segunda-feira, junho 21, 2010

A encruzilhada do presidente

TENDÊNCIAS/DEBATES
A encruzilhada do presidente
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
É de se lembrar que o presidente não reconheceu as eleições livres em Honduras, mas anda de braços dados com ditadores


O presidente Lula encontra-se em uma encruzilhada real, em que o fantasma da inflação, as multas que vem recebendo por desrespeitar à Constituição que jurou cumprir e a desfiguração de seu perfil de protagonista internacional podem empanar o que de positivo fizera no seu primeiro mandato.
O certo é que o sucesso do primeiro governo em assegurar respeitabilidade no exterior, tendo obtido justa e merecida exposição, com reconhecimento internacional, desde o episódio de Honduras -em que foi armadilhado por Chávez e protagonizou melancólico papel-, principiou a se desfazer, e a imagem exitosa ainda é mantida no país à custa de uma fantástica propaganda oficial.
É de se lembrar que não reconheceu as eleições livres realizadas em Honduras, mas anda de braços dados com notórios ditadores, como Fidel Castro, Raúl Castro e Ahmadinejad, nada obstante pisotearem, esses senhores, os direitos humanos em seus países.
Em clara seletividade, aceita tais violações, por conta de sua amizade com ditadores ou seus aprendizes (Chávez e Morales), mas é cruel em relação aos governantes democraticamente eleitos em Honduras, pelo fato de seu presidente não ser acólito do histriônico e verborreico presidente venezuelano.
O pior, todavia, reside na instalação de uma República sindical no país, com legislação por ele aprovada, que possibilitou a transferência de polpudas somas dos contribuintes para as centrais sindicais, as quais se utilizam de dinheiro do povo para fazer, aberta e ilegalmente, a campanha de sua candidata.
Mais do que isso, o presidente da República, transformado em cabo eleitoral, festeja a alta carga tributária brasileira para sustentar um Estado hoje tomado por expressivo número de sindicalistas não concursados.
Compara-a, de forma canhestra, com a carga dos EUA, ignorando que lá a carga é bem menor que no Brasil, como o é no Japão, na China e em outros países que prestam serviços públicos dignos a seus cidadãos, ao invés de ser destinada, quase exclusivamente, a assegurar benesses aos detentores do poder.
Nunca votei em Lula, muito embora tenha reconhecido, desde o primeiro ano de seu governo, seu talento e habilidade, que permitiram a aceitação internacional e os elogios do presidente Obama.
O certo é que essa imagem começa a se desfigurar, nada obstante a manutenção de sua popularidade à custa de maciça propaganda.
Quando a poeira da história se assentar e o historiador examinar o período de seu governo, sem as manipulações da propaganda oficial, certamente tais violações marcarão sua gestão e será contada a "verdade verdadeira" da era Lula.
Poder-se-á dizer que dirigiu bem a economia, o que é verdade, pois teve o bom senso de seguir rigorosamente a política de Fernando Henrique quanto a moeda e fundamentos, montando equipe de valor, que não se curvou aos apelos de gastança de todos os amigos do rei, malgrado o fantástico inchaço da máquina burocrática.
O certo, todavia, é que, mesmo na área econômica, o excesso de benesses aos servidores da máquina oficial (quase R$ 200 bilhões para pagar a mão de obra de menos de 1 milhão de brasileiros) projeta bomba de efeito retardado para o futuro governo, seja ele qual for.
É pena que Lula tenha se despido das vestes de estadista -que chegou a envergar, no primeiro mandato - para mostrar a face de exclusiva ambição pelo poder a qualquer preço, transformando-se em cabo eleitoral cuja especialidade maior é tisnar a lei e a verdade.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 75, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

Brasil desiste de papel de interlocutor entre Irã e potências

Brasil desiste de papel de interlocutor entre Irã e potências
Amorim diz que País não terá mais "posição proativa" com Teerã; EUA comemoram Recuo
BRASÍLIA – Estadão – 21/06/2010

Desapontado com a aprovação de novas sanções da ONU contra o Irã, o Brasil desistiu de exercer um papel de interlocutor entre as potências ocidentais e o país persa. A revelação foi feita pelo chanceler brasileiro, Celso Amorim, em entrevista ao jornal britânico Financial Times, publicada ontem.
"Não vamos novamente ter uma posição proativa (em relação à negociação iraniana), a não ser que sejamos solicitados", disse Amorim. Segundo o ministro, o Brasil acabou prejudicado "por fazer coisas que todos afirmavam ser positivas". "Ao final, descobrimos que tem gente que não sabe receber "sim" como resposta", alfinetou o chanceler.
Uma autoridade americana que pediu anonimato comemorou a declaração de Amorim. "Não vejo o Brasil e a Turquia em uma posição de exercer essa mediação", disse ao Financial Times. "Por terem votado contra as sanções da ONU, eles não são mais realmente neutros."
De acordo com o Itamaraty, o Brasil foi incentivado pelo próprio presidente Barack Obama a selar o acordo de 17 de maio, que previa a troca na Turquia de 1.200 quilos de urânio iraniano por 120 quilos de combustível nuclear. Obama teria afirmado - por meio de cartas vazadas à imprensa pelo governo brasileiro - que o compromisso seria um sinal positivo, embora insuficiente para fazer os EUA desistirem de novas sanções a Teerã.
Mas, após o pacto ser firmado, a diplomacia americana adotou posição oposta. Washington justificou seu ceticismo em relação ao acordo afirmando que a rápida ampliação dos estoques iranianos de urânio praticamente anulava o impacto da troca sobre o avanço de Teerã em direção à bomba.

