quarta-feira, setembro 08, 2010

Efeito de juros no Brasil é maior que em outros países

Efeito de juros no Brasil é maior que em outros países
Estudo mostra que alterações na Selic têm efeitos imediatos nos grandes bancos, ao contrário do que ocorre em outras economias
Renato Andrade / BRASÍLIA - Estadão
 As mudanças promovidas pelo Banco Central na taxa básica de juros têm efeitos mais fortes e imediatos nas grandes instituições financeiras, ao contrário do que se observa em outras economias.
Essa característica peculiar, apurada pela primeira vez por três economistas da PUC do Rio, é provocada pela maior dependência desses bancos aos depósitos à vista de seus correntistas como fonte de recursos para operações de crédito e pode contribuir para o aumento de "potência" da política monetária ao longo dos próximos anos, por causa do processo de concentração do setor bancário.
Crédito e taxas. Assinado pelos economistas Christiano Coelho, João Mello e Márcio Garcia, o estudo foi feito com base em um banco de dados inédito que contabiliza todas as operações de crédito e taxas cobradas pelo sistema financeiro entre junho de 2000 e dezembro de 2006.
O levantamento mostra que aumentos inesperados da taxa básica, a Selic, resultaram em uma queda no volume de novos empréstimos e elevação dos juros cobrados nas operações concedidas pelos grandes bancos.
Uma das explicações para esse movimento é que as instituições de maior porte instaladas no Brasil dependem mais dos depósitos à vista - normalmente a forma mais barata para garantir recursos - para financiar suas operações de crédito do que os pequenos. Instituições de menor porte têm uma presença mais localizada, o que dificulta a captação de depósitos à vista na escala feita por seus concorrentes de grande porte. Por isso, esses bancos acabam garantindo seu "funding" com recursos provenientes de outras fontes, menos suscetíveis a movimentos inesperados da política monetária.
A dependência dos grandes bancos no País também é maior se comparada com seus pares em outros países. De acordo com a avaliação dos economistas, isso ocorre porque em economias como a dos Estados Unidos as instituições têm maior facilidade de substituir as fontes de recursos para sustentar suas operações de financiamento.
Os economistas apuraram que um aumento inesperado de um ponto porcentual da Selic provoca uma queda imediata de R$ 1,24 milhão no valor médio diário de novos empréstimos. No caso dos juros cobrados nos financiamentos das grandes instituições, o efeito é uma elevação de 2,13 pontos porcentuais na taxa. Os pequenos bancos, por sua vez, simplesmente não respondem ao choque de juros.
Política poderosa. Essa reação mais forte dos grandes bancos gera um aumento de "potência" da política de juros do BC porque essas instituições respondem por mais de dois terços do total de operações de crédito na economia brasileira. A redução da oferta de financiamentos e o aumento dos custos das operações remanescentes acabam potencializando os efeitos que o BC procura gerar com um aumento da Selic.
O próprio Banco Central já reconheceu que o poder de sua política tem aumentado ao longo dos últimos anos. No Relatório de Inflação de junho, os diretores do banco dedicaram um capítulo especial para explicitar esse aumento de força e eficiência da política monetária e sua tendência de alta.
Política de juros. Na divulgação do relatório, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton de Araújo, afirmou que o maior poderio significa que, para conter a inflação atualmente, o Comitê de Política Monetária (Copom) pode pesar menos a mão na taxa de juros do que em 2006 e 2008.
Carlos Hamilton não quis se comprometer com movimentos futuros da Selic, dizendo apenas que "a mensagem que queremos passar é de que há uma tendência de alta do poder da política monetária".
Os economistas da PUC-Rio concordam com a análise do diretor do BC por conta das mudanças na estrutura do setor bancário, cuja consolidação tem aumentado o tamanho dos bancos no País. "Nossos resultados sugerem que a potência da política monetária por meio do canal de crédito vai aumentar ao longo do tempo."
EFEITOS DIFERENTES
Efeitos da política monetária sobre volume de empréstimos:
Nos pequenos: Pequenas instituições não respondem a choques da política monetária
Nos grandes: Um aumento de 1 ponto porcentual na Selic representa uma redução de R$1,24 milhão na média diária dos novos empréstimos.
Efeito da política monetária sobre as taxas de juros:
Nos pequenos Os juros cobrados são insensíveis a mudanças inesperadas
Nos grandes Uma elevação de 1 ponto porcentual na Selic gera um aumento de 2,13 pontos porcentuais nas taxas.

