quarta-feira, setembro 01, 2010

Waldez, no Amazônia Jornal

O preço da unanimidade

O preço da unanimidade
Fábio Ulhoa Coelho - Estadão

Independentemente do resultado da próxima eleição presidencial, já se pode dar como certo um extraordinário fato político sem precedentes na História brasileira - a unanimidade em torno de um homem, Lula.
Quando o candidato mais forte da oposição, José Serra, deu início à campanha no horário eleitoral gratuito na TV, posando de pós-Lula, certamente seus estrategistas tinham em mãos dados que apontavam para o fatal insucesso de qualquer tentativa de alguém se dar bem nas urnas apresentando-se como anti-Lula. Mesmo a mudança na linha da campanha, que deu tom mais oposicionista às mensagens da oposição, continuou poupando o presidente da República. A vitória de Serra é, pelas pesquisas, cada vez mais improvável. Mas, se vier a ocorrer, não reduzirá a unanimidade de que Lula desfruta no cenário político nacional.
Como isso foi possível? Que fatores explicam o completo desaparecimento de qualquer espaço em que se pudessem tornar eleitoralmente viáveis postulações de oposição frontal ao presidente? De onde vem tanta unanimidade? A resposta a essas perguntas não pode descartar pelo menos quatro fatores.
Em primeiro lugar, o carisma de Lula. Um fortíssimo fator subjetivo, mas que não pode ser ignorado. Identificado e identificando-se com larguíssimas parcelas do povo brasileiro, o homem decididamente cativa. Sabe apresentar em cada ambiente a mensagem que ali se deseja ouvir, e da forma mais familiar ao auditório. E mesmo os suficientemente precavidos ante as flexibilidades do discurso são obrigados a reconhecer: sair do sertão pernambucano e chegar à Presidência do Brasil é uma trajetória de vida que a todos impressiona.
Além disso, ainda no plano subjetivo, Lula mostrou-se suficientemente sábio para blindar setores estratégicos da máquina estatal da ânsia petista. A política econômica e as nomeações de ministros para os tribunais superiores foram assuntos tratados com esta sabedoria. Manter o PT distante de áreas estratégicas do Estado foi decisivo para a excelente avaliação de seu governo.
O terceiro fator que não pode ser esquecido na compreensão das causas da grande unanimidade consiste no amplo alcance dado aos programas sociais. Lula conquistou com isso parcelas da população que até então se sentiam (e com inteira justiça) marginalizadas da cidadania. A inclusão dessas parcelas também vitalizou a economia local de muitos rincões do País. É, sem dúvida, o grande feito do governo Lula. Depois dele dificilmente qualquer governante conseguirá interromper as extensas políticas de inclusão social.
