domingo, dezembro 26, 2010

Deixe-se em paz

Deixe-se em paz
MARTHA MEDEIROS – O Globo – Revista de Domingo
Geralmente é o que se deseja intimamente: paz para o mundo, paz para todos, paz para os torcedores, paz para os moribundos, paz para os iraquianos. É um desejo legítimo, mas qual a nossa contribuição prática para ajudar a construir uma serenidade universal? O máximo que podemos fazer é garantir nossa própria paz.
Portanto, esses são os meus votos: deixe-se em paz.
Parece uma frase grosseira, mas é apenas um desejo sincero e generoso. Deixe-se em paz. Não se cobre por não ter realizado tudo o que pretendia, não se culpe por ter falhado em alguns momentos, não se torture por ter sido contraditório, não se puna por não ter sido perfeito. Você fez o melhor que podia.
Aproveite para estabelecer metas mais prosaicas para o futuro que virá, ou até meta nenhuma. Que mania a gente tem de fazer listinha de resoluções, prometer mundos e fundos como se uma simples virada de ano bastasse para nos transformar numa pessoa mais completa e competente. Você será o que sempre foi — e isso já é muito bom, pois presumo que você não seja nenhum contraventor, apenas não consegue dar conta de todos os seus bons propósitos, quem consegue? Às vezes não dá. Vá no seu ritmo, siga sendo quem é, não espere entrar numa cabine e sair de lá vestido de superhomem ou de super-mulher. Deixe de fantasias.
Deixe-se em paz.
Se quer tomar alguma resolução, resolva ajudar os outros, fazer o bem, dedicar-se à coletividade, seja mais solidário. Não deixe os menos favorecidos na paz do abandono, na paz do esquecimento. Mas esquecer um pouco de você mesmo, pode. Deve. Não se enquadre em comportamentos que não lhe caracterizam, não se enjaule por causa de decisões das quais já se arrependeu, não se arrebente por causa de questionamentos incessantes.
Liberte-se desses pensamentos todos, dessa busca sofrida por adequação e ao mesmo tempo por liberdade. Nossa, ser uma pessoa adequada e livre ao mesmo tempo é uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Será mesmo tão necessário pensar nisso agora? Deixe-se em paz.
Não dê tanta importância à melhor roupa para vestir, à melhor frase para o primeiro encontro, às calorias que deve queimar, à melhor resposta para quem lhe ofendeu, às perguntas que precisa fazer para se autoconhecer.
Chega de se autoconhecer. Deixe-se em paz.
No fundo, estou escrevendo para mim mesma.
Não me deixo em paz. Estou sempre avaliando se agi certo ou errado, cultivo minhas dúvidas com adubo e custo a me perdoar. Tenho passe livre para o céu e também para o inferno. Preciso me deixar em paz, me largar de mão, me alforriar.
Só falta alguém ensinar como é que se faz isso.

SPONHOLZ


Um alerta de candidato

Um alerta de candidato
JOÃO BOSCO RABELLO - O Estado de S. Paulo - 26/12/10
Ao eleger Aécio Neves o candidato de oposição em 2014, o presidente Lula mandou um recado à base aliada pela unidade em torno da presidente eleita Dilma Rousseff, cuja capacidade de administrar os interesses da mega aliança que a sustenta está sendo testada ao limite antes mesmo de sua posse.
A convicção geral de que o ministério anunciado até aqui segue o modelo de convocação da seleção brasileira de futebol - provisório até a véspera da copa - dá bem a medida das dificuldades em conciliar a escalação ideal com o apetite por cargos. Dilma começa o jogo com uma base confiável de ministros chamados da Casa, com a memória da gestão que acaba.

Mas é só. De interlocutores próximos, o presidente não esconde a preocupação com o cenário mais adverso que sua sucessora encontrará para o chamado governo de continuidade, que recomenda ministros muito acima do padrão obtido nas negociações com a base.
A economia não será mais tão favorável, com ajustes internos incontornáveis, que o esforço de Lula em desmentir contrasta com a realidade orçamentária. E que expõe as dificuldades para os investimentos indispensáveis ao país.
Uma base insatisfeita forma a pior das oposições e abre espaço para o crescimento de uma liderança como a de Aécio Neves, com poder de sedução entre governistas. Capaz de se fortalecer na mesma proporção do desgaste do governo e ser alternativa a Lula em 2014.
Nova rodada
De olho nos cargos da Mesa Diretora e nas principais comissões, a bancada do PMDB no Senado se reúne em Brasília nesta terça-feira. Os planos de poder dos peemedebistas preveem José Sarney na presidência por mais dois anos e a recondução de Renan Calheiros (AL) à liderança da bancada. O senador eleito pelo Ceará Eunício Guimarães, da Executiva do partido, que andou alimentando o sonho de presidir o Senado, deve acabar indicado para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. Não é pouco, ouviu no Planalto.
Segunda divisão
Sem mandatos, Ciro Gomes (PSB) e Geddel Vieira Lima (PMDB) estão entre os primeiros da fila para uma vaga no segundo escalão do governo. Ciro quer a presidência do Banco do Nordeste, e Geddel, a presidência da Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Mas pode ficar com a Embratur. Ambos estarão, mesmo no segundo escalão, à frente de orçamentos ricos, dos que no jargão político se diz que "corta e sai sangue".
Chance perdida
Com sua autonomia frequentemente posta em dúvida na formação do ministério, a presidente eleita Dilma Rousseff , na avaliação de aliados isentos, perdeu uma ótima oportunidade de se afirmar ao manter o deputado Pedro Novais no Ministério do Turismo. Embora longe de ser o único exemplo de mau uso do dinheiro público, é o mais emblemático na avaliação geral. Novais virou piada nacional ao pedir à Câmara ressarcimento de despesas num motel e perder a autoridade sobre o cargo, antes mesmo de exercê-lo.
"Lençóis Maranhenses"
De um conhecido juiz de tribunal superior, ironizando o episódio: "O ministro começou a trabalhar antes da posse, conhecendo os "Lençóis Maranhenses", disse, numa alusão ao mais belo cartão postal do Maranhão e um dos mais bonitos do País.

"Guarda meu lugar, tá?"

"Guarda meu lugar, tá?"
Danuza Leão - FOLHA DE S. PAULO
Apesar de sua lealdade ao presidente, esperamos que Dilma comece a governar com a sua cabeça, e rápido
Temos uma nova presidente que conhecemos pouco, mas que dizem ser mandona -e tem cara; ótimo. Tomara que não só mande, como seja bem durona e não passe a mão na cabeça de nenhum de seus auxiliares que faça algo de errado. E que também apareça às vezes no Congresso, de surpresa, para que os deputados saibam que tem alguém atento aos absurdos que fazem. Tiririca, inclusive.
Dilma não parece ser nem vaidosa nem exibida. É sóbria, e duvido que vá fazer a simpática e dizer gracinhas sem graça alguma, para que os bajuladores riam, como sempre fazem, quando os poderosos abrem a boca. Tem a seu favor: trabalha -arrisco dizer- com gosto, como aliás é a obrigação de todos os presidentes, mas que nem todos fazem.

No dia da diplomação seu discurso foi curto, falou sem gesticular nem apontar ameaçadoramente o dedo, seu vestido não era nem vermelho nem verde e amarelo, estava emocionada, mas contida. Enquanto o ministro Ricardo Lewandowsky falava, ela ouvia, mas seus olhos estavam longe, bem longe; parecia estar repassando sua vida inteira, como se estivesse vendo um filme -e que filme.
Apesar de sua confessada lealdade ao presidente, esperamos que comece a governar com a sua cabeça, e rapidinho; afinal, as pessoas podem ser leais e pensar de maneira diferente.
Uma boa notícia é que Lula vai descansar (e nós dele) durante um tempo, e espero que 2011 nos traga a felicidade de abrir os jornais de manhã e encontrar menos denúncias de corrupção nas áreas do governo. Seria ingenuidade querer não encontrar nenhuma.
Não votei em Dilma, mas faço votos para que ela faça um bom governo, e que seja implacável com tudo de errado que encontrar no país. Sua escola foi o PDT, do saudoso Brizola, mas ela sabe como o PT chegou ao poder, alardeando ser "o partido que não rouba e não deixa ninguém roubar"; é isso que queríamos. Que ela se mostre firme como dizem que é, e chegue logo o dia de dizer seu primeiro NÃO aos pedidos dos Sarneys da vida, dos partidos em geral, inclusive o PT, e também aos de Lula -e que a herança lhe seja leve. Dá para entender que nesse primeiro momento não deu, mas essa hora vai ter que chegar, e quando isso acontecer -se acontecer- vou começar a acreditar em todas as qualidades que dizem que ela tem. Dilma vai ficar de olho no Brasil, mas o Brasil já está de olho em Dilma.
Presidente nova, vida nova, vamos ser otimistas, vai dar tudo certo. Está fazendo muito calor para ouvir Lula continuar falando da crise do Oriente Médio, que o Brasil deve ter assento no Conselho de Segurança da ONU, indo à UNE, ao sambódromo, ao Morro do Alemão, abraçar Zeca Pagodinho e ameaçar com 2014 -e ainda vai ter mais. Mas, como disse Chico Buarque, vai passar; aliás, já está quase. Quanto ao ministério, a cada nomeação, mais igual fica, e se tudo se passar como espera Lula, a ministra da Cultura do próximo governo poderá ser escolhida entre Ivete Sangalo e Alcione - indicação de Sarney.
Quem vai dar o tom no Alvorada é a mãe da presidente. Segundo ela, a verdadeira Dilma é ela; a filha é Dilminha. Dilma (mãe) está inteiraça, e parece ser alegre, falante e vaidosa.
Melhor, impossível.
Felicidades, Dilminha; desculpe a intimidade, mas é só hoje.

J. Bosco para O Liberal


Natalie Cole - Ev'ry Time We Say Goodbye

Lula, o instituto

Lula, o instituto
BARBARA GANCIA - FOLHA DE SÃO PAULO - 26/12/10
Bairro nobre de São Paulo. Em meio a um parque com árvores que um dia foram catalogadas por Burle Marx, repousa fulgurante o edifício-escultura mais comentado dos últimos tempos.
Levou tempo para sair do papel, quase dois mandatos presidenciais (em medida usada no Distrito Federal), e muita água rolou pelo buraco do Ademar para chegarmos ao dia de hoje.
Comenta-se que Frank Gehry e Santiago Calatrava teriam batido boca durante a concorrência para decidir pelo arquiteto que realizaria a obra. Mas, no fim das contas, a disputa acabou ficando mesmo entre Ruy Ohtake e Oscar Niemeyer, que, embora não sejam os únicos dois arquitetos tapuias, acabam assinando 100% das obras arquitetônicas de alguma importância que são licitadas no país.
Bem, mas, finalmente, cá estamos reunidos na inauguração do Instituto Luiz Inácio Lula da Silva, uma justa homenagem ao melhor e mais sexy presidente de todos os tempos -Bill Clinton, Silvio Berlusconi e FHC que me perdoem, mas não tem para mais ninguém.
A presidente Dilma, recém-reeleita para seu segundo mandato, a despeito de acusações de ter triplicado cargos públicos federais, acaba de fazer um discurso agradecendo a Lula por ter nascido e implorando que ele volte ao Planalto.
Consigo atravessar a multidão e a passarela sobre o espelho d'água da entrada principal. Quando me dou conta, estou adentrando a primeira sala da fundação dedicada ao nosso imaculado presidente.
Nunca na história deste país viu-se uma construção tão linda e tamanho primor organizacional. Ao meu redor estão reunidas, em ordem alfabética e divididas por Estado da União, todas as camisas de futebol, as bolas, os troféus, as flâmulas e as faixas de times que Lula ganhou de presente em seus dois primeiros mandatos.
Assim que me recupero do êxtase e da variedade futebolísticos, tomo a direção da estátua de Lula talhada no mais transparente mármore de carrara, que ocupa o vão central do edifício. Não posso deixar de admirar a harmonia das proporções. Surpreendo-me apreciando uma parte em especial da anatomia presidencial: que orelhinhas mais bonitinhas! Não é que a Luiza Brunet está coberta de razão? Além de superar em sabedoria o rei Salomão, de ter mais fibra do que Lord Nelson, de ter acabado com a pobreza e a violência em nosso país e de ter encontrado a cura do câncer, Lula também vem a ser uma espécie de George Clooney hirsuto. Só não vê quem santa Luzia desdenhou.
Pelo que me informa o guia impresso que eu trouxe de casa, a próxima sala a ser visitada deveria ser a biblioteca, mas não consigo localizá-la. Será esta portinha minúscula que eu vejo aqui? Ah, então não vale a pena, melhor seguir direto para a sala dos clipes e dos "post-its". Em vez de livros, o maior brasileiro de todos os tempos coleciona clipes e "post-its", sabia não?
A sala seguinte é minimalista ao máximo, toda em branco, enxuta e muda da cabeça aos pés, sem qualquer objeto ou demarcação. Não vejo nenhuma placa, mas algo me diz que deve ser o espaço dedicado à primeira-dama Marisa Letícia.
Passo pela grandiosa galeria de fotos presidenciais em que Lula está perfilado a ditadores africanos, déspotas do Oriente Médio, populistas latino-americanos e terroristas italianos e vou ter finalmente na sala principal do instituto.
É lá que eu vivo a mais indescritível experiência sensorial da vida, uma coisa assim "son et lumiére", patrocinada pelos bancos Itaú, Santander, Bradesco e HSBC, além, é claro, de Petrobras e Caixa Econômica, e dirigida pela Tizuka Yamazaki. Chama-se "Lula, a Intuição" e diz que, no ano que vem, o show viaja para Las Vegas e se apresenta no Cirque du Soleil. Bom começar a se sacudir desde já, não é mesmo, Les Invalides e Biblioteca Kennedy?

Giant's Causeway, na Irlanda do Norte

Fotografia por Ung Yourane 

Os caminhos de Dilma

Os caminhos de Dilma
Suely Caldas - O ESTADO DE S. PAULO
Até as eleições de 2012 a presidente Dilma Rousseff terá um ano e meio para aproveitar a força política das urnas e fazer o Congresso aprovar uma agenda que Lula desistiu de tocar, mas é fundamental para a economia prosperar, para tornar mais limpa a prática política, para a dívida social recuar e para acabar com a miséria. Se conseguir, seu governo será bem avaliado e dará a ela cacife para ser reeleita em 2014, desta vez sem apadrinhamento algum. Será um período difícil, concentrado no prazo exíguo e, ao mesmo tempo, ampliado em múltiplos segmentos em que a ação do governo é fundamental e determinante para fazer o País avançar.
Dessa agenda tudo é prioritário, mas a reforma política se sobrepõe, porque ela abre caminho para facilitar, acelerar e viabilizar todo o resto. É uma espécie de mãe de todas as reformas. Na visão limitada dos políticos, a reforma política é simplesmente prover dinheiro público para financiar campanhas eleitorais e ponto. Ela é muito mais. É a espinha dorsal do fortalecimento das instituições e da democracia, o anteparo ao fisiologismo e à corrupção, desencoraja o desvio do dinheiro público e força presidente, governadores e prefeitos a governarem melhor, com mais eficiência. O interesse público estará preservado e a população ficará agradecida se suas regras atenderem a esses objetivos. Importante também é não ceder a pressões para amansar a Lei de Responsabilidade Fiscal e não permitir que governantes gastem mais do que podem. Sancionada no governo FHC, essa lei é parte integrante da reforma política, embora a vinculação não tenha sido explicitada na época da sua aprovação.
Para aprovar as reformas e outros projetos do Executivo no Congresso é fundamental que a nova presidente resista à prática do toma lá dá cá, ao jogo de chantagem dos parlamentares. Se ceder na primeira vez, a chantagem se espalha e Dilma pode virar refém de uma prática que Lula e o mensalão fartamente provaram ser desastrosa para o País e para quem o governa. Não só porque avança sobre o dinheiro do contribuinte. Também porque vender dificuldades para obter facilidades leva tempo, deforma o conteúdo das matérias, atrasa sua tramitação e o Executivo acaba desistindo de projetos essenciais para o País. Foi o que aconteceu com Lula, que desistiu das reformas tributária, trabalhista, sindical e previdenciária, causando um lamentável atraso de oito anos.
Dilma acaba de escolher seu ministério, contemplando os dez partidos políticos da aliança que a elegeu. Em regimes democráticos, de representação partidária, essa prática é legítima, desde que os escolhidos tenham o passado limpo e agreguem competência e preparo técnico ao cargo. Em relação à maioria dos ministros escolhidos, tais critérios não foram, nem minimamente, observados. Mas está feito, vá lá. Agora ela vai enfrentar uma segunda etapa de pressões para nomear políticos em diretorias de estatais, agências reguladoras, órgãos públicos em Brasília e nos Estados e cargos no segundo, terceiro e quarto escalões.
Aí já é diferente. Mais uma vez, Dilma precisa resistir com força, mostrar-se irredutível. Para administrar com eficiência o bem público, o governante não pode entregar cargos técnicos, que executam decisões e projetos de governo, a políticos fisiológicos, cujo interesse é unicamente extrair do cargo vantagens para seu partido. Como julga que nunca erra, Lula recusou-se a aprender com erros. Mas Dilma deve ter na memória os últimos oito anos de enorme desgaste político com os eleitores e fracasso de gestão em estatais e órgãos públicos por Lula ter nomeado políticos oportunistas para cargos técnicos.
Esse é o arcabouço político e humano com que Dilma vai trabalhar nos próximos quatro anos. É imperfeito, sujeito a pressões políticas, lobbies e chantagens. Portanto, ela deve ficar permanentemente atenta para três objetivos: esgotar o calor das urnas para aprovar matérias difíceis - e de interesse do País - nos primeiros 18 meses de mandato; não nomear políticos incompetentes para funções técnicas; e adotar, desde já, por princípio não ceder a chantagens de parlamentares.
A agenda. Na campanha Dilma evitou falar das reformas (política, tributária, trabalhista, sindical e previdenciária). É um tema politicamente complicado para ser defendido em momentos de caça aos votos. Mas Dilma sabe que elas são tão essenciais quanto difíceis de passar no Congresso. Daí o esforço para tentar aprová-las nos primeiros 18 meses de governo. Além delas, fazem parte da agenda de curto prazo as microrreformas - dirigidas a apoiar o crescimento de longo prazo, criar ambientes propícios a novos negócios e a aumentar a eficiência do mercado. Eliminar papelada, encurtar prazos, facilitar, enfim, a burocracia para a abertura de empresas são providências bem-vindas para estimular novos investimentos, gerar emprego e renda. Correndo por fora desta agenda, a nova presidente vai enfrentar o complicado e minucioso trabalho de administrar o cotidiano da economia.
Dilma assume num momento em que a economia está mais aquecida do que deveria, pressionando a alta da inflação - o Banco Central (BC) elevou sua projeção para 2011 de 4,6% para 5% - e gerando expectativa de o BC voltar a elevar a taxa Selic na próxima reunião do Copom. Se quiser evitar isso, ela terá de endurecer no desempenho fiscal, cortar despesas, suspender contratações, frear a ambição do PT por cargos, recusar pressões e lobbies por gastos de toda ordem e, se necessário, cortar investimentos do PAC. Desequilibrado em razão do desajuste cambial e da crise nos países ricos, o déficit externo está em plena ascensão, devendo fechar 2010 em US$ 49 bilhões e, segundo o BC, em US$ 64 bilhões em 2011 - 31% maior do que este ano. Esse é um problema delicado que requer atenção e ação para não se agravar.
A boa notícia é que a maioria das empresas tem planos de investir em 2011, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Mais investimento, mais emprego, mais dinheiro circulando, mais receita tributária. E é com esse aumento de receita que Dilma deveria organizar um programa de pagamento gradual da dívida e de redução a zero do déficit público nominal.
No mais, boa sorte ao Brasil e à gestão da nova presidente. E um feliz ano-novo aos queridos leitores.
Jornalista, é professora de comunicação da PUC-RIO

Benett


Uma rede chamada humanidade

Uma rede chamada humanidade
Alberto Dines - JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Papai Noel não desceu pela chaminé, baixou pela Internet. Na lista de presentes que distribuiu neste Natal houve mais eletrônica do que joalheria, mais gadgets do que sedas, mais Steve Jobs do que Dior.
Mais ilusões do que realidades: tudo à nossa volta revela uma absurda premência em matéria de apetrechos e equipamentos, corremos esbaforidos atrás dos últimos lançamentos sem perceber que a obsolescência vem junto, brinde obrigatório. Cada nova maquineta nas vitrines é mais uma geringonça a caminho do lixo não-orgânico.
Cansamos de ser humanos, esta é a verdade, preferimos ser operadores de sistemas. Apoiados em pequenos manuais de instrução somos inseridos facilmente nas redes do sucesso, ditas “sociais” – fazemos parte, ganhamos um perfil, rosto, visibilidade. Afinal, chegamos ao status de expoentes embora próximos da nulidade.
Mais complicada, menos sedutora, é a percepção de que a corrida atrás das inovações é enganosa. O ideal iluminista do homem racional, autônomo, livre de dogmas e preconceitos, acabou produzindo em apenas 200 anos – um ninharia na história da civilização – legiões globais de escravos das modas.
O futuro já não é o que era – miragem inalcançável, desafio invencível, sonho, esperança. Representava um salto, ascensão, agora com um clique (re)baixa-se da rede. O futuro era transcendental, agora, uma banalidade de última geração em formato de história em quadrinhos onde os protagonistas são fantásticos equipamentos e os humanos, meros acessórios.
O inglês H.G. Wells tornou-se mais conhecido por suas quimeras científicas do que por seus escritos sobre socialismo e pacifismo. O fatalismo tecnológico transfere para os países desenvolvidos a função de nos abastecer de ferramentas cada vez mais sofisticadas enquanto nos mantém na condição de usuários passivos de suas inovações. Idolatramos um vago e imponderável mundo melhor, esquecidos de algo comezinho: preparar gente melhor para torná-lo viável. Ao menos, capaz de separar os benefícios dos malefícios colaterais.
A modernidade caminha em alta velocidade para tornar-se um retrocesso. Não venceu a intolerância nem o fanatismo como prometera e ainda conseguiu o milagre de fazer da religião um agnosticismo e, deste, uma religião. A modernidade convive com as mentiras, a corrupção, a arbitrariedade e a barbárie graças às infindáveis e anestésicas repetições em tempo real.
Sem consistência, em questão de dias as vanguardas se dissolvem em réplicas, platitudes, reciclagens, híbridos, chavões. Indolor, inodora e inaudível – graças ao barulho ensurdecedor que provoca – a modernidade é uma pirataria desenfreada e invencível.
Tecnologia não liberta ninguém, escreveu recentemente o historiador Timothy Garton Ash. Também não emancipa. Quem liberta, emancipa e transforma são as ideias e as ideias são produzidas pela incerteza nesta arcaica e formidável rede chamada humanidade.
Alberto Dines é jornalista

Maria Bethânia canta "O doce mistério da vida"

