segunda-feira, agosto 30, 2010

J. Bosco, hoje no O Liberal (PA)

Letania da Galicia-Uxío Novoneyra

Da terra do patrono deste blog e da poeta Rosalia de Castro. Estranho para nossos ouvidos?Insista.
De 
Lusofonia Horizontal 
Sabemos que ti podes ser outra cousa
Sabemos que o home pode ser outra cousa


A letanía de Galicia (1968)


DE tanto calar xa falo solo

GALICIA digoeu/un di – GALICIA
GALICIA décimos todos – GALICIA
Astr’os que calan din – GALICIA

e saben – sabemos

GALICIA da door chora – á forza
GALICIA da tristura triste – á forza
GALICIA do silencio calada – á forza
GALICIA de fame emigrante – á forza
GALICIA vendada cega – á forza
GALICIA tapeada xorda – á forza
GALICIA atrelada queda – á forza

libre pra servir – libre pra servir
libre pra non ser – libre pra non ser
libra pra morrer – libre pra morrer
libre pra fuxir – libre pra fuxir

GALICIA labrega – GALICIA nosa
GALICIA mariñeira – GALICIA nosa
GALICIA obreira – GALICIA nosa
GALICIA irmandiña – GALICIA viva inda

recóllote da terra – estás mui fonda
recóllote do pueblo – estás nil toda
recóllote da HISTORIA – estás borrosa

recóllote i érgote no verbo enteiro
no verbo verdadeiro que fala o pueblo
recóllote prós novos que vein com forza
prós que inda non marcou a malla d’argolas
prós que saben que ti podes ser outra cousa
prós que saben que o home pode ser outra cousa

sabemos que ti podes ser outra cousa
sabemos que o home pode ser outra cousa



Resposta dos "Bundões" ao Caio Fabio

Não deu no "New York Times"

Não deu no "New York Times"
Em um trecho inédito de seu novo livro sobre o Brasil, Larry Rohter analisa o futuro do país pós-Lula e FHC
Letícia Sorg - Época
Correspondente do The New York Times no Rio de Janeiro até agosto de 2007, Larry Rohter continua profundamente ligado ao Brasil. Casado desde 1973 com a brasileira Clotilde, ficou por aqui até março de 2008 para escrever seu primeiro livro sobre o país, Deu no New York Times (editora Objetiva). Hoje, aos 60 anos, vive em Hoboken, no subúrbio de Nova York, mas vem regularmente ao Brasil. De olho no interesse mundial pelo país, acaba de lançar um novo livro, Brazil on the rise (numa tradução livre, Brasil em ascensão), pela editora americana Palgrave Macmillan. A primeira obra era dirigida ao público brasileiro; esta é uma espécie de introdução para o público estrangeiro. “O interesse pelo Brasil já era grande em 2008, quando a editora decidiu fazer o livro, e desde então só aumentou”, disse Rohter a ÉPOCA. “Já sabemos até que haverá uma edição do livro em chinês.”
Apesar de alguns erros factuais – Rohter diz, por exemplo, que a ditadura militar “criou vários Estados novos” para diluir a importância de São Paulo e Minas Gerais no parlamento, uma inverdade –, o livro também é interessante para o leitor brasileiro se reconhecer (ou não) no espelho que o autor apresenta. Rohter – que cita apenas de passagem o episódio em que Lula quis expulsá-lo do país, em 2004 – vai muito além da política. Fala do que acha bom (a hospitalidade, o espírito empreendedor) e ruim (o jeitinho, o preconceito racial velado) na sociedade brasileira. Rohter diz que, depois desse livro, não deve voltar tão cedo a escrever sobre a política – mas planeja lançar biografias de figuras da história do país. Também tem um romance não acabado, ambientado no Rio de Janeiro.
Trecho - Lula vai querer continuar mexendo os pauzinhos
A fase final do governo de Lula tem sido caracterizada por uma espécie de triunfalismo, beirando a vanglória, que sugere que Dilma Rousseff possivelmente venha a enfrentar pressões para desviar-se da rota dos últimos 16 anos. O discurso público do PT prega que todas as conquistas recentes do Brasil devem-se exclusivamente à sabedoria de Lula e suas políticas, uma postura que ignora tanto as enormes contribuições de FHC quanto o boom internacional das commodities nos últimos anos, liderado pela China, que ajudou a turbinar o desenvolvimento do Brasil. A convicção de que Lula e o Partido dos Trabalhadores são infalíveis e possuem uma espécie de toque de Midas ajuda a explicar tanto a iniciativa diplomática fracassada junto ao Irã, em maio, quanto o clamor crescente dentro do partido para manter sob a asa do Estado a dádiva do petróleo e do gás do pré-sal – sentimentos que devem aumentar se o partido conquistar um terceiro mandato. Os escritos de Dilma sobre economia, nebulosos em relação a questões básicas como o papel do Estado e da iniciativa privada, reforçam essa impressão.
Mais preocupante, talvez, na hipótese de uma vitória de Dilma, seja a possibilidade de uma recidiva de seu câncer, que a obrigue a um tratamento médico ou a debilite a ponto de ter de deixar o cargo em favor de seu companheiro de chapa, Michel Temer, do aliado PMDB. De certa forma, Temer lembra muito José Sarney, o vice-presidente empossado com a morte de Tancredo Neves em 1985: um articulador extremamente hábil, com parco conhecimento econômico e, segundo seus críticos, um senso ético inconstante. Quando o PT o indicou como companheiro de chapa de Dilma, Temer fora citado em duas investigações de corrupção: uma sobre uma empreiteira, em que seu nome aparecia como suposto beneficiário de propinas, e outra sobre os pagamentos do mensalão. Temer nega conexão com qualquer prática ilegal. Atribuiu as acusações a maquinações de rivais. Mas nunca ficaram claras suas convicções firmes, se é que as tem, sobre as questões políticas e econômicas que o Brasil tem pela frente.
E embora Lula esteja terminando o segundo e último mandato presidencial que a lei lhe autoriza, sua carreira política talvez ainda não tenha acabado. O que ele vai fazer, exatamente, depende em grande parte do resultado da eleição, mas é improvável que ele se refugie numa aposentadoria silenciosa. Na hipótese de uma derrota do PT, Lula automaticamente se tornaria o grande favorito para ser o indicado de seu partido à Presidência em 2014. A Constituição brasileira permite que ex-presidentes concorram a um terceiro mandato, contanto que um mandato tenha transcorrido desde sua saída. A popularidade de Lula continuará alta depois que ele deixar o cargo, e ele fará 69 anos no mês da eleição de 2014 – quase exatamente a idade que Getúlio Vargas tinha quando iniciou seu último mandato.
Mesmo que Dilma vença, Lula provavelmente vai querer continuar mexendo os pauzinhos no partido, no papel de fazedor de reis, mais que de velho estadista. Impossível prever até que ponto irá esse desejo. Dilma deve sua ascensão quase exclusivamente a ele. Especula-se que Lula veja o governo Dilma como mero interregno. Difícil imaginar um presidente em exercício cedendo seu lugar a Lula em 2014 sem que irrompa uma feia disputa interna. Mas coisas estranhas aconteceram no passado, e há um precedente logo ao lado. Em 2007, Nestor Kirchner desistiu de um segundo mandato como presidente da Argentina e permitiu que sua mulher, Cristina, concorresse. Talvez seja a isso que Lula se refira quando fala de sua relação “de pai para filha” com Dilma.
No mínimo, Lula vai querer continuar a ter voz na política e nas nomeações, caso o PT permaneça no poder. O partido não terá escolha senão aquiescer. Lula é seu único líder desde a fundação. Nem ele nem os demais chefes do partido primaram em formar uma geração de líderes que pudesse suceder a ele. Para o bem e para o mal, o PT está identificado a uma única pessoa, e seu destino ainda depende muito da imagem e da presença de um líder que os eleitores consideram mais popular e confiável que o partido que ele representa.
O panorama para o PSDB, o outro grande partido nacional, é bem diferente. Ele não carrega o fardo de um culto à personalidade e tem maior coerência ideológica. Mas tampouco tem um grande líder popular que personifique o partido, transmita sua mensagem e empolgue os eleitores. Da sede de sua fundação no centro de São Paulo, FHC continua envolvido na política interna do partido e, de fato, às vezes tenta exercer o papel de fazedor de reis. Mas ele não é a única autoridade do partido. Um de seus legados foi não só ter permitido, mas até cultivado e incentivado o surgimento de centros de poder concorrentes, ciente de que é uma atitude necessária para que o partido não desapareça com ele. Disso resulta que às vezes os próprios desejos de FHC não se concretizem, e sua voz, embora frequentemente a mais forte, seja apenas uma entre várias no partido.
Dos jovens líderes que surgiram desse viveiro, o que parece mais promissor é Aécio Neves. Neto do ex-presidente Tancredo Neves, além do sobrenome famoso Aécio tem outros trunfos, entre eles a boa aparência e o charme pessoal. Suas maiores qualidades, porém, são a habilidade política refinada e o ótimo retrospecto como administrador. Ao fim de seu primeiro mandato como governador, Aécio pôde anunciar que Minas Gerais estava de volta ao déficit zero. Ele anunciou que concorreria à Presidência em 2009, mas desistiu e candidatou-se ao Senado, que dará a Aécio não apenas uma tribuna política segura para os próximos anos, como lhe garantirá a exposição nacional necessária para uma candidatura presidencial bem-sucedida. Qualidades de líder certamente não lhe faltam. Em 2002, quando Howell Raines, então editor executivo do The New York Times, visitou o Brasil, marquei um almoço no Copacabana Palace com Aécio, na época presidente da Câmara. Bronzeado, cordial, transbordando confiança, Aécio dominou a conversa. Quando acabamos e ele foi embora, perguntei a Raines o que ele tinha achado. “Acho que acabei de almoçar com um futuro presidente do Brasil”, ele respondeu, uma avaliação que muitos fizeram e têm feito. Salvo um problema de saúde ou um inesperado escândalo pessoal, a única questão parece ser quando Aécio cumprirá essa profecia.
Mas, enquanto não ocorrer uma profunda reforma política, nenhum chefe de Estado brasileiro, qualquer que seja seu partido, pode sonhar em se tornar um administrador verdadeiramente moderno. Embora a economia tenha sido lançada no século XXI como resultado das mudanças ocorridas desde o fim da ditadura, o sistema político continua atrasado, prisioneiro de práticas antiquadas. Essa brecha abismo até aumentou nos últimos anos, e a riqueza cada vez maior ameaça alargar ainda mais a disparidade. Novos bilionários e os grupos que eles controlam se mostram cada vez mais ousados no uso de sua influência para corromper os princípios democráticos e promover seus interesses mesquinhos.
Para dar certo, as reformas têm de incluir vários elementos pleiteados há anos por cientistas políticos brasileiros e instituições pró-governança responsável. Um bom começo seria proibir, ou pelo menos dificultar, a mudança de partidos por parte de ocupantes de cargos eletivos. O voto distrital, que evitaria que os candidatos ao Congresso ou às assembleias legislativas concorressem no Estado inteiro, pode ser uma medida de vasto alcance – assim como a escolha de candidatos em primárias, em vez dos conchavos de bastidores que predominam no processo atual. Redistribuir as cadeiras no Congresso, na proporção do tamanho do eleitorado de cada Estado, também ajudaria, ao reduzir o poder dos Estados do Nordeste, ainda dominados por oligarquias familiares, e premiar Estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde o eleitorado é maior, mais instruído e mais propenso a pedir o fim dos abusos e das práticas atrasadas.
Mas a aprovação e a aplicação de uma lei de financiamento de campanhas severa seria, provavelmente, a mudança mais transformadora. Do jeito que é hoje, nem os candidatos nem os partidos declaram todas as doações que recebem, um estado de coisas que incentiva as contribuições clandestinas, abuso e corrupção generalizados.
A política brasileira sofreu transformações profundas, na grande maioria para melhor, desde que cheguei ao país pela primeira vez, 40 anos atrás. No fim, aconteceu o que os militares no poder naquela época mais temiam: um líder trabalhista de esquerda foi eleito presidente. Mas a instabilidade do começo dos anos 1960, que derrubou a democracia, não voltou a ocorrer, um sinal da maturidade política do Brasil. Políticos eleitos podem dizer livremente o que pensam, sem temer ir para a cadeia ou perder seus direitos. A imprensa é ruidosa e combativa, o Judiciário não hesita em criticar e refrear o Executivo, e grupos cívicos, religiosos, profissionais e ambientais passaram a desempenhar papéis no processo governamental.
A democracia brasileira pode ser barulhenta, confusa e imperfeita, mas no geral tem estado a serviço do povo brasileiro. O desafio, agora, é juntar coragem para ir um passo além e pôr fim aos vestígios de práticas autocráticas centenárias – sob ameaça de perder o apoio do eleitor e pôr em risco o progresso obtido nos últimos 25 anos. 

Tiago Recchia, para Gazeta do Povo

Contribuição ao Fundo de Saúde do Exército é tributo

Contribuição ao Fundo de Saúde do Exército é tributo

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em julgamento da Apelação Cível nº 2007.38.10.000030-0/MG, entendeu que a Contribuição ao Fundo de Saúde do Exército é tributo. No referido julgamento, a 8ª Turma do TRF da 1ª Região deu provimento ao recurso da União para determinar que não há nenhum valor a ser repetido a militar, visto as alíquotas fixadas para a cobrança da contribuição ao Fundo de Saúde do Exército – Fusex terem, no caso sob exame, seguido o que foi determinado na lei. Quanto ao prazo prescricional, determinou a Turma o prazo quinquenal, esclarecendo que, ainda que anterior à vigência da LC 118/2005, inaplicável ao caso a tese dos cinco mais cinco, defendida pela autora. Para a desembargadora Federal do TRF, Maria do Carmo Cardoso, a contribuição para o Fusex é tributo, pois é prestação pecuniária compulsória, não constitui sanção de ato ilícito, é instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, nos termos do art. 3º do CTN.