No quarto fator, finalmente, reside a preocupação. Refiro-me à natureza das alianças políticas costuradas ao longo dos dois mandatos, pretensamente para assegurar a estabilidade da base parlamentar. Simplesmente todos os praticantes do fisiologismo encontraram acolhedor abrigo no colo maternal da governabilidade. Até mesmo os que, no passado, detrataram despudoradamente tanto Lula como seu partido e haviam sido classificados, por estes, como os políticos responsáveis pelas mazelas do Brasil foram recebidos na extensa e desfigurada aliança. Sem ela Lula provavelmente não teria conseguido arregimentar a impressionante unanimidade. Os partidos aglutinados na base governista têm extraordinária capilaridade e alimentam o culto lulista para dele se nutrirem.
Os três primeiros fatores (carisma, sabedoria e Bolsa-Família) conferiram a Lula grande apoio popular. É o seu patrimônio político, por assim dizer. Mas ele, infelizmente, não se valeu de sua mundialmente invejada popularidade para extirpar de vez o fisiologismo da nossa política; ao contrário, pôs essa imensa popularidade a serviço dos fisiológicos ao ampliar demasiadamente a aliança da base governamental e conseguir reproduzi-la no embate eleitoral. Acautelou-se, assim, contra tudo o que pudesse ameaçar a construção da almejada unanimidade.
Claro que não daria para acomodar tantos políticos e suas insaciáveis necessidades num aparato estatal de parcas dimensões. Ministérios desmembraram-se, secretarias foram promovidas a Ministérios e empresas públicas, criadas ou ressuscitadas. O preço da unanimidade quem paga é o contribuinte.
Pois bem, enquanto o Estado brasileiro dispuser de recursos para arcar com os extensos programas sociais e manter os aliados confortavelmente instalados, e enquanto nossa situação econômica criar condições favoráveis a esse dispêndio, a unanimidade seguirá firme e forte. Será, sem dúvida, ruim para a democracia, que se robustece com o pluralismo de projetos e ideias e pressupõe uma oposição combativa e viável.
O avassalador crescimento nas pesquisas da candidatura Dilma Rousseff, no embalo da unanimidade que cerca seu padrinho, tem despertado análises quanto aos riscos de uma provável "mexicanização" da política nacional. Que processo é esse? Trata-se de uma referência ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) que por sete décadas dominou as eleições no México. Como no horizonte, se antevê a volta de Lula em 2014, sua reeleição em 2018 e a possibilidade de ele, então, fazer uma vez mais o sucessor (Dilma, novamente?), cogita-se da perpetuação do PT no governo federal.
O temor de um único partido político se eternizar no poder não é novo na análise política brasileira. A primeira vez que se ouviu falar do receio de mexicanização aqui foi nas eleições para governador em 1986, quando o PMDB ganhou no País todo (exceto em Sergipe), graças ao Plano Cruzado.
Mas, na verdade, não há esse risco. A unanimidade de hoje gravita em torno de um homem. Não há nenhuma unanimidade, nem entre os políticos, muito menos entre os eleitores, quanto ao PT. E se Lula um dia quiser se livrar da dependência da aliança com os fisiológicos, poderá continuar bastante popular e ganhando eleições, mas corre o sério risco de não ser mais uma unanimidade.
JURISTA, É PROFESSOR DA PUC-SP