Alecrim

Milton Nascimento - " Nos Bailes da Vida "

É necessário dolo ou culpa para configuração de improbidade administrativa

STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - 08/09/2010 - 08h01
DECISÃO
É necessário dolo ou culpa para configuração de improbidade administrativa

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é indispensável a demonstração de má-intenção para que o ato ilegal e ímprobo adquira status de improbidade. O entendimento é da Primeira Seção e foi firmado em julgamento que reviu posição anteriormente tomada pela Segunda Turma, no sentido da desnecessidade da má-fé.
O relator do recurso (chamado embargos de divergência) foi o ministro Teori Albino Zavascki. O caso diz respeito a uma empresa de São Paulo condenada pela Segunda Turma em ação de improbidade administrativa, por ter firmado com a administração pública contrato para fornecimento de medicamento sem licitação, sob a justificativa de emergência.
O ministro Teori afirmou que o elemento subjetivo é essencial à configuração da improbidade. Ele explicou que exige-se dolo para que se configurem as hipóteses típicas do artigo 9º (ato que resulta em enriquecimento ilícito) e artigo 11 (ato que atenta contra os princípios da Administração) da Lei n. 8.429/92; e exige-se pelo menos culpa, nas hipóteses do artigo 10 da mesma lei (ato que cause prejuízo ao erário).
No caso analisado, o tribunal estadual entendeu que não havia comprovação de que a empresa contratada agiu em conluio com o representante da administração, com dolo ou culpa, que houve superfaturamento e que a contratada teria sido tratada com protecionismo. Por isso, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi restabelecida.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Eleição, peregrinação e ventriloquia

