domingo, setembro 12, 2010

Mimetismo

Mimetismo

Danuza Leão - FOLHA DE S. PAULO

Quase todos os homens usam barba, Erenice é a cara de Dilma, Marta e d. Marisa estão parecidas
Lula está histérico; um recém-chegado ao Brasil que o tenha visto no programa eleitoral acreditaria que o PSDB é que tinha violado o sigilo de altos dirigentes do PT, da filha de Dilma, do seu genro, e não o oposto do que se suspeita.
É muita cara de pau. A maneira como ele se refere aos outros candidatos é baixa, sem nenhum respeito; será que é demais querer para presidente alguém mais educado?
Até agora, Dilma está, segundo as pesquisas, à frente dos outros candidatos, mas a possibilidade de haver um segundo turno tira Lula do sério. Sempre se soube que ele era um mau perdedor, e agora se anuncia também como um (possível) péssimo ganhador. E alguém acredita na investigação da Polícia Federal?
Na quebra do sigilo telefônico da funcionária da Receita? Em alguma coisa que envolva esse governo?
Além de todos os meus medos, agora tenho um novo: de que Lula exploda feito um homem bomba num palco qualquer, com o microfone na mão, tal a raiva e o ódio que não consegue esconder -nem tenta. O presidente não se conforma em ser contrariado, não admite ser derrotado, e sua fúria, quando supõe que isso possa acontecer, é a de um animal com raiva -a doença- em seus piores momentos.
Em suas metáforas, passou da ignorância, até compreensível, à grosseria e à boçalidade.
Já acreditei que o PT fosse o partido da ética, diferente de todos os outros; alguém lembra? E me sinto uma total idiota, por não ter ouvido o que me diziam os mais experientes da política, que um governo Lula se tornaria quase uma ditadura stalinista - e um dos que me disseram isso foi Brizola.
Sou viciada em programa eleitoral, mas na hora do PT, tiro o som. As caras sinistras e os dedos apontando me fazem mal. O mesmo mal que eu sentia quando via Collor (não por acaso, agora aliados).
Para alguns, é mais fácil empunhar uma metralhadora do que um adversário, e Dilma continua se escondendo, não indo aos debates, não falando sobre o assunto. E se ela ganhar?
Lula é bem capaz de dizer, se achando o próprio D. Pedro 1º, "já que é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico".
O PT sofre de mimetismo. Quase todos os homens usam barba, Erenice é a cara de Dilma, Marta Suplicy e d. Marisa estão parecidíssimas, e os estoques de botox estão se acabando. Menos, gente, menos.
Além da eleição, tenho outra grande preocupação: qual será o destino dos oito pitorescos vestidos verde e amarelo que Marisa Letícia usou nos oito desfiles de 7 de Setembro, para comemorar o Dia da Independência e saudar o povo?
Não deixa de ter sido uma bela contribuição à República, mas como esses vestidos nunca poderão ser usados em nenhuma outra ocasião, aí vai a sugestão: como existe um movimento para transformar a casa tombada dos Paula Machado, na rua São Clemente, em Instituto Lula (para imitar Fernando Henrique), um pequeno espaço poderia ser destinado a esses vestidos, para que as futuras gerações entendam o que foram os anos Lula.
Um museu tipo o de Carmem Miranda; sem tanta graça, é verdade, mas também, a seu modo, histórico.
Mas por que logo no Rio? Por que não em São Bernardo?