A magia do 'JB'

A magia do 'JB'
Miriam Leitão – O Globo

Contava o “Jornal do Brasil” dois anos, em 1893, Ruy Barbosa era o editor-chefe, quando ele foi fechado pelo governo Floriano Peixoto. Um ano e 45 dias depois, voltou a circular. Foi isso que marcou a personalidade do velho “JB” ou foi o jornal ser empastelado no Estado Novo, censurado na ditadura militar? Ou terá sido a teimosia em ousar sempre, como na reforma de Alberto Dines?
O que é determinante nessa história de 119 anos? A teimosia inteligente. Foi a que fez Rodolfo Dantas, Joaquim Nabuco e Barão de Rio Branco se juntarem naquele jornal meio monarquista em plena República. E Ruy Barbosa defender o regime civil no governo de um marechal.
No princípio foi assim.
Depois também. Por isso, enfureceu os governos ditatoriais.
“Uma nação inteiramente aturdida”, começou o editorial do “JB”, recebeu a comunicação de que os direitos individuais foram “substituídos pelo império do arbítrio.” E continuou: “De agora em diante, subverte-se um princípio universal, que é a presunção de que todos são inocentes até prova em contrário.
Desde ontem no reinado das trevas, a presunção é outra: somos todos previamente culpados e nos cabe como castigo provar a inocência.” Esse texto, assim vigoroso, foi escrito no dia 13 de dezembro de 1968, o dia do AI-5. A censura vetou, ele não foi publicado.
No seu lugar, a alegoria de uma foto de um menino lutando com um gigante.
A luta desigual do arbítrio. Ela se travou em capas históricas como aquela, inesquecível, do golpe no Chile e morte de Salvador Allende. Alguém pode imaginar um jornal sem manchete? A proibição de dar aquele assunto em manchete e de pôr fotos produziu uma das mais belas páginas da imprensa brasileira: apenas texto, uma única notícia, sem título, sem foto, apenas aquele espanto se espalhando por toda a primeira página.
Nessa despedida do “Jornal do Brasil”, o que os jornalistas que passaram por lá sentem é que povoavam uma redação mágica. Cada um sabe a preciosidade que viu: a sala de pedir conselhos e mostrar os textos a Zuenir Ventura; o Castelinho entregando sua coluna, num dia que veio ao Rio; a exuberância do Zózimo.
Estava na hora de fechar e havia um buraco na coluna do Zózimo. Eu já tinha feito todas as notas que sabia, ele tinha feito outras. E lá estava o buraco. O tempo passando.
Faltava uma nota. Nenhuma notícia. Olhei aflita. Zózimo calmo. Vai para a máquina de escrever e inicia com o seu bordão. “Não será surpresa para esta coluna.” Parou. O que será que ele sabia? E ele, maroto e charmoso, completa: “Aliás, nada mais será surpresa para esta coluna.” Assim saiu, intrigante, sua nota inventada. Meninos, eu vi.
Cada um passou por lá num tempo dado. A maioria se lembra de fatos, brincadeiras, amizades, folclores do dia a dia naquela vasta redação da Avenida Brasil, 500. Joaquim Ferreira dos Santos lembrou deliciosos detalhes, como o ascensorista que anunciava no andar da redação: “Parque de Diversões.” Eu tive privilégios. Como o de ter aulas com os professores Dionísio Carneiro e Rogério Werneck, chamados por Flávio Pinheiro e Marcos Sá Corrêa para me ilustrar em questões econômicas e me preparar para ser editora.
O jornalismo não morre, jornais sim. Sigo a colega Ruth de Aquino e não vou falar de quem o fez morrer, nem fingir acreditar que é só uma migração para o online. Todos sabemos o que houve, do lento processo que foi definhando o jornal.
Já o jornalismo está neste exato momento entrando cada vez mais fundo em terreno desconhecido e excitante.
Os jornais adotaram novos formatos e convivem com os antigos. A cada dia é preciso inventar uma nova rota até o mesmo destino, o leitor. Ele será capturado pelos mesmos ingredientes: a inteligência, o espírito crítico, a informação, a dúvida.
As notícias do futuro são intensas. Michael France e Justin Dini escreveram no Brunswick que o velho conceito de circulação está morto, perdeu o significado porque até a métrica mudou.
Como calcular o prestígio dos produtores de conteúdo nos novos tempos? A CNN criou novas medidas como a de “Integradores de TV/WEB Multiplataforma” ou “Usuários de Web Móvel.” Novos tempos, medidas ainda sendo criadas. Mesmo assim, a empresa dona do “Guardian” teve prejuízo no último ano fiscal, apesar de ter 35 milhões de visitantes únicos no mundo e 13 milhões nacionalmente.
O “Times”, de Londres, perdeu quase 90% dos leitores online quando passou a cobrar pelo conteúdo. Na crise, o que se viu foi um aumento da demanda por informação.
O jornalismo foi mais e não menos exigido.
Há várias questões perturbadoras no novo mundo multiplataforma. Ninguém mais é só papel, TV, rádio, internet. É tudo junto, mais as mídias sociais, e a espera da próxima novidade.
Num mundo assim de velocidade alucinante, folheio as velhas e belas primeiras páginas do “JB” no livro que desde ontem tirei da estante e não paro de admirar. Já estamos no futuro, mas o passado do velho diário carioca encanta. A inteligência passou por lá: Clarice, Callado, Drummond, Manuel Bandeira. Tantos outros, antes e depois. A inteligência é pura magia.