Desindustrialização

Desindustrialização
Celso Ming - O Estado de S. Paulo -26/12/10
Quem ouve os pronunciamentos dos líderes da indústria às vezes tem a sensação de que está quase tudo errado na política econômica, que o País está em franca desindustrialização e que o empresário brasileiro vai morrendo um pouco por dia, como os assassinados com arsênico.
Eles olham para a participação da indústria no PIB, que era de 38,7% em 1990 e agora é de 25,4%, e para a participação de produtos industrializados no total exportado, que era de 71,9% em 1990 e hoje não passa de 53,5%, e concluem que a desindustrialização é inexorável como a morte dos zangões depois do enxameamento da colmeia.
Em seguida, acusam o governo pela política econômica contrária aos interesses da indústria e pela falta de combate ao dumping praticado pelos chineses. Culpam a perversidade do Banco Central pelos juros escorchantes e pela excessiva valorização do real. Sobra, também, para os assessores de imprensa, que não estariam conseguindo fazer a cabeça dos formadores de opinião.
O erro desses dirigentes é tanto de diagnóstico quanto de escolha do tratamento. É uma insensatez insistir na tese da desindustrialização quando o consumo interno cresce a mais de 10%; o desemprego ficou reduzido a meros 5,7% (veja o gráfico), menor nível da história; o Investimento Estrangeiro Direto (IED) ultrapassará os US$ 38 bilhões neste ano e os US$ 45 bilhões em 2011; as importações de máquinas e equipamentos crescem a 38% e alcançarão os US$ 4 bilhões; a carteira de empréstimos do BNDES foi de R$ 283 bilhões em 2009 e será de R$ 360 bilhões em 2010; as exportações de produtos manufaturados, os mais sensíveis ao câmbio valorizado, avançam a 19% ao ano; a indústria automobilística tem seu melhor ano da história; e a capacidade ociosa da indústria está reduzida a 15% (veja o "Entenda").
O que dá para dizer é que outros setores da economia estão crescendo mais do que a indústria, especialmente o de serviços e o agronegócio, e esse é o principal fator que explica o mergulho da participação da indústria no PIB.
Não dá para negar a persistência dos demais problemas, alguns deles graves. A concorrência asiática (e não só a chinesa) é enorme; a desvalorização do yuan foi de mais de 50% em quatro anos e não dá para derrubar os custos de produção nessa proporção; a crise está empurrando para cá industrializados produzidos em países que nem de longe enfrentam as limitações do Brasil; os custos da mão de obra estão disparando; a indústria mal e mal consegue melhorar sua competitividade; alguns setores tendem a desmilinguir.
Tudo isso é verdade, mas é preciso combater as causas e não as consequências ou apenas os efeitos colaterais. O verdadeiro inimigo não são os juros escorchantes ou o câmbio fora de lugar. São as excessivas despesas públicas; é a carga tributária elevada demais; é a precariedade da infraestrutura local; são os apagões das reformas: a política, a tributária, a da previdência e a do sistema trabalhista.
A indústria precisa de ajustes para enfrentar novos tempos, especialmente os de uma economia brasileira forte, baseada na produção intensiva de commodities, que vai pedir, também, uma moeda forte e uma indústria ainda mais forte - e não o contrário.
Expansão forte
Quanto mais próximo o Nuci estiver de 100, menos capacidade ociosa tem uma indústria. Esse índice indica, também, necessidades de investimento. Quanto menor a capacidade ociosa de instalações, equipamentos e máquinas de uma indústria, mais o futuro aumento de produção exigirá investimentos.

Quem devassa devassado será

Quem devassa devassado será
Eliane Cantanhêde - FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - Sua privacidade é devassada quando você vai ao banco, ao supermercado, ao shopping, ao próprio escritório, ao apartamento de um amigo, ao consultório médico, a uma repartição pública, a uma embaixada, e até quando simplesmente anda pela rua.
As câmeras estão por toda a parte, desde a portaria até corredores e salas dos prédios, e raramente faltam no elevador. Até suas partes íntimas estão à mostra em alguns aeroportos de países que se acham donos do mundo.
Essas câmeras indiscretas têm lá sua serventia. Num exemplo doméstico e recente, foram elas que derrubaram a versão dos vândalos que espancavam jovens na Paulista e reconstituíram a verdade para a polícia, para a Justiça e até para as famílias desorientadas.
Contra imagens, não há argumentos.
Portanto, segurança é bom e todo mundo gosta. Mas, se bisbilhotam nossas rendas, nossas contas, nossas digitais, nossas companhias, nossas falas, nossos atos e nossos passos, nós também temos o direito de bisbilhotar quem nos bisbilhota.
Governos e organizações invadem nossa privacidade, e nós queremos invadir a privacidade deles. O que eles sabem e o que decidem nos dizem respeito diretamente.
Imagine só o que o cidadão do mundo ficaria sabendo se o WikiLeaks tivesse quebrado o sigilo dos telegramas e das mensagens do Pentágono e do Departamento de Estado dos EUA à época da invasão do Iraque... Muitos abusos e principalmente muitas mortes poderiam ter sido evitados.
Justamente por isso Julian Assange, do WikiLeaks, foi eleito "homem do ano" do "Le Monde" francês e do próprio mundo. Ele humilhou a maior potência, expôs o ridículo da correspondência diplomática e principalmente equilibrou o jogo de esconde-esconde.
Quem devassa devassado será. Isso vale para nós, meros mortais, e passa a valer para eles, que se julgam os deuses do Universo.

Skoob

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