Eleição, peregrinação e ventriloquia

Roberto DaMatta -  O GLOBO

Eleição rima com peregrinação, uma palavra espessa que remete a andar por terras distantes virando um estrangeiro; um ser isolado e relativamente fora do mundo. Não é por acaso que no momento eleitoral, existam campanhas.
Palavra que fala de um tempo imprevisto. Uma ocasião situada entre a partida e chegada de um barco de pesca e dos desempenhos de times e esportistas. Bem como de campanhas militares nas quais o general fala por meio dos soldados.
As campanhas são dos políticos que não dizem que vão nos assaltar moral ou financeiramente, mas prometem tudo o que, depois, não fazem ou descobrem que não podem fazer.
Em campanha, porém, eles surgem como pessoas. Como tal, promovem lampejos de si mesmos e inexoravelmente exibem suas personalidades, mesmo quando ele (ou ela) nada tem para dizer ou são simplesmente bonecos que reproduzem os gestos e a voz dos seus ventríloquos. Por isso, as campanhas eleitorais revelam um lado surpreendente dos políticos. Refiro-me à sua peregrina humanidade que, no Brasil, se manifesta pelas visitas a locais e pessoas subordinadas onde, sorrindo e fingindo naturalidade, esses romeiros do voto apertam mãos, beijam crianças, abraçam mulheres desdentadas (eles devem ser assexuados e puros), tomam cafezinho ou comem pastéis.
Em outras palavras, nas campanhas, os políticos, sobretudo aquele cevado no grosso caldo das aristocracias governamentais, transformam-se em peregrinos e deixam os palácios onde residem para tomar contato com o que chamam de povo. No caso, os pobres que seus cabos eleitorais (eis um papel típico das campanhas militares) aparelham para recebê-los como salvadores públicos ou santos.
Hoje, o próprio presidente é o maior cabo eleitoral do país e toda a máquina do Estado volta-se para vencer uma campanha (ou guerra) mostrando claramente como ainda vivemos, na política, a era do vencer a qualquer preço.
Afinal, os fins justificam os meios.
Esse estado de peregrinação é parte do estilo político nacional no qual pessoas, mais do que ideias e valores, são discutidas. Aqui se diz: Eu sou Fulano, candidato do Rei; ou do Sicrano. Temos linhagens de famosos apoiando pessoalmente os seus favoritos de modo que, no fim, tudo fica na mesma.
Achar, no poder, um lugar enviesado não é fácil. Equivale a ser um professor que, de tempos em tempos, prega a ignorância; ou a um presidente que, mesmo tendo o controle do sistema como um todo, se define como marginal junto aos seus coadjuvantes mais importantes: a imprensa, a indústria, os bancos, e os próprios políticos.
Manter-se no fio da navalha sendo a um só tempo pobre e poderoso, situando-se dentro e fora do mundo, como faz Lula, é raríssimo. Requer estar no topo da hierarquia (escondendo o seu poder de ventríloquo), sem deixar de comunicar ao grosso da sociedade a sua condição de peregrino.
Penso que isso explica a maciça transferência de votos para o candidato escolhido.
Primeiro porque nós, humanos, somos criaturas da transferência e da projeção. Passamos todo o tempo pondo no outro o que somos e o que existe no fundo dos nossos corações; depois, porque numa sociedade hierarquizada como a nossa todo mundo adere ao topo; finalmente, porque quanto mais estranho e peregrino for o candidato melhor para que o ventríloquo possa por ele falar. Um candidato com história e experiência eleitoral não é um bom médium para nenhum espírito, sobretudo para o Grande Irmão que cuida do povo brasileiro.
Já um candidato sem história e, mais que isso, sendo mulher e marginal ao poder supremo do sistema brasileiro o de presidente da República tem tudo para ser a tela capaz de receber todas as imagens projetadas pelo mestre. Neste sentido, o único modo de competir com o ventriloquismo seria tentar desconstruir o ato.
No caso, desconstruir o Grande Irmão, que, sejamos sinceros, só chegou onde está porque no nosso liberalismo há de tudo, menos o ator de sua necessária contracena: a oposição! Aquela contrariedade dramática e fulanizada (como disse uma vez FHC), que liga a experiência diária a propostas e projetos, tal como aconteceu com o Plano Real. Opor-se clara, honesta e competentemente é o único amuleto capaz de salvar o Brasil de si mesmo: das suas tentações aristocráticas e autoritárias que, em nome dos oprimidos, têm todas as certezas e sabem todas as respostas num mundo cada vez mais ávido da humildade das incertezas e do incômodo das boas perguntas.
Pena que uma oposição desmantelada recuse a falar da estabilidade monetária, do Bolsa Escola (mãe do Bolsa Família), da ênfase na eficiência do gerenciamento público e das privatizações suas heranças malditas lidas pelo povo como façanhas lulistas. Hoje, só nos resta pensar no que poderá ocorrer com um ventríloquo tão bom quanto Gabbo, o Grande. Aquele personagem do escritor Ben Hecht, cujo boneco acaba ganhando vida própria e destruindo o seu criador. Mas isso, como dizia Kipling, é uma outra história. Agora, amigos, eu que, como os políticos e os ricos, também não sou de ferro vou tomar um uísque com soda...
ROBERTO DaMATTA é antropólogo.