Queimadas em alta

Queimadas em alta
60 focos registrados Em uma das ocorrências de ontem, fogo destruiu 100 mil m2 de vegetação em área do Exército
Maísa Urbano / maisa.santos@rac.com.br - Da Agência Anhanguera
VENCESLAU BORLINA FILHO - MARITA SIQUEIRA - venceslau.borlina@rac.com - maritasiqueira@rac.com.br

A falta de chuvas e o calor dos últimos dias têm contribuído para a ocorrência de queimadas em Campinas. Segundo dados da Defesa Civil, a cidade tem registrado neste ano entre 50 e 60 pontos isolados de fogo diariamente. As regiões Norte e Leste, próximas à rodovias e matas preservadas, o que potencializa os riscos de incidentes mais graves, são as áreas que têm o maior número de ocorrências.
Um incêndio de origem ainda desconhecida destruiu ontem cerca de 100 mil m2 de vegetação da Coudelaria do Exército em Campinas, no limite com Valinhos. O fogo começou durante o jogo do Brasil contra a Costa do Marfim, pela Copa do Mundo de Futebol, e se alastrou rapidamente. O Corpo de Bombeiros teve dificuldades para controlar o incêncio, principalmente, pelo mato seco e pelo grande número de atendimentos.
Os baixos índices de umidade relativa do ar provocados pelo tempo seco, as bruscas variações de temperatura, o ressecamento da vegetação e os ventos fortes contribuem para os incêndio. Somente ontem foram registrados ainda focos de queimadas no Jardim Von Zuben, Taquaral, Barão Geraldo, São José, Cidade Universitária e Amarais. Na noite de sábado, o fogo em um matagal atingiu dois barracos na favela do Santa Marta, em Campinas. As casas ficaram completamente destruídas. Ninguém se feriu.
MUDANÇA. Para o pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agronomia (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jurandir Zullo, a vegetação fica mais seca, o que propicia que o fogo se espalhe rapidamente entre os meses de abril e agosto, podendo chegar a setembro dependendo do ano. “As condições ambientais são favoráveis para que o fogo se alastre, mas é necessário que haja uma ação humana condutora do evento”, disse ele. Afirma ainda que isso o risco ocorre desde pequenas atitudes, como jogar a bituca do cigarro nas plantas ao lado da estrada e nos canteiros da cidade, assim como em lixo, podem gerar grandes incêndios.
Depois de uma semana de calor e baixa umidade relativa do ar, a temperatura deve diminuir com possibilidade de chuva a partir de amanhã, elevando o índice de umidade para 90%, de acordo com o Clima Tempo.

Índios reivindicam retorno de voos

Índios reivindicam retorno de voos
Andrezza Trajano – Folha de Boa Vista – RR – 21/06/2010

Aproximadamente 120 índios protestaram ontem pela manhã, em frente à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), contra a suspensão de voos para a terra indígena Yanomami.
A medida se restringe às pistas não registradas junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mas atinge 7 mil indígenas espalhados em 150 comunidades.  
Na semana passada, a Anac autuou pela terceira vez a empresa que presta serviço aéreo à Funasa, por pousar em 34 pistas não-homologadas, mesmo que seja para levar atendimento de saúde aos índios.
A empresa recebeu uma multa de R$ 12 mil e foi advertida que, em caso de reincidência, teria a licença para voar cassada. Além destas, a empresa pousa em 71 pistas registradas. Cada hora de voo custa R$ 1.074,00.  
Pintados, carregando adereços indígenas e dançando em frente ao prédio da instituição, os Yanomami deram o ultimato. “Somos guerreiros, não temos medo de polícia. Queremos o retorno dos voos. E se mais um índio morrer, vai ter morte de branco também”, dizia um dos indígenas em cima de um carro de som.  A morte a que se referia seria a de um indígena da região de Tootobi, que teria morrido na segunda-feira passada de malária, por falta de voo para vir a Boa Vista a fim de receber atendimento médico.
 A Funasa nega que tenha ocorrido qualquer morte por falta de atendimento.  Anselmo Yanomami, membro da Hutukara Associação Yanomami, disse que aguarda o retorno imediato dos voos à reserva. Na hipótese de isso não ocorrer, prometeu um protesto surpresa, sem entrar em detalhes da forma como será executado.  
A manifestação ocorreu sob o olhar do administrador da Funasa, Marcelo Lopes, que a reconheceu como legítima. “No entanto, não há falta de atenção à saúde em nenhuma localidade, não tem nenhuma localidade sem equipe de saúde, sem medicamento, e a gente tem buscado voos emergenciais aeromédicos [os que se limitam a transportar apenas pacientes]. Estamos contando com uma operação urgente de helicóptero [vindo do Amazonas], trocando equipes de saúde, fazendo tudo o que pode ser feito”, explicou Lopes.  
Ele acrescentou que tentou uma autorização excepcional para serviço de saúde em terra indígena, mas que o pedido foi negado pela Anac. Ainda recorreu às Forças Armadas, que também teriam informado quanto à impossibilidade de pilotar aeronaves civis, já que as militares não têm condições de pouso nas localidades.
Outra opção buscada pela Funasa é o apoio da Defesa Civil, que dispõe de helicópteros, por meio da Missão de Misericórdia.  Procurada pela Folha, a Anac disse que as pistas em questão estão em processo homologatório, mas que isso demanda tempo. Porém, frisou que até lá, a empresa que presta serviço aéreo à Funasa só deve pousar em pistas registradas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) não quis se pronunciar sobre o assunto.

