domingo, maio 16, 2010

Em uma época de tanto individualismo, vale refletir.

"O mundo pertence a quem age com o coração.
Tudo o que você fizer na vida, faça com o coração.
Ponha o coração em tudo o que você faz, desde os pequenos até os grandes feitos.
Fazendo assim, você será uma pessoa bem sucedida e feliz"

J.R. GRETZ

Duas opressões e uma lápide

Duas opressões e uma lápide

Vinicius Torres Freire - FOLHA DE S. PAULO Domingo, Maio 16, 2010

Terceira Via morre sem choro nem vela, nos dias em que as vergonhas do mercadismo sucedem o vexame estatista
A Terceira Via mal foi lembrada no falecimento do governo trabalhista de 13 anos no Reino Unido. Em meio a tantos colapsos, como o das finanças públicas europeias e o dos mercados financeiros eficientes e racionais, a ruína do trabalhismo e de seu verniz, a Terceira Via, parece desimportante.
Mas há algum interesse num epitáfio da dissolução da social democracia no mar de indiferença e pragmatismo que se tornou a política tradicional. Se é que restou outra.
A Terceira Via foi ao governo com a ascensão de Tony Blair, premiê britânico, em 1997. Pode-se dizer que vinha sendo teorizada desde o início dos 1990 pelo sociólogo Anthony Giddens. Era uma capitulação organizada da social democracia.
Nessa "Via", a redistribuição social de renda e riqueza deveria ser menos pautada pela ideia de solidariedade; deveria haver mais responsabilização individual (por exemplo, mais previdência privada). O Estado deveria se retirar ainda mais da economia. Enfim, a finança liberalizada, a competição dos "emergentes" e o custo crescente do Estado de bem-estar social europeu impunham, dizia-se, limites à universalização de direitos. Era preciso mais "produtividade" e "competitividade".
Mais cedo, houvera a rendição do Partido Democrata, sob Bill Clinton.
Mais tarde, a social democracia alemã foi pelo mesmo caminho. O socialista François Mitterrand, empossado em 1981 com pouco mais a propor do que estatização tola, recuara já em 1983. Claro, a França não seguiu a via britânica. Mas parou de produzir inovação social e intelectuais "humanistas".
As novidades políticas foram poucas desde então. O ambientalismo se expandiu, na versão egocêntrica-eurocêntrica ("vamos preservar nossos jardim e saúde") ou na primitivista (regressiva, anticapitalista ingênua), assim como as políticas identitárias (sexo, etnia, culturas, guetos etc.). Racismo e extremismo ressurgiram. O terrorismo justificou dentadas nas liberdades individuais.
Nunca houve tanta democracia no mundo? Verdade. Mas num momento em que eleitores e governos nacionais podem muito pouco.
A Europa "terceirizada", da Terceira Via, cresceu pouco como nunca desde a Segunda Guerra. Os EUA, desde Clinton, passaram a viver de bolhas e dívidas, montados na supremacia do dólar e na inventividade de sua finança. Mas a primeira década do século 21 foi a de menor crescimento desde a Segunda Guerra. Aumentou a desigualdade. Os salários reais ficaram estagnados.
A desmoralização do estatismo, de suas ineficiências e opressões, totalitária ou burocrática, foi sucedida pela laudação do mercadismo. Pela supremacia da finança, um oligopólio global capaz de produzir opressão, sob outra forma, ademais capturando o Estado para se sustentar. A Terceira Via foi um breve e medíocre rótulo para uma situação de fato, a transição para o esvaziamento da política. Ou seja, do pragmatismo eleitoreiro e economicista como forma quase única de política.
É irônico que esse fantasma da social democracia desapareça numa era em que ficaram mais que evidentes as falácias dos dois polos da política dos últimos cem anos, "Estado" e "mercado", dois meios de opressão. O que há adiante? Nada?