Bessinha

O dueto Brasil-China

O dueto Brasil-China

Rolf Kuntz - Estadão

 As contas externas são o ponto mais frágil da economia brasileira neste momento. De janeiro a agosto as exportações de mercadorias foram 28% maiores que as de um ano antes. O valor importado ficou 48,6% acima do registrado nos oito meses correspondentes de 2009. A tendência havia sido observada na fase de rápido crescimento até 2008, foi interrompida na recessão e voltou a manifestar-se com a recuperação da atividade. Embora involuntariamente, o Brasil vem cumprindo o papel proposto para os emergentes pelo Grupo dos 20 (G-20) e pelos principais dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI): os superavitários deveriam depender mais do mercado interno e importar mais. A mensagem foi dirigida principalmente à China, a maior potência exportadora, mas também o Brasil acabou seguindo o caminho recomendado.
No segundo trimestre, as importações brasileiras de mercadorias foram 56% maiores que as de um ano antes, enquanto as exportações ficaram 29% acima das de igual período de 2009. No caso da China, as diferenças em relação ao ano anterior foram, respectivamente, 44% e 41%. Proporcionalmente, a resposta do Brasil ao apelo do FMI e dos países mais desenvolvidos foi maior que a chinesa. Na Índia, as taxas quase empataram: 33% mais para as importações e 32% mais para as exportações.
Só um dos Brics, a Rússia, tomou caminho diferente, faturando 43% mais que no segundo trimestre do ano passado e gastando 33% mais com as compras de produtos estrangeiros. Ninguém pode acusar o Brasil de não colaborar para a recuperação da economia mundial - embora a China tenha sido a principal potência beneficiada pelas importações brasileiras.
Também a conta de serviços tem piorado, principalmente por causa da valorização do real. Essa conta inclui, entre outros itens, as viagens ao exterior, agora mais baratas por causa do dólar barato. No segundo trimestre, a contribuição do setor externo - transações com mercadorias e serviços - foi negativa para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com receitas 7,3% superiores às de abril a junho de 2009 e despesas 38,8% mais altas.
O descompasso entre importações e exportações foi apontado como o principal motivo de preocupação pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em seu comentário sobre as contas nacionais do período de abril a junho.
A redução do crescimento econômico para um ritmo equivalente a 4,9% ao ano foi avaliada como boa notícia pelos analistas do instituto, assim como pelos economistas do governo. Embora ainda vigorosa, é uma expansão mais sustentável que a do trimestre anterior. Mas por quanto tempo será sustentável, se o balanço de pagamentos continuar em deterioração?
As projeções do mercado financeiro e das consultorias para as transações correntes continuam sombrias. No último relatório Focus, baseado em pesquisa divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), o déficit estimado para este ano aumentou ligeiramente, para US$ 50 bilhões. A previsão estava em US$ 49 bilhões duas semanas antes. Para 2011 o valor projetado foi mantido em US$ 58 bilhões.
De janeiro a julho, o déficit na conta corrente, US$ 28,3 bilhões, superou o de todo o ano passado, US$ 24,3 bilhões. Em 12 meses, o valor chegou a US$ 43,8 bilhões, equivalentes a 2,2% do PIB. Entre 2003 e 2007 a conta havia sido superavitária.
Nos 12 meses até julho entraram US$ 26,7 bilhões de investimento direto estrangeiro. O resto do buraco foi coberto com outros tipos de financiamento - empréstimos e aplicações especulativas -, menos estáveis e menos saudáveis para o País.
Segundo a análise do Iedi, a piora das contas externas é atribuível ao câmbio valorizado e a outros fatores "enormemente" prejudiciais à competitividade da produção nacional.
Não se discutem no texto esses fatores, mas são em geral bem conhecidos e compõem o chamado "custo Brasil". Para eliminar ou atenuar esses problemas, o próximo governo terá de trabalhar duramente. Parte da solução dependerá de inovações legislativas e do aumento da eficiência do setor público. Tudo isso vai exigir muita disposição para negociar, principalmente quando se tratar da alteração de impostos estaduais e da racionalização dos gastos da União. Desse esforço poderão depender também a política de juros e, indiretamente, a evolução do câmbio. O dólar barato tem contribuído para a contenção da alta de preços. Se a situação do câmbio mudar, o governo terá de cuidar de outros fatores inflacionários, a começar pelo desequilíbrio de suas contas.

Triste espetáculo

CIDADANIA
Triste espetáculo

Meios de comunicação ainda transformam crimes em folhetins macabros e perdem a oportunidade de informar a sociedade sobre como avançar no combate à violência contra a mulher