Schubert Impromptus Op. 90, N. 3, D 899 - Pires

SPONHOLZ

O dilema Battisti

O dilema Battisti
Dora Kramer
O ESTADO DE S. PAULO
O presidente Luiz Inácio da Silva está decidido a manter o ex-ativista italiano Cesare Battisti no Brasil, apesar da extradição concedida pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado.Obteve o sinal verde do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, mas antes precisa resolver dois problemas: arrumar uma justificativa que não seja política e sondar se não criaria um confronto com o STF.
Oficialmente o caso Battisti não frequentou o encontro entre Lula e Berlusconi, no fim do último mês de junho em São Paulo.
Na verdade o presidente e o primeiro-ministro conversaram sobre o assunto e o italiano disse que o Brasil poderia "ficar" com Battisti. Não impunha reparos se Lula negasse a extradição, não faria pressão no período eleitoral, mas impunha uma condição. Pedia ao Brasil para não alegar que a extradição seria negada porque Battisti poderia ser perseguido na Itália.
Ocorre que o acordo de extradição entre o Brasil e a Itália prevê duas possibilidades de negativa de extradição: em caso de doença ou perseguição política. Como Battisti não está doente, restaria apenas a alegação vetada por Berlusconi.
No momento, o caso está nas mãos do advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams.
Cesare Battisti foi condenado (à revelia) na Itália a prisão perpétua por quatro homicídios na década dos 70, quando integrava a organização Proletários Armados pelo Comunismo.
Fugiu para a França, depois para o Brasil, onde foi preso em 2007 e desde então está na Penitenciária da Papuda.
Em janeiro de 2009 o então ministro da Justiça Tarso Genro contrariou posição do Comitê Nacional para os Refugiados e concedeu refúgio político a Battisti, baseado no princípio do "fundado temor de perseguição por opinião política" repudiado pela Itália.
As autoridades italianas contestaram a decisão de Tarso Genro no Supremo Tribunal Federal, que julgou o caso no ano passado, decidindo que Battisti deveria ser mandado de volta para a Itália. Ao mesmo tempo, o STF remeteu a decisão final para o presidente Lula.
Na época o julgamento estremeceu as relações entre Brasil e Itália. Lá, as autoridades reclamavam veementemente da permanência de Battisti e aqui o presidente pedia "respeito a uma decisão soberana" do País. No caso, a soberania circunscrevia-se a Tarso Genro.
O Comitê para Refugiados e o Supremo achavam que Battisti havia sido julgado pela Justiça italiana por crime comum e a ela deveria obediência.
O acórdão da decisão do STF foi publicado em 17 de abril de 2010. Em tese haveria um prazo de 60 dias após o qual a Itália poderia cobrar o cumprimento da sentença, mas já se passaram quatro meses e meio e não se tocou mais no assunto. Em público.
Nos bastidores, Adams atua na administração da contenda.
Sim, porque o relator do caso e um dos mais ferrenhos defensores da extradição foi o ministro Cezar Peluso, hoje presidente do Supremo.
O dilema que se impõe é o seguinte: como Battisti está preso por ordem do STF, o que ocorrerá se Lula resolver negar a extradição e o Supremo decidir não soltar o preso?
O governo acha que poderia criar uma crise entre Poderes e que, por isso, antes de o presidente da República anunciar a decisão é preciso consultar o Judiciário para medir o grau de disposição ao confronto.
Nada, contudo, ocorrerá antes da eleição.
Último suspiro. É consenso no meio jornalístico que jornais levam pelo menos uma década para morrer. Pois o Jornal do Brasil levou mais de três. De fato o JB não morreu ontem quando circulou sua última edição em papel.
Acabou mesmo em 2001, quando a marca foi arrendada por gente mais interessada em usar o jornal como plataforma de negócios. Não podia dar certo. Se algum dia houve a ilusão de que o JB velho das melhores guerras poderia renascer, nunca houve empenho, propósito e competência para isso. Daí não valer a pena agora a missa de corpo há muito ausente, esplêndido e insubstituível.

