segunda-feira, setembro 27, 2010

Marina Silva falando hoje na Twitcam

De cima para baixo

De cima para baixo
Renata Lo Prete - Folha de S. Paulo - 27/09/2010
Decidida por um círculo restrito da cúpula da campanha de Dilma Rousseff, a entrada com ação no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar a exigência de apresentação de documento com foto, além do título de eleitor, na hora de votar, divide opiniões.
Alijada da discussão, uma ala do partido, que votou em peso no Congresso a favor da nova regra, acredita que a campanha comprou uma briga desnecessária, pois a influência da exigência no resultado das urnas seria praticamente nula. Expressa ontem, a reação do DEM a favor da manutenção da regra deu novo argumento à turma do deixa disso.
Ruído De um tucano, ao ouvir a candidata do PT dizer que a exigência do segundo documento "vai cercear o direito de votar": "Ué, mas o Lula não sancionou a lei? A eleição nem terminou e a Dilma já está discordando dele publicamente?".
Melhor não Um telespectador notou que, nos últimos dias, o segmento biográfico da propaganda televisiva de Dilma continua a exaltar o papel da ex-ministra na coordenação das ações do governo, mas sem mencionar o termo "Casa Civil".
Concessões 1 Ao pedir voto para o correligionário tucano Antonio Anastasia no trecho final de seu programa de sexta-feira passada, dirigindo-se a eleitores mineiros que vivem perto da fronteira com São Paulo e por isso assistem ao horário eleitoral do Estado, Geraldo Alckmin atendeu a um antigo pedido de Aécio Neves.
Concessões 2 O depoimento de Alckmin foi ao ar uma semana após José Serra, depois de um mês de repetidos apelos, aparecer na propaganda da dupla Aécio-Anastasia em Minas.
No colo Em meio à especulação sobre sua possível saída do PSDB, Aécio Neves sabe que só não será presidente do partido em 2011 se não quiser, caso José Serra perca a disputa pelo Palácio do Planalto. O mineiro ainda conta com a opção de indicar alguém de sua confiança.
Fadiga O atual presidente, Sérgio Guerra, se movimenta para manter o posto. Mas, na esteira do desgaste produzido pela campanha nacional tucana, pouca gente acha que isso seja viável.
Rindo à toa Caso Tiririca se eleja deputado federal com 900 mil votos, como projeta o Datafolha, sua candidatura terá sido um excelente investimento para o PR. A legenda, que injetou R$ 516 mil na campanha do palhaço, poderá arrecadar até R$ 7,7 milhões em quatro anos, via fundo partidário.
Alô, presidente Em mensagem telefônica endereçada aos paulistas, Lula pede votos para João Paulo Cunha, que busca a reeleição e deverá ter um dos melhores desempenhos entre os candidatos do PT de SP.
Sumiu A depender da apreciação pelo TSE, os votos destinados a tradicionais recordistas indeferidos em São Paulo, como Paulo Maluf (PP), Beto Mansur (PP) e Francisco Rossi (PMDB), serão computados como nulos no próximo domingo. Eles só aparecerão na totalização caso sejam revertidas as decisões da Justiça.
Zona de perigo A crer nas mais recentes projeções de composição de bancadas na Câmara, baseadas em sondagens eleitorais, Arnaldo Faria de Sá (PTB), dono da maior série de mandatos consecutivos por São Paulo, corre o risco de não se reeleger para o que seria sua sétima legislatura. Ele é apenas o quinto mais citado de seu partido, que deve fazer dois deputados federais.
Tiroteio
"O pior é que nada disso seria inédito. Já vimos esse filme nas eleições de 2002."
DO DEPUTADO JUTAHY JÚNIOR (PSDB-BA), relacionando a acusação de que esquema de tráfico de influência na Casa Civil utilizaria, para pagamentos, duas contas bancárias no exterior, com o uso do expediente para acertar contas de "caixa dois" na primeira eleição de Lula.
Contraponto Troca de turno
Certa manhã de 2008, quando era secretário de Desenvolvimento, Alberto Goldman encontrou às 5h, em seu computador, um e-mail em que o então governador José Serra lhe pedia dados sobre a expansão do Centro Paula Souza, responsável pelo ensino técnico.
Diante da rapidez da resposta, Serra, que ainda não tinha ido dormir, retrucou, em inglês:
-Goldman, você ainda não foi pra cama?
A resposta entrou em instantes:
-Não, eu já acordei. Mas não sabia que você se comunicava em inglês nas madrugadas. Good morning!

SPONHOLZ


Grãos da Terra - "Canta"

Raios sobre Chicago

Fotografia por A. Rodriguez 

O triângulo da corrupção - Revista VEJA

O triângulo da corrupção - Revista VEJA
Investigações mostram as ligações dos governadores do Tocantins, do Amapá e de Mato Grosso do Sul com quadrilhas acusadas de desviar fortunas dos cofres públicos. Ainda assim, os três mantêm suas candidaturas à reeleição.
Marcelo Sperandio, Júlia de Medeiros e André Vargas
O governador Gaguim: no alvo das suspeitas 
Nos anos 90, corria um boato — jamais provado — de que o entourage do então presidente Fernando Collor havia feito uma festa para comemorar o primeiro bilhão de dólares arrecadado pelos esquemas de corrupção de seu governo. Bilhão era, então, uma cifra factível apenas para peixes gordos, desses que habitam o 3º andar do Palácio do Planalto e adjacências. Vinte anos depois, bilhão virou meta de faturamento de chefetes de máfias regionais, como as que desfalcaram os cofres públicos nos estados mais novos da federação — Tocantins, Mato Grosso do Sul e Amapá. Nos três casos, as autoridades obtiveram provas de que a corrupa ocorria com a participação ou conivência dos respectivos governadores, todos candidatos à reeleição. “O governador (do Tocantins, Carlos Gaguim, do PMDB) disse que vamos fazer 1 bilhão de real”, relata o lobista Maurício Manduca, em conversa telefônica captada pela Polícia Federal. O português sofrível denota o nível do tal Manduca, que representava na Região Norte o empresário José Carlos Cepera. Proprietário de seis empresas de limpeza e segurança registradas em nome de laranjas, Cepera contava com a boa vontade de autoridades para vencer licitações superfaturadas no Tocantins — e também nas cidades paulistas de Campinas, Hortolândia, Mauá e Indaiatuba.
Em VEJA desta semana: Para os petistas, imprensa ideal é só aquela que elogia
O Ministério Público paulista descobriu que o grupo operava o esquema desde 2004, pelo menos. Segundo os promotores, o bando amealhou contratos fraudulentos com órgãos públicos que somam, no total, 615 milhões de reais. Uma única licitação, lançada pela Secretaria de Educação do Tocantins, responde por mais da metade do total: 332 milhões de reais. Os indícios de superfaturamento eram tão gritantes que logo foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas do Tocantins. Nem por isso Manduca, Cepera e o governador Gaguim deixaram de festejar a bandalha. Em 13 de março último, Cepera pagou um fim de semana cinco-estrelas para a turma em São Paulo. O empresário gastou 19800 reais para comprar um camarote para sua patota assistir à corrida da Fórmula Indy na capital paulista. Hospedou Gaguim no luxuoso Unique Hotel, ofereceu-lhe um churrasco e deixou um helicóptero à sua disposição. Preocupou-se até em evitar que Gaguim, que deve seu nome ao fato de tartamudear, padecesse da solidão do homem contemporâneo na metrópole fria e impessoal. Mandou-lhe uma moça que se apresenta como Delinda e que, pouco antes, tinha feito uma visitinha a Manduca — que, pelo jeito, provou, aprovou, antes de passar adiante. No dia seguinte, Cepera telefonou a Gaguim para saber se ele tinha gostado do fim de semana. “A carne que o Manduca ofereceu estava boa ou ‘meia’ dura?”, indagou Cepera. Gaguim não titubeou: “Show de bola!”.

O governador merecia tantos mimos porque, segundo o lobista Manduca, havia prometido difundir o esquema de corrupção de Cepera por Tocantins inteiro. Para isso, eles precisavam, no entanto, terceirizar os serviços públicos do estado, hoje executados por 22000 funcionários admitidos sem concurso. A brecha que permitiria o golpe foi aberta inadvertidamente pelo tucano Siqueira Campos, com quem Gaguim disputa a eleição estadual. Ao suspeitar de que essa massa de servidores iria fazer campanha para Gaguim, o candidato do PSDB fez uma consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade da manutenção deles. Gaguim, na verdade, esperava que a corte determinasse a demissão de todos, o que levaria seu governo a terceirizar os serviços em regime de urgência. Os promotores paulistas que iniciaram a investigação, por causa de Cepera, descobriram que o plano fracassou porque a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no Supremo, decidiu dar uma chance aos servidores: no próximo ano, o estado realizará concursos para admiti-los.
A investigação dos promotores paulistas é apenas um dos problemas de Gaguim. O prefeito do município de Fortaleza do Tabocão, João Tabocão, diz que enviados do governador quiseram comprar seu apoio político por 300000 reais. Em junho, Gaguim protagonizou, ainda, um episódio que configura compra de votos: distribuiu a eleitores 3000 bicicletas. Todas são vermelhas, a cor da sua campanha e das camisas que ele usa. Há dois meses, antes de toda a avacalhação vir à tona, durante um encontro com fiéis evangélicos, o governador fez um mea-culpa que despertou curiosidade: “Sei o pecado que estou cometendo. Sou um desviado. Se o mundo acabasse hoje, eu iria para o inferno”. Resta saber se o governador será condenado nas urnas ou só no Juízo Final.
“Eu não consigo gastar 20 milhões de dólares” - Desbaratado pela Polícia Federal em 10 de setembro, o esquema de corrupção que tomou conta do Amapá foi inteiramente revelado na semana pas­sada. Um dos elementos centrais da quadrilha, o governador Pedro Paulo Dias (PP), foi movido pela ganância... e pelo amor, e pela luxúria. Dias, que é casado, nutre uma paixão clandestina de dimensões amazônicas pela loira (falsa, claro) Lívia Bruna Gato, sua secretária de 27 anos. Dos telefonemas trocados por Dias e sua amante, gravados pela Polícia Federal, sobressaem detalhes do esquema de corrupção que envolvia também seu antecessor Waldez Góes (PDT), a ex-primeira-dama Marília Góes, o presidente do Tribunal de Contas do Amapá, José Júlio de Miranda, e outras treze pessoas. Juntos, eles surrupiaram 300 milhões de reais dos cofres públicos. O esquema começou a ser desvendado em agosto de 2009. Então, a Polícia Federal se debruçou sobre uma licitação da Secretaria de Educação para contratar por emergência uma empresa de segurança chamada Amapá Vip. A Polícia Federal entrou no caso porque a Amapá Vip foi paga com recursos da União. Descobriu-se que o governador Waldez Góes, hoje candidato ao Senado, recebia 500000 reais mensais do contratado para fornecer refeições aos presídios. Também aquinhoado, o presidente do Tribunal de Contas comprou um jatinho, uma Ferrari, uma Maserati e outros três carros de luxo.
O governador Pedro Paulo pretendia, ainda, cobrar 30 milhões de dólares de um grupo indonésio chamado Salim, interessado em investir no estado na agricultura. Em troca, concederia benefícios aos asiáticos. Em um telefonema concupiscente disparado de Jacarta, onde foi negociar a propina, o político apaixonado relata o caso a Lívia Bruna: “Amor, 30 milhões de dólares para esses caras é nada. Por mais que eu gaste uma fortuna, eu não consigo gastar 20 milhões de dólares. Tu tá entendendo?”. Depois, passa a tratar de assuntos mais relevantes. “Minha vida, sabe o que eu quero levar para ti, do fundo do meu coração? Um óculos. Agora eu queria comprar um para ti, um da Armani. Deixa eu comprar?”, derrama-se o governador. Sua amante, que também foi presa, tinha papel essencial no desvio de verbas públicas. Participava das fraudes e era responsável pelo recebimento de propina. É a paixão, é o amor, é a luxúria.
A Máfia de Paletó - Por último, Mato Grosso do Sul. No início do mês, a Polícia Federal desarmou um esquema de corrupção que envolvia praticamente todas as autoridades de Dourados, a segunda maior cidade do estado. No dia 1º, foram presos o prefeito Ari Artuzi, seu vice, Carlos Cantor, onze dos doze vereadores e outros cinquenta políticos, servidores públicos e empresários. Com o desenrolar das investigações, autoridades do governo estadual e da Assembleia Legislativa sul-mato-grossense foram pegas no escândalo. Na semana passada, o caso também engolfou o governador André Puccinelli (PMDB) e seu antecessor e adversário Zeca do PT, que disputam o governo estadual. Os nomes de Puccinelli e Zeca do PT apareceram em uma conversa do deputado estadual Ary Rigo (PSDB) com o principal denunciante da quadrilha, o ex-secretário de Governo de Dourados Eleandro Passaia. Na conversa, registrada em vídeo, Rigo conta que tanto Puccinelli quanto Zeca eram beneficiados por empreiteiras. Na gravação, Rigo diz ainda que Puccinelli se apropriou de 6 milhões de reais da Assembleia Legislativa. Segundo o deputado tucano, os desembargadores e promotores também recebiam propina. Os magistrados recebiam 900.000 reais, e os promotores, 300000 reais. Rigo não esclarece a periodicidade dos pagamentos. Zeca do PT negou qualquer participação. Puccinelli veio a público para dizer que tudo era mentira, que a lei o amparava etc.
Eleandro Passaia decidiu implodir a quadrilha depois de ser abordado pela Polícia Federal. Para não ser preso e evitar responder a um processo criminal, ele fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público estadual. Por quatro meses, não só coletou provas da corrupção na sua cidade e no estado como filmou os envolvidos no esquema com uma microcâmera fornecida pela Polícia Federal. Os documentos e as conversas registradas por Passaia mostram, por exemplo, que sua quadrilha abocanhava 10% de todos os contratos firmados pela prefeitura de Dourados, o que produzia uma receita mensal de 500.000 reais. O prefeito Artuzi ficava com a parte do leão e distribuía o restante entre os demais envolvidos. Uma vez fora do esquema, o delator Passaia arranjou outra forma de ganhar dinheiro: escreveu um livro relatando as podridões de seu bando, cujo título é A Máfia de Paletó. O amigo da onça descreve somente as fraudes cometidas na região do Pantanal.
Leia no blog do Reinaldo Azevedo:
A imprensa independente é a grande inimiga dos muitos candidatos a déspota que se espalham pelo Brasil e seus esbirros no Judiciário, no Congresso e, infelizmente, no próprio jornalismo - “subjornalismo” ou “jornalismo de aluguel” seriam termos mais apropriados. O maior erro que se pode cometer é tomar essa história como um evento local. Não é! Abundam ações no país contra a liberdade de imprensa. Os pretextos são os mais variados. No Tocantins ou em Brasília, o crime não está no jornalismo.

Longa Espera

Longa Espera
MÔNICA BERGAMO - FOLHA DE SÃO PAULO - 27/09/10
Dez anos depois da morte da jornalista Sandra Gomide, os pais dela, João e Leonilda Gomide, estão prestes a receber indenização de R$ 300 mil de Pimenta Neves, que a assassinou com dois tiros, um deles pelas costas. Dois desembargadores do Tribunal de Justiça de SP votaram a favor da família da vítima. Um terceiro, que será o último a dar o seu veredicto, pediu mais tempo para analisar a causa. O placar, no entanto, já garante maioria aos pais.
FUMACEIRA O Ministério Público vai chamar o secretário do Verde da capital, Eduardo Jorge, para negociar alterações no contrato da pasta com a Controlar, que realiza a inspeção veicular em SP. A Promotoria contesta o fato de a empresa não entregar um laudo para quem tem o veículo rejeitado na primeira fase da verificação, uma checagem visual do motor, da fumaça e de vazamentos. Os carros são dispensados antes de fazer o teste de emissão de gases e podem continuar poluindo sem que o dono saiba quais as causas do problema.
SELO DE GASOLINA O MP também vai defender que os veículos sejam abastecidos com o mesmo combustível que foi usado para calibrar as máquinas da inspeção, para evitar distorções no resultado. "Se o governo não garante a qualidade do combustível vendido nas ruas, como vai exigir os parâmetros da verificação?", diz o promotor Silvio Oyama. Sua ideia é que a prefeitura homologue postos com gasolina certificada pela Controlar ou forneça o combustível na hora da inspeção.
RITA LEE: "JÁ PEDI PERDÃO DE JOELHOS" Ao comentar a escolha de Itaquera para abrigar o estádio do Corinthians, Rita Lee disse no Twitter: "Para quem não conhece, Itaquera é o c... de onde sai a bosta do cavalo do bandido". A mensagem repercutiu e apareceu no "Fantástico". A cantora disse que foi ameaçada e deixou o Twitter. Depois, voltou. Ela falou por e-mail à coluna:
Folha - O que achou da frase sobre Itaquera parar na TV?
Rita Lee - Disse merda e recebi merda de volta. Com relação ao "Fantástico", me convidaram para gravar "Repórter por Um Dia" em Itaquera e recusei, porque não sou boba. A última vez que participei do programa foi numa entrevista sobre maus tratos de animais. Fui processada pela "tchurma" de Barretos. Ganhei nas duas instâncias, mas foi um saco não poder fazer meus discursinhos. Estou sabendo que o jornalismo do "Fantástico" quis se vingar jogando gasolina no fogo. É duro ser cigarra no meio de formigueiros. [A assessoria do "Fantástico" diz que "não existe vingança"."Ela fez um comentário público e reproduzimos."]
Qual a pior ameaça recebida?
Uma bala na cabeça foi o mais bonzinho. O pior foram ameaças de morte à família.
Continua corintiana?
Eu já pedi perdão de joelhos a Itaquera, sei quando faço uma cagada homérica, mas jamais disse algo desprezível sobre o Corinthians! Acho mesmo é que o novo estádio será uma baita de uma roubalheira sem tamanho. Por que voltou ao Twitter?
Os amiguinhos tuiteiros me pediram pra voltar. E me divirto pra "carai". Meu mestre João Gilberto me disse que nessas alturas do campeonato posso dizer o que bem entendo, quando bem entendo. Sou apenas o gafanhoto...
Você tuita muito sobre a novela "Passione". Qual o segredo de Gerson?
Primeiro pensei que Gerson nutria um tesão por Mauro desde a infância. Instalou uma câmera escondida no banheiro do outro e ficava espiando pelo computador. Depois, que tinha tesão em ver gente estraçalhada em desastre, tipo Lady Di. Agora, acho que tem tesão pelo computador, um "Macintófilo".

Julián Marías - Uma visão antropológica do aborto

Julián Marías - Uma visão antropológica do aborto
Julián Marias foi aluno de Zubiri e deixou grande obra escrita, inclusive uma História da Filosofia, publicada em português pela Martins Fontes. Pouco li de sua obra, mas, por ser um verdadeiro intelectual, fica minha homenagem. E.S.
Publicado no site www.midiasemmascara.org © 2006 MidiaSemMascara.org
Nota editorial: A morte do filósofo e escritor espanhol Julián Marías, em dezembro de 2005, foi pouco notada no Brasil. Discípulo de José Ortega y Gasset, Marías foi responsável por introduzir milhares de jovens e adultos no mundo da filosofia, versando sobre assuntos complexos com brilhante profundidade e simplicidade. Neste artigo publicado em 1983 na revista Cuenta y Razón, traduzido com exclusividade para o MSM, Marías lida com a questão social que, de todas, considerava a mais grave: a aceitação do aborto voluntário.
A espinhosa questão do aborto voluntário que nos últimos anos adquiriu uma amplitude descomunal, até converter-se em uma das questões mais urgentes nas sociedades ocidentais, pode ser proposta de diversas maneiras. Entre os que consideram a inconveniência ou ilicitude do aborto, a posição mais frequente é a religiosa. Sem dúvida que, para os cristãos (às vezes, de maneira mais estreita, para os católicos), o aborto pode ser ilícito mas não se pode impor a uma sociedade inteira uma moral “particular”. Quer dizer, os argumentos fundados na fé religiosa não são válidos para os não crentes.
Raramente se investiga se os argumentos assim propostos, ainda que procedendo de uma maneira cristã de ver a realidade, não têm força de convicção inclusive prescindindo dessa origem; o fato é que todos os que não participam dessa crença os repudiam e consideram que não lhes podem levar em conta. E os fatos devem ser considerados.
Há outra posição que pretende ter validade universal, que é a científica. As razões biológicas, concretamente genéticas, são tidas como demonstráveis, inteiramente fidedignas, conclusivas para todos. Certamente essas razões têm valor muito alto, e devem ser levadas em conta, mas suas provas não são acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admitem por fé (isto é, por fé na ciência, pela validade que ela tem no mundo atual).
Há outro fator que me parece mais grave a respeito da posição científica da questão: depende do estado atual da ciência biológica, dos resultados da mais recente e avançada investigação. Quero dizer que o que hoje se sabe, não se sabia antes. Os argumentos dos biólogos e geneticistas, válidos para o que conhece estas disciplinas e para os que participam da confiança nelas, não foram válidos para os homens e mulheres de outros tempos, inclusive muito recentemente.
Creio que faz falta uma posição elementar, ligada à mera condição humana, acessível a todos, independente de conhecimentos científicos ou teológicos que poucos possuem. É forçoso propor uma questão tão importante, de consequências práticas decisivas, que afeta a milhões de pessoas e à possibilidade de vida de milhões de crianças que nascerão ou deixarão de nascer, de uma maneira evidente, imediata, fundada no que todos vivem e entendem sem interposição de teorias (que às vezes impedem a visão direta e provocam desorientação).
Esta visão não pode ser outra senão a antropológica, fundada na mera realidade do homem tal como se vê, se vive, se compreende a si mesmo. Temos, pois, de tentar retroceder ao mais elementar, que não tem pressupostos de nenhuma ciência ou doutrina, que apela unicamente à evidência e não pede mais que uma coisa: abrir os olhos e não colocar-se de costas para a realidade.
Trata-se da distinção decisiva entre coisa e pessoa. Bem, dito assim pode parecer coisa de doutrina. Por verdadeira e justificável que seja, evitemo-la. Limetemo-nos a algo que faz parte de nossa vida mais elementar e espontânea: o uso da língua.
Todo mundo, em todas as línguas que conheço, distingue, sem a menor possibilidade de confusão, entre que e quem, algo e alguém, nada e ninguém. Se entro em uma casa onde não há nenhuma pessoa, direi: “não há ninguém”, mas não me ocorrerá dizer: “não há nada”, porque pode estar cheia de móveis, livros, lustres, quadros. Se se ouve um grande ruído estranho, me alarmarei e perguntarei: “O que é isso?”. Mas se ouço batidas na porta, nunca perguntarei “o que é?” mas sim “quem é?”. Apesar disso, a ciência e mesmo a filosofia estão há dois milênios e meio fazendo a pergunta: “Que é o homem?”, com a qual pelo menos derrubaram a estrutura de uma resposta errada, porque só de maneira muito secundária é o homem um “que”; a pergunta certa e pertinente seria: “Quem é o homem?”, ou, com mais rigor e adequação: “Quem sou eu?”.
Claro, “eu” ou “tu”, ou “ele” sempre que se entenda de maneira inequivocamente pessoal. É significativo que os pronomes de primeira e segunda pessoa (eu, tu) têm somente uma forma, sem distinção de gênero, enquanto que o da terceira pessoa admite essa distinção, e inclusive com dois gêneros (ele, ela). Quem fala e a quem se fala são realidades imediatas e pessoas, e seu gênero é evidente na ação mesma, mas não é assim quando se fala de alguém no presente (e, ademais, se pode falar de algo).
O que isso tem a ver com o aborto? O que me interessa aqui é ver o que é, em que consiste, qual é a sua realidade. O nascimento de uma criança é uma radical inovação de realidade: a aparição de uma realidade nova. Dirão talvez que não é propriamente nova, uma vez que se deriva ou vem de seus pais. Direi que é verdade e muito mais: dos pais, dos avós, de todos os antepassados; e também do oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, carbono, cálcio, fósforo e todos os demais elementos que intervêm na composição de seu organismo. O corpo, o psíquico, até o caráter vem daí e não é algo rigorosamente novo.
Diremos que o que a criança é se deriva de tudo isso que enumeramos, é reduzível a isso. É uma “coisa”, certamente animada e não inerte, diferente de todas as demais, em muitos sentidos única, mas uma coisa. Desse ponto de vista, sua destruição é irreparável, como quando se quebra uma peça que é exemplar único. Todavia, isso não é o importante.
O que é a criança pode “reduzir-se” a seus pais e ao mundo; mas a criança não é o que é. É alguém. Não um que, mas um quem, alguém a quem se diz tu, que dirá no momento certo, dentro de algum tempo, eu. E este quem é irreduzível a tudo e a todos, aos elementos químicos e a seus pais, e a Deus mesmo, se pensarmos nele. Ao dizer “eu”, enfrenta-se com todo o universo, contrapõe-se polarmente a tudo o que não é ele, a tudo o mais (incluindo, claro, o que é).
É um terceiro absolutamente novo, que se soma ao pai e à mãe. E é tão distinto do que é, que dois gêmeos univitelinos, biologicamente indiscerníveis e que podemos supor “idênticos”, são absolutamente distintos entre si e a cada um dos demais; são, sem a menor sombra de dúvida, “eu” e “tu”.
Quando se diz que o feto é “parte” do corpo da mãe, se diz uma grande falsidade, porque não é parte: está alojado nela, melhor ainda, implantado nela (nela e não meramente em seu corpo). Uma mulher dirá: “estou grávida”, nunca “meu corpo está grávido”. É um assunto pessoal por parte da mãe.
Ademais, e sobretudo, a questão não se reduz ao que, senão a esse quem, a esse terceiro que vem e que fará com que sejam três os que antes eram dois. Para que isto seja mais claro ainda, pensemos na morte. Quando alguém morre, nos deixa sós; éramos dois e agora não há mais que um. Inversamente, quando alguém nasce, há três em vez de dois (ou, se for o caso, dois em vez de um).
Isto é o que se vive de maneira imediata, o que se impõe à evidência sem teorias, o que refletem os usos da linguagem. Uma mulher diz: “vou ter um filho”; não diz: “tenho um tumor”. (Quando uma mulher acredita estar grávida e verifica que o que tem é um tumor, sua surpresa é tal que mostra até que ponto se trata de realidades radicalmente diferentes).
A criança não nascida ainda é uma realidade vindoura, que chegará se não a pararmos, se não a matarmos no caminho. Mas se investigarmos bem as coisas, isso não é exclusivo da criança antes do nascimento: o homem é sempre uma realidade vindoura, que vai se fazendo e realizando, alguém sempre inconcluso, um projeto inacabado, um argumento que tende a uma solução.
E se dissermos que o feto não é um “quem” porque não tem uma vida “pessoal”, então teríamos que dizer o mesmo da criança já nascida durante muitos meses (e do homem durante o sono profundo, da anestesia, da arteriosclerose avançada, da extrema senilidade, sem dizer do estado de coma).
Às vezes lançam mão de uma expressão de refinada hipocrisia para denomiar o aborto provocado; dizem que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte teriam suas dificuldades resolvidas: para que falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração” (e basta um par de minutos); já não há mais problema. Quando provoca-se o aborto ou enforca-se alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém.
E, claro, é uma hipocrisia ainda maior considerar que há diferença em que lugar do caminho se encontra a criança, a que distância em semanas ou meses dessa etapa da vida que se chama nascimento será surpreendida pela morte.
Consideremos outro aspecto da questão. Com frequência se afirma a licitude do aborto quando se julga que provavelmente aquele que vai nascer (ou que iria nascer) seria anormal, física ou psiquicamente. Mas isso implica que o que é anormal não deve viver, já que essa condição não é provável, senão segura. E teríamos de estender a mesma norma ao que chega a ser anormal por acidente, enfermidade ou velhice. Se temos tal convicção, então temos de sustentá-la com todas as suas consequências. Esta situação não é nova; já foi aplicada, e com grande amplitude, na Alemanha hitlerista, há meio século, com o nome de eugenia prática.
O que me interessa é entender o que é aborto. Com incrível frequência mascara-se sua realidade com seus fins. Quero dizer que tentam identificar o aborto com certos propósitos que pareçam valiosos, convenientes ou pelo menos aceitáveis: por exemplo, o controle populacional, o bem-estar dos pais, a situação da mãe solteira, as dificuldades econômicas, a conveniência de dispor de tempo livre, a melhoria da raça. Poder-se-ia investigar em cada caso a veracidade ou a justificação desses mesmos fins (por exemplo, foi feita uma campanha abortista em uma região da América do Sul de 144.000 quilômetros quadrados de extensão e 25.000 habitantes, isto é, despovoada). Mas o que quero mostrar é que esses fins não são o aborto.
O correto seria dizer: para isso (para conseguir isso ou aquilo) deve-se matar tais pessoas. Isto é o que se propõe, o que em tantos casos se faz em muitos países na época em que vivemos. Esta é a significação antropológica dessa palavra tão usada e abusada, que se escreve mais vezes em um só dia do que em qualquer outra época em um ano.
E mais uma prova de como se pensa o tema do aborto, eliminando arbitrariamente a condição pessoal do homem, o caráter de quem se fala, é que em muitas legislações sobre o assunto – sem irmos mais longe, a que se propõe atualmente na Espanha – se prescinde inteiramente do pai. Atribui-se a decisão exclusivamente à mãe (a palavra não parece inteiramente apropriada, seria mais adequado falar da fêmea grávida), sem que o pai tenha nada a dizer. Isto é, mesmo no caso em que o pai seja perfeitamente conhecido e legítimo, por exemplo, se se trata de uma mulher casada, é ela e somente ela é quem decide, e se sua decisão é abortar, o pai não pode fazer nada para que não matem a seu filho.
Isto, claro, não se diz assim; tende-se a não dizê-lo, a passar por alto, para que não se advirta o que significa. Em uma época em que se fala tanto da “mulher objeto” – não sei se alguma vez chegou a ser assim; suspeito que sempre a viram como “sujeito” (ou “sujeita”) –, um caminho foi aberto na mente de inúmeras pessoas a interpretação da criança-objeto, da criança-tumor, que se pode extirpar como um crescimento nojento. Trata-se de obliterar literalmente o caráter pessoal do humano. Para isso fala-se do “direito de dispor do próprio corpo”. Mas, além da criança não ser o corpo do mãe, senão que é alguém corporalmente implantado na realidade corporal de sua mãe, é que esse suposto direito não existe. A ninguém se permite a mutilação: se eu quero cortar minha mão num golpe só, os outros, e em última instância o poder público, me impedirão; sem falar no caso de querer cortar a mão de outrem, mesmo com seu consentimento. E se quero me atirar da janela ou de um terraço, a polícia e os bombeiros acudir-me-ão e pela força me impedem de realizar esse ato, do qual me pedirão explicações.
O núcleo da questão é a negação do caráter pessoal do homem. Por isso oculta-se a paternidade; por isso reduz-se a maternidade ao estado de suportar um crescimento intruso que pode ser eliminado. Descarta-se todo uso possível do quem, dos pronomes tu e eu. Tão logo apareçam, toda o castelo erguido para justificar o aborto rui como uma monstruosidade.
Por acaso não se trata precisamente disso? Não estará em curso um processo de despersonalização, isto é, de desumanização do homem e da mulher, as duas formas irredutíveis, mutuamente necessárias em que se realiza a vida humana?
Se as relações de maternidade e paternidade forem abolidas, se a relação entre os pais for reduzida a uma mera função biológica sem duração para além do ato de geração, sem nenhuma significação pessoal entre as três pessoas implicadas, que ocorre de humano em tudo isso? E se isso se impõe e se generaliza, se em fins do século XX a humanidade vive de acordo com esses princípios, não estará comprometida, quem sabe até quando, essa mesma condição humana?
Por isso me parece que a aceitação social do aborto é, sem exceção, o que de mais grave tem acontecido neste século que vai chegando ao fim.

Alguma esperança - Gladir Cabral

Um assunto delicado

Um assunto delicado
FÁTIMA DA SILVA GRAVE ORTIZ - O GLOBO - 27/09/10
As eleições são momentos privilegiados de debate sobre temas que atravessam nossa vida em sociedade.
Um deles, presente nos discursos e propostas dos candidatos, refere-se à polêmica questão do aborto. Ora criminalizando as mulheres que voluntariamente optam pelo aborto, ora reconhecendo a questão como problema de saúde pública, o fato é que os brasileiros precisam se debruçar sobre este tema, a exemplo de muitos outros países, como recentemente o fez Portugal, que tornou legal a sua prática.
No Brasil, o aborto é legalmente permitido apenas em algumas situações: quando envolvem estupro ou há comprovada existência de anomalia fetal. Contudo, mesmo nestas situações, além de a mulher ter que expor seu caso, a despeito de ampliar seu sofrimento, deve ainda se submeter a autorização judicial, cabendo à Justiça, portanto, a decisão final sobre uma questão de ordem íntima e pessoal. Segue-se a isso o agravante de haver poucas unidades de saúde públicas disponíveis para a realização do aborto.
No entanto, por não se enquadrarem nestes critérios, muitas mulheres optam pela prática do aborto clandestino e inseguro, em alguns casos morrendo ou se submetendo a sequelas irreparáveis. Sempre são criminalizadas e discriminadas porque socialmente a responsabilidade exclusiva pela gestação recai sobre a mulher. Ora, se a "responsabilidade" é dela, por que não permitir que ela realmente decida, tendo em vista os impactos que o aborto provoca na sua vida? São vinte milhões de abortos inseguros no mundo por ano; trata-se da quarta causa de morte materna, e este ônus geralmente recai sobre um grupo específico de mulheres: pobres e negras, confirmando um processo histórico de criminalização de gênero, raça e classe social.
A mulher deve ter o direito de decidir e o Estado laico deve empreender o marco legal necessário para pôr fim à criminalização do aborto, legalizando sua prática e criando serviços especializados com profissionais e rotinas institucionais capazes da sua realização. A legalização do aborto comprovadamente não gera o aumento dos casos. Ao contrário: todos os países que o legalizaram não observaram sua ampliação.
Defender a legalidade do aborto significa reconhecer o direito cidadão da mulher de decidir sobre a maternidade. Significa reconhecer a mulher como sujeito, portadora de direitos civis, políticos, sociais e humanos, entre eles o direito à vida e de ser legitimamente mãe. Coerente com o código de ética que orienta os profissionais, nosso 39oEncontro Nacional dos Conselhos de Serviço Social, realizado recentemente em Florianópolis, aprovou a defesa da legalização do aborto como passo para que esses direitos se tornem realidade.
FÁTIMA DA SILVA GRAVE ORTIZ é presidente do Conselho Regional de Serviço Social-RJ e professora da Escola de Serviço Social da UFRJ.
COMENTÁRIO: Discordo das argumentações. Aborto é crime e dos mais covardes, pois a vítima não tem defesa. O que deve haver é uma intensificação na educação sexual das adolescentes e jovens. E a mulher deve prevenir-se ANTES! Não cair nas armadilhas dos momentos de descontrole, com medo de perder o seu parceiro. Quando ocorre a concepção, na maioria das vezes, a mulher se encontra sozinha para resolver o que fazer, o que demonstra a fragilidade das relações. Se a mulher quer ter uma vida sexual livre, então assuma as providências para evitar a concepção. Há diversas maneiras para tal e farta distribuição de preservativos e pílulas anticoncepcionais em postos de saúde, ONGs, etc.. Concordo apenas nos casos em que a lei permite. A mulher tem que deixar de ser uma presa fácil do homem nos momentos de tensão sexual. A responsabilidade deve ser dividida. O artigo defende o direito da mulher ao seu corpo, mas esquece do direito de vida do nascituro, o qual não pediu para ser concebido e não pode ser esquecido em seus direitos, que são protegidos em lei.

O pior dos mundos

O pior dos mundos
MARCELO COUTINHO – O Globo
 Desde o início do governo Lula, o Brasil adotou um padrão novo de posicionamento em questões relacionadas aos direitos humanos, passando a votar a favor de países como Irã e Coreia do Norte.
Não foi a primeira vez que o Brasil beneficiou regimes de força, mas a partir de então consolidou uma política que destoou cada vez mais das nações democráticas. Houve um acentuado declínio nos valores da civilização na nossa política externa, embora os últimos meses de 2010 possam ser de regeneração benigna.
A partir do fim de 2008, a diplomacia brasileira recrudesceu seu novo comportamento, amplamente criticado pelos movimentos de defesa dos direitos humanos. Supostamente em nome de mais diálogo e menos politização, o governo passou a liderar um processo de revisão dos procedimentos na ONU, sugerindo que o mundo parasse de censurar os violadores contumazes.
Embora o discurso oficial se contradiga e oscile entre os ideais wilsonianos de paz e o pragmatismo amoral da realpolitik, a política externa está mais para a mal engendrada weltpolitik, caracterizada pela maior assertividade e pressa com que busca a projeção mundial.
No afã de aparecer como ator independente e garantir um lugar ao sol, o governo acabou inconfessadamente se associando a ditaduras, ainda que não tenha trazido qualquer vitória internacional ou ganho concreto ao Brasil.
O governo Lula defendeu que países da periferia saiam do jugo dos EUA. Fez isso com a pretensão de expandir a influência brasileira no mundo mediante a relação especial que desenvolveu justamente com os desafetos de Washington, em sua maioria governos repressores de todo tipo. Para a diplomacia comandada pelo ministro Celso Amorim, os EUA de algum modo atrapalham a plena ascensão do Brasil, querendo limitálo à América do Sul.
As grandes potências temem que nações emergentes minem a ordem internacional na qual já ocupam posição privilegiada.
Tanto quanto os EUA e a Europa, na prática China e Rússia não gostariam que o Brasil ascendesse como uma potência mundial. Não é estranho, portanto, que o Brasil tenha ficado isolado no Conselho de Segurança da ONU, no qual as cinco potências se alinharam contra Ahmadinejad, incluindo a França, com quem estabelecemos parceria estratégica e passamos a importar material bélico fundamental, por exemplo, para a defesa do pré-sal.
Se o Brasil almeja de fato um assento permanente no principal foro de decisão político-militar do mundo, não seria conveniente polarizar com as potências que, ao final, podem vetá-lo. Não só isolados, podemos acabar também sendo excluídos de uma nova balança de poder. A ONU comemorará 70 anos em 2015. Seria uma excelente oportunidade para fazer as reformas multilaterais, desde que tenhamos uma estratégia diplomática mais consistente, capaz de explorar as brechas do sistema mediante propostas flexíveis.
Por sua vez, quando o governo avança em territórios longínquos acaba por descuidar-se da própria região. Colômbia e Venezuela tensionaram suas relações já bastante complicadas, e o Brasil não exerceu o mesmo empenho pela mediação se comparado à polêmica nuclear iraniana. Não podemos pretender uma liderança global sem exercê-la regionalmente, onde ela é mais possível.
Basta observar a evolução da ordem internacional para ver que um sistema de relações entre países não funciona bem, e pode acabar muito mal, quando se abdica da liderança política.
Evidentemente, o Brasil não deve alardear sua liderança, pois isso costuma gerar efeitos contrários. Mas tampouco devemos permitir ficar com o pior dos mundos, isto é, aumento da instabilidade regional, desgaste no campo dos direitos humanos e deterioração na qualidade das exportações.
Lembremos as sucessivas quedas no saldo da balança comercial, que em nada se coadunam com uma diplomacia realmente pragmática e interessada no pleno desenvolvimento do país.
Em vez de mandar carta aos países da ONU pedindo para aliviar a vida dos tiranos, o Itamaraty deveria considerar os efeitos perversos de longo prazo, relacionados a uma política externa que de algum modo apoia regimes de força.
A infeliz frase “negócios são negócios” pode um dia ser usada contra o Brasil, um país sem grande poder militar, com riquezas tão vastas quanto as suas vulnerabilidades.
Um mundo sem princípios não é do nosso interesse.
MARCELO COUTINHO é professor de Relações Internacionais da UFRJ.

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