India Arie - Beautiful Flower

Efeitos colaterais

Efeitos colaterais
Merval Pereira
A aprovação da Lei da Ficha Limpa pode provocar uma reviravolta na eleição para governador do Rio de Janeiro, com o ex-governador Garotinho tendendo a não disputar mais a eleição, antecipando assim o segundo turno com o apoio à candidatura de Fernando Gabeira.
Esse apoio viria de maneira indireta, através da vereadora Clarisse Garotinho, uma liderança política jovem que tem bom trânsito em setores que os pais, Garotinho e Rosinha, não alcançam.
Condenado a uma inelegibilidade de três anos, a contar de 2008, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, por abuso de poder econômico, Garotinho tentava meios jurídicos para manter sua candidatura na convenção do PR no dia 27, até que um recurso seja julgado.
Com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, ele terá mais uma frente de luta jurídica, o que o estaria desanimando.
A primeira alternativa que buscou foi montar uma chapa “evangélica”, com o apresentador da TV Record Wagner Montes , do PDT, — que já apareceu como candidato bem cotado nas primeiras pesquisas de opinião —, o bispo Marcelo Crivela para o Senado e ele próprio para deputado federal, uma candidatura que não exigiria grandes esforços de sua parte e que poderia ser mantida por recursos judiciais.
Mas o PDT está fechado com a candidatura à reeleição do governador Sérgio Cabral, com o apoio da sua direção nacional, e as negociações não evoluíram.
Restou ao clã Garotinho, que ainda mantém o controle de Campos, onde Rosinha é a prefeita também às voltas com a condenação à inelegibilidade, a alternativa de lutar juridicamente para manter a candidatura ao governo do estado, mesmo correndo o risco de se frustrar no meio do processo, ou apoiar a candidatura oposicionista de Fernando Gabeira, da coligação PVPSDBPPS.
Com a vantagem para Gabeira de que esse apoio viria naturalmente, sem compromissos que comprometessem sua candidatura ao governo do estado.
Até o momento a disposição do ex-governador é sair da disputa e levar o apoio de seu grupo político a Gabeira.
De uma coisa ele não abre mão: disputar a liderança política do estado com o governador Sérgio Cabral.
Mesmo fazendo parte da base aliada do governo federal, Garotinho não estaria disposto a apoiar a reeleição do governador.
Seu engajamento forçado na campanha da oposição pode levá-lo também a apoiar para presidente um dos dois candidatos da coligação de Gabeira, Marina Silva, do PV, ou José Serra, do PSDB.
A eleição do Rio, por sinal, está ganhando uma importância maior na definição da candidatura à Presidência dos tucanos, cuja coordenação nacional, por isso mesmo, queria mais destaque para o número 45 do partido na propaganda eleitoral, especialmente na televisão.
A tentativa de última hora de alterar os termos da coligação, lançando um candidato ao Senado em lugar do PPS, gerou uma crise interna que quase a inviabilizou.
Diante da possibilidade de perder um palanque fundamental no Rio, ainda mais com a perspectiva inicial de a candidatura oficial de Dilma Rousseff ter dois palanques fortes, o de Sérgio Cabral, favorito para vencer no primeiro turno, e o de Garotinho, que aparece em segundo lugar nas pesquisas com cerca de 20% da preferência do eleitorado, com força sobretudo no interior, o PSDB desistiu de mudar a formatação do consórcio partidário.
O que se busca agora é uma maneira de manter o número da legenda nas apresentações de todos os candidatos da coligação.
A coligação oposicionista já tivera uma primeira desavença também por causa da candidatura ao Senado.
O Partido Verde não queria se coligar com o DEM para apoiar a candidatura do ex-prefeito Cesar Maia e lançou a vereadora Aspásia Camargo para o Senado.
O Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, entendeu que a coligação só poderia lançar dois candidatos na chapa, não havendo possibilidade de uma candidatura avulsa fora da coligação.
Todos esses desencontros pareciam superados ontem, quando se realizaria a convenção do PV para lançar Gabeira ao governo do estado com a presença dos candidatos Marina Silva e José Serra.
Mas há por baixo dos panos um sentimento de que a confiança entre os membros da coligação tem que ser recuperada.
O PPS sentiu-se traído com a tentativa do PSDB de tirar-lhe a candidatura ao Senado, com o agravante de que o candidato do PPS é o ex-deputado Marcelo Cerqueira, amigo dos tempos da UNE de Serra.
Também o DEM sente-se desconfortável com a rejeição do PV, uma disputa particular entre o vereador Alfredo Sirkis, que foi secretário de Cesar Maia em sua primeira encarnação como prefeito do Rio, e depois romperam.
Com tudo isso, porém, o deputado Fernando Gabeira considera que a depuração do quadro de candidaturas está revelando a verdadeira tradição política do Estado do Rio, que teria que ter um forte candidato ao governo de oposição.
Também para o Partido Verde a eleição do Rio tem especial importância, pois há sinais em diversas pesquisas de que a candidatura de Marina Silva à Presidência pode ter aqui um destaque e a impulsione no resto do país.
Apesar de o prestígio do presidente Lula ser grande no Rio, a oposição considera que um dos dois candidatos oposicionistas à Presidência tem condições de superar Dilma Rousseff, justamente pela tendência política rebelde do eleitorado do estado.

A história das ambições nucleares do Irã (segunda parte)

A história das ambições nucleares do Irã (segunda parte)

Erich Follath e Holger Stark – 21/06/2010 – Der Spiegel
Na disputa sobre o programa nuclear de Teerã, o Conselho de Segurança da ONU impôs novas sanções. Será que o Irã está de fato construindo uma bomba como alegam os países ocidentais? Ou os países estão exagerando o perigo para obrigar o Irã a se ajoealhar? A “Spiegel” rastreou a história do programa nuclear de Teerã – com paradas em Washington, Viena e Isfaham.


Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, usa óculos de proteção para os olhos em exposição de ciências, em Teerã. Comunidade internacional suspeita das intenções de seu programa nuclear

3º ato: Como um agente da BND descobre o "laptop da morte"

Vyacheslav D. é um especialista internacionalmente conhecido no campo da nanotecnologia. Sua reputação se baseia em uma descoberta que ele e seus colegas cientistas soviéticos fizeram em julho de 1963. Quando eles expuseram carbono a ondas de choque de uma explosão, a compressão abrupta transformou o carbono em pedras preciosas chamadas nanodiamantes. Os iranianos não têm necessidade de pedras preciosas, mas estão interessados em tudo o que se relaciona a detonar uma bomba - e é aí que entra o russo. Durante a Guerra Fria, D. passou anos trabalhando no programa de armas nucleares soviético. Chelyabinsk-70, na Sibéria, a 1.500 km a leste de Moscou, é a versão soviética de Los Alamos, no sudoeste dos EUA. Os russos constroem bombas nucleares lá desde 1955, e hoje seus cientistas experimentam maneiras de fazê-las menores. D. trabalha no instituto de pesquisa científica de Chelyabinsk.
Os iranianos tomam conhecimento de D. em 1992, quando ele e seus colegas publicam um ensaio inovador em uma revista profissional. No artigo, eles discutem o desafio de fazer as ondas de choque se expandir o mais uniformemente possível depois de uma explosão, um fator importante na detonação de um certo tipo de ogiva nuclear. Para esse fim, muitos pequenos canais têm de ser cortados na ogiva, "de modo a poder medir os intervalos em que as ondas chegam", escreve D. Segundo fontes da AIEA, um acordo é fechado por volta de 1995. A partir daí, o cientista russo vai trabalhar para Teerã. Se ele tem plena consciência do verdadeiro objetivo do projeto, não está claro.
É um processo de armamento nuclear que permanece por muito tempo oculto do mundo, até um daqueles dias dourados do fim do verão em Washington em meados de agosto de 2002. Os Mujahedin do Povo do Irã, parte de uma coalizão de exilados iranianos chamada Conselho Nacional da Resistência do Irã, realizam uma entrevista coletiva no Hotel Willard Intercontinental em Washington. Não é exatamente o local preferido dos dissidentes iranianos que tentam derrubar o regime com bombas em Teerã e protestos nas capitais europeias.