J. Bosco para O Liberal

Mais uma tentativa de salto para o futuro

Mais uma tentativa de salto para o futuro

O Globo

O presidente Obama, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, os presidentes da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e do Egito, Hosni Mubarak, e o rei Abdullah, da Jordânia, deram partida a um novo esforço de paz. Pela primeira vez em 20 meses, israelenses e palestinos se sentam à mesma mesa. Os radicais não podiam perder a oportunidade de sabotar o processo antes mesmo de ele começar. Ainda ontem, quatro civis israelenses, entre eles uma mulher grávida, foram emboscados e mortos por militantes palestinos na Cisjordânia ocupada.
Como os radicais sempre apostam no “quanto pior, melhor”, o ataque não chegou a diferenciar mais essa tentativa de fazer com que israelenses e palestinos concordem em negociar das inúmeras anteriores. Pode haver algo diferente agora? Sim. Em primeiro lugar, é a vez do presidente Obama, que recolocou os EUA em sua postura histórica de negociador confiável no Oriente Médio, afastando-se da posição excessivamente pró-Israel de George W. Bush, que ainda por cima deixou o assunto em terceiro plano.
Além disso, Obama optou pelo smart power, dando preferência à diplomacia sobre o big stick brandido por Bush.
Em segundo, esta iniciativa já começa com um deadline que logo pode pôr tudo a perder, ou ser o primeiro ponto de concordância.
No dia 26, vence a moratória adotada por Israel na construção de novas colônias nos territórios ocupados. Netanyahu já prometeu que não a prorrogará. Abbas já disse que, se isto acontecer, não haverá mais conversações. Este é um dos trabalhos de Hércules da diplomacia americana.
Em terceiro lugar, um território palestino — a Cisjordânia — agora floresce sob o governo do primeiro-ministro Salam Fayyad, do partido de Abbas. A economia cresce, as pessoas estão mais otimistas e o governo entrega obras, e conquista os palestinos. Mas a grande realização de Fayyad foi organizar uma força de segurança eficiente e confiável. Com isso, e apesar do cruel atentado de ontem, os próprios militares israelenses demonstram muito mais confiança na força palestina de Fayyad, o que os levou a reduzir patrulhas na Cisjordânia.
Os obstáculos, no entanto, continuam enormes. Um deles é o domínio dos radicais do Hamas sobre a Faixa de Gaza, onde se espremem 1,5 milhão de palestinos.
Os EUA precisam reunir todo o apoio que conseguirem de líderes árabes responsáveis para segurar o Hamas. Alguns foguetes disparados de Gaza contra cidades israelenses, como tantas vezes já ocorreu, colocarão tudo a perder.
Já o bom governo de Sayyad na Cisjordânia não se reflete em aumento da popularidade de Abbas, que segue sendo um líder fraco. Do lado israelense, Netanyahu comanda um governo de linha-dura; seus aliados políticos são contrários a concessões aos palestinos.
Para que algo de bom aconteça, é preciso que os envolvidos deem um salto sobre o dia a dia direto para o futuro — e para a História.
Imperioso lembrar que os que conseguiram isso no passado recente foram assassinados: o egípcio Anwar Sadat por ir a Jerusalém e fazer a paz com Israel; o israelense Yitzhak Rabin por acertar, com o líder palestino Yasser Arafat, um cronograma que levaria à paz. Mas nem por isso deve haver omissão.

Domínio oligárquico

Domínio oligárquico
Marco Antonio Villa - FOLHA DE S. PAULO
A cada quatro anos, grandes partidos se aliam a oligarcas; é um engano
EM 1982, o PDS, partido do regime militar, venceu as eleições em todos os nove Estados do Nordeste. A região passava por uma seca. Com milhões de flagelados, a União montou um programa associando ajuda econômica às eleições. Não era a primeira vez que ocorria (pode ser lembrado 1958), porém nunca tinha alcançado aquelas proporções.
Tudo com o objetivo de controlar o Colégio Eleitoral, que se reuniria em 1985, para eleger o presidente da República. Se em 1982 deu tudo certo, na hora da eleição, Tancredo Neves acabou eleito presidente.
Parte considerável da elite acabou se bandeando para Tancredo. Tanto que, na eleição seguinte, os candidatos da Aliança Democrática venceram em todos os Estados da região. Ou seja, em duas eleições o quadro político tinha mudado. Mas só na aparência. A AD foi vitoriosa mas com frações da antiga elite que tinha servido o regime, como Fernando Collor, que fez parte da Arena e foi eleito governador de Alagoas.
Mas o melhor (e triste) exemplo desta elite perversa é José Sarney. Usou e abusou do regime militar e por obra do acaso chegou à Presidência da República. Fez um governo desastroso. Saiu sob apupos gerais. Hoje, graças a Lula, transformou-se em condestável da República.
Como os grandes partidos consideram que, para vencer a eleição, necessitam do apoio oligárquico, a cada quatro anos estabelecem alianças com essas lideranças. É um engano: a eleição poderia servir para que os setores modernos da política nacional (e regional) pudessem ter contato direto com os milhões de oprimidos e subjugados pelos oligarcas.
Nesta eleição, o quadro se repete. Nos últimos oito anos foram recriadas agências (como a Sudene) e os bancos oficiais e as empresas estatais estiveram à serviço da oligarquia (que só admitiu partilhar do saque do Estado com os egressos da máfia sindical).
Sem uma economia real, são os pagamentos da aposentadoria rural e do Bolsa Família que movimentam o comércio do interior nordestino. Apesar disso, a região não é tema eleitoral. Do lado do governo, é explicável; mas não do lado oposicionista.
E os intelectuais? Estão satisfeitíssimos, locupletando-se com as doações estatais. Em Canudos, no sertão baiano, organizaram uma oficina de cinema. Segundo dados oficiais, os empregos não passam de 1.000 (entre 15 mil habitantes). A produtividade da agricultura e pecuária é baixíssima. Há centenas de desempregados. Para os otimistas, resta imaginar que surja um Visconti e faça um novo "La Terra Trema".
MARCO ANTONIO VILLA é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

Erasmo, para o Jornal de Piracicaba

PMDB na encruzilhada

PMDB na encruzilhada
Merval Pereira

A primeira coisa que se avalia na cúpula do PMDB sobre as informações de que tanto o PT quanto o PSDB estariam se articulando para neutralizar a força política presumida do partido num futuro governo Dilma é que essas movimentações são uma constatação de que o PMDB será uma força real no futuro governo.
Justamente por isso o PMDB está tentando definir qual será o seu papel e a sua cara no futuro governo. Estão saindo desta eleição mais unidos do que em qualquer momento recente, e a tendência é que apostarão em um projeto conjunto com o governo Dilma, como já apostaram no governo Lula, o que se mostrou muito bom para o partido.
A tendência é que o PMDB saia desta eleição com um resultado muito bom para o Congresso e governos dos estados, como já havia saído muito bem na eleição municipal, o que pode significar para o PMDB um processo de crescimento.
Vai chegar uma hora em que o partido terá que decidir que atitude tomar na formação do novo governo: ou usa sua força para arrancar nacos de poder e contenta todos os segmentos, cada um com seu espaço; ou se vincula a uma agenda de poder.
Há um certo drama existencial dentro do PMDB. Na definição do ex-governador Moreira Franco, representante do partido na elaboração do programa de governo, há uma decisão majoritária no PMDB de mudar a sua prática, porque “nos incomoda muito ter essa imagem de fisiológico”.

Há riscos nas duas opções.
Negociar fisiologicamente, como vem acontecendo, reduz a perspectiva do partido, que não participará da orientação do governo.
Vincular-se a um projeto político, porém, aumenta seu risco. A avaliação é que o PMDB correu mais riscos ao apoiar Dilma do que em qualquer outro momento recente da história do partido. E um futuro governo Dilma é uma aposta renovada.
O partido tem tido uma preocupação grande de não começar agora a discussão sobre o novo governo. Inclusive porque o quadro eleitoral não está claro ainda, e o PMDB tem expectativas de se sair muito bem, o que aumentará seu cacife para negociar mais adiante.
Existe também um processo em curso de quebrar estranhamentos com o PT, e por isso não seria recomendável que se antecipe uma disputa que pode ser resolvida mais adiante, com todas as cartas na mesa.
O PMDB sabe muito claramente que ele assusta e preocupa o PT. Quando o presidente do partido e candidato a vice Michel Temer disse que estava disposto a “repartir o pão” com as bases do partido, houve quem no governo tenha comemorado, pois a frase foi vista como um movimento que assustava os demais partidos da base governista com o “apetite” do PMDB.
Uma coisa que preocupa o PT é a possibilidade de os partidos de centro-conservador que fazem parte da base aliada, como o PP e o PR, se aliarem ao PMDB.
Os satélites de esquerda, como o PSB, o PCdoB e o PDT, sairão fortalecidos das eleições, especialmente o PSB, e também começam a se mexer para neutralizar o PMDB. A visão do PT é que ele precisa formar uma maioria dentro da maioria, o que vai contra o PMDB.
Outro complicador, onde fatalmente as forças estarão se contrapondo, é o comando das duas Casas do Congresso. Na Câmara, a disputa se dá em torno de dois políticos muito importantes e representativos dos dois campos.
O candidato do PMDB é o deputado federal Henrique Eduardo Alves, que é muito ligado a Michel Temer e foi fundamental para que o partido assumisse formalmente a candidatura Dilma.
Ele estará no seu décimo mandato de deputado federal seguido, tornando-se o mais antigo da Câmara, e quer marcar o fato presidindo-a.
Do outro lado há o Cândido Vaccarezza, que é um deputado que cresceu muito dentro do PT, muito bem articulado com o Palácio do Planalto.
A solução pacífica desse embate seria repetir a fórmula do segundo governo Lula, quando o PMDB, embora tendo a maior bancada, deixou que o PT presidisse a Câmara com o Arlindo Chinaglia, para depois haver um revezamento e Michel Temer assumir a presidência.

Desta vez, o PMDB quer ter a prioridade.
A questão-chave é saber qual será a função do Michel Temer num eventual governo Dilma. Visto como uma ameaça, existirá o receio de que ele poderá usar sua capacidade de articulação no Congresso para tentar pressionar o governo.
Visto como um recurso, significará que o governo Dilma poderá usá-lo como um articulador político, e ao usálo nessa dimensão o governo estará emitindo um sinal de que confia no PMDB. Se isolálo no papel inócuo de vice, o sinal será de desconfiança.
Moreira Franco diz que hoje o PMDB está praticamente inteiro no apoio a Dilma, e os dissidentes estão isolados. A percepção no PMDB é de que o partido acabará a eleição num grau de unidade que só obteve quando se uniu em torno da candidatura de Tancredo Neves à Presidência, o que levaria ao fortalecimento de um projeto nacional que resgataria o papel do antigo PMDB.
Nossa geração passou a vida lutando por isso, diz Moreira Franco, que relembra a luta do antigo PMDB pela liberdade de imprensa, de opinião, de organização, pelos direitos civis. “Não há hipótese de haver um retrocesso nesse campo”, garante, ressaltando a maturidade da sociedade brasileira e as novas tecnologias que dão às pessoas hoje um canal de expressão “que é impossível calar”.
A relação entre PT e PMDB, portanto, está por ser construída. A relação evoluiu muito. Não apenas o PMDB deu um apoio a Dilma que nunca havia conseguido anteriormente, em unidade e envolvimento, como o Lula entregou ao PMDB parcelas de poder político de que o PT nunca abrira mão antes, como, por exemplo, não ter candidatos aos governos do Rio e de Minas.

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