Um país mais igual e mais justo

Um país mais igual e mais justo
SUELY CALDAS - O Estado de S Paulo
Na última semana, a divulgação de três pesquisas relativas ao Brasil e uma confissão histórica de el comandante Fidel Castro resumem, com raro senso de oportunidade, certas mudanças - ocorridas no mundo e na economia brasileira - que se complementam e desenham a realidade vivida hoje. Embora com 20 anos de atraso, a confissão do ditador cubano, de que o modelo econômico comunista fracassou e "não funciona mais nem em Cuba", enterra o penúltimo refúgio do sonho marxista-leninista. O último é a Coreia do Norte, já que a China é hoje considerada economia de mercado - embora no plano político ainda conviva com a ditadura do partido único, o Partido Comunista Chinês.
A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade. É o que o filósofo italiano Norberto Bobbio chama de "utopia invertida" ao se referir à União Soviética: "Na primeira vez em que uma utopia igualitária entrou na história, passando do reino dos discursos para o reino das coisas, acabou por se transformar em seu contrário." Mas também é Bobbio a completar: "O comunismo histórico faliu, mas o desafio por ele lançado permaneceu."
Pois bem, é este desafio - perseguir o ideal de igualdade - que o mundo e o Brasil passaram a viver depois da queda do Muro de Berlim, em 1989. E é o desafio retratado nas pesquisas divulgadas há dias. Vamos a elas.
Falta saneamento, sobram celulares - A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 expõe situações extremas de um Brasil que chegou à modernidade de suprir 85% da população com telefones, mas não consegue derrotar um velho e trágico atraso: só 59% da população tem acesso a água e esgoto tratados. Ou seja, já entrou no hábito corriqueiro dos pobres se comunicar a distância pelo celular, mas 41% deles continuam convivendo com valas, fossas mal cuidadas, toda sorte de sujeira e risco de contrair doenças graves por falta de saneamento básico. Por que a diferença?
Há dez anos, telefonia também era um bem com que os pobres não ousavam sonhar. Mas tudo mudou com a privatização da Telebrás, em 1998. Metas de investimento privado definidas pelo governo possibilitaram a massificação do serviço e tarifas acessíveis para o celular pré-pago. Hoje 85% da população é servida por telefone.
Está aí um bom desafio para um novo governante preocupado com o ideal de igualdade: quem sabe, privatizando o setor de saneamento e definindo metas de investimento para as empresas, não consegue obter o mesmo êxito da telefonia?
Fora saneamento, educação e saúde, a Pnad tem mostrado evolução positiva dos indicadores sociais do Brasil, desde o Plano Real e a derrota da inflação, em 1994. E provado que o presidente Lula erra ao atribuir sucessos ao seu governo e fracassos aos que lhe antecederam, como se construir um País dependesse de um único homem. O exemplo está na Pnad: a renda média real do trabalhador vem crescendo nos últimos anos, e em 2009 chegou a R$ 1.106 - a melhor marca do governo Lula. Mas não conseguiu ultrapassar o período do rival Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1998, que sucedeu a queda brusca da inflação, com pico de R$ 1.144, em 1996.
Brasil preferido das múltis - Pesquisa anual da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) com 236 empresas multinacionais e 116 agências de promoção de investimentos colocou o Brasil na terceira posição entre os países de maior interesse de investimentos do mundo, ultrapassando os Estados Unidos, pela primeira vez. É claro que o abalo da crise econômica sobre os países ricos teve influência nesse resultado: dos cinco primeiros colocados, quatro são emergentes - China, Índia, Brasil e Rússia no quinto lugar (o quarto é Estados Unidos). E 9 dos 15 países preferidos das múltis estão em regiões emergentes.
Mas é verdade também que, desde o Plano Real, o País soube manter a sua economia organizada e, nos últimos anos, o mercado interno ampliou e ganhou pujança, atraindo investimento externo. Felizmente, Lula não cumpriu a promessa de "mudar tudo o que está aí" e não seguiu os caminhos da Venezuela, da Bolívia e do Equador, que têm afugentado o investimento externo. Ao contrário dos tempos de economias socialistas fechadas, atualmente, criar empregos, gerar renda, produzir progresso e promover igualdade social implica atrair, não expulsar, o investimento estrangeiro.
E, diferentemente do que apregoam há mais de uma década ideólogos socialistas - como Fidel Castro e os do PT, no Brasil -, a globalização não prejudicou os países pobres na crise de 2008. Ao contrário, ela ajudou a dar a César o que é de César, ou seja: se foram os países ricos que a provocaram, que paguem pelos seus efeitos.
Brasil menos competitivo - Mas, se o Brasil ganha na preferência dos investidores, perde em competitividade. Típico de país não consolidado, o Brasil tem vulnerabilidades que já poderia ter superado ou reduzido, não fosse o governo Lula se orientar pelo interesse político-eleitoral ou por convicções ideológicas ultrapassadas, que acabam favorecendo a persistência da desigualdade social.
Pesquisa do Fórum Econômico Mundial rebaixou o Brasil da 56.ª para a 58.ª posição no ranking das 139 economias mais competitivas do planeta. Contradição com a pesquisa das múltis? É claro que não. Essa, do fórum, destaca pontos positivos e negativos de cada país. E o Brasil perde justamente naqueles em que progredia lentamente e que no governo Lula sofreram recuos graves e, pior, desnecessários. Corrupção, descrença da população nos políticos, desvio de dinheiro público, crescimento do endividamento, carga tributária e spread bancário elevados, falta de flexibilidade no mercado de trabalho e péssima regulação econômica são algumas taxas negativas que colocam o Brasil na lanterna em competição.
É na busca da superação desses pontos, invertendo a direção de Lula, que o novo governante deve atuar, se quiser ajudar a construir um país socialmente mais igual e mais justo.
JORNALISTA, É PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR

Paisagem de Outono


Fotografia por Kurasovas Olegas

A flor e o espinho - Paulinho Moska

Tesouro ameaçado

Artes
Tesouro ameaçado
Carlos Henrique Braz – Veja Rio
Marco da arquitetura moderna brasileira, o Palácio Gustavo Capanema padece com a falta de manutenção
Fachada principal da antiga sede do Ministério da Educação: elevadores enguiçados e calor infernal
Enquanto alguns dos principais cartões-postais cariocas recebem melhoramentos, como o choque de ordem nas praias, a reforma do Maracanã e a restauração do Cristo Redentor, uma relíquia do Centro padece com a má conservação. Parada obrigatória para estudantes de arquitetura e turistas que não se limitam ao lugar-comum em suas visitas, o Palácio Gustavo Capanema, que foi sede do antigo Ministério da Educação e Saúde, exibe problemas por todos os lados (veja o quadro abaixo). Logo no térreo, uma área de aproximadamente 100 metros quadrados está há um mês isolada com fitas de advertência, devido à queda de uma placa de revestimento. Para piorar, outras partes ameaçam desabar. Esse é o ponto crítico do prédio, mas não o único motivo de preocupação. Na fachada voltada para a Rua Araújo Porto Alegre, telas de náilon azul poupam os pedestres de ser atingidos por pedaços de cimento-amianto, que há seis anos vêm se desprendendo das lâminas dos para-sóis. Na área interna, as agruras nem sempre são tão aparentes, mas há infiltrações, os detectores de fumaça não funcionam e os elevadores vivem quebrados. “Por ser de caráter emergencial, estamos licitando a modernização dos elevadores, no valor de 3 milhões de reais”, afirma Carlos Fernando Andrade, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um dos órgãos ocupantes do edifício e responsável por sua preservação, uma vez que ele é tombado.
Representante da arquitetura moderna, em oposição ao academicismo predominante à época, o palácio uniu em seu projeto o franco-suíço Le Corbusier, um dos artífices daquele movimento, a um escrete brasileiro das pranchetas, formado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão e Jorge Machado Moreira. Erguida entre 1936 e 1945, a construção trouxe uma série de inovações aos padrões vigentes. Ela se sustenta sobre pilotis de 10 metros de altura, uma forma de integrá-la à rua e dar-lhe leveza, bem diferente dos caixotões de concreto que acolhiam ali perto os ministérios da Fazenda e do Trabalho. A fachada principal é envidraçada de ponta a ponta, e a ala posterior tem a proteção de para-sóis. No terraço e na cobertura do mezanino, destacam-se os jardins suspensos concebidos por Burle Marx. A conexão com as artes é, de fato, marcante. No prédio, estão ainda seis painéis de azulejos e quatro afrescos de Candido Portinari, esculturas de Bruno Giorgi, Celso Antonio e Alfredo Ceschiatti, além de uma galeria, uma sala para espetáculos e uma livraria. De todo o “acervo”, apenas uma pequena parte das obras não é acessível ao público, caso do painel Brincadeiras Infantis, de Portinari, situado no 2º andar.
