domingo, novembro 07, 2010

Diana Pequeno - Blowing in the wind

Ronaldo


Heranças e desafios

Heranças e desafios
Alberto Dines - JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O compromisso inaugural e os primeiros passos da presidente eleita, Dilma Rousseff, confirmam a manutenção de uma perturbadora questão. Mantida em surdina durante a campanha eleitoral, transformada em principal desafio para os próximos dois anos está contida numa pergunta que ninguém ousou enunciar com clareza: será este o terceiro mandato do presidente Lula?
É certo que Lula entregará a faixa e abandonará a desgastante rotina palaciana, não há menor sombra de dúvida de que transferirá todos os ônus de comandar um vulcão em estado de ebulição e abulia, simultaneamente novo e encarquilhado. Entregará o poder, aquele poderzinho chato traduzido em ocas cerimônias, abraçinhos falsos e inúteis protocolos.
Sossegará, é óbvio. Ou melhor, baixará a pressão. É o que recomendam em uníssono os estrategistas e cardiologistas. Mas conseguirá interromper a compulsiva falação? A sucessora é uma incansável operadora, não tem o gosto de falar, não exibe o prazer da eloquência que tanto marca o seu guru.
Lula será capaz de abandonar o palanque - seu habitat, refúgio e SPA - onde aboletou-se há mais de três décadas e se sente tão estimulado? O presidente é um animal político. Político e perorador. Conseguirá interromper a compulsiva falação? Seu narcisismo e sua sedução manifestam-se preferencialmente através da goela. Seus lampejos, achados e estalos sempre foram retóricos. Também as armadilhas onde se enredou.
E enquanto falar, presidirá, mandará. Mesmo sem presidir ou mandar. Será ouvido, mesmo sem alto-falantes. E obedecido cegamente. Se os seus adversários durante a campanha não ousaram enfrentar o mito Lula, as sucessivas esferas do novo governo serão ainda mais sensíveis aos mínimos desejos. Não por submissão, mas como homenagem.
Errou a oposição, erraram os profetas, enganaram-se os juristas, iludiram-se os analistas, cometeram um haraquiri coletivo aqueles que consideram imperiosa a alternância do poder para revigorar a democracia e, não obstante, permitiram que o presidente Lula ao longo de dois anos atropelasse todos os ritos e compromissos do sistema democrático para disputar um pleito para ele interdito pela constituição.
Lula foi o super-candidato, ele era o alvo do plebiscito, impossível fingir que, de repente, deixará de existir ou evaporar. Será difícil, quase impossível evitar que a partir de 1º de janeiro não adotemos uma versão disfarçada, sutil - evidentemente em outra esfera - da Fórmula K (de Kirchner) tragicamente interrompida em 27 de outubro na Argentina.
A presidente eleita Dilma Rousseff merece todo o respeito, seus méritos pessoais não podem ser negados, a fibra é indiscutível, o charme logo aflorará. Mas Lula será sempre o mito. E os mitos não vivem no futuro. Eles se alimentam com o presente.
Alberto Dines é jornalista

Qual oposição?