Por: Fábio M. Michel, Rede Brasil Atual Publicado em 19/08/2010

A notícia do suposto assassinato da estudante e modelo Eliza Samudio, de 25 anos, começou a agitar os telejornais do país no início de junho, quase simultaneamente ao início da Copa do Mundo. O episódio envolvendo uma celebridade do futebol brasileiro, o goleiro Bruno, do Flamengo, dominaria as manchetes de todos os veículos de comunicação durante os dois meses seguintes. Como de costume, a cobertura dita jornalística extrapolou. Chegou-se à exposição de versões detalhadas do crime e das pessoas a ele relacionadas, beirando o macabro.
Com tempo de sobra – dada a eliminação precoce da seleção brasileira no Mundial –, o assunto prestou-se ao ibope das emissoras de TV e de rádio e da internet. Mais uma vez, um crime repugnante foi transformado em espetáculo. O sequestro de Eliza, seguido de cárcere privado, tortura física e psicológica e homicídio brutal, passou a ter tratamento de novela. Mostrado em capítulos disfarçados de boletins informativos, o roteiro levava o espectador a conhecer os muitos aspectos da trama, desde a infância dos personagens principais até a sua ligação com os muitos coadjuvantes. Novos ingredientes eram adicionados à história a cada dia, e sempre havia a promessa de novas informações durante o restante da programação.
Jornais e revistas semanais também entraram na onda. Manchetes e capas passaram a antecipar aos leitores suas próprias versões de “jornalismo investigativo”, em que equipes do tamanho de times de futebol eram destacadas para a produção do material, rico em gráficos, simulações e similares. Os supostos fatos eram acompanhados de análises psicológicas e comportamentais. “Especialistas” eram solicitados a buscar explicações sobre como um personagem de perfil vencedor, um ídolo consagrado, foi levado a cometer um ato de proporções tão bárbaras.
Também se viu que a tragédia havia sido previamente anunciada. A vítima tinha deixado um legado de testemunhos, fotos e mensagens eletrônicas em que indicava que o namorado famoso era cada vez mais uma ameaça. Isso porque, informou a imprensa, ela o pressionava a reconhecer o filho nascido em fevereiro passado. O menino seria fruto de uma aventura, ou uma orgia. Mas ela insistia no reconhecimento da paternidade pelo jogador, que teria exigido o aborto.
Com tanta informação disponível e tantas “evidências”, parte do público começou a formular o seu próprio veredicto. A moça, no final das contas, poderia ter sido a responsável pela própria tragédia. Passou a ser vista como uma golpista, uma maria-chuteira que planejara uma forma de garantir seu futuro e acabou se dando mal.
No fechamento desta edição, no final de julho, o goleiro ainda não havia sido indiciado criminalmente pelas evidências que o envolviam no hediondo homicídio; eram poucas as chances de ele não ser condenado por um júri popular. Mas, independentemente do que vier a acontecer ao jogador, a morte de Eliza passará para a história como mais um ato de violência masculina contra uma mulher.
Ódio, amor e desigualdade
No início deste ano, o Mapa da Violência no Brasil, estudo patrocinado pelo Instituto Zangari com base em informações fornecidas pelo banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), mostrou que, no Brasil, dez mulheres são assassinadas por dia – foram 41.532 vítimas de homicídio de 1997 a 2007. A Central de Atendimento à Mulher, pelo telefone 180 (serviço criado e mantido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, com informações e orientações para situações de violência), registrou 271.719 atendimentos nos primeiros cinco meses de 2010, um aumento de 95,5% em relação a igual período de 2009. De janeiro a maio foram exatos 51.354 relatos de violência, dos quais 29.515 casos de violência física, 13.464 de violência psicológica, 6.438 de violência moral, 1.060 de violência sexual e 207 de cárcere privado.
O relatório traz ainda informações significativas sobre a origem das agressões: 39,8% das denunciantes declararam sofrer violência desde o início da relação; 38% afirmaram que se relacionam com o agressor há pelo menos dez anos e 71,7% residem com o seu carrasco. Ainda que o aumento das denúncias seja um dos resultados visíveis da Lei Maria da Penha, que tenta justamente frear o impulso agressivo de homens contra mulheres, são números que comprovam que o sofrimento imposto à mulher pelo companheiro ainda é um ato cotidiano que corre o risco de ser banalizado.
O tema foi debatido em julho no Fórum de Organizações Feministas para a Articulação do Movimento de Mulheres Latino-Americanas e Caribenhas, em Brasília, no mesmo dia da festa de abertura da Copa do Mundo. Na ocasião, a secretária de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, afirmou que a violência contra a mulher acontece com muita frequência e nem sempre ganha destaque na imprensa. “Quando surgem casos que chegam aos jornais, principalmente com pessoas famosas, é que a sociedade efetivamente se dá conta de que aquilo acontece cotidianamente e não sai nos jornais. As mulheres são violentadas e subjugadas todos os dias pela desigualdade.”
A busca das motivações que levam homens a humilhar, caluniar, agredir, ferir e até matar esposas, ex-esposas, namoradas e ex-namoradas mobiliza profissionais, ativistas e estudiosos de áreas diversas. As conclusões comumente apontam para a desigualdade social como fator de risco à integridade física das mulheres pobres, e por isso mesmo o seu sofrimento está fora dos circuitos midiáticos. Essa relação desigual resulta de valores distorcidos que ainda orientam a sociedade e levam a distúrbios de comportamento que extrapolam a condição social de agressores e agredidos.