Com tanta história e simbolismo, era de esperar que sua manutenção fosse contínua. Infelizmente, não é o que acontece. Por ser um bem tombado, qualquer intervenção no palácio passa pelo crivo do Iphan, o que resulta numa dificuldade extra. Apenas três dos dezesseis pavimentos ainda estão com persianas. Por força da lei, elas só podem ser restauradas ou trocadas por outras exatamente iguais, o que explica a demora. Outro mal crônico diz respeito ao sistema de refrigeração. Não há ar-condicionado central e é proibido instalar aparelhos nas janelas ou rebaixar o teto para a colocação de dutos de ventilação. Nos meses mais quentes, funcionários chegam a desmaiar por causa do calor intenso que os ventiladores não são capazes de atenuar. Após a resolução dos problemas na propriedade, para atrair o turista ainda será preciso superar a questão da segurança. O Centro é uma das regiões com maior ocorrência de roubos a transeuntes. Em junho, houve 129 registros desse crime, contra 46 verificados em Copacabana, para citar outra localidade carioca de grande afluxo de visitantes.
A despeito dos inconvenientes, o Iphan lançou recentemente na Unesco a candidatura do Palácio Gustavo Capanema a Patrimônio Histórico da Humanidade. Anexado ao processo seguiu um dossiê elaborado por uma equipe da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, destacando o valor do complexo e detalhando as intervenções necessárias para deixá-lo impecável. Incluída na agenda de compromissos, a reforma está orçada em 35 milhões de reais e dará continuidade às obras iniciadas em 1995 e concluídas quatro anos depois, que recuperaram algumas áreas internas, rebocos e painéis. Tudo leva a crer que o pedido terá a simpatia do órgão, pois a Unesco é a mais recente inquilina do imóvel, somando-se ao próprio Iphan, à Fundação Nacional de Artes (Funarte), a representações ministeriais e a outros condôminos. Resta saber se, com o apoio dos novos ocupantes, a conservação de um espaço tão relevante vai finalmente sair do papel.
Problemas por toda parte
Flagrantes do mau estado de conservação do edifício, tanto dentro quanto na área externa

Revestimento
Uma placa de pedra gnaisse despencou da parede lateral do mezanino e outras estão soltas

Para-sol
Há lâminas quebradas e falta manutenção ao equipamento que diminui o calor e a luminosidade

Ar-condicionado
O prédio sofre com o calor. Um sistema de refrigeração do tipo split foi vetado pelo Iphan

Elevadores
Os seis ascensores funcionam precariamente e ficam sujeitos a panes constantes

Detectores de fumaça
Instalado em 1996, o equipamento de prevenção contra incêndio está quebrado

Cobertura
No 16º andar, há pisos quebrados e as pastilhas que revestem as salas e a caixa-d’água estão se soltando

Infiltrações
Os jardins sobre o mezanino provocam umidade no teto da galeria e do auditório

Persianas
Só três dos dezesseis pavimentos têm a proteção, ainda assim em péssimo estado

Pátio
Seu piso exibe pontos quebrados pelas raízes das árvores

Vandalismo
Embora os azulejos de Portinari estejam bem conservados, há pilastras com placas soltas e que exalam odor de urina