Qual oposição?
José Álvaro Moisés - O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Densidade eleitoral, ela tem. Falta sinalizar claramente para o País as alternativas que representa
Os resultados da competição eleitoral provocaram, como seria de esperar, euforia e júbilo do lado dos vencedores, e perplexidade e mal-estar do lado dos derrotados, mas enquanto no primeiro caso a presidente eleita se esforça para emitir sinais sutis de que pode introduzir mudanças na orientação do novo governo, no caso da oposição são ainda tênues e insuficientes as indicações de que o recado das urnas foi assimilado. Satisfeitos, de alguma maneira, com o fato de que o PSDB e o DEM conquistaram dez governos estaduais, representando mais da metade do eleitorado do país, as primeiras manifestações dos dirigentes desses partidos não mostraram se e como eles avaliam as causas de suas derrotas em 2002, 2006 e 2010 na disputa pelo comando do Estado. A necessidade de se reinventar para estabelecer novas bases de diálogo com os eleitores está demorando para sensibilizar os dirigentes da oposição.
A questão não é simples e envolve uma preocupação relevante: a democracia não pode funcionar adequadamente sem uma oposição robusta, vigorosa e competente. Como observaram Robert Dahl e Giovanni Sartori, entre outros, a democracia é o regime da participação popular e da contestação política, mas além de supor eleições livres e competitivas, ela depende também da existência de uma oposição suficientemente autônoma e forte para ser capaz de limitar o poder e controlar o desempenho da maioria. A oposição não pode impedir a maioria de existir e agir, mas ela tem de ter acesso a meios institucionais adequados para avaliar a legitimidade da atuação do governo e ser capaz de defender os direitos das minorias. Mais do que isso, a oposição tem de ser capaz de sinalizar para a sociedade a qualidade das alternativas que ela defende, de modo que os cidadãos, em sua condição de eleitores, possam avaliar e julgar os governos a que estão submetidos; isso, no entanto, não pode ser apresentado apenas durante as campanhas eleitorais, tem de ser parte do cotidiano da política.
Importante em qualquer democracia, isso é mais ainda em uma sociedade marcada por tantas diversidades sociais, culturais e políticas como o Brasil, em que o vencedor das eleições presidenciais se elege com pouco mais da metade dos votos válidos, mas tem de governar também para a outra metade da nação que opta tanto por alternativas políticas diferentes, como pela não-escolha (abstenções somadas aos votos brancos e nulos no 2° turno deste ano foram mais de 28%, representando mais de 36 milhões de eleitores). Assim, se envolve cooperação entre forças políticas distintas, a democracia também depende de que posições conflitantes sejam toleradas, possam se expressar e estejam representadas no sistema político. Essa exigência depende de que a lei e as instituições a assegurem, mas a garantia de seu funcionamento depende muito da existência de uma oposição ativa.
Nas democracias consolidadas, o sucesso da oposição está associado a fatores como a sua coesão interna, a preservação de sua identidade e a capacidade de sinalizar que se constitui em alternativa, ao mesmo tempo, viável e melhor do que a oferecida pela coalizão governante. Nos últimos oito anos, no entanto, a oposição ao governo Lula e ao PT, centrada no PSDB, no DEM e no PPS, não conseguiu atender direito a esses requisitos: a disputa interna por posições de poder, a dificuldade de assumir um perfil político diferente da coalizão governante e a ausência de projetos capazes de sinalizar as mudanças econômicas, políticas e sociais necessárias ao estágio atual do País não ajudou a oposição a conquistar o coração e as mentes da maioria dos eleitores brasileiros. Exemplos disso foram as três últimas campanhas presidenciais: como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB virou as costas para a sua história, deixou de lado as conquistas alcançadas em seus dois governos e foi incapaz de explicar por que a estabilidade econômica, o controle da inflação e as privatizações eram parte de um mesmo projeto de desenvolvimento e bem-estar da sociedade. Menos transparente ainda foi a posição quanto a programas como o Bolsa-Família: primeiro, pareceu que a oposição recomendava abandonar o programa por seu caráter assistencialista, sem apontar o caminho para se enfrentar a dependência política que ele de fato cria; depois, na campanha, o programa foi objeto de promessas de expansão, agora sem indicar como romper com o assistencialismo e torná-lo parte de um projeto social e econômico mais abrangente.