Uma sensação política global

Os exilados iranianos se reúnem com a imprensa no salão Taft, no terceiro andar. "O que eu estou lhes mostrando hoje são dois locais altamente secretos que o regime iraniano tentou esconder até agora", diz um porta-voz dos Mujahedin do Povo. Suas palavras são uma sensação política global. Um reator de água pesada para produzir plutônio em Arak? Uma usina de enriquecimento em Natanz? É possível que o Irã esteja operando um programa nuclear há anos?
Os críticos do regime afirmam que a apresentação é "o resultado de nossa própria pesquisa intensiva", mas isso não é verdade. Na verdade, o serviço de inteligência de Israel forneceu essa informação ao grupo. Para aumentar a credibilidade, o governo de Jerusalém tentou ofuscar sua autoria. Nos países árabes essa sensação seria tratada apenas como mais uma consequência de uma série interminável de suposta propaganda sionista.
A inesperada exposição do projeto nuclear do Irã muda tudo. Até então os iranianos conseguiram manter o desenvolvimento oculto, mas agora o público global está voltando seus refletores para o país. Isso marca o início de uma grande controvérsia política que terminará em uma alternativa: guerra ou paz?
Na época, o presidente americano George W. Bush já tinha cunhado o termo "Eixo do Mal", referindo-se a Iraque, Irã e Coreia do Norte. Esses três países, diz Bush em janeiro de 2002, estão "se armando para ameaçar a paz no mundo". Ele ameaça abertamente a guerra, dizendo: "Os Estados Unidos da América não permitirão que os regimes mais perigosos do mundo nos ameacem com as armas mais destrutivas do mundo".
A nova doutrina dos neoconservadores do governo americano, que desejam mudar a ordem mundial pela força armada, é que a intervenção armada se justifica se houver uma ameaça a interesses americanos. Em breve o conceito de "mudança de regime" em Teerã começa a circular. O líder revolucionário do Irã, aiatolá Ali Khamenei, teme pela continuação da existência da República Islâmica.
Mohammed El Baradei, o egípcio que dirige a AIEA, sediada em Viena, voa para Teerã em julho de 2003. Seus inspetores têm viajado pelo país desde março, instalando câmeras e lacres e medindo dispositivos com fins de monitoramento, e têm feito muitas perguntas. Agora tornou-se muito mais difícil manter as coisas em segredo, e aos poucos vai ficar claro até onde os cientistas iranianos chegaram do ponto de vista tecnológico.

Teste de detonações

No verão de 2003, os engenheiros de Teerã realizam testes de detonação baseados no método russo. Segundo informação que vazou mais tarde, o equipamento explosivo consiste em um hemisfério com um diâmetro de 27,5 cm, colocado em uma concha de alumínio temperado. Assim como Vyacheslav D. descreveu em seu ensaio de 1992, os iranianos fazem pequenos buracos na concha de alumínio e colocam neles pequenas cargas explosivas. As cargas são destinadas a acionar simultaneamente uma grande carga de explosivos convencionais dentro do hemisfério.
O objetivo do teste é determinar se as ondas de choque que virão de todos os lados agem simultaneamente sobre o potencial centro nuclear. Cerca de mil fios sensores de fibra de vidro são dispostos dentro do hemisfério para transmitir um sinal luminoso para um equipamento de medição digital. Uma câmera de alta velocidade tira fotos com intervalos de uma fração de segundo. Isso permite que os cientistas analisem o rumo do experimento.
Se os serviços de inteligência ocidentais estiverem certos, o resultado representa um avanço tecnológico. A mensagem do verão de 2003 é que o detonador parece ser controlável.
Enquanto os engenheiros anunciam seu sucesso, a pressão internacional parece estar causando efeito. A inteligência americana intercepta instruções internas do governo iraniano que sugerem uma drástica redução no orçamento de pesquisa militar. Vários cientistas se queixam de que não podem mais continuar seus projetos. O governo está tão preocupado com a descoberta de seu projeto nuclear secreto que em fevereiro de 2004 escavadeiras aparecem na frente de um edifício no Centro de Pesquisa Física no nordeste de Teerã, que abriga um segmento militar do programa de pesquisa nuclear. O fato de os órgãos de inteligência ocidentais poderem monitorar as comunicações internas iranianas se deve em parte ao trabalho do serviço de inteligência externa alemão, BND.

Uma importante fonte alemã

Os alemães têm uma fonte importante em Teerã, uma pessoa com o codinome "Golfinho", que é administrado por pessoal do Departamento Um da BND no quartel-general da agência em Pullach, perto de Munique. Um empresário que trabalha para o governo de Teerã, a fonte tem apenas uma conexão casual com o negócio de dividir átomos. Através de seu trabalho, que envolve despejar aço e concreto em Isfahan, Natanz e outros lugares, o Golfinho gradualmente obtém acesso ao círculo interior que executa o programa secreto para o regime iraniano.
Os agentes de Pullach preferem se reunir com o Golfinho durante suas viagens ao exterior, que, pouco depois do fim do milênio, o regime ainda permite. Golfinho é um homem inteligente que sabe que as agências de inteligência adoram traição, mas não o traidor. Para se proteger, ele faz uma espécie de seguro de vida: reúne todos os documentos secretos sobre o programa nuclear que consegue obter, os digitaliza e esconde o laptop como um cofre de segurança. Ele não quer ficar no Irã para sempre, mas preferiria desertar para os EUA.
A CIA também percebeu o empresário iraniano. Ele é uma entidade administrável, alguém que está ativamente envolvido no programa nuclear e, quando Golfinho manifesta pela primeira vez o desejo de deixar o Irã a BND decide envolver a CIA. Mas então ocorre um erro fatal: em 2003 a inteligência iraniana descobre os contatos do Golfinho nos EUA. Como muitas outras figuras de oposição, ele é preso. Sua mulher consegue fugir do país com seus filhos, levando consigo o laptop. Ela entra no consulado americano em Istambul, onde conta sua história e é encaminhada para a CIA. O Golfinho desaparece em uma das famosas prisões de Teerã, mas sua mulher e seus filhos são levados para os EUA. O laptop torna-se seu "Green Card".

