quarta-feira, setembro 08, 2010

Tema em discussão: Política externa brasileira

Tema em discussão: Política externa brasileira

NOSSA OPINIÃO – Jornal O Globo

Volta às origens

 Entre inegáveis ações positivas do governo Lula, infelizmente não está a política externa. A expectativa em torno da atuação internacional do Brasil cresceu consideravelmente, em linha com o destaque que o país passou a ter por conta da consolidação de suas instituições democráticas, da relativa firmeza de sua economia e dos avanços na redução das (ainda graves) desigualdades sociais. Mas as expectativas foram frustradas.
No governo Lula, a política externa brasileira foi reorientada para refletir supostos novos interesses estratégicos do país, em prejuízo da linha histórica traçada pelo Barão do Rio Branco, pautada pelo profissionalismo, pela eficiência e pela sintonia fina dos interesses nacionais.
Simpatias ideológicas começaram a ditar o rumo da diplomacia brasileira, abrindo desnecessárias áreas de desgaste com importantes e tradicionais parceiros do país. Ao mesmo tempo, interesses partidários passaram a interferir nas diretrizes permanentes de nossa atuação externa, deixando o Itamaraty refém de iniciativas descalibradas.
O compadrio ideológico fez com que o Brasil apoiasse sistematicamente o regime comunista de Cuba, para o qual a defesa dos direitos humanos é uma atitude “antirrevolucionária”; o regime bolivariano da Venezuela, para o qual adversários políticos são inimigos jurados; ou o regime indigenista da Bolívia, que nacionalizou instalações brasileiras de exploração de gás.
A política externa brasileira ressuscitou fósseis da Guerra Fria, como a divisão entre Primeiro e Terceiro Mundos, o conflito entre o Hemisfério Norte, desenvolvido e explorador, e o Sul, pobre e espoliado, o que desembocou num antiamericanismo risível. Esse posicionamento brasileiro levou a distorções, como a insistência no apoio ao ex-presidente Zelaya, de Honduras, um chavista tardio, mesmo depois de a crise do país ter sido solucionada com a realização de eleições apoiadas por Washington. Criou situações ridículas, como a do presidente Lula, em visita ao Oriente Médio, tentando posicionar o país como um dos baluartes do processo de paz entre israelenses e palestinos.
E forçações de barra, como a de tentar transformar o Brasil num interlocutor privilegiado do regime clerical-obscurantista do Irã, sendo imediatamente desautorizado pelos Estados Unidos e pelos fatos.
Da ideia do contraponto à OEA, que seria controlada por Washington, nasceu a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), com todo o apoio brasileiro e o objetivo de unir as duas organizações de livre comércio sul-americanas — o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações.
A entidade se desdobraria, entre outras medidas, num Conselho de Defesa da América do Sul. Não está explícito de que ou de quem a região se defenderia.
Mas pode-se imaginar, a julgar pelo antiamericanismo predominante entre seus membros — a Colômbia, maior aliada dos EUA na região, é membro relutante.
Não há dúvida de que a diplomacia deve ser dinâmica para acompanhar a evolução dos interesses estratégicos do país num mundo em rapidíssima transformação. Há novos atores, como os Bric, e novos temas, como a defesa do meio ambiente, mas isso não quer dizer que o país deve abandonar os pilares tradicionais de sua política externa.
Deve, isto sim, é resgatar o equilíbrio e o multilateralismo que sempre caracterizaram a atuação do Itamaraty. O Barão do Rio Branco agradece.
OUTRA OPINIÃO
Diplomacia democrática
FÁTIMA MELLO
 A política externa brasileira sempre foi vista pelo grande empresariado industrial e do agronegócio como propriedade desses setores.
Sob a alegação de ser uma política de Estado, confundia-se interesse nacional com seus próprios interesses.
Ao longo dos últimos anos novas agendas e novos atores passaram a disputar os rumos da política externa, visando a democratizá-la e torná-la uma política pública que reflita os interesses múltiplos e conflitantes que existem na sociedade brasileira. Trabalhadores urbanos e rurais, consumidores, ambientalistas, organizações que defendem direitos sociais e serviços públicos universais passaram a questionar as prioridades das grandes corporações que sempre orientaram a atuação externa do Brasil.
Passaram também a pressionar para que a agenda de direitos, da sustentabilidade ambiental e de garantia das políticas de saúde, educação, serviços públicos, segurança e soberania alimentar passe a orientar a formulação da política externa.
Tais organizações e movimentos sociais defendem uma agenda diferenciada de integração do Brasil com os países da América Latina e com outros países do Sul. Propõem o controle social da atuação de empresas dentro e fora do Brasil, demandando garantias e contrapartidas sociais e ambientais das empresas multinacionais, inclusive das empresas brasileiras que estão se internacionalizando, e exigindo o cumprimento das regulações existentes para elas no plano internacional e na legislação nacional. Defendem que a política externa incorpore como diretriz central a defesa da dimensão ambiental, priorizando a articulação da posição externa com políticas internas de transição para uma economia de baixo carbono, que inclua a diversificação da matriz energética, a defesa dos sistemas agroecológicos da agricultura familiar e camponesa, o respeito aos territórios das populações tradicionais. Defendem que os direitos sociais prevaleçam sobre os interesses meramente comerciais.
Para que os interesses múltiplos e conflitantes existentes na sociedade brasileira possam ser processados, mediados e por fim traduzidos em posição externa é necessária a criação de um espaço institucional que inclua esta diversidade de atores e agendas. Os espaços e dinâmicas existentes até agora — sejam a Camex, as consultas ad hoc, as reuniões realizadas em gabinetes de ministérios com os grupos empresariais de pressão — já não são mais aceitáveis porque deixam importantes setores sociais e agendas do lado de fora, sem interlocução. A proposta de criação de um Conselho de Política Externa reforçaria o papel do Ministério das Relações Exteriores como o lócus de mediação, formulação e condução da política externa, conferindo legitimidade às definições dessa política. O conflito e a democratização do processo decisório na política externa são sinais positivos, pois contribuem para a democratização do Estado. E isso deve ser visto como prioridade pelo próximo governo.
FÁTIMA MELLO é secretária executiva da ONG Rede Brasileira Pela Integração dos Povos.

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