Muitas das dificuldades para se constituir em alternativa política competitiva se devem ao fato de os partidos de oposição não terem se enraizado na sociedade, sendo incapazes de captar os sentimentos e os anseios de seus diferentes segmentos. Diferentemente do PT, o PSDB, o DEM e o PPS não conseguiram mobilizar e recrutar a classe média, os estudantes, os intelectuais e os artistas, os empresários - para citar apenas setores usualmente mais interessados na participação política; mais espantoso ainda é o caso do PSDB, partido auto-definido como social-democrata, mas que nunca se esforçou para formar uma base sindical sólida que lhe permitisse disputar com as demais forças a condução do movimento; nem mesmo quando os sindicatos brasileiros foram recooptados pelo Estado, no governo Lula, as vozes da oposição foram fortes o suficiente para mostrar à sociedade civil as implicações antidemocráticas dessa tendência neo-corporativista.
Preferindo agir quase que exclusivamente no âmbito do Congresso Nacional (na produção de leis, normas jurídicas e políticas públicas), a oposição tampouco se esforçou em trazer para o debate público o fato de que, diante das enormes prerrogativas reservadas ao Executivo pela Constituição de 1988, ela tem as suas mãos atadas. Não são apenas as MPs que travam a ação do Congresso, mas também as prerrogativas presidenciais únicas de iniciar leis, pedir urgência urgentíssima para suas matérias e elaborar o orçamento da união; por isso, o Executivo tornou-se o grande legislador da democracia brasileira, limitando muito o exercício das funções de fiscalização e controle do parlamento. A atuação da oposição, em anos recentes, foi insuficiente para enfrentar esse nó institucional, tendo faltado suas iniciativas para debater a questão com a sociedade - o que, em parte, deixou o Congresso Nacional isolado e objeto de enorme desconfiança pública.
Um grande desafio ronda, portanto, a oposição nos próximos anos: a sua capacidade de se reinventar. PSDB, DEM, PPS, e agora também o PV, terão de encontrar os seus pontos de convergência e cooperação, mas como ocorreu outras vezes na história terão de ir ao povo se não quiserem desaparecer. A questão não pode, no entanto, ser simplificada por uma razão conhecida: em muitos aspectos, a coalizão liderada pelo presidente Lula se apropriou em políticas que tinham sido introduzidas pelo governo FHC, deixando a oposição em uma situação difícil, como se não tivesse bandeiras próprias. A oposição não soube explicar isso ao País e um dos seus desafios, agora, será reconhecer que parte das bandeiras social-democratas está sendo realizada pelo PT e descobrir, nessa situação complexa, o seu papel diferencial: que políticas econômicas e sociais de longo prazo podem ser apresentadas pela oposição? Quais as suas vantagens e viabilidades? E como traduzir isso para uma maioria de eleitores aparentemente satisfeita com as políticas desenvolvidas pelas coalizões dirigidas por Lula e o PT?
Essas questões serão, por certo, objeto de novas propostas de gestão de parte da oposição, uma vez que apontem para o projeto de sociedade que se deseja construir, mas talvez o modo mais eficaz dela se reapresentar à sociedade seja avançar também em um terreno em que o PT e o presidente Lula têm deixado a desejar: na defesa e no aprofundamento da democracia representativa. Não há dúvida de que temos democracia no Brasil, mas em várias áreas a qualidade do regime é de baixa intensidade: o império da lei ainda não está plenamente estabelecido, alguns direitos de cidadania valem mais para alguns segmentos do que para outros e os mecanismos de avaliação e controle do desempenho dos governos (accountability horizontal e vertical) ainda funcionam precariamente. Além disso, há áreas de claro déficit de representação: o sistema de eleição proporcional não assegura uma relação adequada entre representantes e representados, e os mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais, além de torná-las excessivamente caras, são fonte de corrupção e de desconfiança dos cidadãos. A oposição pode mostrar como essas distorções contrariam os princípios de liberdade e igualdade; e empunhar, entre outras propostas, a bandeira do voto distrital e da recuperação da autonomia do Legislativo, propugnando, sem medo de acusações de udenismo, pela introdução de mecanismos mais rigorosos de combate à corrupção. Sua identidade se definiria, assim, pelas propostas de aprofundamento da democracia e pelas implicações disso para a expansão dos direitos de cidadania.
A palavra está com os novos governadores, senadores e deputados eleitos; eles têm a densidade eleitoral necessária para reinventar a oposição e surpreender o País. Esperemos que façam isso.
José Álvaro Moisés é professor de Ciência Política da USP e autor, entre outros livros, de 'Democracia e Confiança - Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas' (Edusp, 2010)