"Projeto Sal Verde"

As mais de mil páginas de documentos no computador incluem correspondência iraniana relativa à conversão de óxido de urânio em tetrafluoreto de urânio. Os iranianos se referem a esse passo como "Projeto Sal Verde" e, segundo os documentos do laptop, o programa é administrado por um departamento conhecido como "Projeto 5.13". Seu objetivo é produzir uma tonelada do "sal verde" por ano. O laptop contém ainda um documento datado de maio de 2003, com o cabeçalho da Kimia Maadan, uma empresa sediada em Teerã. O embaixador iraniano na AIEA mais tarde negou a existência do projeto em questão, e alegou que a companhia estava apenas envolvida na produção de urânio em uma mina perto da cidade de Gachin. Mas registros de empresas à disposição da "Spiegel" reforçam a suspeita de que Kimia Maadan é na verdade uma parte do Ministério da Defesa de Teerã.
O governo americano apresenta o material do laptop em uma sala à prova de escutas na Chancelaria alemã, o gabinete do chanceler (primeiro-ministro). Os americanos têm motivos políticos para envolver os alemães. Depois do desastre de inteligência que cercou as supostas armas de destruição em massa no Iraque, os americanos agora buscam parceiros para dividir a responsabilidade. Mas Frank-Walter Steinmeier, o chefe de gabinete do chanceler Gerhard Schroeder, e seu coordenador de inteligência Ernst Uhrlau não querem ser subservientes aos americanos. Eles não confiam em Bush e na CIA.
Finalmente, os EUA decidem deixar os inspetores de armas da ONU em Viena - e a figura mais importante do mundo sobre o tema de segurança nuclear - conhecerem os segredos do "laptop da morte".

4º ato: A verdadeira identidade do maior inimigo do Irã no Ocidente

Se um dia existiu um homem mais diferente de James Bond no mundo da espionagem, deve ser Olli Heinonen. Ele tem um início de pança, usa ternos de confecção e prefere gravatas nos tons nada elegantes de amarelo e cinza. O vice-diretor-geral da AIEA não apenas foi subestimado antes como também possui uma saudável dose de uma virtude que os finlandeses chamam de "sisu": tenacidade, teimosia e resistência. Ele também é um dos mais importantes especialistas nucleares do mundo.
Heinonen cresceu em Helsinque, onde obteve o doutorado em radioquímica e depois trabalhou no Centro de Pesquisa Nuclear da Finlândia. Ele aceitou um emprego na AIEA em 1983 e começou a trabalhar e galgar postos. Fez amizade com Mohamed El Baradei, o dedicado ex-diplomata egípcio, que logo se tornaria diretor-geral da agência nuclear. Os dois passaram vários meses juntos na instalação nuclear de Yongbyon na Coreia do Norte. A AIEA foi mais tarde expulsa da Coreia quando o regime autoritário começou a construir a bomba e a fechar acordos com o Paquistão e o Irã.
Heinonen logo se torna fascinado pelo reino dos persas. Os iranianos suspendem as atividades da AIEA depois das revelações sobre Natanz e Arak, e somente seis meses depois Heinonen recebe autorização para retomar as inspeções. Ele descobre indícios suspeitos na fábrica de Kalaye e percebe que deve haver mais. Desconfia de que Khan esteja por trás dos acordos. El Baradei envia seu vice em uma missão secreta para investigar a suposta rede do negociante no mercado negro e examinar suas conexões com o Irã.
Mas enquanto o estóico finlandês está coletando dados os órgãos de inteligência ocidentais intensificam seu escrutínio da conexão Khan. Quando a CIA invade o cargueiro alemão BBC China no porto italiano de Taranto em outubro de 2003, descobre um carregamento de Khan para o ditador líbio Muammar Khadafi. Isso marca o fim do programa atômico líbio que Khan estava vendendo para Trípoli.

Ocidente aumenta pressão sobre Paquistão

Agora o Ocidente está colocando tanta pressão sobre o Paquistão que o presidente Pervez Musharraf deixa de apoiar Khan, permitindo a queda do herói nacional. Em sua confissão de 11 páginas no início de 2004, que permanece secreta até hoje, Khan diz que os iranianos lhe ofereceram um negócio de bilhões. Hoje mais que nunca Heinonen está convencido de que Khan é a fonte de muitos componentes nucleares do Irã.
Em um dia de maio de 2004, a versão de James Bond da AIEA recebe um telefonema de uma mulher que parece surpreendentemente informada sobre questões nucleares. Ele a encontra em um café no edifício Millennium em Viena, que geralmente está vazio na hora do almoço. Heinonen está convencido de que ela é uma agente da CIA (na verdade, todos os indícios sugerem que foi enviada pelo "Cachorro Louco", o chefe da operação de espionagem de Tinner). Ela arranja uma série de encontros entre o chefe dos detetives nucleares e a família suíça, que ocorrem no hotel Intercontinental em Viena e no lago de Constança. Ela também fornece à AIEA o acesso ao disco rígido que contém informação sensacional sobre o programa nuclear iraniano, o "laptop da morte". É o mesmo material que Heinonen usará mais tarde em sua reunião a portas fechadas com diplomatas.