Dessemelhanças

Dessemelhanças
Merval Pereira - O GLOBO
Na sabatina do GLOBO com o candidato tucano José Serra, uma pergunta de Arnaldo Bloch levantou um tema que tem predominado no debate político nos últimos anos: quão realmente semelhantes são os projetos de PT e PSDB e, na atual conjuntura eleitoral, se realmente tanto faz votar em Dilma ou Serra para presidente.
Serra pareceu genuinamente espantado com a comparação, como se o ofendesse, e definiu com sarcasmo as opiniões de dois ícones da cultura moderna brasileira.
Chico Buarque dizer que tanto faz se vencer Dilma ou Serra seria positivo para ele, Serra, já que Chico Buarque apoia declaradamente Lula e diz que votará em Dilma por causa dele.
Já o cineasta Cacá Diegues dizer que Serra e Dilma representam a mesma coisa é um mau sinal para Serra, que foi companheiro dele na UNE e esperava que tivesse uma opinião mais favorável a seu respeito.
Serra ainda alfinetou tucanos que defendem a aproximação com o PT, classificando-os de animais mais exóticos do que o normal.
Claro que Serra está sob o fogo cerrado de uma campanha que luta desesperadamente para não naufragar já no primeiro turno e não está disposto a abrir a guarda para o adversário, mas o fato é que existem tucanos de alta plumagem, como o ex-governador de Minas Aécio Neves, que trabalham com a ideia de uma aproximação com o PT num eventual governo Dilma.
E existem governistas importantes, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos, do PSB, que defendem essa aproximação como maneira de neutralizar a força que o PMDB terá.
A decisão da Executiva Nacional do PT de proibir a coligação com o PSDB em Belo Horizonte, quando Aécio e Fernando Pimentel negociaram o apoio conjunto a uma candidatura do PSB à prefeitura em 2008, mostrou, porém, como é difícil esta aproximação.
Quando pensou em fundar um partido político, Fernando Henrique Cardoso procurou Frei Betto, ex-assessor especial do presidente Lula. Pensava utilizar a experiência com as Comissões Eclesiais de Base (CEBs) para fundar um partido socialista.
Frei Betto não se interessou pelo projeto, que considerou elitista, e se engajou mais tarde na criação do Partido dos Trabalhadores.
O PSDB nasceu assim sem as bases operárias que caracterizam os partidos socialdemocratas europeus. E o PT, visto por muitos como tendo evoluído para um partido socialdemocrata, nos últimos anos do segundo governo Lula viu crescer novamente a força do grupo que ainda defende uma utopia socialista como o objetivo final.
O PT tem uma antiga diferença com a Internacional Socialista, que reúne os maiores partidos da socialdemocracia do mundo, que apostou no PDT de Leonel Brizola como seu representante no Brasil.
Por influência de Brizola, o PSDB foi rejeitado na Internacional, sob a alegação de que se aliara à direita para governar, mas o crescimento da importância do PT com Lula, e o declínio do PDT com a morte de Brizola fazem com que Lula seja reconhecido como o principal líder da esquerda brasileira.