Santo, para Charge Online


As muitas camadas da realidade

As muitas camadas da realidade
MARCELO GLEISER
Podemos imaginar que a descrição científica da natureza é um bolo, com fatias de sabor variado
DURANTE SÉCULOS, cientistas sonharam em obter uma descrição completa do mundo, tentando fazer da ciência um símbolo maior do brilhantismo humano. Não seria fantástico se fôssemos capazes de prever o futuro em detalhe? A ciência como oráculo... muito irônico.
Essa seria a opressora realidade do cosmorrelógio, no qual leis estritamente determinísticas descreveriam todos os mecanismos da natureza. Esse sonho não passava de ilusão, e o projeto falhou.
Primeiro porque essa meta reducionista, para a qual tudo na natureza pode ser descrito a partir do comportamento das menores entidades de matéria, depende do acúmulo de muita informação (como as posições e velocidades de todas as partículas que compõem o Cosmo).
Mesmo os seus defensores mais ferrenhos, como o francês Laplace e outros, sabiam que, na prática, nunca daria certo. Medidas tomam tempo. E, quando você termina de medir algo aqui, o que está acolá já mudou de lugar! Mas, mesmo assim, acreditava-se num conjunto de leis que poderia ser usado para construir a realidade física do mais elementar ao mais complexo, a partir das entidades fundamentais da matéria e de suas interações.
Além disso, a física quântica, que descreve átomos, proíbe o conhecimento da posição e da velocidade de uma partícula com precisão arbitrária, impondo um limite absoluto ao que podemos conhecer.
Hoje, imagino (e espero) que poucos físicos acreditem que o projeto reducionista possa funcionar começando das partículas elementares e indo às moléculas, aos furacões ou à explicação de como os neurônios podem criar nosso senso de identidade.
Deixar de lado esta meta reducionista cria oportunidades únicas. Como escreveu o prêmio Nobel Philip Anderson, em 1972: "A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos".
Podemos imaginar nossa descrição científica da natureza como um bolo de muitas camadas, cada qual com o seu sabor, ingredientes e feita segundo instruções diferentes. O bolo pode ser um só, mas não é possível cozinhá-lo começando com prótons e elétrons. (Da mesma maneira, uma sinfonia é muito mais do que um agrupamento de notas.)
Será que existem camadas-limite, indo da menor à maior? Ou será que a realidade é um "bolo de Babel", sem limites? Se considerarmos o que sabemos hoje, podemos dizer que existe uma distância mínima, onde o conceito de espaço deixa de fazer sentido: é o chamado "comprimento de Planck", igual a 1,6 x 10-35 metro (um próton tem aproximadamente 10-15 metro).
Em direção ao cósmico, a coisa é mais incerta. Podemos dizer que a porção observável do Universo, isto é, o volume de espaço onde podemos coletar informação usando formas diversas de radiação (como luz, ultravioleta e infravermelho), é de 46 bilhões de anos-luz.
Se o Universo continua além dessa fronteira- e não há razão para achar que não continue- não podemos sabê-lo. E se não podemos ver o que está além, esta é, de fato, a camada-limite do "muito grande". Portanto, nosso bolo da realidade não se estende ao infinitamente pequeno ou grande. Ao menos, essa é a receita atual.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