O Robert Oppenheimer do Irã

Nessa apresentação em Viena, em fevereiro de 2008, Heinonen projeta na parede um organograma que mostra a estrutura do programa nuclear iraniano. O nome no centro do gráfico é o de Mohsen Fakhrizadeh, uma figura chave por trás das ambições nucleares de Teerã. Aparentemente, ele é o Robert Oppenheimer do programa nuclear iraniano.
Como Oppenheimer, que a partir de 1942 trabalhou secretamente como diretor científico do Projeto Manhattan no Laboratório Nacional de Los Alamos, Fakhrizadeh também mantém um perfil extremamente discreto, determinado a evitar vazamentos de informação sobre a parte militar do esforço nuclear iraniano. Seu centro de pesquisa física se situa no nordeste de Teerã, onde os visitantes são recusados e instruídos a escrever para uma caixa postal. O logotipo do centro parece o planeta Saturno.
Durante muito tempo o mundo não tem notícias do cientista, que nasceu em 1961, entrou para a Guarda Revolucionária quando jovem e mais tarde assumiu um cargo no Ministério da Defesa. Fakhrizadeh tem dois filhos e até hoje às vezes dá palestras na Universidade Imame Hossein em Teerã. Ele é um físico brilhante e também um fantasma, e sempre se esforçou para que não existissem fotos suas. Fakhrizadeh rebatiza sua organização várias vezes depois que a instalação de enriquecimento de Natanz é descoberta. Hoje ela se chama FEDAT (Campo de Expansão e Desenvolvimento de Tecnologias Avançadas). Cerca de 600 pessoas estariam trabalhando para ele.
Segundo um dossiê da inteligência que circula entre Washington, Viena e Tel Aviv há alguns meses, 12 departamentos se reportam a Fakhrizadeh. Um relatório do "presidente", que traz a assinatura de Fakhrizadeh e é datado de 29 de dezembro de 2005, é dirigido a esses departamentos. O relatório se intitula "Previsão para atividades relacionadas a nêutrons nos próximos quatro anos".
Um gerador de nêutrons é um elemento chave no caminho para uma explosão nuclear. O equipamento, que dispara deutério contra trítio, é colocado no centro de uma esfera oca de urânio enriquecido, onde seu objetivo é desencadear a reação em cadeia desejada. Esta pode ser a maneira como os paquistaneses detonaram sua bomba, e parece que o Irã está seguindo a mesma abordagem. O memorando de Fakhrizadeh é uma espécie de plano mestre, que descreve a planejada cooperação entre a FEDAT e a Universidade Shahid Beheshti e apresenta a possibilidade de cargos vitalícios adicionais para acadêmicos. "Nossas capacidades são adequadas no momento", escreve Fakhrizadeh, "mas é claro que não são perfeitas."
A AIEA também conhece o documento estratégico. Os inspetores nucleares pediram ao governo iraniano várias vezes autorização para se reunir com Fakhrizadeh, mas sem sucesso. As autoridades iranianas afirmam que o cientista trabalha exclusivamente na indústria de defesa convencional. A ONU colocou seu nome em uma lista negra em 2007, e a União Europeia caracteriza Fakhrizadeh como um "cientista de alta patente no Ministério da Defesa e Logística das Forças Armadas".

Grande erro da inteligência americana

O especialista americano David Albright também acredita que Fakhrizadeh é "um homem muito perigoso". Albright, um ex-inspetor de armas no Iraque, é um especialista respeitado que monitora cuidadosamente todos os desenvolvimentos na pesquisa nuclear. Em seu escritório em Washington, ele diz à "Spiegel": "Se Fakhrizadeh conseguir completar a ogiva, ele também conseguirá convencer a liderança política a construir uma arma nuclear. Ele é o defensor da bomba em Teerã".
Fakhrizadeh também é o tema de uma reunião com o presidente Bush na Sala de Situação da Casa Branca em 2007. No briefing, o diretor de inteligência Mike McConnell apresenta ao presidente e seus assessores a Estimativa Nacional de Inteligência (NIE), um estudo de 140 páginas dos órgãos de inteligência americanos. A frase principal diz: "Julgamos com grande confiança que no outono de 2003 Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares".
Puxa!
É uma frase que faz a gente parar, e representa uma das maiores incompreensões na história da inteligência dos EUA. Como diria mais tarde o ex-diretor da CIA Robert Gates, ele nunca viu "um NIE que tivesse tal impacto na diplomacia americana". A frase tem o efeito de desativar o estopim de uma bomba-relógio, deslegitimando a retórica belicosa dos neoconservadores. Quando Bush lê a conclusão do NIE, deve ficar claro para ele que o Irã não pode seguir o Iraque, e que uma invasão iminente do país do Golfo não é uma opção.
Por que essa súbita inversão de política?

Suspeitas crescentes de um programa de armas

Durante uma de suas operações, dois órgãos de inteligência americanos, a NSA e a CIA, obtiveram documentos internos do Irã relacionados à mudança de política ordenada pelo governo depois da descoberta de Natanz. Os documentos sugeriam que havia uma coisa que Teerã desejava acima de tudo: que seu programa de armas clandestino não fosse descoberto pela comunidade internacional. Os documentos incluem queixas iradas de Fakhrizadeh e seus colegas cientistas, que tinham perdido poder, influência e verbas em 2003.
Os rumores que circulam em Washington sugerem que a CIA, muito prejudicada pelo desastre no Iraque, estava tentando evitar outra guerra, mas os autores logo dão uma visão diferente em seu relatório. Em um exame mais minucioso, a conclusão do NIE não é tão clara quanto parece à primeira vista. Por exemplo, ela também declara: "Nós também avaliamos com confiança de moderada a alta que Teerã no mínimo está mantendo aberta a opção de desenvolver armas nucleares". E a avaliação nem sequer reflete as atividades de enriquecimento de urânio em Natanz, que Teerã insiste são para uso civil. A frase chave só se refere à parte militar secreta e invisível.

Irã desenvolve cadeia de produção própria

Em uma ironia da história mundial, o governo iraniano quase simultaneamente anuncia que um marco importante foi alcançado em Natanz: a instalação começou a enriquecer urânio em fevereiro de 2007. O recém-empossado presidente americano Barack Obama logo é confrontado com outra revelação: a usina de Qom.
Em um local subterrâneo perto dessa cidade sagrada, outra instalação de enriquecimento de urânio está sendo construída no interior de uma montanha. O local é o mais recente segredo revelado em um programa nuclear iraniano que tem uma série de surpresas. Enquanto isso, o governo de Teerã admite a existência da instalação e os inspetores da AIEA já visitaram o local. As inspeções são um lembrete da situação anterior de Natanz, indicando o início de uma nova rodada no jogo do Irã com a comunidade internacional.
Cerca de 3 mil centrífugas serão instaladas em Qom, um número que desperta as suspeitas dos especialistas. A usina é pequena demais para o uso civil do enriquecimento de urânio alegado pelo Irã, mas grande o suficiente para fins militares. Sob condições normais de operação, 3 mil centrífugas produziriam material suficiente para fazer uma bomba por ano. Até agora o Irã desenvolveu sua própria cadeia de produção. Ele tem o minério de urânio como matéria-prima, que produz na mina de Gachin. Tem a usina de conversão em Isfahan e as instalações de enriquecimento em Natanz, e em pouco tempo, Qom. O que resta é o complicado modo de ignição, a igualmente complexa integração ao míssil transportador Shahab-3 e a questão de se as usinas estão operando como planejado.
Teoricamente, o Irã pode produzir mais de 15 quilos de urânio com grau de armamento por ano em Natanz. "É suficiente para produzir uma bomba nuclear em dois anos", diz o especialista americano Albright. Segundo a AIEA, o regime já tem 2.427 quilos de urânio de baixo grau hoje. Se os 1.950 kg que foram transferidos para a usina piloto fossem colocados nas centrífugas, os iranianos teriam 200 kg de urânio enriquecido a 20%. A AIEA acredita que se o país atingir esse ponto levará apenas alguns meses para ter urânio altamente enriquecido, suficiente para produzir uma bomba.
Se...
"O Irã cometeu muitos erros", diz Albright. "Eles instalaram as centrífugas rapidamente demais, ao custo da capacidade de operá-las adequadamente." Das 8.610 centrífugas instaladas até o fim de janeiro, só 3.700 estavam em operação naquele ponto. Os equipamentos estão constantemente quebrando. Albright diz que os iranianos estão passando por uma "dolorosa curva de aprendizado". Também é possível que os americanos tenham conseguido através de sabotagem inutilizar algumas centrífugas. Há muitos indícios de que os físicos iranianos enfrentam problemas que poderão levar anos para solucionar. Mas também está claro que será extremamente difícil deter seus esforços. Para qualquer pessoa que montar todo o quebra-cabeça persa, não há dúvida de que o Irã está jogando com a opção de obter a bomba, e que busca adquirir o conhecimento e os recursos necessários - seja qual for o objetivo.

5º ato: O que o mundo deve esperar

Na superfície, pouco mudou no Departamento de Salvaguardas da AIEA em Viena, chefiado por Olli Heinonen. Mas houve uma mudança: foi que o japonês Yukiya Amano, 63, substituiu El Baradei no cargo máximo e prorrogou o contrato de Heinonen sem hesitação.
O escritório do vice-diretor-geral da AIEA no décimo andar do Centro Internacional de Viena ainda é meticulosamente arrumada. Um enorme cofre no fundo da sala contém seus segredos. Um tapete persa de Isfahan cobre o chão na frente da mesa de Heinonen, que afirma que ele mesmo o pagou. Também há um feio relógio na parede, "da fábrica de Kalaye", ele explica, a companhia de fachada onde os iranianos oficialmente fabricavam cronômetros comerciais mas que transformaram em uma instalação nuclear secreta. Heinonen acredita em alguma coisa do que os iranianos dizem hoje? Não está na hora de ele admitir que Teerã está tentando fabricar uma bomba?
Heinonen diz que sua tarefa é fazer perguntas em nome da comunidade internacional, indicar contradições e divulgar violações de acordos internacionais. Ele admite que suas suspeitas cresceram ao longo dos anos. Diz que ainda não tem a prova final, 100% segura, de um programa de armas nucleares de Teerã. E também está incerto quanto a se o Irã ficará satisfeito com a posição de potência nuclear virtual, ou na verdade seguirá na direção de uma bomba real.
Às vezes Heinonen pensa em onde estão seus adversários hoje. O suíço Urs Tinner, 44, que foi mais ou menos abandonado pela CIA e passou quatro anos sob custódia da investigação na Suíça, hoje está livre.
O especialista em nanotecnologia russo Vyacheslav D. trabalhou como professor na Ucrânia durante algum tempo e hoje vive na região de Moscou. Seus tempos como cientista parecem ter terminado, porém.

"Capacidade de neutralizar o poder de Israel"

Khan, que hoje tem 74 anos e supostamente sofre de câncer, tem dito coisas surpreendentes. Mais recentemente, no verão de 2009, ele disse: "O Irã estava interessado em adquirir tecnologia nuclear. Como o Irã era um importante país árabe, desejamos que ele adquirisse essa tecnologia. Os países ocidentais nos pressionaram injustamente. Se o Irã conseguir adquirir a tecnologia nuclear, seremos um bloco forte na região para conter a pressão internacional. A capacidade nuclear do Irã vai neutralizar o poder de Israel".
O primeiro relatório da AIEA sob Amano usa termos bem menos diplomáticos que a maioria dos emitidos na época de El Baradei. Em seu relatório de 18 de fevereiro de 2010 a agência declara que tem informações "amplamente consistentes e verossímeis" sobre armas nucleares iranianas. "Ao todo, isto levanta preocupações sobre a possível existência no Irã de atividades passadas ou atuais não reveladas, relacionadas ao desenvolvimento de uma carga nuclear para um míssil." A AIEA inequivocamente pede que o Irã aborde questões prementes.

Israel prepara-se para o ataque

O primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, e seu governo de linha-dura secretamente se preparam para um ataque militar. "É 1938 e o Irã é a Alemanha", disse Netanyahu alguns anos atrás, assim comparando indiretamente Ahmadinejad com o ex-ditador alemão Adolf Hitler - e se oferece para negociar com Teerã com a aprovação dos nazistas.
Jatos militares de Israel atacaram instalações nucleares inimigas comprovadas ou supostas duas vezes no passado. Em junho de 1981, na "Operação Babilônia", eles bombardearam o reator de Osirak perto de Bagdá, e em setembro de 2007, na "Operação Pomar", destruíram um complexo de edifícios em al-Kibar, junto ao rio Eufrates na Síria.
Mas especialistas dizem que destruir o programa nuclear de armas nucleares do Irã, ou pelo menos lhe dar um golpe decisivo e fazê-lo recuar vários anos, exigirá uma campanha de bombardeios que duraria várias semanas e envolveria mais de mil ataques aéreos contra cerca de 12 alvos. Mesmo isto não garantiria que todas as principais instalações fossem atingidas e que os componentes nucleares que os iranianos esconderam em túneis fossem eliminados.
Não obstante, especialistas israelenses alegam que uma "solução militar" é possível, mesmo sem a ajuda do extremamente cético grande irmão de Israel, os EUA. Vários dos vizinhos árabes de Israel temem a bomba iraniana e a mudança de poder resultante no Oriente Médio quase tanto quanto temem Israel. Segundo avaliações da inteligência, a Arábia Saudita está disposta até a fornecer aos israelenses direitos de sobrevoo para um ataque partindo do sul.

O preço de um ataque

As consequências dessa campanha poderão ser fatais. As opções do Irã incluem mais que um ataque de retaliação de mísseis convencionais. A liderança iraniana provavelmente organizaria uma campanha terrorista no Iraque, e encorajaria dois grupos financiados por Teerã - o Hizbollah no Líbano e o Hamas na Faixa de Gaza - a lançar ataques contra Israel. Isto poderia levar a uma potencial conflagração no Oriente Médio, que poderia se espalhar pelo resto do mundo, ou pelo menos pela economia global.
Além disso, quase todos os especialistas concordam que um bombardeio de caças israelenses encorajaria a população iraniana a fechar fileiras com a liderança de Teerã, que atualmente é muito impopular, enfraquecendo o movimento de oposição "verde". É possível que os iranianos estejam na verdade provocando esse ataque para atingir precisamente esse resultado? E isto levaria a sua retirada da AIEA e ao avanço a toda velocidade com seus planos de desenvolvimento da bomba, desta vez com o apoio total da população?
Discretamente, políticos e especialistas em defesa já começaram a discutir se e como o mundo se relacionaria com o Irã como potência nuclear. Martin van Creveld, um historiador militar e professor em Jerusalém que é autor de "Living with the Bomb" [Vivendo com a bomba], afirma que um Irã nuclear em última instância não seria uma ameaça maior para a paz mundial do que um Israel nuclear. Mas essa é uma opinião minoritária no Estado judeu, onde pesquisas de opinião indicam que mais da metade da população apoia um ataque preventivo contra Teerã se as negociações forem ineficazes.
Em Washington, a perspectiva de um mundo "depois que o Irã tiver a bomba" - título de uma matéria de capa na influente revista "Foreign Affairs" - está sendo discutida de maneira relativamente aberta. Especialistas propõem a "contenção" política do Irã para limitar os potenciais danos.
Uma coisa é certa: desde que o presidente Obama chegou ao cargo, os americanos são favoráveis a participar de negociações com Teerã, e não mais delegam tudo para os europeus. O jornalista do "New York Times" David Sanger, em seu livro "The Inheritance: The World Obama Confronts and the Challenges to American Power" [A herança: o mundo que Obama enfrenta e os desafios ao poderio americano], cita um diplomata americano dizendo: "Há algumas coisas na vida que não funcionam quando você manda outras pessoas fazê-las por você. Entre elas estão sexo, beber e negociar com o Irã".
Um militar israelense graduado diz que conhece a frase, mas que a modificaria ligeiramente no final: "... elas incluem sexo, beber e bombardear o Irã".

6º ato: O que os persas realmente amam - e quem eles odeiam

Isfahan no "Dia do Átomo". A cidade é o orgulho da nação, a jóia da Pérsia, Nesfe Jahan, a "Metade do Mundo". É uma cidade com tolerância religiosa e tradição intercultural. Mas neste dia em abril de 2009 fachadas da cidade estão marcadas por sinais como o exibido em sua praça central Imame, que diz "Morte aos sionistas". A menos de um quilômetro de distância, na praça Palestina, os fiéis se reúnem em uma sinagoga para as orações. Há cerca de 1.200 judeus vivendo em Isfahan, e cerca de 25 mil em todo o Irã.
"Nós esqueceríamos todas as nossas reservas sobre a teocracia e combateríamos os invasores", diz um velho com o rosto assolado pelo tempo, parecendo que acaba de sair do Antigo Testamento. Ele cuidadosamente endireita seu quepá ao entrar na sinagoga. E acrescenta rapidamente que não quer que o compreendam mal, e que suas palavras não têm nada a ver com afeto por esse tal de Ahmadinejad.
A Pérsia é um quebra-cabeça escondido em um quebra-cabeça feito de pontos de interrogação.
Se a força aérea israelense ou a força aérea americana bombardeassem o Irã, pode-se apostar que a instalação nuclear iraniana perto de Isfahan estaria no topo de sua lista de alvos. O complexo, a menos de 20 km de Isfahan, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, está enterrado em uma paisagem desértica dramática. Uma plataforma de lançamento para mísseis antiaéreos se projeta para o céu em uma das montanhas que cercam o vale. Atrás da plataforma, uma série de cercas, guardas armados e arame farpado protegem o centro da instalação altamente secreta de sua usina de conversão de urânio, que foi inaugurada pelo presidente Ahmadinejad, um evento em que os jornalistas da "Spiegel", algo raro, puderam acompanhar o líder iraniano - no santuário do programa nuclear do Irã.
Aqui também as contradições são surpreendentes. É desnecessário dizer que físicos nucleares de primeira linha trabalham no complexo de Isfahan. Mas imediatamente antes da visita presidencial um técnico é visto dizendo impropérios enquanto procura uma ferramenta para consertar o telhado da usina de alta tecnologia.
A visita do presidente é um ato solene, como se ele participasse de uma cerimônia religiosa. Depois ele volta à cidade em seu comboio. Jovens curiosos lotam a praça onde Ahmadinejad fala, e quando se cansam desaparecem no bazar em busca de seus verdadeiros objetos de desejo: Nikes, em vez de "nukes".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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