“Não há como sair à procura de razoabilidade para esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres”, diz a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB). Ela ressalta que as razões para episódios violentos patrocinados por homens contra suas mulheres têm outra natureza. “A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas um dispositivo de uma sociedade que reduz as mulheres a objetos de prazer e de consumo.”
Decadência
Para ativistas dos direitos femininos, o que se viu na cobertura do caso Bruno seria mais um sinal de que se vive um momento de decadência moral, cujas consequências atingem, entre outros grupos sociais, as mulheres de forma geral. A advogada Sonia Nascimento, que coordena a capacitação de promotoras legais contra a violência doméstica na periferia da capital paulista, avalia que a ânsia da mídia em buscar fatos novos sobre o caso causou absurdos que deveriam levar os próprios canais de comunicação a se envergonhar.
“A gente viu de tudo (durante a cobertura), uma baixaria sem fim. Os jornais condenaram os dois (Bruno e Eliza), mas ninguém condena a mídia”, constata Sonia. “Nos jornais, nas novelas, nos programas de auditório, a todo momento vemos as mulheres tratadas como objeto sexual, além de todo tipo de preconceito e violência. Inclusive contra pobres e negros, e reforçando uma série de valores que não têm mais cabimento em uma sociedade que se pretende desenvolvida.”
A advogada lembra ainda que o noticiário não deu muita importância, por exemplo, ao fato de o goleiro Bruno alegar que as queixas de Eliza não deveriam ser levadas em consideração, uma vez que ele a conhecera numa orgia. “Ele poderá ser condenado por seu envolvimento em um crime, mas o fato de ser homem e famoso parece ter lhe dado o direito de estar acima do bem e do mal. E a gente aceita isso como normal”, observa.
Mais lamentável ainda é que nem todo o exagero da mídia deverá pôr um fim na sucessão de episódios violentos contra as mulheres de todo o país. Segundo Sonia, “tudo faz parte de uma estratégia muito bem pensada, para manter o público ‘anestesiado’, mas sem que se desperte nas pessoas o estímulo para exigir mudanças no atual estado de coisas”. E puxa pela memória recente para lembrar alguns outros casos de mulheres mortas por quem mais deveriam confiar e que tiveram grande repercussão, mas que caíram no esquecimento.
A advogada Mércia Nakashima, baleada e afogada em São Paulo, em episódio que se desenrolava, com menos destaque, simultaneamente ao caso Bruno; a adolescente Eloá, refém do namorado por mais de 100 horas em sua própria casa, até ser baleada pelo rapaz, na região do ABC paulista; Dayana Alves da Silva, no Rio, que teve o corpo queimado pelo ex-marido e passou dois meses internada antes de morrer, no início deste ano; a cabeleireira Islaine de Moraes, de Belo Horizonte, que levou sete tiros do ex-marido enquanto trabalhava, tudo gravado por uma câmera instalada em seu salão (que rendeu bons pontos de audiência), em janeiro passado; o estupro de uma menina de 13 anos em Florianópolis, enquanto dormia por efeito de sedativos, entre os suspeitos estava o filho de um diretor de um poderoso grupo de comunicação na região Sul, o que pode ter contribuído para que o caso não tenha virado mais um espetáculo. Tudo tendo a violência como protagonista. Uma infinidade de casos a aguardar a ocorrência de outros, se nada for feito.
Força de lei
Segundo a pesquisadora Débora Diniz, da UnB, a persistência da impunidade contribui para que a solução dos conflitos entre casais aconteça de forma violenta pela parte masculina da relação, embora os avanços representados pela Lei Maria da Penha sejam importantes. “A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão.”
Falta para a humanização do fim dos relacionamentos a instalação definitiva de mecanismos previstos no texto da lei, o que ainda vai requerer um grande esforço de mobilização da parcela da sociedade interessada, mulheres e homens incluídos.
É o caso da capacitação de profissionais que prestam atendimento nas Delegacias Especializadas em Crimes contra a Mulher, da criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Intra-familiar, além da consolidação da presença do Estado, garantindo que as polícias protejam aquelas que tentem romper o ciclo violento em que estão inseridas e que tenham o devido acompanhamento jurídico e psicológico fornecidos pelo poder público.
É o caso também de promover a igualdade econômica­ entre homens e mulheres, conforme atestam todos os estudos sobre violência doméstica. O mais recente deles, da organização não-governamental Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (Cohre), que tem sede na Suíça, mostra que a dependência econômica aparece como o principal obstáculo para se romper uma relação violenta. Parte das vítimas (27%) diz ser dona de casa, sem outra ocupação e sem possibilidade de independência financeira.
“O direito a viver em segurança, em paz e com dignidade, precisa ser assegurado pela elaboração de políticas que promovam a ascensão social das mulheres, que ainda são submetidas a salários mais baixos que os homens em ocupação semelhante, no Brasil e na América Latina”, afirma uma das ativistas do Cohre, Mayra Gomez. Acima de tudo, porém, é urgente questionar a cultura diariamente ensinada em nossa sociedade, de que as mulheres existem para que seus corpos estejam à disposição dos homens e que estes têm todo direito de manter pleno domínio sobre elas.