Anátema das montanhas

Anátema das montanhas
Wilson Figueiredo - JORNAL DO BRASIL
No primeiro dia útil depois da eleição, a presidente Dilma Rousseff começou a se deslocar em direção ao poder e, na mão contrária, o presidente em ocaso ainda não se deu por achado, e dividiu civilizadamente com ela o encontro com a imprensa. Empurrado para fora das comodidades e incômodos oficiais, pela mesma fatalidade democrática que não abre mão da rotatividade, Lula até que se comportou melhor do que como cabo eleitoral na campanha presidencial. No cruzamento das linhas – ela rumo ao poder, ele na direção oposta – até que o presidente se saiu melhor do que era esperado, pois dele nunca se avalia a desproporção entre as palavras e os fatos.
O fato político naquele dia foi o primeiro encontro da dupla do entra-e-sai com repórteres de plantão onde houver acontecimento. O presidente que se retira ficou um passo atrás, na posição de papagaio de pirata da História do Brasil (em relação à presidente que chega) ostensivamente convencido de que voltará na primeira oportunidade. Um direito garantido pela milhagem, pois ninguém tem mais horas de vôo do que ele no exercício das prerrogativas presidenciais de ir e vir. Deixou à sucessora a palavra e ficou nos apartes. Como foi moda dizer há um século, o Brasil agora, como o Rio de então, civiliza-se.
Do que Lula disse, nada sobrará para a História, entre o que aprendeu e o que esqueceu. Passou o recibo: rei morto, rei posto. Nada original, porque a República continua firme depois que ele passou como um vendaval, este sim, sem igual na história deste país. Mas bem podia ter variado – rei morto, rainha posta. Lula não costuma deixar espaço a ninguém que divida com ele uma situação favorável. Gosta é de bola dividida. Lado a lado, Dilma e Lula mostraram pequenas diferenças no modo de ver certas questões. Nada impede que se ampliem com o correr do tempo as divergências bem disfarçadas. Não será preciso mais do que os dois meses em curso.
O que a oportunidade da primeira entrevista da presidente mostrou foi que ele continua o mesmo e ela já é outra, desde o momento em que as urnas deram a última palavra. Separaram-se. Ele para esperar não sabe bem o que. Quanto a ela, só se saberá depois. Lula continua incompleto sem o terceiro mandato, pelo qual passou a exibir agora uma indiferença que não engana. Não deve ter convencido nem mesmo à sucessora. As diferenças entre eles tendem a cumprir sua função, que será a de separá-los no secundário e, mais adiante, a ruptura no essencial será inevitável pelas razões que movem o mundo e regem as relações entre criador e criatura. Lula não é de considerar leis mais do que palavras no papel. Inclusive as leis de Murphy que, certamente, estão à espreita da oportunidade.
No primeiro dia depois de emergir vitoriosa das urnas, assim como a Venus na versão de Botticelli nasceu de uma concha, Dilma saiu da campanha eleitoral e lembrou, no dia seguinte, que a reeleição é direito de quem está no poder (presidente, governador ou prefeito). Não há como deixar de considerar as coisas por aí – ressalvou a presidente, que cuida da transmissão do poder com naturalidade. Disse também que não é prioridade na própria sucessão e pode perfeitamente esperar.
A presidente tem dois meses para cuidar da posse, de modo que o presidente, ao passar a ex, não fique em situação politicamente desconfortável e entre em depressão assim que desencarnar completamente. O poder, para quem o deixa, tem alguma coisa a ver com fatalidade e comporta flores de retórica na biografia de quem sai.
Enquanto isso, do alto das montanhas mineiras e com o novo mandato tinindo, o senador Aécio Neves lançou o anátema ao praticamente ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a observação de que ele saiu do governo menor do que entrou.