Mas o PT precisará definir-se ideologicamente entre o papel que o mundo vê para Lula, de representante de uma esquerda socialdemocrata, e a guinada socialista defendida por setores importantes do partido.
PT e PSDB, de tantas características comuns, repartem nos últimos anos também a mesma acusação, a de serem udenistas, o que, no jargão político, significa moralista, golpista.
O PT, apelidado de UDN de macacão por Leonel Brizola, durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso viveu atrás de escândalos e até o impeachment do presidente pedia.
Chegando ao governo, sofreu com o próprio veneno e acusa o PSDB de golpismo.
Serra relembrou na sabatina do GLOBO que, ao contrário, o PSDB, procurado por emissários petistas para negociar na crise do mensalão, em 2005, aceitou não pedir o impeachment de Lula.
São tortuosos os caminhos que levam a uma união, e muitos os obstáculos que se opõem a ela, sendo PT e PSDB partidos que têm origem semelhante, mas que foram se distanciando nas práticas.
Serra hoje tem razão ao dizer que os partidos são muito diferentes, embora já tenham sido mais próximos em alguns momentos do próprio governo Lula. Fernando Henrique surpreendeu quando revelou que, fazendo a transição para o governo Lula de maneira republicana reconhecida pelo próprio presidente eleito em 2002, esperava que o PT chamasse o PSDB para governarem juntos.
Lula, no início do governo, chegou a acenar com essa possibilidade, mas há obstáculos importantes dentro dos partidos, a começar pelas brigas internas em São Paulo, onde estão os principais líderes políticos dos dois lados.
Mas há principalmente a visão do papel do Estado de cada um, que é fundamentalmente diferente, embora os dois sejam favoráveis a uma atuação direta nos setores sociais, como a formação da rede de proteção social que começou com o PSDB e foi ampliada pelo Bolsa Família do PT.
Uma das diferenças é exatamente essa: o PSDB acha que programa social bom é o que diminui a cada ano, e não o que aumenta.
Reduzir o número de famílias abrangidas pelo Bolsa Família significaria que muitas delas teriam sido incluídas no mercado de trabalho, o que significaria o sucesso do programa.
O governo Lula, ao contrário, festeja o aumento para 11 milhões dos bolsistas, numa visão assistencialista, na opinião dos tucanos.
O aumento da máquina estatal, e seu aparelhamento pelos militantes petistas, é outro ponto fundamental de discordância entre os dois grupos políticos, com o PT dizendo que apenas fortalece a máquina estatal que a visão neoliberal do PSDB desmontou, e os tucanos acusando os petistas de usarem politicamente o Estado, abrindo mão da eficiência e não evitando desperdícios do dinheiro público.
Nessa campanha eleitoral, com a quebra dos sigilos fiscais de pessoas ligadas ao PSDB e parentes do candidato José Serra, essa desavença chegou a seu ponto máximo.

Miguel, hoje no Jornal do Commercio (Recife/PE)

Dois pontos e uma dúvida

Dois pontos e uma dúvida
Míriam Leitão - O GLOBO – 11/09/10
As duas propostas de oposição foram discutidas no GLOBO nas sabatinas da candidata Marina Silva, do PV, e do candidato José Serra, do PSDB. Elas são diferentes. Serra acha que o país corre risco de desindustrialização. Marina teme o desenvolvimento que não veja a urgência da questão climática. A ausência da candidata Dilma Rousseff é um espantoso desrespeito ao debate democrático.
Em duas horas de conversa com cada um dos candidatos de oposição deu para falar de vários pontos de suas ideias e projetos, mas um fato inevitavelmente dominou a conversa: o escândalo da quebra sequencial de sigilos de contribuintes em geral, e de pessoas ligadas ao candidato José Serra, em particular.
Marina foi até mais direta e assertiva sobre o tema: a sociedade ficou desamparada pelo presidente da República, que, quando vem a público falar do assunto, não defende as vítimas, apenas a sua candidata, disse ela. Pelo fato de ser mulher, Marina tem até mais naturalidade para desmanchar a tese de machismo defendido pelo presidente Lula. De acordo com o tortuoso pensamento, que Lula defendeu em palanque, exigir esclarecimento do assunto é um ataque à mulher. O que o assunto encerra é outro tipo de questão: agressão aos direitos dos cidadãos.
- No primeiro momento foi indignação, e agora o sentimento é de impotência. O secretário, o ministro e o presidente da República esqueceram que temos duas mil pessoas com sigilo violado e ele saiu em defesa de quem não teve o sigilo violado - disse Marina, defendendo em seguida sua tese da "banalização do dolo".
Serra ao falar do assunto elabora menos e fala mais do fato em si que o atingiu diretamente. Repetiu que avisou ao presidente Lula, quando disse a ele que seria candidato, que informações que constavam apenas das declarações de renda da sua filha estavam circulando por blogs ligados ao governo. Rechaçou a tese presente em algumas declarações de autoridades de que se "quebrou de todo mundo" então "não tem importância".
A candidata Dilma Rousseff, se tivesse vindo, poderia ter explicado melhor todo esse nebuloso episódio. De preferência, se saísse do script que tem repetido que é se apresentar como vítima no episódio, quando as vítimas são, obviamente, as pessoas espionadas.
José Serra usou a expressão "envelope fechado" para se referir ao pensamento de Dilma Rousseff. O país não a conhece, na opinião dele, e votar nela é como escolher um envelope fechado. Marina acha que Dilma aposentou o eleitor e só se preocupa com o "anfitrião".
O país, de fato, vive uma anomalia nesta eleição: o mais empenhado dos políticos em campanha não é candidato, está no cargo da Presidência, usa todos os poderes, facilidades e simbologia do cargo para defender uma candidatura. A candidata mais bem posicionada nas pesquisas é pouco conhecida, foge, sempre que pode, de debates, entrevistas e sabatinas. Desta forma, realimenta o problema de ser a interposta pessoa em sua própria candidatura.
Para piorar, Marina passou a maior parte de sua vida política no partido do governo e carrega ainda as marcas dessa ambiguidade de ser e não ser do grupo que controla o governo atualmente; Serra, de oposição, não defende os feitos do seu próprio partido quando estava no poder e ainda usou a foto do presidente Lula em sua campanha. Estão todos amedrontados diante do tamanho da popularidade do presidente e achando que qualquer palavra em falso pode tirar votos.
Marina acha que Dilma e Serra são muito parecidos na visão de mundo, no estilo e na proposta de se oferecerem como gerentes. No que se refere ao assunto que lhe é mais caro, o da sustentabilidade, Marina afirma que os dois representam risco ambiental para o país, a ameaça de um desenvolvimento desatualizado com as exigências do século XXI e a falta de um pensamento estratégico sobre o assunto.
- Por isso me coloquei como candidata, para mostrar que o meio ambiente não é a disputa do verde pelo verde, é uma forma de criar novos negócios, novos materiais, nova base de conhecimento, produzir mais com menos recursos naturais - disse.
Marina acha que nenhum dos dois oponentes entendeu esse mundo novo.
Serra também disse que se apresentou como candidato para preparar o Brasil para o século XXI.
- Hoje, não temos fundamentos sólidos para o desenvolvimento sustentado. Essa eleição vai decidir o que vai acontecer com o país, com a sociedade e a economia neste século. Foi essa percepção que me levou a ser candidato.
Ele acha que o modelo econômico do governo Lula está esgotado. Que ele teve a chance de uma situação extremamente favorável e não aproveitou para criar as bases desse crescimento sustentado.
- No governo anterior, os preços dos produtos de exportação caíram 10%, no governo Lula subiram 110%. É uma situação inédita desde os anos 30. Mas o país está se desindustrializando, está dependendo mais da exportação de matérias-primas e está aumentando o déficit externo.
O "desenvolvimento sustentável", para Marina, significa incluir a variável ambiental e climática dentro de uma estratégia de crescimento. O "desenvolvimento sustentado", para Serra, significa ter uma política de juros mais baixos, câmbio mais valorizado, maior poupança interna, menor déficit em transações correntes.
São dois pontos. A dúvida é o que realmente pensa Dilma Rousseff. Seus silêncios e suas contradições deixam um vazio no ar.

Deixa “a mulher" falar, presidente!

