domingo, dezembro 26, 2010

Abismo racial na saúde

Abismo racial na saúde
Relatório da UFRJ mostra que pretos e pardos ainda têm acesso desigual ao SUS
Carolina Benevides – O Globo
Mesmo 22 anos depois de a Constituição ter sido promulgada e garantido que todos são iguais, “sem distinção de qualquer natureza”, um estudo da UFRJ mostra que ainda existe um abismo entre brancos, negros e pardos no acesso à saúde pública. Economista e pesquisador, Marcelo Paixão se debruçou sobre dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE, em 2008, para produzir o capítulo ligado à saúde do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009 — 2010, que ainda será publicado. E constatou: a desigualdade perpassa o Sistema Único de Saúde (SUS), e ainda é preciso avançar muito para que a Constituição seja cumprida.
Segundo o relatório, em 2008, a importância do SUS para pretos e pardos era 19,5% superior do que para os brancos, e eles responderam por 55,2% de todos os atendimentos.
No entanto, nas consultas os negros e pardos são minoria.
Quando se trata, por exemplo, de pré-natal, 71% das mães de filhos brancos fizeram mais de sete consultas; o número de mães de filhos pretos e pardos que passaram pelos mesmos exames é 28,6% inferior.
O estudo mostra ainda que 15,6% dos pretos e pardos que foram atendidos declararam que o serviço era regular, ruim ou muito ruim.
A diferença no indicador entre as mulheres pretas e pardas — as mais insatisfeitas — e os homens
brancos — os menos insatisfeitos — chegou a 5,2 pontos. Entre os que precisavam procurar um médico e desistiram, o número chegou a 33,2% dos homens, e 26,1% das mulheres pretas e pardas.
— Esses indicadores apresentam algumas possibilidades, mais do que conclusões. Mas fica claro que o sistema falha no atendimento. Se a pessoa deixa de procurar e diz que uma das causas é não gostar dos profissionais, ela sinaliza que há um problema — diz Paixão.
Pretos e pardos são 50,3% da população
● Prestes a deixar a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o ministro Eloi Ferreira de Araujo reconhece que a política universalista do SUS ainda não alcança a plenitude.
— Se continuarmos tratando da questão como se todos fossem iguais, vamos continuar reféns de tratamentos iguais para desiguais. Se os negros não se sentem bem, se não se sentem acolhidos, o SUS tem que mudar. Essa população já está exposta a mais vulnerabilidade social, e é preciso acelerar o combate à desigualdade na saúde — diz Ferreira de Araujo.
A população brasileira é, de acordo com a Pnad, de 189.953 milhões.
Desses, 48,8% se declaram brancos; 6,5% pretos; 43,8% dizem ser pardos; e 0,9% são amarelos, indígenas ou não declararam.
Moradora de Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador, a dona de casa Flávia Oliveira, de 24 anos, está no oitavo mês de gestação e espera um menino. Flavia fez uma ultrassonografia e ainda não teve o resultado:
— Vou ao posto, dizem que não chegou, me tratam com indiferença — conta Flávia, que só começou a acompanhar a gravidez no quinto mês. — Na primeira vez que fiquei grávida, também não tive o acompanhamento que queria, e acabei tendo problemas no parto. Tenho medo que isso volte a acontecer.
A pesquisa revela ainda que 43,5% dos homens pretos e pardos não haviam visitado um médico nos últimos 12 meses. Entre os brancos, o percentual era de 38,6%. Jorge de Oliveira e Silva Filho, de 54 anos, se encaixa nesse perfil. Paciente do Hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no Rio, ele passou seis anos sem fazer qualquer tipo de exame ou consulta. Só foi ao hospital quando percebeu que estava urinando demais. Descobriu um câncer de próstata, e aguarda o momento de operar. Também paciente, Sérgio Tomé só chegou ao hospital quando já estava doente. Passou por uma bateria de exames, descobriu e operou um câncer, e agora cuida da pressão alta.
— Homem não gosta de ir ao médico, e não é a cor da pele que determina isso. Esse é um dado que mostra que, em condições iguais, os pretos e pardos ainda assim procuram menos o serviço de saúde — diz Paixão. — Não temos a pretensão de sanar o problema, mas de fazer o SUS reconhecer que ele existe. Analisando os indicadores, é possível criar propostas para combater a desigualdade. A Constituição não pode continuar sendo apenas uma carta de intenções, ou corremos o risco de ver a população afro como à parte na população brasileira.
CORPO A CORPO LUIZA BAIRROS
‘Combate ao racismo é responsabilidade do Estado’
Prestes a assumir a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com status de ministério, a socióloga gaúcha Luiza Bairros, radicada em Salvador desde 1979 e hoje à frente da Secretaria de Promoção da Igualdade da Bahia (Sepromi), lembra que o “racismo é um dos determinantes sociais da saúde”, e que o enfrentamento da desigualdade racial, questão histórica no Brasil, é “questão de escolha política”. Para a futura ministra, que assume no ano internacional dos afrodescendentes,“o combate ao racismo é responsabilidade primária do Estado”.
O GLOBO: A senhora vê avanços no combate à desigualdade racial na área da saúde?
LUIZA BAIRROS: Passos para superar a desigualdade estão sendo dados, e o que concretiza esse avanço é a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que parte do pressuposto que o racismo é um dos determinantes sociais da saúde. Com isso, seus efeitosna população são encarados. Pesquisas como a da UFRJ permitem medir a ocorrência de possíveis ações discriminatórias por meio do desconforto que as pessoas dizem sentir.
Como a sociedade pode contribuir para que as desigualdades diminuam?
LUIZA: É preciso que a sociedade se mantenha vigilante. Na questão da saúde, é importante que os profissionais mudem suasformas de encarar os diferentes públicos.
A desigualdade racial é uma questão histórica no Brasil.
LUIZA: O enfrentamento é questão de escolha política do Estado. O Brasil assinou em 2001, durante uma conferência mundial (III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas), o compromisso de combater o racismo. Como temos essa garantia, podemos e devemos trabalhar para combater a desigualdade.
Quais serão as prioridades da senhora à frente da secretaria?
LUIZA: Inicio a transição esta semana. A secretaria existe há quase oito anos, e ao longo desse caminho criou muitos programas. Quero conhecê-los para pensar de forma mais embasada nas prioridades. 2011 é, segundo a ONU, o ano dos afrodescendentes. Então, é um ano para trabalharmos ações emblemáticas.

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