Com essa cor - Monique Kessous

J. Bosco para O Liberal


Escritores manifestam repúdio a veto do CNE em livro de Monteiro Lobato

Escritores manifestam repúdio a veto do CNE em livro de Monteiro Lobato
Agência Brasil
Seis escritores brasileiros dedicados à literatura infanto-juvenil manifestaram, ontem (5/11), em nota, seu desagrado e desacordo ao veto do Conselho Nacional de Educação (CNE) ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. A nota é assinada pelos escritores Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Lygia Bojunga, Pedro Bandeira e Bartolomeu Campos de Queirós.
Sob o título Lobato, Leitura e Censura, os autores lembram que as criações de Monteiro Lobato “têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino”.
Afirmam ainda que “a maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro”.
Também a Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual é membro uma das signatárias da nota, a escritora Ana Maria Machado, se posicionou contrária à tentativa de censura ao livro Caçadas de Pedrinho. Em reunião plenária na tarde de ontem (4), os acadêmicos manifestaram repúdio “contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística” e apoiaram o ministro da Educação, Fernando Haddad, que foi contrário à determinação do CNE.
De acordo com a decisão dos acadêmicos, em nota divulgada hoje pela assessoria de imprensa da ABL, “cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que Tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica”.
Na nota, a ABL sugere que, em vez de proibirem as crianças de conhecer a obra, os responsáveis pela educação fariam melhor se estimulassem os alunos a uma leitura mais aprofundada. Para os acadêmicos, é necessário aos professores e formuladores de política educacional ler a obra infantil de Lobato e se familiarizar com ela. “Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura, e que muitos poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília e de sua independência de pensamento”.
A nota conclui com a afirmação de que “a obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro” e com um apelo ao ministro da Educação no sentido de “que se respeite o direito de todo o cidadão a esse legado e que vete a entrada em vigor dessa recomendação”.
Livro de Monteiro Lobato é liberado para ser usado em salas de aula
Sexta-feira, 5 de novembro de 2010 Fonte: G1
Algumas frases que aparecem na história "Caçadas de Pedrinho" foram consideradas preconceituosas pelo Conselho Nacional de Educação
Um clássico da literatura infantil quase foi banido das escolas públicas do país. Algumas frases que aparecem na história "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, foram consideradas preconceituosas pelo Conselho Nacional de Educação.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, teve que intervir. Ele esclareceu o que a Academia Brasileira de Letras, com politicamente correta, chamou de equívoco. Agora, a reação ao veto foi enorme, e não só da academia. Educadores de todo o país protestaram contra a censura ao livro. Depois do bombardeio, de críticas, o Conselho Nacional de Educação recuou, e o livro "Caçadas de Pedrinho", ainda bem, está novamente liberado.
Monteiro Lobato racista? Um professor da universidade de Brasília achou que sim. Considerou que no livro "Caçadas de Pedrinho" há preconceito racial contra a personagem Tia Anastácia, a empregada negra do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Em um trecho, o autor diz que Tia Anastácia "tem carne preta”. Em outro, afirma "que trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro”.
A Secretaria de Igualdade Racial concordou com a crítica. “As expressões que o livro contém são expressões de um conteúdo fortemente preconceituoso e que precisam de tratamento explicativo na sala de aula, para que não se ofenda a autoestima das crianças e dos leitores”, declara o ministro da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araujo.
O Conselho Nacional de Educação chegou a recomendar que o MEC deixasse de adotar "Caçadas de Pedrinho" nas escolas públicas. O argumento era que ele desrespeita o critério usado na avaliação dos livros didáticos, de não ter preconceitos ou estereótipos.
A Academia Brasileira de Letras condenou o veto. “A obra do Monteiro Lobato, depois de tantas décadas, sofrer esse tipo de avaliação é completamente equivocada. A academia, na linha das suas convicções democráticas, rejeita qualquer tipo de censura e entendeu a manifestação do conselho como uma forma de censura”, aponta o presidente ABL, Marcos Vinicios Vilaça.
Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, não é o caso de tirar o livro das escolas. “Décadas se passaram. Expressões que não eram consideradas ofensivas hoje são. Mas, em se tratando de Monteiro Lobato, de um clássico brasileiro da literatura infantil, nós só temos que contextualizar, advertir e orientar sobretudo o professor sobre como lidar com esse tipo de matéria em sala de aula”, aponta.
Problema resolvido. O livro vai continuar na lista do MEC, mas, a partir de agora, com uma explicação sobre o contexto em que foi escrito. Algo parecido com o que uma edição já traz sobre a caça à onça. A editora deixa claro que a aventura aconteceu em uma época em que a onça pintada não estava ameaçada de extinção, nem os animais silvestres eram protegidos pelo Ibama.
Não custa lembrar que esse clássico da literatura infantil, "Caçadas de Pedrinho", foi publicado pela primeira vez em 1933. Há 77 anos. Os exageros do politicamente correto ainda não existiam.

O MST que sai das urnas

O MST que sai das urnas
José de Souza Martins - O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS
Resultado eleitoral oposto no RS e PR revelou mudanças na percepção da questão agrária no País
O principal dirigente e ideólogo do MST, João Pedro Stédile, em seguida à vitória de Dilma Rousseff na eleição para Presidente da República, anunciou a elaboração de uma pauta de reivindicações a serem a ela apresentadas. Destacou o assentamento dos 100 mil acampados à espera de inclusão no programa de reforma agrária e a agilização das medidas relativas à erradicação do trabalho escravo. No dia seguinte, em sua primeira entrevista como presidente eleita, Dilma Rousseff mandou recado de volta: "Não compactuo com ilegalidade, nem com invasão de prédios públicos, nem com invasão de propriedades que estão sendo produtivamente administradas". Mandou recado, também, para o outro lado: "O MST não é um caso de polícia". E definiu como será por ela tratada a questão fundiária: "O País tem terras suficientes para continuar fazendo a reforma agrária". No fundo, a reforma será pautada pelos mesmos objetivos conservadores que a regulam desde o regime militar: converter os sem-terra em proprietários e assegurar-lhes renda suficiente.
Dilma confirma a distância que separa o governo petista e o MST, que é a distância do poder. No início do primeiro governo Lula, o MST, e a Pastoral da Terra que lhe deu origem, tentaram a estratégia da duplicação da política agrária; a sua, de um lado, e a dos compromissos do governo, de outro. O presidente do Incra, indicado pela CPT, tentou radicalizar a reforma agrária, desencontrando-se com as diretrizes próprias do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do governo. Lula foi rápido e claro: demitiu-o, nomeando para o lugar alguém identificado com as orientações governamentais e as razões de Estado. Dilma, agora, antecipa-se: antes de ouvir, já manda dizer o que está disposta a escutar e a fazer.
Mas sua opção deixa dúvidas quanto ao futuro do MST, cuja função histórica não pode ser subestimada. O MST, do mesmo modo que a CPT, deu direção política às lutas camponesas, antes perdidas e dispersas entre messianismo e milenarismo, de um lado, e banditismo rural, de outro. Ambos colocaram a insurgência do campo na pauta do Estado como questão política, retirando-lhe o estigma de questão policial. Mas, de vários modos, Lula trabalhou para esvaziar-lhes a função mediadora no conflito fundiário e na questão agrária. O golpe principal foi com o Bolsa-Família, que se tornou a solução mínima para o problema da pobreza rural no lugar do radicalismo da solução máxima preconizada pelo MST e pela CPT. Um de seus efeitos foi a atenuação dos ímpetos de reivindicação social no campo.
Os dados sobre os conflitos rurais, publicados pela Comissão Pastoral da Terra em 2009, indicam declínios significativos tanto nas tensões quanto na curva ascendente das reivindicações. Entre 2002 e 2009, o número de assassinatos no campo caiu de 43 para 24. Em 2003 e 2004, os dois primeiros anos do PT no poder, o número de ocorrências de conflito cresceu cerca de 50% em relação ao último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2009, voltaram para quase o mesmo número de 2002. De 64 acampamentos no último ano do governo FHC, o número explodiu para 285, no primeiro ano do governo Lula, caindo para 36 em 2009. Um claro indício do MST atuando como grupo de pressão, o declínio indicando a ineficácia da tática e sua acomodação à oposta tendência do governo. Ao mesmo tempo, Stédile vem reiteradamente denunciando o governo Lula, do qual é aliado, por fazer uma reforma agrária aquém da de Fernando Henrique Cardoso e, poderia dizer, aquém da de José Sarney.
Uma indicação não menos importante das mudanças que, dentre outros temas, envolvem a questão agrária é o do resultado eleitoral oposto, nestas eleições, no Rio Grande do Sul e no Pará. No sul, o eleitorado colocou o PT no lugar do PSDB; no norte, colocou o PSDB no lugar do PT. São dois estados de agudo envolvimento do MST na luta pela terra e também estados marcados por dois episódios trágicos de violência entre as polícias militares e os sem-terra. No sul, em 1990, um soldado da Brigada Militar foi morto por um sem terra com uma foiçada num confronto entre os dois grupos nas ruas de Porto Alegre. No norte, em 1996, ocorreu a tragédia de Eldorado de Carajás, num confronto de estrada em que a Polícia Militar matou 19 acampados. Nos dois casos, o eleitorado mais amplo considerou o partido do MST um partido alternativo e não um partido imprescindível.
Embora tudo sugira que, por decisões do próprio governo do PT, a reforma agrária vem se tornando um tema menor na agenda política do País, há um elenco de problemas não resolvidos no âmbito da questão agrária. Sua inclusão na pauta de reivindicações sociais dependerá muito mais de que os dirigentes do MST consigam superar sua própria e notória alienação política do que das disposições do governo Dilma. À luz do momento, os equívocos e recuos são muitos, com a sujeição partidária da organização distanciando-a das possibilidades de transformação social que sua própria prática propõe.
José de Souza Martins é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Dentre outros livros, é autor de 'Reforma Agrária: O Impossível Diálogo'(Edusp, 2009)

Lute, para o Hoje em Dia


Dois males afinal evitados

Dois males afinal evitados
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Eleição rejeitou udenismo moralista e potencialmente golpista e americanização das discussões políticas
As eleições do último domingo foram livres e democráticas. Foram próprias de uma democracia consolidada, porque o Brasil conta com uma grande classe média de empresários e de profissionais e com uma classe trabalhadora que participa dos ganhos de produtividade.
Porque conta com um sistema constitucional-legal dotado de legitimidade e garantido por um Estado moderno, que é efetivo em garantir a lei e crescentemente eficiente em gerir os serviços sociais e científicos que permitem reduzir a sua desigualdade.
É verdade que os dois principais candidatos não conseguiram desenvolver um debate que oferecesse alternativas programáticas e ideológicas claras aos eleitores. Por isso, a grande maioria dos analistas os criticou. Creio que se equivocaram.
O debate não ocorreu porque a sociedade brasileira é hoje uma sociedade antes coesa do que dividida. Sem dúvida, a fratura entre os ricos e os pobres continua forte, como as pesquisas eleitorais demonstraram. Mas hoje a sociedade brasileira é suficientemente coesa para não permitir que candidatos com programas muito diferentes tenham possibilidades iguais de serem eleitos - o que é uma coisa boa.
Os dois males que de fato rondaram as eleições de 31 de outubro foram os males do udenismo moralista e potencialmente golpista e o da americanização do debate político.
Quando setores da sociedade e militantes partidários afirmaram que a candidata eleita representava uma ameaça para a democracia, para a Constituição e para a moralidade pública, estavam retomando uma prática política que caracterizou a UDN (União Democrática Nacional), o partido político moralista e golpista que derrubou Getulio Vargas em 1954.
Não há nada mais antipolítico ou antidemocrático do que esse tipo de argumento e de prática. As três acusações são gravíssimas; se fossem verdadeiras -e seus proponentes sempre acham que são- justificam o golpe de Estado preventivo. Felizmente a sociedade brasileira teve maturidade e rejeitou esse tipo de argumento.
Quanto ao mal da americanização da política, entendo por isso a mistura de religião com política em um país moderno.
Os Estados Unidos, que no final da Segunda Guerra Mundial eram o exemplo de democracia para todo mundo, experimentaram desde então decadência política e social que teve como uma de suas características a invasão da política por temas de base religiosa como a condenação do aborto.
De repente um candidato passa a ser amigo de Deus ou do diabo, dependendo de ser ele "a favor da vida" ou não. A separação entre a política e a religião -a secularização da política- foi um grande avanço democrático do século 19. Voltarmos a uni-las, um grande atraso, a volta à intolerância.
A sociedade brasileira resistiu bem às duas ameaças. E a democracia saiu incólume e reforçada das eleições.
Em seu discurso após a eleição, Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com os pobres, ao mesmo tempo em que se dispôs a realizar uma política de conciliação, não fazendo distinção entre vitoriosos e vencidos.
Estou seguro que será fiel a esse compromisso, como o foram os últimos presidentes. Nossa democracia o exige e permite.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters