás, nos deram um aviso e um presente.
O aviso foi que a gente precisa convencer vizinhos a fazer corredores, para que os pássaros e quaisquer outros seres da fauna possam transitar por espaços maiores. Conseguimos com um deles e vamos levar nossa plantação de mudas nativas até a área que ele tem. O presente foi uma palestra para crianças de uma escola rural próxima.
No dia, fomos todos lá à escola. Montamos o data show com saída de som e eu avisei para as crianças que elas teriam uma aula com Lucas e Luciene, doutores em passarinho. A criançada gostou e surpreendeu: sabia muito, vibrou com os sons, reconheceu vários.
Na noite do incêndio, estava completando um mês que meu sobrinho tinha me alertado para a necessidade de fazer um aceiro: uma espécie de cordão de isolamento, uma área sem vegetação em torno da mata para protegê-la do fogo. Para isso, precisávamos alugar trator de esteira. Custa caro a hora. Com tanto incêndio, a gente decidiu investir: refazer o aceiro, mais largo que o anterior, mais bem feito, caprichado.
Foi o que salvou. A luta de todos os voluntários, vizinhos e funcionários e aquela proteção detiveram o fogo no limite da mata.
Andei por lá no fim de semana passado, vi as cicatrizes, árvores carbonizadas, chão calcinado numa área enorme. O preto do chão queimado estancou na beirinha do aceiro. Pássaros, árvores, bichos que habitam aquele lugar foram salvos pela prevenção e pelo esforço coletivo. Foi tão perto que não deixa dúvidas: o melhor é ampliar o aceiro para a área onde a mata está sendo refeita.
Essa é a história do incêndio que foi detido. Outros, milhares, não foram. O balanço deste ano é assustador.
Como já escrevi aqui, depois de ouvir especialistas, a seca não causa o fogo.
Ela apenas permite que ele se alastre. O fogo vem de atitudes criminosas, práticas velhas da agricultura, descuido, incapacidade do governo, leniência, conluio.
Na volta para o Rio, no domingo passado à noite, passamos por focos gigantes de incêndio perto de Matias Barbosa, perto de Petrópolis.
Vários. Eles devastavam área verde, engoliam os pastos, enfumaçavam a estrada, entupiam os pulmões.
O meu pequeno pedaço foi protegido dessa vez. No sábado à noite, havia ido com alguns fotógrafos para o alto do morro. Eles queriam tirar fotos noturnas de umas velhas araucárias.
Foram de carro com equipamento, decidi ir a pé e cheguei primeiro. Antes, pus perneiras para me proteger de eventuais cobras, porque, segundo meu amigo Ailton Krenak, a natureza é como abelha: faz mel e tem ferrão. Lá de cima, na área onde as árvores ainda estão pequenas, vi, sozinha, cair a noite. Escuro breu. De repente, ouvi um barulho do lado, olhei com uma lanterna: uma enorme coruja passou voando, bem rente de mim, me encarando.

O valete e a dama no jogo do vale-tudo

O valete e a dama no jogo do vale-tudo
RUTH DE AQUINO - REVISTA ÉPOCA
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro - raquino@edglobo.com.br
Quem tem amigos como Dirceu e Erenice não precisa de inimigos. Na explosiva semana que passou, Dilma Rousseff deve ter reavaliado sua amizade ferrenha por aloprados. Ao menos até 3 de outubro. A Casa Civil foi duas vezes implodida nos mandatos de Lula por amigos íntimos de Dilma: seu antecessor e sua sucessora. Amigos de ideologia, de luta, de confidências e de um projeto petista para o país. Ambos com língua solta e rabo preso.
Foi na Bahia que Dirceu rasgou a fantasia e saiu mais uma vez da clandestinidade a que estava condenado desde seu afastamento do governo, como chefe do mensalão. Para sindicalistas, falou tudo o que pensava, sem perceber a presença da maldita imprensa. Admitiu que a ex-ministra “não é uma liderança que tenha grande expressão popular ou uma raiz histórica”. Comemorou antecipadamente a vitória: “A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula, porque é a eleição do projeto político, do nosso acúmulo de 30 anos, porque a Dilma não se representa”.
Dirceu é aquele valete que sonha ser rei. Enxerga uma oportunidade de ouro para voltar com força e acabar com o “excesso de liberdade de informar” no Brasil. Dirceu não se segura – e nunca vai se segurar. O ex-ministro da Casa Civil se considera um articulador mais realista que a rainha, mas se comporta como bobo da corte. Em sua pregação para os companheiros do setor petroleiro baiano, adulou Lula, “duas vezes maior que o PT”. Apoiou, como mal inevitável, a aliança com o PMDB e seus líderes, Renan Calheiros e José Sarney, os oligarcas que Lula avalizou como homens incomuns. E, agora, conclama os sindicalistas a “ganhar a maioria”.
Com a saída de Lula, Dirceu disse para os sindicalistas que é hora de “transformar de novo o PT numa instituição política”, “abrir para a juventude”, refletir sobre o “movimento socialista internacional”. Em seu discurso, negou que esteja afastado, disse que percorre o país como dirigente petista e apoia Dilma nos palanques estaduais. Falou muitas vezes na primeira pessoa do plural: “temos que reestruturar”, “demos um piso”, “somos o maior interessado”, “somos uma candidatura”, “o pau tá comendo em cima de nós”. Somos quem, afinal, Dilma?
Dirceu levou um puxão de orelhas de Lula. Não percebeu a inconveniência ao ser sincero antes do tempo, num país onde ainda há liberdade para informar. A íntegra da fala de Dirceu foi divulgada na grande mídia, nos blogs, nos sites e nas redes sociais. Ele só não caiu como Erenice porque não tem de onde cair, não ocupa cargo nenhum. Até agora.
A Casa Civil foi implodida por dois amigos de Dilma: Dirceu (o antecessor) e Erenice (a sucessora)
Lula, que tomou posse em 2002 com uma defesa emocionante da ética nas questões públicas, prometendo ser “implacável” contra a corrupção e o suborno, adotou rapidamente o argumento de que “todo mundo faz”. Mas houve momentos – como no mensalão e, agora, a “formação de família” de Erenice Guerra – em que Lula abriu mão dos anéis.
A exemplo do valete, a dama também levou um puxão de orelhas por falar demais. Ao ser acuada por denúncias de tráfico de influência, Erenice chamou o adversário tucano de “aético e derrotado”. Mas não seria essa a tônica do atual governo? Não seria este o recado do Planalto: falar o que dá na telha, atacar quando acusado, jogar palavras no ventilador, meter-se onde não é chamado? Essa parece ser a cartilha de Lula e os subordinados a seguem com muito menos astúcia, carisma e autoridade. Só quem fala de menos é Dilma, que chegou a ficar rouca de tanto se calar. E Palocci, este sim é discreto.
Mais incisivo que Dilma, Lula mandou a dama passear antes que prejudicasse mais sua candidata. Erenice vivia de braços dados com Dilma como duas comadres, especialmente após sucedê-la na Casa Civil. Os escândalos levaram Dilma a rebaixá-la publicamente como “ex-assessora”. E, na demissão, foi elogiada pela candidata: “Ela agiu certo ao se retirar para permitir investigações”. A queda de Erenice (leia mais) não foi atribuída por Dilma a nenhum “malfeito”. Foram-se temporariamente os anéis, ficarão todos os dedos?

Amor Blue- Celso Fonseca

Nani Humor


Escândalo resgata o tema do caixa dois

Escândalo resgata o tema do caixa dois
EDITORIAL - O GLOBO - 18/09/10
A implosão de Erenice Guerra na Casa Civil segue o padrão clássico dos escândalos na política brasileira ao se relacionar, em alguma medida, ao caixa dois de campanha, ao financiamento com dinheiro sujo de atividades partidárias.
Ou, no jargão do inesquecível Delúbio Soares, tesoureiro no PT no não menos inesquecível mensalão: “recursos não contabilizados.” Lembremo-nos que, na enxurrada de relatos sobre a grande família de Erenice e as incursões no território obscuro do lobby do filho da ex-ministra, Israel Guerra, há duas referências ao provável destino político-partidário da propina pedida a empresas em negociação com estatais Na reportagem de “Veja” sobre a intermediação de Israel entre uma empresa aérea de cargas e os Correios, cita-se o pagamento de “compromissos políticos” como justificativa que teria sido dada pelo filho lobista para cobrar uma “taxa de sucesso” sobre o valor do contrato em negociação. Já na reportagem da “Folha de S.Paulo” decisiva para a queda da ministra, o consultor da empresa achacada, Rubnei Quícoli, interlocutor de Israel, conta ter ouvido do filho de Erenice que o dinheiro da propina — ou da “taxa de sucesso” — se destinaria a pagar uma dívida da “dama de ferro”. À época, a mãe de Israel ainda era secretáriaexecutiva da titular da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Pela folha corrida petista e com base no caso dos Correios, pode-se inferir que a tal dívida tinha alguma relação com caixa dois de campanha. Até porque a tentativa da empresa representada por Quícoli de conseguir um empréstimo no BNDES ocorreu a partir do segundo semestre do ano passado, quando o nome de Dilma para ser a candidata petista estava mais do que consolidado.
O mensalão, montado pelo PT com uma tecnologia desenvolvida por Marcos Valério e utilizada pelo PSDB mineiro, é um exemplo de como podem atingir grandes escalas esquemas de desvio de recursos públicos para financiar parlamentares e partidos, à margem da lei.
Tudo somado, é provável que aumentem os clamores por uma reforma política em que esteja em destaque o financiamento público de campanha. A proposta é antiga e sempre ressurge em época de escândalo, quando alguém ou um grupo é surpreendido no ato de desviar dinheiro do contribuinte para as burras ocultas de partidos e/ou políticos. Um esclarecimento: é sempre o erário que arca com o custo da corrupção, pois as “taxas de sucesso” são embutidas nos preços cobrados por bens e serviços fornecidos por meio desses “facilitadores”.
Engana-se, porém, quem propõe acabar com o caixa dois na política por meio da eliminação do dinheiro privado desse circuito.
Se todos os recursos de campanha forem estatizados — parte já é, via fundos partidários e propaganda dita gratuita —, o resultado será o envio de uma fatura dupla ao contribuinte, que pagará via impostos e por meio das “taxas de sucesso”, pois o caixa dois continuará a existir.
As finanças da política são uma dor de cabeça no mundo inteiro. E em vez de se decretar o financiamento público, na vã esperança de que ele venha a substituir os recursos que migram entre lobistas e autoridades corruptas, o melhor a fazer é fortalecer os instrumentos fiscalizadores do Estado, é tratar de acabar com as legendas de aluguel e banir da política os fichas-sujas. Dá bem mais trabalho, mas é o indicado.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters