terça-feira, maio 24, 2011

O "povo unido" despreza partidos

O "povo unido" despreza partidos
CLÓVIS ROSSI - FOLHA DE SÃO PAULO - 21/05/11
Nem a eleição na Espanha amanhã segura protestos contra partidos e políticos, inspirados no mundo árabe
A ESPANHA faz amanhã eleições autonômicas e municipais. O partido que governa o país desde 2004 (PSOE, Partido Socialista Operário Espanhol) vai tomar uma baita surra, a julgar por todas as pesquisas.
Mas essa não é a notícia. Notícia é exatamente o oposto: o nascimento, uma semana antes da votação, de um movimento que não acredita que eleições possam mudar as coisas e fazer cessar as causas pelas quais se dizem indignados (um dos nomes do movimento, também chamado de 15M, pela data em que nasceu, ou "Democracia Real Já").
A moçada (58% têm até 35 anos) ocupa as principais praças de 60 cidades espanholas e 14 no exterior, inclusive a vizinha Buenos Aires. Hoje haverá ato em frente ao consulado espanhol em São Paulo.
O movimento de massas chocou todo o establishment, de partidos políticos à mídia, passando pelos sindicatos e pelas ONGs.
Natural: é uma reprodução das rebeliões nos países árabes (inspiração não negada pelos organizadores), mas que ocorre em um dos países mais democráticos do planeta, com amplo espaço para reivindicações, protestos e com um calendário inabalável de eleições, o modo convencional de mudar políticas. O problema está justamente aí: o modo convencional não está funcionando, como o indica o nome oficial do movimento ("Democracia Real Já").
Desconfiança que vem de longe, como explica o assessor de comunicação Antoni Gutiérrez-Rubí, em artigo para "El Pais": "Três de cada quatro cidadãos têm opinião negativa ou muito negativa dos partidos e dos políticos" (agentes óbvios de qualquer democracia). Mais: "Ocupados com o poder -em mantê-lo ou conquistá-lo- renunciaram, demasiadas vezes, à legitimidade das ideias". (Você tem alguma dúvida de que ambas as frases se aplicam, na integralidade, ao Brasil?).
Da desconfiança em relação aos partidos diz bem um dos cânticos das praças de Espanha, uma nova versão para o clássico de esquerda "o povo unido jamais será vencido". Cantam agora "o povo unido funciona sem partidos". (Ouvir-se-á no Brasil em algum momento?).
Que há um ar de esquerda nos acampamentos montados em toda a Espanha, parece inegável.
Mas, escreve para o "Guardian" o jornalista Miguel-Anxo Murado, o movimento "em última análise representa a frustração daqueles que veem que, votem como votem, as políticas econômicas são ditadas pelos mercados".
(No Brasil de 2002/03, votou-se por Lula mas governou-se com políticas aprovadas pelos mercados. Deu certo, é verdade, mas dava certo também na Espanha, tanto que o PSOE ganhou a reeleição em 2008, ano em que a crise eclodiu e devastou o país, vítima hoje de obscenos 20% de desemprego).
Convém lembrar que, além das revoltas árabes, também em Portugal e na Grécia, há protestos nascidos longe dos canais usuais (partidos, ONGs, sindicatos).
É cedo para dizer se esses movimentos algo anárquicos terão permanência ou serão apenas um "happening" meio indignado, meio festivo. Mas que são um sopro de ar fresco, é inegável, de que dá prova um dos cartazes vistos na "Puerta del Sol" de Madri: "Abram o cérebro tão frequentemente como o zíper da calça" (não parece alusão ao episódio Strauss-Khan).

O ataque à camareira


O ataque à camareira
DRAUZIO VARELLA - FOLHA DE SÃO PAULO - 21/05/11
Pena o ex-dirigente do FMI não ter amigos dos EUA , eles o teriam advertido para não dar mole ao azar
NOS HOTÉIS, os homens americanos tomam a precaução de sair quando a camareira entra para arrumar o quarto.
Vão tomar um café, dão a volta no quarteirão, aproveitam para comprar o jornal, ver o sol, a neve ou os carros que passam, mas no quarto não ficam de jeito nenhum. Estão cansados de saber que no país deles acusação de assédio sexual dá cadeia.
Uma pena o ex-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) não ter amigos americanos. Eles o teriam advertido para não dar moleza para o azar; teriam dito que Nova York não é local seguro para realizar fantasias sexuais, nem mesmo para o futuro presidente da França.
Para não negar ao acusado o benefício da dúvida, sou tentado a imaginar que ele tenha sido vítima de alguma armação ou de um "jet lag" internacional.
Homens que viajam muito correm risco de momentaneamente perder a noção do lugar em que se encontram. Digo por experiência própria, já perdi tempo em Salvador procurando uma livraria de Recife.
Ludibriado pelos fusos horários e pelo fato de todos os hotéis de luxo serem iguais, quem sabe não julgou estar no Brasil ou em outro país permissivo como o nosso, no qual um homem endinheirado pode atacar as mulheres mais humildes com total liberdade.
Infelizmente para ele, nos Estados Unidos assalto sexual é considerado crime grave. Lá, dão voz de prisão, algemam e mandam o agressor para a cadeia. Seja quem for. O policial tem autoridade para prender e o juiz para julgar sem que o Poder Executivo ouse interferir, especialmente nos casos rumorosos.
Se tal incidente tivesse acontecido no Brasil, qual a probabilidade de um Don Juan fora de forma, com as ligações políticas e as características socioeconômicas do protagonista, ir parar no Centro de Detenção Provisória do Belém ou no cadeião de Pinheiros? O que diriam do passado e da conduta moral da camareira? Seria ela processada por falso testemunho?
Anos atrás visitei o presídio de Rykers Island, em Nova York. É um complexo formado por vários edifícios, bem organizado, com mais de 10 mil prisioneiros distribuídos de acordo com a faixa etária, o grau de periculosidade e o tipo de crime cometido. Faz parte do conjunto um navio antigo adaptado para funcionar como prisão, ancorado na ilha.
Pela fotografia publicada na Folha, a cela individual designada para o nosso personagem me pareceu decente: bem iluminada, com pia, vaso sanitário, cama com colchão, lençol, cobertor e travesseiro e uma prateleira para servir de apoio. De fato, é mais acanhada do que a suíte presidencial ocupada por ele dias atrás, mas não posso compará-la às dos nossos Centros de Detenção Provisória, com quatro beliches de alvenaria para mais de 20 presos.
Ao chegar a um desses xadrezes, sua excelência não contaria com o privilégio da espuma de borracha amarrotada de uma das camas, muito menos com travesseiros, lençóis, sabonetes e outros luxos, iria diretamente para a "praia", nome dado ao chão duro.
É lógico que não teria direito de escolher o canto que lhe parecesse mais aconchegante: seria obrigado a dormir junto ao "boi", o vaso sanitário usado pelos 25 ocupantes, até que um companheiro recém-chegado o substituísse.
Na manhã seguinte seria abordado pelo "piloto", o manda-chuva do raio, que lhe solicitaria amavelmente uma contribuição semanal para ajudar os irmãos que não recebem visitas, manter o programa de cestas básicas para os familiares da irmandade e cobrir as despesas de viagem das mães e esposas que visitam seus entes queridos nas cadeias do interior do Estado.
Não acho que o ex-futuro presidente da França se negaria a colaborar, é provável que até agradecesse a Deus por sua esposa não depender de auxílio da irmandade para viajar nem para receber a referida cesta, em Paris.
As autoridades brasileiras não teriam como resistir à pressão da opinião pública internacional e do governo francês para libertar seu compatriota, aprisionado em condições tão desumanas.
Por isso, caro leitor, perca as esperanças. Enquanto nossas prisões forem o que são, será mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um homem rico e influente ficar preso numa cadeia brasileira.

Nani


A camareira subversiva


A camareira subversiva
RUTH DE AQUINO - REVISTA ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Ela jamais sonhou com a fama. No espaço de uma vida, não se tornaria uma celebridade nem em seu bairro, o Bronx – quanto mais no mundo. Africana, muçulmana, mãe de uma adolescente, a camareira de 32 anos que limpava as suítes do Sofitel em Nova York já achava seu green card um privilégio. Pelas fotos divulgadas na internet, não é especialmente bonita. Mas, para brancos poderosos e prepotentes, reúne qualidades de sedução particulares: é jeitosa, negra e faxineira. Nunca denunciaria um ataque sexual. Conhece seu lugar.
Nafissatou Diallo é o nome da camareira que derrubou o francês Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor-gerente do FMI e pré-candidato socialista à Presidência na França. Algemado e com a cara de tédio típica dos parisienses, DSK deixou pelos fundos o palco das finanças e da política (leia mais) . Ele se diz inocente. Mas, pelo encontro casual com Nafissatou em sua suíte de US$ 3 mil, encara agora sete acusações, de crimes sexuais a cárcere privado. Seria a camareira uma arma secreta de Sarkozy, o futuro papai do bebê de Carla, para tirar do páreo um adversário perigoso?
O FMI nomeará um novo diretor, quem sabe uma diretora, se quiser evitar mulherengos. Os socialistas franceses estão escandalizados, mas na direção oposta. Criticam o abuso da polícia americana contra DSK, presumidamente culpado com base na palavra de uma empregada.
Eles são brancos e não se entendem. Existe um oceano, físico e cultural, entre os Estados Unidos e a França. A mídia francesa é leniente com os desvios na vida particular de seus políticos. Se DSK fosse denunciado por uma camareira em Paris, em nenhuma hipótese seria detido antes de ser julgado, por presunção de inocência. Nos EUA, há a presunção inicial de que a vítima fala a verdade.
Me interesso mais pela camareira do que por DSK. Vi muitos se perguntando: será que o ex-diretor do FMI, conhecido pela habilidade em negociações, seria tão idiota e tresloucado a ponto de atacar a moça ao sair nu do banheiro? Mas começam a emergir casos semelhantes de mulheres menos corajosas que a africana. A loura jornalista francesa Tristane Banon, afilhada da segunda mulher de DSK, tinha 22 anos em 2002 quando diz ter sido atacada por ele: “Parecia um chimpanzé no cio”. Kristin Davis, ex-cafetina americana, afirmou que uma prostituta brasileira a aconselhou a não mandar mais mulheres para ele: “É bruto”.
Africana e muçulmana, a mulher que derrubou Strauss-Kahn desafiou as regras dos poderosos
Nafissatou não sabia que aquele senhor de cabelos brancos era DSK. Está com medo, escondida, sob a proteção da polícia de Nova York. Queria ficar anônima, mas seu nome e fotos se espalharam. É filha de um comerciante da etnia peule – 40% da população da Guiné, na África Ocidental. Emigrou com o marido para os EUA em 1998. Separada, vive sozinha com a filha de 15 anos num conjunto popular no Bronx. Há três anos trabalha no Sofitel da Times Square. Tem fama de trabalhadora e séria. Uma prima, Mamadou Diallo, afirmou: “Ela é uma boa muçulmana. Realmente bonita, como várias mulheres peules, mas não aceitamos esse tipo de comportamento em nossa cultura. Strauss-Kahn atacou a pessoa errada”.
Para quem alega ser improvável que um homem tente obrigar uma mulher estranha a fazer sexo oral – afinal, é arriscado colocar-se dentro de uma boca relutante, cheia de dentes –, é bom lembrar que DSK é francês. Sexo oral na França é tão popular que, no ano passado, uma ex-ministra da Justiça de Sarkozy, em entrevista na TV, quis dizer “inflação”, mas trocou por “felação”. Ela desculpou-se dizendo ter falado “muito depressa”, mas a gafe correu mundo.
Um quarto de hotel num país estrangeiro é um hiato na vida. Artistas, políticos e executivos nômades podem interpretar suítes de hotel como lugares tão solitários e protegidos que convidam a transgressões. Estão de passagem. O mais provável é que DSK tenha se apoiado em sua soberba e na presunção de impunidade para dar vazão a seus instintos. Julgava saber de cor o manual da supremacia e da submissão. DSK não imaginava que aquela camareira fosse subversiva. Como poderia aquela emergente inverter as regras e desafiar o poder?

Sponholz


Skoob

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