Metáfora da vida

Metáfora da vida

A Copa do Mundo, a convocação da seleção brasileira e os discursos ufanistas de Dunga e Jorginho despertaram opiniões e sentimentos contraditórios. As discussões estão nas ruas e na mídia, não só na esportiva. As análises refletem os diferentes comportamentos humanos.
Nas discussões técnicas, existem os que concordam com as escolhas de Dunga e com seu jeito operatório e obsessivo pelo resultado. Acham que só assim os jogadores terão raça e disciplina para ganhar o Mundial.
Outros criticam a falta de ousadia, de flexibilidade e de comprometimento do técnico com a beleza, com a qualidade do jogo e com as características e a história do futebol brasileiro.
É preciso lembrar, para não ser injusto, que não foi Dunga quem mudou o estilo brasileiro. Houve, durante décadas, uma progressiva transformação em nossa maneira de jogar. O Brasil exportou a fantasia e a habilidade e importou a força física, o pragmatismo e a disciplina tática. Os europeus levaram vantagem na troca. Ficou quase tudo igual.
Há ainda os que apoiam o discurso estreito e nacionalista de Dunga e suas costumeiras palavras, como patriotismo, comprometimento, doação, superação, e os que detestam essa postura e expressões, como "temos de sangrar e sofrer", "se não gostam de mim, que gostem do Brasil", e tantas outras idiotices.
As diferentes coberturas da imprensa despertam também variadas preferências. Um dos lemas da TV Globo é "Nosso esporte é torcer pelo Brasil". Parece discurso de Dunga. Deve aumentar a audiência.
Como todo treinador da seleção, logo após a convocação para o Mundial, e todo presidente, depois de ser eleito, Dunga, com uma camisa verde, e outra amarela, foi ao Jornal Nacional para ser entrevistado ao vivo. Faz parte.
Outros preferem assistir, ler e acompanhar a cobertura em uma imprensa mais crítica, que não vai para torcer, e sim para informar e analisar com independência.
Há os que dizem que a mídia mais otimista, mais tolerante e menos crítica faz parte da imprensa oficial. Já outros falam que a mídia mais crítica é muito pessimista, mal humorada, derrotista, que só vê o lado ruim e que torce contra a seleção brasileira.
Imagino que há muitas semelhanças entre os que apoiam as escolhas e os discursos de Dunga com os que preferem acompanhar o Mundial em uma imprensa mais otimista e tolerante. Da mesma forma, devem ser parecidos os que detestam as preferências e ufanismos de Dunga com os que gostam de uma mídia mais crítica.
Existem ainda os que misturam suas escolhas. Gostam do técnico Dunga, mas não gostam do discurso de Dunga, ou vice-versa. Assistem a todos os tipos de cobertura da imprensa para fazer suas escolhas. Gostam e criticam todas.
Há ainda os que não têm nenhuma ideologia. Decidem pelo hábito, pelo prestígio, pela propaganda e pelo que outros disseram. Não escolhem. São escolhidos. Talvez seja a maioria.
Alguém, fanático por esporte, já disse que o futebol é a verdadeira linguagem universal do mundo, uma metáfora da vida, do comportamento e da dualidade humana.

Mãe: ser ou não ser

Mãe: ser ou não ser

Certas mulheres dariam a vida para poder ver um filme na sessão da tarde, no lugar de cuidar dos filhos
UM ASSUNTO que não passa de moda: os menores de rua que assaltam, cometem atrocidades, matam. E vêm os especialistas dar palpites: que eles não tiveram um lar, uma família em que o pai chegasse do trabalho e pacientemente perguntasse como foram as aulas e ainda brincasse um pouco com o filho -ou os filhos- antes do jantar. Na cabeça desses teóricos, as panelas estariam fumegando em cima do fogão, e a mãe, cheia de alegria, poria o jantar na mesa, tendo o cuidado de desligar a televisão enquanto comessem, para que a família pudesse conversar, trocar ideias.
Só que as coisas não costumam ser bem assim, a não ser em filmes americanos. Esse pai pode estar chegando do seu segundo emprego, depois de 45 minutos em pé num ônibus, exausto, e só querendo uma coisa na vida: tomar um chuveiro e se espichar na cama em paz, sem ter que trocar uma só palavra com ninguém, muito menos com uma criança, mesmo que seja seu filho. Quanto à mãe, mesmo que não trabalhe, teve que passar o dia inteiro passando roupa e tomando conta de uma ou duas crianças, o que não é fácil.
Criança solicita o tempo todo, corre riscos o tempo todo - de cair da janela, de derrubar a panela com água fervendo, de escorregar no chão e se machucar, e chora por qualquer coisa, até por nada. Certas mulheres dariam a vida para ver um filme na sessão da tarde, no lugar de cuidar dos filhos, e é bom que se saiba que isso não é crime nenhum.
Vamos falar a verdade: existem mulheres com uma grande vocação para a maternidade, e outras sem nenhuma. Algumas, que já são mães de dois - porque eles costumam vir um logo depois do outro-, talvez estejam sonhando com um vestido que viu numa vitrine, talvez preferissem estar numa faculdade, ou trabalhando, ganhando seu dinheiro e perseguindo sua própria vocação.
Mas não podem pensar em um vestido novo porque não têm dinheiro, em estudar, porque não têm com quem deixar as crianças, e muito menos em trabalhar. O instinto maternal existe em todas as mulheres, mas a vocação para a maternidade é outra coisa, que nem todas têm.
Hoje em dia isso é admitido, e já existem muitas mulheres que escolheram não ter filhos e assumem isso com a maior naturalidade. Há cem anos isso seria inadmissível, mas hoje é normal; apenas uma questão de escolha.
O difícil é descobrir essa falta de vocação cedo; as que se casam aos 20 anos nem pensam nisso, mas as mulheres que estão se casando mais tarde querem ter uma carreira, aproveitar a vida, e antes dos 30, 35, não têm a menor vontade de fundar um lar.
E mesmo com todas as pílulas, diafragmas e camisinhas, as crianças continuam nascendo, talvez porque ninguém pare para pensar se realmente quer ter um filho - com todas as alegrias e problemas que ele traz.
Esse é um assunto para ser muito pensado, para que as crianças não cresçam entre pessoas que prefeririam estar dançando numa discoteca -o que é direito de qualquer um- a estar acordando de noite para trocar uma fralda ou botar um termômetro.
É bom pensar antes, e muito, para que haja mais possibilidades de que todos sejam felizes - a mãe, o pai e os filhos.

Do enxoval à mortalha

Do enxoval à mortalha
WILSON FIGUEIREDO - JORNAL DO BRASIL - 16/05/10
AO REFERIR-SE AO BRASIL, que não lhe merece respeito, o presidente Lula tem sido mais cuidadoso quando fala para fora do que quando se dirige aos brasileiros como se falasse sozinho. Usa a arte de não falar para ninguém. Em princípio, trata com desenvoltura do Brasil que inventou para uso pessoal e consumo alheio. Mas geralmente não cuida do país que conhecia de raspão e não lhe deve retribuição pelo que conseguiu antes dele e pelo que colherá depois. Governos passam, e pouco fica. Lula não aguentou, entre duas derrotas eleitorais, valer-se do gabinete de ficção política para acompanhar o governo alheio e adiantar o aprendizado que a pressa interrompeu.
É um governo em trânsito. Desde que chegou ao poder, e depois de resolver o problema do mensalão, não teve mais do que se queixar. A oposição se resignou à balela da fatalidade histórica, e não sobrou ao presidente Lula sequer um companheiro da velha guarda em condições de fazer carreira à sua sombra. Trabalhou bem e se resguardou ainda melhor. Nem Stalin conseguiu tanto com tão poucas baixas.
E em muito menos tempo.
Na sua faixa de onda predileta, o tom coloquial que sintoniza o presidente com maior número de brasileiros pela língua geral que costurou a unidade nacional (com a colaboração nunca assaz louvada do feijão, do futebol e peculiaridades exclusivas). Luiz Inácio Lula da Silva não perde oportunidade de ser mais Lula do que Silva. A curto ou a longo prazo, tanto faz, sempre está fazendo investimento político e colhendo resultados alheios. E acomoda novos admiradores, como acaba de suceder ao candidato social tucano José Serra, que o proclamou acima do bem e do mal, onde ele, Lula, monopoliza os benefícios sociais e deixa para a oposição a culpa pelos males passados e futuros. Os presentes estão sob controle oficial. Por enquanto, seus cálculos não ultrapassam a barreira de 2014, como já está. Dilma sabe que está condenada a abrir mão do segundo mandato como quitação do primeiro (claro, se lhe cair ao colo). A exceção é o preço a pagar pela recaída eleitoral que veio para ficar, até a República se lembrar dos fundadores que exorcizaram a reeleição. Foram cem anos imunes.
Falta agora, mas não é prioridade, o presidente confirmar a cada dia que não precisa mais preocupar-se com a eleição presidencial.
Já considera favas contadas para o PT a sucessão que ele reboca enquanto a oposição, sem sair do lugar, se esfalfa para gaguejar a mesma língua, travada pela falta de sotaque popular.
Do lado oficial, a cada curva fechada, os petistas insatisfeitos com as concessões de princípios no varejo político vivem o desconforto de divergências menores, que se multiplicam nas complicações estaduais atreladas à estratégia federal. Aí também Lula vende, simbolicamente, otimismo a perder de vista para inadimplentes e executados. Já ficaram pelo caminho muitos candidatos cuja vitória Lula anunciou em vão e ninguém lhe cobrou. Os que discordam vão caindo fora e abrindo espaço aos pragmáticos, que não se queixam e se arrumam a esse preço módico. Para Lula, está tudo dominado, como se diz morro acima e abaixo, desde que desceu sobre o primeiro ato, ou primeiro mandato, a insubstituível cortina da aparência para tirar de cena o mensalão. De dois mandatos presidenciais, não sobrou nenhum companheiro com quem dividir os encargos do poder e as vantagens compensatórias.
Esta sucessão já está no papo, foi o que o presidente declarou em razoável português (ou, mais provável, em dialeto portunhol) ao jornal espanhol El País. Uma cortina de fumaça disfarça pormenores que tendem a crescer com o aprofundamento das diferenças e semelhanças que, ao invés de somar, incompatibilizaram o petismo e a social-democracia. Lula faz a sua parte, aqui dentro ou lá fora, com os dons e dotes que trouxe da vida sindical, enquanto espera a candidata Dilma Rousseff firmar-se nas próprias pernas e aprender a falar, sem sotaque burocrático, língua de gente que supre de votos urnas insaciáveis, que decidem eleição. Dilma está demorando a se desfazer das pequenas gafes com as quais uma candidata, invertendo a ordem dos fatores, compromete o produto: pode fazer mais depressa a própria mortalha do que o enxoval para a solenidade de posse.

PIBRJ Culto Vespertino do dia 16 de Maio de 2010

MARIA BETHANIA " DEPOIS DE TER VOCÊ "

Augusto Frederico Schmidt

Soneto

Eu queria chorar pelos que não choram.
Eu queria chorar pelos olhos secos,
Pelos olhos que são fontes
Onde as mágoas se purificam e se libertam.
Eu queria chorar pelos corações feridos
E que sangram obscura e silenciosamente.
Eu queria chorar pelas almas mártires
Que estão invisivelmente entre nós.
Eu queria chorar pelos indiferentes
E pelos que escondem num sorriso
As decepções de uma incompreendida bondade.
Eu queria chorar pelas almas fechadas,
Pelas almas que são como os desertos
E que não conhecem a liberdade das lágrimas.
Augusto Frederico Schmidt
 (1906-1965)

Histórias e dilemas da vida jurídica na internet

Histórias e dilemas da vida jurídica na internet
Por Fabiana Schiavon
Profissionais do Direito tem a rotina repleta de histórias e casos únicos. Para não guardar essa experiência só nos autos, muitos deles descobriram o blog como forma de divulgar seus pensamentos. Na internet, juízes trocam não só jurisprudência, mas conceitos jurídicos, comportamentais e sociais que presenciam na sua rotina. Promotores usam a rede para receber denúncia, trocar dados e se aprofundar em temas polêmicos.
O blog de Gerivaldo Neiva, juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité, na Bahia, é um dos que chama atenção. Das mais de 160 mil visitas que a página já recebeu, permanece como mais lida, desde 2007, a sentença que retrata o caso de um marceneiro que teve problemas com um celular recém-comprado. Em forma de conto, ele relata no documento todo o dilema do humilde marceneiro e seu desafio de tratar com o atendimento da empresa que lhe responde apenas que trata-se de “placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e microprocessador”. No fim da sentença, justifica a linguagem: “No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro”.
Leia o trecho final da sentença:
Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu “extra petita”, quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.
No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.
Nos seus textos, Neiva relata os momentos de crise da justiça estadual, como a greve dos servidores judiciários e a descoberta de que alguns servidores recebiam valores adicionais chamados de “remuneração paradigma”, “vantagens pessoais”, “comissões”, “diárias”. O juiz também publica sua agenda atualizada de compromissos.
Ivan  Sartori, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, mantém o blog atualizado com a pauta e decisões do órgão Especial do TJ paulista, além de publicar artigos e informações sobre o maior tribunal do mundo. O último texto trata das dimensões da Justiça paulista e a responsabilidade que o tribunal carrega.
“São, outrossim, cerca de 700.000 feitos aguardando julgamento em segundo grau e, em média, 30.000 que todos os dias úteis ingressam em ambas as instâncias (cf. estatística citada). Esses dados lembram a imensa responsabilidade que assola a Justiça Comum Paulista, não só de prestar a jurisdição adequadamente, na acepção humana do termo, diante de tamanha demanda, mas também de buscar seu aprimoramento, em face da grave defasagem operacional que a acomete”
O blog de Rosivaldo Toscano Junior, da 2ª Vara Criminal, de Florianópolis, comenta os dilemas do país, transforma casos do judiciário em causos e poesia. O campeão de audiência nesta semana, segundo ranking do próprio bloqueiro foi o texto Exorcismo Judicial. Nele o juiz conta a história do juiz que tinha como vizinho uma igreja evangélica. Acontece que o horário das audiências na vara coincidia com o das sessões de exorcismo da igreja, as quais ocorriam em meio a um alarido infernal. O juiz usou de todos os meios para fazer chegar ao pastor vizinho o incômodo que causava o barulho das sessões no bom andamento das audiências judiciais. O desfecho do caso, nas palavras do autor, deu-se assim: 
Na igreja, uns trinta fieis, todos ajoelhados, mãos para o alto ou em direção ao altar. Uns gemendo, outros chorando, olhos fechados e gritando chavões religiosos. No altar de dois batentes, o corpo de uma jovem se debatendo no chão e o pastor tentando, com dificuldade, manter a mão sobre a testa da adolescente.
- Sai, demo, beuzebu, sete capas. Sai agora em nome do Senhor!
De repente entra um ser alto, forte e todo de preto. Sua capa, ao olhar dos que estavam em vias de êxtase, pareceria com o da própria figura do coisa-ruim. E ele brada, com uma voz ensurdecedoramente grave e irritada:
- Dá pra parar com essa esculhambação?!
Cadeiras pra todo lado, fieis saindo pela janela, gritaria total. O apocalipse chegou àquele local. Até a jovem que se debatia ao chão despertou assustada e correu.
Foi a primeira vez que se viu um juiz exorcista!
Há três anos, Marcelo Semmer, juiz de Direito, criou o blog Sem Juizo - “A justiça vista por dentro. O direito além da lei”. Na página, ele mostra seu ponto de vista sobre os assuntos em pauta como o novo Código de Processo Civil, ativismo judicial e abre espaço para artigos de colegas. Nesta sexta-feira (14/5), ele postou o seguinte artigo criticando o abuso da propaganda oficial, que vai muito além da propgapagna partidária ou eleitoral:
Se é verdade que hoje assistimos a um sem-número de inserções do governo do Estado de São Paulo pela TV, também é certo que fomos brindados recentemente com uma enormidade de publicidades de empresas federais, debaixo do slogan comum “um país de todos”. Como aquelas em que a Petrobrás explica quão feliz será o Brasil, quando começarmos a extrair petróleo do pré-sal. Ou até o novo modelo de pronunciamentos oficiais de final de ano, que, sob o manto da prestação de contas, elaboram um ufanista balanço das próprias realizações.
Que os partidos gastem tempo de propaganda política elogiando seus governos, se entende. Mas os cidadãos precisam pagar por este tipo de publicidade, que sempre aumenta vertiginosamente às vésperas da eleição? Quanto nos custa este “direito à informação”?
Nem só de juízes, vive a web jurídica. O promotor Vladimir Aras, do Ministério Público Federal, mantém o Blog do Vlad atualizado sobre as principais questões do Direito criminal e da lavagem de dinheiro. "O Blog do Vlad é especializado em Justiça criminal, processo penal, segurança pública, direitos humanos, criminalidade organizada, lavagem de dinheiro, terrorismo e cibercrimes. Aqui se faz crônica judiciária, mas também se fala de outros assuntos, mais amenos. Afinal, “o crime não compensa”. Pelo menos não deveria compensar…", avisa ele na capa do blog. O também professor da Universidade Federal da Bahia utiliza o espaço para abrir debate com os alunos. Um de seus últimos textos fez uma longa análise sobre o júri dos acusados de matar o cacique guarani-kaiowá, Marcos Verón, em que ele próprio, alegando defender o direito dos índios de ter um julgamento em guarani, abandonou o julgamento e provocou a suspensão da sessão. No blog, ele assim resumiu o episódio:
Resumindo mesmo…
Parou por quê? Paramos porque vimos uma forma de violência cultural. Já não se tratava apenas de conseguir a condenação dos três acusados. Ali já se punha uma questão com significado sócio-jurídico bem maior. No júri, fomos até onde deu. O demais era direito do outro, direito indisponível e inegociável.
No Blog do Promotor, Saad Mazloum comenta notícias, projetos de lei e nova regulamentações da Justiça. Membro do Ministério Público de São Paulo, ele utiliza a internet como canal com a população para receber denúncias, reclamações e apurar dados. O promotor trata o noticiário com seriedade:
Retrocesso
Um retrocesso na área processual penal. Pode ser o fim do poder investigatório do Ministério Público em matéria criminal. A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou proposta (
Projeto de Lei 4306/08) do deputado Alexandre Silveira que torna obrigatório o inquérito policial para a apresentação de denúncia pelo Ministério Público, sempre que a notificação do crime não contar com os elementos suficientes para a ação penal.
Pelo texto atual do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41), o inquérito policial é dispensável e o Ministério Público pode se valer de outros elementos ou peças de informação para formar sua convicção.
Mazloum criou também o Blog do Ônibus para apurar informações sobre atrasos nas linhas da cidade. Nele, além de coletar dados, ele também presta serviço à população, reclamando de buracos de rua para a prefeitura e listando os endereços de todos os vereadores conectados no Twitter.
Já o juiz Tadeu Zanoni, 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco que manteve o  blog Jura?? por cinco anos, desistiu da função. No seu último post, ele confessa que se rendeu ao Twitter, onde encontrou um meio mais rápido de se comunicar: 140 caracteres. O juiz se diz satisfeito com tudo o que já escreve em sua rotina. “Jornalista é que gosta de blog. Talvez o que não possam escrever no emprego normal seja desviado para o blog. No meu caso, que escrevo nos autos, que tenho muitos autos para escrever (despachar, decidir e sentenciar), não posso dizer que tenha tanta coisa reprimida para despejar aqui”, argumenta. Na página, Zanoni mostrava seu outro lado. Publicava contos, comentava seus filmes e vídeos favoritos e outras experiências. A deserção é uma pena. O juiz é bom de prosa, como atesta um de seus últimos post:
DESPEDIDA DO PADRE
O Padre no jantar de despedida pelos 25 anos de trabalho ininterrupto à frente de uma paróquia discursa:
- A primeira impressão que tive da paróquia foi com a primeira confissão que ouvi. A pessoa confessou ter roubado um aparelho de TV, dinheiro dos seus pais, a empresa onde trabalhava, além de ter aventuras amorosas com a esposa do chefe. Também se dedicava ao tráfico de drogas e havia transmitido doença venérea à namorada... Fiquei assustadíssimo! Com o passar do tempo, entretanto, conheci uma paróquia cheia de gente responsável, com valores, comprometida com sua fé, e desta maneira tenho vivido os 25 anos mais maravilhosos do meu sacerdócio.
Chega o prefeito para entregar o presente da comunidade, prestando a homenagem ao padre. Ele pede desculpas pelo atraso e começa o discurso:
- Nunca vou esquecer do dia em que o padre chegou à nossa paróquia. Como poderia? Tive a honra de ser o primeiro a me confessar....
Silêncio total... 

Leandro, no Diário de Guarulhos



Lei do inquilinato: novas regras, velhas práticas

Lei do inquilinato: novas regras, velhas práticas

Maria Clara Serra
As mudanças na Lei do Inquilinato entraram em vigor há quase quatro meses e pouca coisa mudou até agora. A dispensa da figura do fiador — o principal benefício da nova lei — não se concretizou. Esse tipo de garantia continua sendo a mais utilizada no mercado. O crescimento da oferta de imóveis, outro efeito espera
do da legislação, ainda não foi suficiente para atender à demanda, sustentando a valorização do mercado. Segundo representantes do setor, o que falta é mudar a cultura da locação: 
— Essas mudanças levam tempo para serem assimiladas, ainda mais por se tratar de um bem durável — disse o diretor-presidente da Protel Administradora, Alfredo Lopes. 
Rômulo Mota, vice-presidente jurídico do Secovi Rio, concorda com Alfredo e acrescenta: 
— O que falta é o mercado saber como os juízes vão interpretar a lei, mas já tivemos uma decisão pauta
da nos novos critérios, e isso é um bom indício. 
A previsão do setor de locações, em geral, é a de que a nova lei modifique concretamente as relações entre inquilino e proprietário, a partir do ano que vem.
Quem paga: locador ou locatário?
Seja com garantia de fiador ou de seguro-fiança, os contratos de locação acabam empurrando o ônus para o colo do inquilino. A prática, bastante comum no mercado, entretanto, encontra barreiras na lei.  O advogado especializado em mercado imobiliário Hamilton Quirino afirma que, Seja com garantia de fiador ou de seguro-fiança, os contratos de locação acabam empurrando o ônus para o colo do inquilino. A prática, bastante comum no mercado, entretanto, encontra barreiras na lei. 
O advogado especializado em mercado imobiliário Hamilton Quirino afirma que, segundo o Artigo 22 da Lei do Inquilinato (8.245/1991), cabe ao locador pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e as de intermediação, como a taxa de cadastro, que verifica a idoneidade e a situação financeira do fiador. 

Costume é outro  Na prática, porém, não é assim que funciona. Imobiliárias grandes, pequenas e até mesmo o Secovi confirmam que a cobrança é feita, na maioria das vezes, ao pretendente do imóvel.
— Em geral, o locatário é quem paga as taxas de análise de crédito e de idoneidade — afirma o gerente geral da corretora de seguro APSA, Marcos Murad. 
Se o contrato tiver como garantia o seguro-fiança, entretanto, os custos passam a ser obrigação do futuro inquilino, pois é ele quem está firmando uma relação jurídica com a seguradora, esclarece Quirino.

A punição indigno Garzón à mídia internacional

A punição indigno Garzón à mídia internacional
Grandes jornais acreditam que a decisão do Judiciário mostra que a justiça espanhola não soube superar os fantasmas do passado
Iñigo Aduriz Textos Ana Delicado, Antonio Lafuente, Iñigo Sáenz de Ugarte e Schäfer Thilo

A decisão do Conselho Superior da Magistratura (CGPJ) para suspender Baltasar Garzón desencadeou fortes reações em todo o mundo. Sua imagem na sexta-feira no Tribunal de Justiça Nacional entre os aplausos de seus pares e da indignação das vítimas de Franco que muitos esperaram na rua, já circulou o mundo e os meios de comunicação de maior prestígio internacional levantaram e tentaram a mesma resposta Pergunta: Como é possível que um juiz que tenha desenvolvido justiça universal sentar no banco dos réus por investigar Franco?

A (contra) ameaça nuclear

A (contra) ameaça nuclear
LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES

Uma análise serena do caso do Irã indica que o governo do país pretende cumprir as promessas de uso pacífico do enriquecimento de urânio

A NÃO PROLIFERAÇÃO insiste no erro de considerar que as armas nucleares são desenvolvidas com intuito de ameaçar. A história mostra que a busca pela sua posse é dissuasória, muito mais resposta a uma ameaça percebida do que preparação para uma agressão.
A carta Einstein-Szilard foi o catalisador do Projeto Manhattan, que desenvolveu as primeiras armas nucleares. Ela afirmava ao presidente Roosevelt que a arma nuclear era viável e o incentivava a dar início a um programa para desenvolvê-la.
Sua justificativa era o perigo da Alemanha nazista ser a primeira a desenvolvê-la, e a certeza de que ela a usaria assim que a tivesse. A gênese dessas armas se encontra, então, na resposta a uma ameaça percebida.
A análise dos casos de proliferação subsequentes, Rússia, Grã-Bretanha, China, França, Israel, Índia, Paquistão e África do Sul, mostra que isso ocorreu em resposta a uma ameaça percebida pelos respectivos governos.
O abandono das armas por África do Sul, Ucrânia, Cazaquistão e Belarus ocorreram porque esses países não tinham percepção de ameaça que justificasse sua posse.
Na Coreia do Norte, a proliferação se origina na queda do Muro de Berlim, em 1989, e a quase certeza de que o "muro" do paralelo 38 cairia em seguida.
O regime busca sua perpetuação tentando extorquir ajuda e reconhecimento. A "dinastia Kim" sabe que a hipótese de uso de suas armas, de eficácia duvidosa, representaria o fim do regime, o que ela não quer.
A teocracia iraniana sempre se sentiu ameaçada pelos EUA, que apoiavam o governo deposto pela "revolução verde". As relações entre o Irã e os EUA nunca se normalizaram.
A ocupação da embaixada dos EUA em Teerã e o resgate de reféns no governo Carter até hoje requerem desagravo. À ameaça americana somou-se a ameaça iraquiana.
Durante e após a guerra entre os dois países, Saddam buscava a arma nuclear. A segunda Guerra do Golfo, em 2003, mostrou que o Iraque não tinha armas nucleares, graças aos controles da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) após a primeira Guerra do Golfo. A ocupação do Iraque levou as tropas americanas à fronteira oeste do Irã, quando elas já se encontravam na fronteira leste, após a ocupação do Afeganistão, depois do ataque terrorista do 11 de Setembro. Isso amplificou em muito a ameaça percebida. A resposta foi o desenvolvimento do enriquecimento de urânio.
Ao contrário da Coreia do Norte, o Irã sempre afirmou seus fins pacíficos. Sua maior autoridade religiosa declarou que a arma nuclear contraria os preceitos do islã, desqualificando as pregações pela "bomba islâmica" dos anos 70.
Uma análise serena do caso indica que o governo iraniano pretende cumprir as promessas de uso pacífico.
O Irã busca a capacitação na produção do material que poderia ser produzido para fabricação de uma arma. É muito pouco provável que realmente venha a produzi-lo, já que isso certamente implicaria na queda do regime islâmico, dada a justa reação internacional que sobreviria.
A AIEA propôs ao Irã a troca de seu urânio enriquecido a 3,5%, para usinas nucleares, por combustível para o reator de produção de radioisótopos de uso médico, enriquecido a 20%. O enriquecimento seria feito na Rússia, e o combustível, fabricado na França.
Note-se que o Brasil é o único país não dotado de armas nucleares que já produziu, sob controle da AIEA, urânio a 20%. Esse urânio foi usado para fabricação do combustível do reator IEA-R1, de São Paulo, similar ao reator de Teerã.
O Irã rejeitou a proposta, por não confiar na intermediação de duas potências dotadas de armas nucleares, e anunciou o início do enriquecimento a 20% em suas instalações.
Face à intransigência do Irã, a comunidade internacional, liderada pelos EUA, segue no momento a receita usual de aumentar o nível de ameaça, brandindo sanções severas.
Essa postura sofre a influência do objetivo maior de descontinuar o apoio material e financeiro que o Irã fornece às facções palestinas, que têm impedido a paz no Oriente Médio.
Esse aumento no nível de ameaça, se corretamente dosado, pode levar o Irã a retornar às negociações sobre a proposta da AIEA.
Se for acima da dose, incluindo ações militares "cirúrgicas", estimularia o governo iraniano a descumprir as promessas que vem fazendo.
A não proliferação nuclear deve ser buscada pela negociação da redução do nível da ameaça percebida pelo país proliferante, e não por atos de força que possam levar à morte milhares de pessoas.

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES é membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
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