Ilhas Shiant, Escócia


Pádua, para O Estado de Goiás

Macunaíma

Macunaíma

O Estado de S. Paulo - 08/09/2010 - Dora Kramer

 Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios malfeitores, afagar violentos ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?
Depende. Um artista não poderia, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda.
A menos que tivesse respaldo. Que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo, tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos, por intimidação ou desistência.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes, consolidada por longo tempo.
Para compor a cena, oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes, covardes diante do adversário atrevido, eivados por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e ignorantes.
O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar _ sem que ninguém se disponha ou consiga lhe pôr um paradeiro - não foi criado da noite para o dia.
Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu apenas por obra da fragilidade da oposição. É produto de uma criação coletiva.
Da tolerância de informados e bem formados que puseram atributos e instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem pudor de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com gente que não tem escrúpulo de nada.
Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto no momento em que já estavam caminhando para o ostracismo. Foram todos ressuscitados e por isso são gratos.
Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado, sejam sindicalistas, artistas, prefeitos ou vereadores.
Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.
Do despeito dos ressentidos.
Do complexo de culpa dos mal resolvidos.
Da torpeza dos oportunistas.
Da pusilanimidade dos neutros.
Da superioridade estudada dos cínicos.
Da falsa isenção dos preguiçosos.
Da preguiça dos irresponsáveis.
Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte, não fosse a permissividade geral.
Nada parece capaz de lhe impor limites. Se conseguir eleger a sucessora, vai distorcer a realidade e atuar como se presidente fosse. Se não conseguir, não deixará o próximo governo governar.
Agora, é sempre bom lembrar que só fará isso se o País deixar que faça, como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.
Recibo. O presidente Lula resolveu reagir e há três dias rebate a oposição no caso das quebra dos sigilos fiscais para negar a existência de propósitos político-eleitorais.
Ocorre que faz isso usando exclusivamente argumentos político-eleitorais. Em nenhum momento até agora o presidente se mostrou preocupado com o fato de sabe-se lá quantas pessoas terem tido seus sigilos violados e seus dados cadastrais abertos por funcionários da Receita sabe-se lá por quê.
O presidente tampouco pareceu sensibilizado com a informação do ministro da Fazenda de que os vazamentos ocorrem a mancheias.
Esses cidadãos não receberam do presidente Lula uma palavra de alento ou garantia de que seus direitos constitucionais serão preservados.
Lula só responde a Serra, só trata do assunto na dimensão eleitoral e assim confirma que o caso é de polícia, mas também é de política.

Skoob

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