What Are You Doing The Rest Of Your Life ? - Bill Evans

Perdas e ganhos

Perdas e ganhos

Suely Caldas - O Estado de S. Paulo - 29/08/2010

Na página 11 da apresentação feita há dez dias à imprensa, pelo ministro Guido Mantega, sobre lucros e perdas dos empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), constava um quadro intitulado Estimativas de custos e benefícios fiscais, em que os custos foram calculados em R$ 48,2 bilhões e os benefícios, em R$ 79 bilhões, com resultado positivo de R$ 30,8 bilhões. A apresentação inteira, com este quadro inclusive, estava no site do BNDES até pouco antes da coletiva do ministro, naquela tarde de 19 de agosto.
Misteriosamente, sem nenhuma explicação, ela foi retirada do ar e assim ficou durante toda a coletiva. Num passe de mágica, duas horas depois, ela voltou ao site, mas desta vez sem o valor de R$ 48,2 bilhões dos custos, só com os R$ 79 bilhões dos benefícios. Mesmo sem saber da troca (revelada agora neste texto), os jornalistas reclamaram. Afinal, se era para explicar perdas e ganhos, como ignorar as perdas e mostrar só os ganhos? O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, respondeu que, quando chegassem à redação, poderiam ver a apresentação inteira no site do banco. E viram, mas adulterada, sem as perdas quantificadas.
Ou seja, para esconder o que não convém, vale enganar o País. E pensar que a confidência feita pelo embaixador Rubens Ricupero, de "esconder as coisas ruins e mostrar só as boas", custou-lhe o cargo de ministro da Fazenda em 1994!
Mas a manobra dos números vai longe. Na verdade, a estimativa de perda para o Tesouro de R$ 48,2 bilhões teve por base apenas o valor de R$ 100 bilhões do primeiro empréstimo de 2009, muito antes do segundo, de R$ 80 bilhões, de abril deste ano. Até as paredes do gabinete de Luciano Coutinho sabem disso. E não precisa ser nenhuma sumidade em matemática para concluir que o cálculo da perda sobre os dois créditos somados (R$ 180 bilhões) seria bem maior do que a limitada a R$ 100 bilhões. Mas na planilha que saiu do ar os benefícios são calculados sobre R$ 180 bilhões e os custos, sobre R$ 100 bilhões. É uma equação enganadora e mesmo assim foi retirada da internet.
Qualquer leigo em matemática sabe que, num crédito que custa 10,75% da Selic para o credor (o Tesouro) e 6% da TJLP para o tomador (BNDES), quem sai prejudicado é o credor - no caso, os brasileiros (ricos e pobres), que pagam impostos e sustentam o governo. Apesar disso, na apresentação para a imprensa, Mantega e Coutinho usaram premissas frágeis para chegar ao resultado desejado de contabilizar mais ganhos do que perdas. Por exemplo, imaginaram que a Selic e a TJLP irão convergir em 2018, quando a diferença de taxas e o prejuízo do Tesouro desapareceriam. Puro exercício de adivinhação.
A estimativa mais distante do mercado para a Selic é de 10% em 2014 (hoje é de 10,75%). Se em quatro anos vai recuar só 0,75%, alguém acredita que baixará 4% em três anos? Além disso, a experiência tem mostrado que a TJLP cai sempre que o Banco Central (BC) reduz a Selic. Sem dúvida, uma premissa insustentável.
Razão tem o presidente do BC, Henrique Meirelles, quando diz que esses empréstimos só retardam a queda dos juros no País.

Newton Silva, para O Jangadeiro Online

O brasileiro só quer saber de consumo

O brasileiro só quer saber de consumo
Paulo Rabello de Castro – Revista Época
Nunca tantos quiseram debater tão pouco. O brasileiro, de modo geral, parece conformado com nosso sistema político travesti, que, de dois em dois anos, ressurge com uma fachada colorida, com as mesmas musiquinhas, apelando para seu voto nos candidatos e temas mais absurdos. A isso chamamos, confiantemente, de sistema democrático de governo. Mas uma extensa máquina financeira eleitoral opera os interesses reais dos participantes desse “sistema”.
Na campanha de 2010, alguns contornos são originais. Primeiro, a derrota do debate e a vitória da carta branca. Segundo, a projeção do sucesso atual da economia brasileira como garantia de resultados futuros. Ambos têm implicações perigosas. Com a possível decisão em primeiro turno, temas de grande interesse nacional, como a carga de impostos, a qualidade da educação, o excesso de gastos correntes, o estado lastimável da saúde e o caos na infraestrutura, retornarão ao nível das declarações vagas, já que o voto se tornou plebiscitário. É um voto de confiança irrestrita, e nada mais. O cidadão parece disposto a aceitar o jugo do imposto, o ensino repetente, a gastança do político, a fila hospitalar, desde que não se mude o atual modelo que lhe ampliou o crédito para consumo ou o consignado sobre a aposentadoria magra.
A consequência do voto majoritário passivo, indiferente ao debate, desprovido do mínimo de emoção e pensamento próprio, traz sequelas ao cenário econômico. A menos que tenhamos a grata surpresa de ver na Presidência alguém disposto a bancar um processo de real transformação, a tendência será seguirmos atrelados à nossa vocação periférica de país provedor de matérias-primas ao mercado externo, forte consumidor interno e fraco poupador. Temos uma taxa de poupança, por exemplo, em torno de um terço da praticada na China, o que já explica a imensa distância entre nós e eles na capacidade de crescer. Estamos destruindo nossa capacidade de industrializar, debaixo de uma carga tributária extorsiva e desajeitada, um custo financeiro cronicamente elevado e um câmbio para lá de punitivo.
Esse é um modelo de alto consumo relativo, que produz verdadeiros milagres eleitorais, sempre que se consegue adequar a hora do gasto com o momento do voto. Aconteceu no primeiro mandato de FHC, quando bateu Lula em primeiro turno, às vésperas da quebra da economia, um pouco mais à frente. Desta vez, a história não se repete, felizmente, da mesma maneira porque temos um farto colchão de dólares no cofre. Mas será esse o caminho de uma nação que pretende colher o benefício de ter sua população chegando à idade adulta (em média, é claro) e dispondo de uma base econômica rica em áreas agricultáveis, em água e energia?
O cidadão parece disposto a aceitar imposto alto,
mau ensino, fila do hospital, desde que tenha crédito
Uma conta rápida, projetando o Brasil dos próximos 20 anos, em 2030 – que é um pulo no tempo, mesmo no prazo de nossas existências –, revela que há “um Brasil a mais” para ser aproveitado por nós e pelas próximas gerações. Isso dependerá de o novo governo, instalado em 2011, entender sua missão de longo prazo no redesenho da capacidade de poupar e investir do povo brasileiro, aí incluindo o setor privado e famílias, e principalmente o próprio governo.
Esse “Brasil a mais” representaria um ganho de R$ 3,4 trilhões, até 2030, em acréscimo ao PIB projetado naquela data, caso consigamos aplicar aqui um regime de alto investimento. Em vez de duplicar, o PIB brasileiro poderia triplicar de tamanho até 2030. Essa diferença, em termos de redução de pobreza, de aumento geral de bem-estar e de projeção estratégica do país no conjunto mundial, é tão importante a ponto de determinar se o Brasil sairá ou não de uma posição relativamente periférica na história do século XXI.
Infelizmente, o modelo de democracia que praticamos exclui o debate e afasta, embora sem eliminar, a chance de adoção de transformações mais corajosas e rápidas, num país aparentemente sempre disposto a falar muito de mudanças necessárias – para que nada, de fato, saia do lugar. 

Cícero, para O Jornal de Brasília

É de não acreditar

É de não acreditar
Paulo Brossard
ZERO HORA

Faz algum tempo, importante jornal paulista divulgou a ocorrência da violação do sigilo fiscal de pessoas próximas a um dos candidatos à Presidência da República e de ex-presidente da República e, como se isso não bastasse, a Receita Federal haver calado em todas as línguas, como se o silêncio não fosse pior do que o esclarecimento integral do caso. Como a Constituição, no inciso XII, do seu artigo 5º, assegura entre os direitos e garantias fundamentais, a brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade de dados pessoais, ampliando desse modo direitos e garantias historicamente consagrados entre nós, dei-me pressa a comentar o fato, tanto mais quando ele estava no centro de um dos serviços de maior responsabilidade da administração, com acesso praticamente ilimitado sobre os dados de todo mundo e mais alguém.
Ora, jornais da semana passada, em sua primeira página, com o relevo ajustado à relevância do noticiado, acrescentavam que a Receita vinha blindando funcionários que, comprovadamente, haviam tido acesso ao violado sigilo fiscal. Tudo que se disser a respeito da gravidade do caso será pouco, não só porque pessoas tiveram seus direitos constitucionais violados, como o fato de a Constituição da República para a mais alta administração parecer valer menos que uma portaria. Se a cúpula administrativa do país não tem nenhum respeito por pessoas de presumida idoneidade, que se poderá imaginar em relação ao comum dos mortais. Aliás, diz a sabedoria popular que cesteiro que faz cesto faz um cento, de modo que o mal do fato difundido recaia sobre o próprio serviço e seja ilimitado. E a cobertura dispensada, segundo a própria notícia, aos até agora identificados como envolvidos, fere em cheio o próprio serviço. Desnecessário lembrar que o Código Penal, entre os crimes que elenca, não se esqueceu de arrolar o de violação de sigilo funcional. Diante dos fatos narrados com tamanha publicidade, parece sobrarem motivos para a ação saneadora do Ministério Público.
Viro a página para ocupar-me de outro assunto, que também me parece expressivo, ainda que, como o anterior, revelador do que pode parecer uma deformação do que se supõe seja ou deva ser a administração pública. Segundo notícias correntes, o sindicato dos professores públicos do Estado teria convidado candidatos ao governo do Rio Grande para uma entrevista ou apreciação acerca do ensino público esquecendo a governadora do Estado, que, é notório, é candidata à reeleição. Ora, há pessoas que aplaudem a governadora gaúcha, há pessoas que lhe são indiferentes, como há as que lhe são antipáticas e até hostis. E isto se pode dizer que se aplica a qualquer autoridade, por melhor que seja, ou por pior que pareça ser. E suponho essa variedade de opiniões a respeito de governantes não começou agora, nem vai terminar tão cedo, se é que possa esgotar-se em algum dia. Mas o que me parece pouco civil, ou pouco educado, uma vez que se trata do mundo do ensino e da educação que é mais ampla que aquele, é excluir a pessoa de uma candidata exatamente a que hoje é a governadora e que pretende voltar a ser. Será que existe tamanha inimizade entre o magistério estadual e a governadora, a ponto de caracterizar aquilo que as leis denominam de inimizade capital a contrastar com a amizade íntima? Se isto ocorrer, o que admito tão só para argumentar, seria o caso de dizer que mal vai o setor, que é dos mais relevantes no presente e no futuro de mais de uma geração.
Outrossim, não me parece que um sindicato ou que outro nome tenha possa posicionar-se com tamanho simplismo ou radicalismo ou personalismo. E se esses sentimentos medram a ponto de dominar e impor uma fisionomia a um setor da administração, exatamente o voltado à educação, não será temerário supor que ele mais se aproxime ou identifique com a antieducação do que com a educação que liberta, redime, eleva heróis e modelos, na postura cívica e pessoal, na família e na sociedade, no presente e no futuro. Ou teremos chegado a tamanho desconserto mental, sentimental ou humano que o veto oposto seja natural e apropriado?
*Jurista, ministro aposentado do STF

Legião Urbana - Tempo Perdido

Mulheres Muçulmanas em Oração


Fotografia por Yudhistira Arie

PT Fisco

PT Fisco
Ricardo Noblat  O GLOBO

"Precisamos abrir mais a campanha. Do jeito que está não dá mais"
(Fernando Henrique Cardoso, reclamando de Serra)

A senha para decifrar a história da violação do sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, e de mais três pessoas ligadas ao partido pode estar no livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que, segundo ele mesmo, detonaria as pretensões de José Serra de se eleger presidente da República. E cadê o livro? Sumiu. O gato comeu.
Em maio último, quando a revista Veja publicou que setores da campanha de Dilma Rousseff haviam montado um dossiê contra Serra e outros tucanos emplumados, o PT se apressou em dizer que não havia dossiê algum. O que a Veja chamara de dossiê seria um livro inacabado de Amaury com o título provisório de Porões da Privataria.
A reportagem da Veja provocou a demissão do jornalista Luiz Lanzetta, responsável pela assessoria de imprensa da campanha. Juntamente com Amaury, ele procurara em Brasília o ex-delegado da Polícia Federal Onézimo Sousa para lhe propor que espionasse Serra e alguns membros da própria campanha de Dilma.
Foi o que confirmou Onézimo em depoimento no Congresso. Lanzettanega. Blogs simpáticos ao PT e a Dilma anunciaram então que o livro de Amaury acabaria divulgado na internet a cada semana, um capítulo. Mas até aqui só foi divulgada a apresentação do livro que irá descrever os porões da privatização na era FHC.
Entre as figuras de destaque na narrativa de Amaury estão o ex-tesoureiro de campanhas de Serra e de Fernando Henrique, Ricardo Sérgio de Oliveira, e mais Verônica, Alexandre Bourgeois e Gregório Marin Preciado, respectivamente filha, genro e primo de Serra. Todos eles teriam se envolvido com negócios suspeitos.
Sabe-se agora que Ricardo Sérgio e Gregório Marin, além de Eduardo Jorge e Mendonça de Barros, o exministro do governo FHC encarregado das privatizações, fazem parte da lista de 140 pessoas cujos sigilos fiscais foram violados em outubro do ano passado na delegacia da Receita em Mauá, no ABC paulista.
O PT controla o sindicato dos auditores da Receita desde o final dos anos 90. Com a eleição de Lula em 2002, tentou emplacar um dos seus simpatizantes, Deomar Moraes, na época chefe do serviço de inteligência da Receita, no poderoso cargo de secretário da Receita, até então ocupado pelo economista Everardo Maciel, ligado ao ex-PFL.
Foi Antonio Palocci, antes mesmo de tomar posse como ministro da Fazenda, que não deixou. Deomar escreveu uma carta agradecendo o apoio do sindicato. Everardo foi substituído por Jorge Rachid, um dos quatro secretários adjuntos. Mal sentou na cadeira, Rachid passou a ser alvo de ataques do que é conhecido na Receita como o PT Fisco.
Suportou seis meses de intenso tiroteio. Por fim, ganhou a confiança de Lula. Mas perdeu o lugar depois que Guido Mantega sucedeu a Palocci no ministério. Lina Vieira, a nova secretária da Receita, foi indicada por Nelson Machado, fundador do PT, fiscal do estado de São Paulo e atual secretário executivo do Ministério da Fazenda.
Lina escancarou as portas da Receita para o PT Fisco. Presenteou-o com todos os cargos de chefia. Mas durou pouco. Foi vítima do mau desempenho de sua equipe e da crise econômica que provocou a queda da arrecadação. Saiu atirando em Dilma, a quem acusou de ter intercedido em favor da família Sarney, investigada pela Receita.
Otacílio Cartaxo, o atual secretário da Receita, é um técnico sem alinhamento partidário. Por ordem superior, admitiu a gravidade do episódio de Mauá e se disse perplexo. Não esperem, porém, que ele vá além disso. Antes de tudo, Cartaxo preza a própria carreira e detesta entrar em bola dividida.
No que depender governo, pois, jamais se saberá se o MauáGate serviu em parte para engordar o dossiê do PT contra Serra ou o inédito livro de Amaury. Assim como jamais se desvendou o caso dos aloprados que em 2006 montaram o primeiro dossiê contra Serra. São histórias que terminaram sem nunca ter chegado ao fim.

Bessinha

Larry Rohter: "Este é o 16º ano do governo FHC"

Larry Rohter: "Este é o 16º ano do governo FHC"
Para o jornalista americano, o PT e o PSDB se sobrepõem ideologicamente, Serra cometeu erros e Dilma não pode ser subestimada
Letícia Sorg
O jornalista americano Larry Rohter, ex-correspondente do New York Times no Rio de Janeiro, ficou célebre entre os brasileiros em 2004, quando quase foi expulso do país por Lula depois de publicar uma reportagem em que dizia que a predileção do presidente por bebidas fortes estava afetando seu desempenho no gabinete”. Mas a sua relação com o país começou muito antes do episódio, ainda no início da década de 1970, quando conheceu Clotilde Amaral, uma brasileira que estudava idiomas na Universidade de Georgetown, onde ele estudava história e ciência política. Rohter começou a aprender português com Clotilde, que, de professora, tornou-se sua namorada e o trouxe para conhecer o país em 1972. Casaram-se um ano depois, tiveram dois filhos e, do convívio com o país, o jornalista escreveu dois livros. O primeiro, Deu no New York Times (editora Objetiva), lançado em 2008 para o público brasileiro. O segundo, Brazil on the rise (Palgrave Mcmillan) (numa tradução livre, Brasil em ascensão), lançado neste mês, é uma introdução ao país para estrangeiros. “O interesse pelo Brasil já era grande em 2008, quando a editora decidiu fazer o livro, e desde então só aumentou”, diz Rohter. “Já sabemos até que haverá uma edição do livro em chinês.”
Nesta entrevista, concedida por telefone do escritório de sua casa, em Hoboken, região metropolitana de Nova York, Larry Rohter fala da nova obra, da campanha presidencial e do Brasil pós-Lula. O jornalista também revela se o episódio que quase levou à sua expulsão do país alterou sua opinião sobre o Lula como presidente.
ÉPOCA – Para quem o senhor escreveu Brazil on the Rise?  Larry Rohter – O livro é complementar ao primeiro, Deu no New York Times, que era dirigido a brasileiros. É o outro lado da moeda: é um livro dirigido a estrangeiros, ao público que fala inglês. Isso quer dizer que a estrutura e o conteúdo do livro são diferentes. É um público que não conhece o Brasil, talvez nunca tenha estado no país, mas ouviu falar, tem uma curiosidade de conhecer melhor um país que está cada vez mais nas notícias. Nas manchetes, não, mas nas notícias, sim.

ÉPOCA – O interesse dos estrangeiros pelo Brasil tem aumentado?  Rohter – O interesse dos estrangeiros pelo Brasil começou antes de eu escrever este livro e foi um dos motivadores. A editora resolveu publicar uma série sobre os países BRIC. Começaram com a China, depois a Índia, a Rússia. Quando, em 2008, decidiram fazer o livro sobre o Brasil, o interesse já era grande, e só aumentou. Vou fazer uma turnê pelos Estados Unidos para divulgar o livro e claro que vou para os lugares tradicionais, que têm ligações comerciais ou culturais com o Brasil, como Nova York, Washington, Boston e Miami. Mas, além disso, estou recebendo convites para fazer palestras em cidades como Denver, Salt Lake City, San Francisco, Portland, Columbus, Manchester, New Hampshire, lugares que tradicionalmente não têm uma ligação com o Brasil mas estão acompanhando um desenvolvimento da economia mundial e a política internacional e estão reconhecendo que é necessário conhecer o Brasil melhor.

ÉPOCA – Na introdução, o senhor diz que um de seus objetivos era sair dos clichês que sempre marcam a imagem do país lá fora. De que maneira seu livro mostra um Brasil diferente?  Rohter – A começar pelo título do livro e pela capa. A capa não tem uma imagem tradicional do Cristo, da praia, do Carnaval. É o centro de São Paulo, de uma cidade pujante a perder de vista. É uma imagem desconhecida aqui nos Estados Unidos ou na Inglaterra porque, geralmente, o estrangeiro conhece o Rio de Janeiro. São Paulo geralmente é a grande surpresa. E eu queria projetar a imagem de um Brasil diferente, que convida o leitor a conhecer outra realidade. Claro que eu tenho um capítulo sobre a imagem do Brasil tradicional. Seria impossível ignorar o futebol, o carnaval. Mas é um capítulo entre dez. Os outros capítulos tocam assuntos que estão muito além da pauta tradicional sobre o país. Um capítulo foca o Brasil como superpotência cultural. Outro, o Brasil como potência industrial e agrícola. São os novos elementos que mais chamam a atenção do estrangeiro, a economia e o papel do Brasil no cenário internacional, porque também tem um capítulo sobre o Brasil e o mundo.

ÉPOCA – O senhor dedica um capítulo todo à questão racial no Brasil. Por que decidiu dar esse espaço à questão?  Rohter – Nós sempre falamos da desigualdade social e econômica no Brasil mas, no fundo, isso tem um relacionamento muito forte com a questão racial que, para mim, é a raiz das mazelas sociais do país. Todas elas estão associadas à desigualdade racial. Todo povo é racista, não apenas o brasileiro. Tem racismo na China, na África, na Europa, em todos os cantos do mundo. O importante é como você lida com o racismo e se você reconhece que o racismo existe na sua sociedade. Nós, americanos, fomos forçados a reconhecer a mazela do racismo na nossa sociedade. Ainda estamos enfrentando isso, mas assumimos nossa condição de ser um país racista. O Brasil ainda não fez isso. Ainda persiste o mito da democracia, da igualdade racial, de que todas as discriminações contra as pessoas negras ou pardas têm a ver com a condição econômica, a pobreza. A ideologia de Gilberto Freyre ainda contamina o diálogo da questão racial no Brasil. É a minha visão pessoal, mas nasce de uma experiência de muitos anos no Brasil, de ter falado com amigos negros brasileiros, de ter lido muitos livros sobre o assunto. Quando eu era menino, morava na Flórida dos tempos da segregação. Foi uma coisa muito difícil para uma criança absorver, fiquei sensibilizado. Não quero dizer que nós, aqui, somos perfeitos. Mas reconhecemos que temos um problema. O Brasil ainda finge que não existe problema. Há vozes dissonantes, mas elas são minoritárias, não majoritárias. O negro brasileiro continua numa situação de desigualdade. Eu pergunto: onde está o Obama brasileiro? Não vejo um personagem dessa natureza no Brasil. O governo do Lula e do FHC fizeram coisas para melhorar a situação do negro e hoje você vê ministros negros, mais políticos negros, mas o país ainda está tentando fugir de um debate real e honesto da questão racial.

O Brasil ainda não reconheceu sua condição de ser um país racista. A ideologia de Gilberto Freyre ainda contamina o diálogo da questão racial no Brasil

ÉPOCA – O seu livro retrata as mudanças políticas, econômicas e sociais do Brasil dos últimos 30 anos. Como o senhor as vê?  Rohter – De maneira geral, o país está no caminho certo. É preciso acelerar e aprofundar as políticas que levaram a avanços importantes no campo social e econômico. A educação é o gargalo mais sério no futuro próximo. Além disso, saúde, habitação também são importantes. E medidas para dar mais oportunidades para os negros e os pardos.

ÉPOCA – O senhor está acompanhando a disputa presidencial e, em seu livro, faz um perfil dos três candidatos com maior intenção de voto (Marina, Dilma e Serra). Qual a sua visão sobre o cenário político desta eleição?  Rohter – Eu ia dar um perfil de um quarto candidato, o Ciro Gomes, mas ele saiu da disputa, uma vitória política do Lula. Neste instante, o quadro é muito favorável à Dilma. Marina é uma candidata interessante, mas vejo nas pesquisas que ela não continua crescendo. Chegou a um patamar mais ou menos fixo e, agora, o pouco tempo na TV vai dificultar ainda mais uma subida dela nas pesquisas. Ela tem uma plataforma interessante e representa algo diferente, algo fora do esquema tucanos/PT, mas não passa a um segundo turno, se é que vai haver um segundo turno. Porque é possível que a Dilma ganhe no primeiro.

ÉPOCA – A oposição está tendo dificuldades para eleger seu candidato. O senhor já esperava por isso? Rohter – O Serra demorou demais para confirmar a candidatura. E a escolha do vice foi desastrosa. Indio da Costa como vice-presidente do Brasil? O Álvaro Dias tem experiência, ele teria sido um candidato com força no Sul do país. Mas quando comentei com minha mulher que o Serra tinha escolhido o Indio da Costa, ela ficou atônita e me perguntou: “Aquele menino?” E é isso mesmo. Agora, a escolha da Dilma também não foi ótima. O Michel Temer, embora um político experiente, representa o antigo. Ele não é uma manifestação de uma nova política no país. Dos três candidatos a vice, o mais qualificado é o da Marina (o empresário Guilherme Leal). Ele pelo menos tem experiência em dirigir algo. Não sei se o eleitorado pensa muito no vice, mas veja a história do país: muito mais do que os Estados Unidos nos últimos 50 anos, o Brasil tem vivido momentos em que o vice assume a presidência. O Jango, o Sarney, o Itamar. Dados os problemas de saúde da Dilma, temos que pensar nisso e tenho certeza de que os investidores estrangeiros já estão pensando.
O Serra desperdiçou uma vantagem inicial que tinha. Ele realmente é um político experiente, foi senador, ministro, governador, e um economista com muitas qualidades, que entende do Brasil e do mundo. Agora, não quero desprezar a Dilma. Ela é uma administradora boa, que conseguiu pôr uma estrutura, uma disciplina no gabinete do Lula, e ela é uma pessoa inteligente. Mas ela nunca foi candidata a coisa nenhuma, está começando agora. E quando a vejo em um comício, ou num debate, parece que ela ainda não se sente confortável. E está carente do calor humano que você vê em candidatos como o próprio Lula e outros presidentes brasileiros como JK ou Getúlio. Ser a indicada do Lula parece que compensa todas as dificuldades. Parece. Estamos em agosto. Vamos ver como vai o resto da campanha.

ÉPOCA – Além dos candidatos, o seu livro destaca o nome de Aécio Neves.  Rohter – Eu sei que uma aliança Serra e Aécio enfrentava oposição porque representa a aliança dos paulistas com os mineiros e tem gente que acha que é preciso uma chapa mais abrangente. Mas o Aécio é um candidato formidável. O Aécio tem futuro, sim, é claro, mas parece que o partido não sabe aproveitar toda a força que ele representa. Se não me engano, a última pesquisa que eu vi, há uma semana, dez dias, mostrava que a Dilma tinha 60% de apoio em Minas e o Serra, menos de 20%. Claro que ela é mineira. Mas, mesmo assim, um candidato tucano, num Estado em que Aécio é a figura política principal, teria que ter um desempenho melhor, para ganhar.

ÉPOCA – Os estrangeiros estão olhando para as eleições no Brasil?  Rohter – Ainda não. O que interessa para eles é o resultado: quem vai ser o novo presidente, o que significa para os investimentos, se as mudanças vão ser grandes ou pequenas. No Brasil há apenas um partido de direita, o DEM, e mesmo ele está mudando. Na verdade, no campo ideológico você tende a ver uma convergência. Tanto que eu me lembro que o Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, quando o Lula assumiu, em 2003, queixava-se de que era o nono ano do governo Fernando Henrique. A esta altura, estamos no 16º ano do governo FHC. Porque a política econômica do governo Lula, com o passar dos anos, é cada vez mais social democrata, no sentido europeu. Claro que ainda existem no partido facções e grupos nostálgicos da linha marxista-leninista, mas não são a maioria. Seria interessante ver como eles vão se comportar num eventual governo Dilma. Se ela tem força suficiente para controlar essa tendência dentro do partido. Mas, hoje em dia, os dois partidos mais importantes no país estão ocupando um campo ideológico que se sobrepõe.

ÉPOCA – Embora o Brasil tenha se saído bem da crise financeira de 2008, alguns dados mostram que o crescimento está desacelerando. Como o senhor vê a economia brasileira nos próximos anos?
Rohter –
Isso depende de vários fatores. Nenhum país, nem os Estados Unidos, tem potência suficiente para se isolar da crise mundial. E ainda estamos em crise. Não sou um desses tão otimistas que acham que a crise já passou. Existem vários perigos. Aqui, nos EUA, tem gente, basicamente os republicanos, falando besteira. Existe um grande perigo de deflação nos Estados Unidos que seria desastrosa para o Brasil. Outro fator é a China. O Brasil tem sido, na última década, pelo menos, uma fonte de matérias primas para a China. Temos uma relação triangular. Os Estados Unidos compram bens fabricados na China com matérias primas brasileiras. Aí o perigo para o Brasil é a desaceleração do consumo americano e da máquina industrial chinesa. Claro que aponto no livro que o Brasil tem fatores positivos que outros países da América Latina não têm. Por exemplo, o Chile tem que exportar para sobreviver. O Brasil, não. Aquele mercado de quase 200 milhões de pessoas ajuda muito. O governo foi muito inteligente em navegar aquela primeira fase da crise em 2008, apesar daquela declaração ufanista do Lula [“E a crise? Pergunte ao Bush, a crise é dele”]. Porque o pessoal na Fazenda e no Banco Central sabia do perigo e foi muito capaz em lidar com aquela primeira fase da crise. Agora é outro desafio e requer muito jogo de cintura.

ÉPOCA – Seu livro diz que o jogo de cintura é uma especialidade brasileira...  Rohter – Sim, é verdade. Nas relações pessoais, sim. No campo econômico, até certo ponto, porque o Brasil não é o rei do jogo. O Brasil tem que se conformar com certos limites, não tem autonomia plena. Mas até nós, americanos, já não temos mais autonomia plena, não... Os próximos anos vão ser um desafio. E muito vai depender da agilidade da nova turma que entra no Palácio do Planalto em janeiro.

ÉPOCA – O senhor fala que os estrangeiros nem sempre entendem a hiper-sensibilidade dos brasileiros em relação aos comentários sobre o Brasil.  Rohter – Isso acontece especialmente no início da estadia em um país. Você diz uma coisa aparentemente inocente e seu amigo brasileiro o leva a mal. Aí tem que analisar o que foi que disse, por que a pessoa se ofendeu. Tem que investigar, pesquisar a história do país e da sociedade. Eu me lembro de uma reportagem em que eu usava a palavra “lite”. Aí uma editora aqui em Nova York queria saber por que o brasileiro usava “lite” e não “light”, e aí eles incluíram uma pequena explicação. Aí alguém, não me lembro quem, fez toda uma exposição de como isso representava uma atitude colonialista, dizendo que eu estava debochando do país. Foi uma coisa que me deixou atônito. Porque, às vezes, como dizia o Freud, um charuto é um charuto. Mas acho que nós, estrangeiros, temos que aprender, temos que entender melhor como o brasileiro vê o mundo e por quê.

ÉPOCA – De maneira geral, o senhor critica o jeitinho brasileiro e como ele se transforma na cultura de levar vantagem em tudo. Mas afirma que ele funciona na diplomacia. Como?  Rohter – É um dos grandes méritos do Itamaraty. Eles sabem como construir um acordo com linguagem vaga, digamos. Ele sabem como costurar um acordo que aparentemente diz uma coisa mas pode ser interpretada como outra. É um talento muito útil no cenário mundial.

O jeitinho brasileiro na diplomacia é um dos grandes méritos do Itamaraty. Ele sabem como costurar um acordo que aparentemente diz uma coisa, mas pode ser interpretada como outra.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor diz que a falta de uma posição do Brasil em conflitos regionais fez o país ser conhecido como um “gigante econômico e um anão diplomático”. O Brasil vai ter mais relevância na política externa?  Rohter – Não sei, depende do próximo governo. Nos últimos meses o Brasil foi mais audacioso. Aquela iniciativa com a Turquia sobre a questão nuclear no Irã foi um passo muito ousado. Mas o Brasil se deu mal. Iniciativas fora da área de influência natural do Brasil, ou seja, fora do continente, muitas vezes vão mal. Porque o Brasil ainda não tem quadros treinados para lidar com China. Não tem pessoas com experiência diplomática ou comercial lidando com os chineses. Então cai nas trampas dos chineses, que estão nesse jogo há 5 mil anos. O Brasil quer ser algo mais que um anão diplomático mas é um processo muito difícil. Vai ter episódios muito amargos e o país vai aprender de forma dolorosa. Mas a presença do Brasil como país no cenário mundial é benéfica para todos. O Brasil quer ser algo mais que um anão diplomático, mas é um processo muito difícil. Vai ter episódios muito amargos e o país vai aprender de forma dolorosa.

ÉPOCA – Como o senhor avalia a relação entre o Brasil e os Estados Unidos?  Rohter – Claro que a relação do governo Lula com o governo Obama não é tão íntima ou calorosa como se esperava, mas o Brasil ainda continua sendo um interlocutar útil, valioso e isso no próximo governo tende a crescer. Acredito que o próximo governo não vai cometer os mesmos erros que o governo Lula cometeu. Como o que aconteceu com a campanha para conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, que prejudicou a relação com Argentina, com México, e não levou a nada. O Brasil fez concessões aos chineses que não foram compensadas.

Em certo sentido, o Brasil entrou na bagunça do Haiti pensando: “Não somos os franceses, não somos os americanos, vamos mostrar como se faz”. Agora está lá ainda sem ideia de como sair. Parte disso é culpa dos EUA e da França, que não cumpriram as promessas de ajuda. Mas às vezes o Lula é confiante demais. Ele vê as coisas de uma maneira simples quando estão complicadas. Ele acha: “O Brasil pode o que os outros não puderam”. E não é assim. No cenário mundial, onde ele tem pouca experiência e pouco conhecimento, as coisas são muito complicadas.

Às vezes, o Lula é confiante demais. Ele vê as coisas de uma maneira simples quando estão complicadas. Ele acha: “O Brasil pode o que os outros não puderam”. E não é assim.

ÉPOCA – No livro o senhor diz que, enquanto a imprensa brasileira valorizou o episódio em que Obama elogiou Lula (“Ele é o ‘cara’”), a imprensa americana praticamente o ignorou. Por quê?  Rohter – O Brasil é sempre muito sensível a isso: como vai a relação com os gringos. E foi um momento interessante no relacionamento entre os dois países. Mas isso passou. Estamos em outra época. A crise de Honduras mudou a situação. Também aquele discurso que o Lula fez no Itamaraty em que ele zombou da Hillary em público e isso não se faz. O governo de Obama agora se pergunta: “com quem estamos lidando? Eles são um governo sério? Eles são um país sério ou não?” Zombar da Hillary naquela vozinha de menina foi muito mal visto em Washington. O primeiro contato com o Brasil também não foi muito positivo. Eu estava viajando com a comitiva de Obama, então candidato, e um assessor dele da área de política internacional fez contato com o Brasil por meio da embaixada. Era uma coisa para não ser divulgada, mas acabou saindo em uma dessas colunas de fofoca. Um pouco o Brasil se vangloriando de um contato com o Obama, mas isso não se faz. E deixou uma impressão inicial negativa. Outras coisas têm acontecido para reforçar essa impressão. Ao mesmo tempo eles reconhecem que o Brasil é um parceiro potencial muito interessante e cada vez mais importante. Não tem como negar a importância que o Brasil tem.

ÉPOCA – Em várias passagens, Lula é apresentado como uma figura anedótica, uma espécie de bobo alegre, fazendo piada de judeu aqui, dizendo que a crise é “problema do Bush”, que é “chique emprestar pro FMI” e que “Pelotas exporta viados”. Não seria interessante mencionar também o episódio em que o senhor quase foi expulso do país por Lula?  Rohter – Menciono brevemente o incidente com o Lula.

ÉPOCA – Em um parágrafo.  Rohter – E só vale um parágrafo. Não quero voltar a esse episódio. Foi um espasmo autoritário do presidente e foi contornado. As instituições brasileiras funcionaram como devem funcionar e fui poupado da expulsão que o governo buscava naquele momento. Não sofri represálias. Ainda estou em contato com elementos do PT.

ÉPOCA – Mas o episódio alterou a sua avaliação de Lula como presidente?  Rohter – Não. Inclusive, neste novo livro, tenho uma visão muito equilibrada do Lula. Reconheço os méritos do governo dele. Na verdade falo de um ciclo de 16 anos – FHC e Lula. O Lula não é um intelectual, mas ele teve a astúcia e a inteligência de ver o valor e a utilidade das mudanças que o governo Fernando Henrique fez e de construir algo usando aquelas mudanças como base. O Lula é um grande político, não tem como negar, não pretendo negar, não quero negar. Mas ele não é intelectual. Ele é mais do estilo Bush.
O Lula é um grande político, não tem como negar, não pretendo negar, não quero negar. Mas ele não é intelectual. Ele é mais do estilo Bush. 


ÉPOCA – Mas, em termos de carisma, é possível dizer que Obama está mais para Lula do que para FHC, não?  Rohter – Obama é carismático, sem dúvida, mas é um grande orador e é um intelectual. Então ele difere do Lula. O Lula é um grande orador, mas o estilo dele é mais popular. O Obama consegue despertar esperança, paixões e as mistura com ideias complicadas.

ÉPOCA – O que, na sua opinião, vão representar a Copa de 2014 e os os Jogos de 2016 para o Brasil? Estando fora do Brasil, o que se espera do país como sede desses eventos?  Rohter – É a chance de projetar o país como potência emergente. Vejo oportunidades e perigos. A advertência que a Fifa fez agora sobre os estádios deve ser levada a sério. Fui bastante crítico dos Jogos Panamericanos porque o Rio fez promessas que não cumpriu. Prometeu construir novas estações do metrô, por exemplo. Mas quando o país faz uma promessa e assina um contrato, tem que cumprir. Senão, a credibilidade do país sofre. Daí o perigo. Com a Copa e as Olimpíadas, você está lidando com outros países, outros povos, que têm outros valores e padrões. E eles vão ficar nervosos se tudo ficar para a última hora. Então é bom começar logo para evitar problemas e constrangimentos. Claro que entendo que estamos em campanha eleitoral e isso acaba postergando contratos e decisões.

ÉPOCA – A violência brasileira está sendo vista como um problema pelos estrangeiros?  Rohter – A questão da violência vai ficar cada vez mais importante lá fora. É inevitável que em reportagens sobre episódios de violência no Rio, no quarto ou quinto parágrafo, haja menção ao fato de que a cidade vai ser sede dos dois eventos. Tem incidentes que realmente marcam as pessoas. Para mim foi a morte daquele menino João Helio. Até hoje fico pensando no caso dele, na família dele. Não existe um perigo real viver a cada momento no Rio, mas existe uma preocupação que tira algo do brilho da Cidade Maravilhosa. Conheço pessoas aqui que vão visitar o Brasil e não pretendem ir para o Rio porque já ouviram tantas histórias... Eu digo que é exagero, mas tem que tomar cuidado, é claro.

ÉPOCA – Não nos recordamos, aqui na redação, da suspeita de compra de votos de jurados no Carnaval do Rio na vitória da Vila Isabel com um enredo sobre a Venezuela governada por Hugo Chávez.  Rohter – A imprensa carioca especulou sobre a compra de votos. Eu era correspondente na Venezuela e vi especulação na imprensa lá e, além do mais, tenho parentes que moram na Vila Isabel. Mas confesso que eles são do Salgueiro. Mesmo assim havia especulações sobre isso.

ÉPOCA – Sabíamos da especulação em 2007, quando a Beija-Flor foi campeã.  Rohter – É, também.

ÉPOCA – Quais são as chances de, daqui a dez anos, o senhor escrever o livro The Rise and Fall of Brazil (A ascensão e a queda do Brasil)?  Rohter – O Brasil está subindo, como diz o título do livro. O país chegou a outro patamar. O perigo não é cair, mas haver uma estagnação, deixar de subir com a mesma velocidade. A ideia de um Brasil quinto poder daqui a dez, quinze anos não é irreal. Depende de vocês. É uma aspiração lógica. O país está em uma fase bem diferente de sua história. Eu sou otimista. Nesse sentido sou brasileiro. 

Skoob

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