Deixa “a mulher" falar, presidente!
RUTH DE AQUINO - é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro - raquino@edglobo.com.br
Lula é hoje talvez o brasileiro que menos confia na capacidade de Dilma Rousseff de andar com os próprios pés, falar com a própria boca, pensar com a própria cabeça. O rompante demagógico e sentimental do presidente no dia 7 de setembro atropelou sua candidata. Na TV, Lula afirmou que associar o PT à quebra de sigilo fiscal de parentes de José Serra é “um crime contra a mulher brasileira”. Não, presidente, a violação do sigilo é um crime contra a Constituição. Crime contra a mulher é outra história.
Mais chato e pernicioso que o jogo de empurra entre personagens menores na Receita com nomes mirabolantes como Adeildda, que fuçam como tatus a vida de milhares de cidadãos e falsificam assinaturas, é esse discurso sobre a mulher intocável e santa. Quando os debates começaram, Lula disse que esperava de concorrentes e entrevistadores “mais delicadeza” com Dilma, por ser ela do sexo feminino. Também afirmou que “finalmente o país está preparado para ter uma mulher como presidente”. Como se antes não estivesse. E como se ser mulher fosse pré-requisito para uma boa Presidência. A vizinha Cristina Kirchner não nos deixa mentir.
Agora, o paternalismo do presidente tornou-se patético. Dilma foi jogada para escanteio, numa rouquidão providencial, seguida do nascimento tuitado do primeiro neto. Lula deu uma de macho, falando por uma ex-ministra que nada tem de frágil, conhecida pelo temperamento forte e por um passado de luta contra a ditadura. Em seu ufanismo pontuado pelo Hino Nacional, de terno e broche da Presidência, Lula fez-se de vítima e infantilizou seus eleitores, tratando-os como analfabetos desprovidos de raciocínio.
Como chamar a oposição de “turma do contra”, sem amor pelo país, que “quer destruir tudo o que foi feito”, se o adversário José Serra, à revelia ou não do PSDB, adotou um discurso atabalhoado de continuidade e quis pegar carona nas conquistas sociais do presidente? Lula não tentou destruir tudo o que foi feito por FHC. Ao contrário, manteve a política econômica do governo anterior e caiu de amores por impostos que considerava “assalto ao povo”, como a CPMF. Quando fala da “zelite” para o povão, Lula omite que os banqueiros estão entre os mais satisfeitos com o governo do PT. Esse é o maniqueísmo favorito do ex-sindicalista. Ricos contra pobres. Doutores contra operários. Uma dicotomia falsa no Brasil de hoje, felizmente.
Nenhum presidente de outro partido ousaria mexer no que está dando certo. Um exemplo positivo, a comemorar, é a contínua redução da desigualdade. Apesar da crise internacional, 1 milhão de brasileiros deixaram de ser pobres no ano passado, nos cálculos da Fundação Getulio Vargas.
O paternalismo de Lula é patético. Ele é quem menos confia na capacidade de Dilma andar sozinha
A atitude intempestiva de Lula não é novidade para quem acompanha seus oito anos de mandato. Sua incontinência verbal se aprofundou e hoje resvala no vulgar. Chamar os Estados Unidos de “elefante que se borra para o rato” é uma expressão não apenas gratuita e ofensiva. Ela não faz jus ao relacionamento adulto entre os dois países. Lula tem dito impropérios, mas pede “equilíbrio”. A baixaria é de quem?
Dilma era considerada pelo próprio PT um poste, por jamais ter disputado uma eleição. Hoje é favorita, pelo milagre da transferência de votos, mas também por seus próprios méritos. Dificilmente esse escândalo obscuro pode mudar o panorama. Os números explicam isso. Somente 40 milhões no Brasil declaram Imposto de Renda. Mas, dos 130 milhões de eleitores, 54% são analfabetos, analfabetos funcionais ou não terminaram o ensino fundamental. E a maioria deles idolatra Lula.
Sob pressão de seu mentor, Dilma disse em comício em Goiás que “eles (os tucanos) estão com medo de uma mulher dar certo”.
Governar não é uma questão de gênero. Ser presidente da República é o desafio de uma vida. Se eleita, Dilma vai querer imprimir sua marca e não se conformará em ser vista como interina, esquentando cadeira para a volta de Lula após quatro anos sabáticos.
Conseguirá o “pai dos pobres” calar-se e deixar o país em suas mãos de mulher? Ou exigirá guarda compartilhada?

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