domingo, setembro 12, 2010

Tesouro ameaçado

Artes
Tesouro ameaçado
Carlos Henrique Braz – Veja Rio
Marco da arquitetura moderna brasileira, o Palácio Gustavo Capanema padece com a falta de manutenção
Fachada principal da antiga sede do Ministério da Educação: elevadores enguiçados e calor infernal
Enquanto alguns dos principais cartões-postais cariocas recebem melhoramentos, como o choque de ordem nas praias, a reforma do Maracanã e a restauração do Cristo Redentor, uma relíquia do Centro padece com a má conservação. Parada obrigatória para estudantes de arquitetura e turistas que não se limitam ao lugar-comum em suas visitas, o Palácio Gustavo Capanema, que foi sede do antigo Ministério da Educação e Saúde, exibe problemas por todos os lados (veja o quadro abaixo). Logo no térreo, uma área de aproximadamente 100 metros quadrados está há um mês isolada com fitas de advertência, devido à queda de uma placa de revestimento. Para piorar, outras partes ameaçam desabar. Esse é o ponto crítico do prédio, mas não o único motivo de preocupação. Na fachada voltada para a Rua Araújo Porto Alegre, telas de náilon azul poupam os pedestres de ser atingidos por pedaços de cimento-amianto, que há seis anos vêm se desprendendo das lâminas dos para-sóis. Na área interna, as agruras nem sempre são tão aparentes, mas há infiltrações, os detectores de fumaça não funcionam e os elevadores vivem quebrados. “Por ser de caráter emergencial, estamos licitando a modernização dos elevadores, no valor de 3 milhões de reais”, afirma Carlos Fernando Andrade, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um dos órgãos ocupantes do edifício e responsável por sua preservação, uma vez que ele é tombado.
Representante da arquitetura moderna, em oposição ao academicismo predominante à época, o palácio uniu em seu projeto o franco-suíço Le Corbusier, um dos artífices daquele movimento, a um escrete brasileiro das pranchetas, formado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão e Jorge Machado Moreira. Erguida entre 1936 e 1945, a construção trouxe uma série de inovações aos padrões vigentes. Ela se sustenta sobre pilotis de 10 metros de altura, uma forma de integrá-la à rua e dar-lhe leveza, bem diferente dos caixotões de concreto que acolhiam ali perto os ministérios da Fazenda e do Trabalho. A fachada principal é envidraçada de ponta a ponta, e a ala posterior tem a proteção de para-sóis. No terraço e na cobertura do mezanino, destacam-se os jardins suspensos concebidos por Burle Marx. A conexão com as artes é, de fato, marcante. No prédio, estão ainda seis painéis de azulejos e quatro afrescos de Candido Portinari, esculturas de Bruno Giorgi, Celso Antonio e Alfredo Ceschiatti, além de uma galeria, uma sala para espetáculos e uma livraria. De todo o “acervo”, apenas uma pequena parte das obras não é acessível ao público, caso do painel Brincadeiras Infantis, de Portinari, situado no 2º andar.
Com tanta história e simbolismo, era de esperar que sua manutenção fosse contínua. Infelizmente, não é o que acontece. Por ser um bem tombado, qualquer intervenção no palácio passa pelo crivo do Iphan, o que resulta numa dificuldade extra. Apenas três dos dezesseis pavimentos ainda estão com persianas. Por força da lei, elas só podem ser restauradas ou trocadas por outras exatamente iguais, o que explica a demora. Outro mal crônico diz respeito ao sistema de refrigeração. Não há ar-condicionado central e é proibido instalar aparelhos nas janelas ou rebaixar o teto para a colocação de dutos de ventilação. Nos meses mais quentes, funcionários chegam a desmaiar por causa do calor intenso que os ventiladores não são capazes de atenuar. Após a resolução dos problemas na propriedade, para atrair o turista ainda será preciso superar a questão da segurança. O Centro é uma das regiões com maior ocorrência de roubos a transeuntes. Em junho, houve 129 registros desse crime, contra 46 verificados em Copacabana, para citar outra localidade carioca de grande afluxo de visitantes.
A despeito dos inconvenientes, o Iphan lançou recentemente na Unesco a candidatura do Palácio Gustavo Capanema a Patrimônio Histórico da Humanidade. Anexado ao processo seguiu um dossiê elaborado por uma equipe da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, destacando o valor do complexo e detalhando as intervenções necessárias para deixá-lo impecável. Incluída na agenda de compromissos, a reforma está orçada em 35 milhões de reais e dará continuidade às obras iniciadas em 1995 e concluídas quatro anos depois, que recuperaram algumas áreas internas, rebocos e painéis. Tudo leva a crer que o pedido terá a simpatia do órgão, pois a Unesco é a mais recente inquilina do imóvel, somando-se ao próprio Iphan, à Fundação Nacional de Artes (Funarte), a representações ministeriais e a outros condôminos. Resta saber se, com o apoio dos novos ocupantes, a conservação de um espaço tão relevante vai finalmente sair do papel.
Problemas por toda parte
Flagrantes do mau estado de conservação do edifício, tanto dentro quanto na área externa

Revestimento
Uma placa de pedra gnaisse despencou da parede lateral do mezanino e outras estão soltas

Para-sol
Há lâminas quebradas e falta manutenção ao equipamento que diminui o calor e a luminosidade

Ar-condicionado
O prédio sofre com o calor. Um sistema de refrigeração do tipo split foi vetado pelo Iphan

Elevadores
Os seis ascensores funcionam precariamente e ficam sujeitos a panes constantes

Detectores de fumaça
Instalado em 1996, o equipamento de prevenção contra incêndio está quebrado

Cobertura
No 16º andar, há pisos quebrados e as pastilhas que revestem as salas e a caixa-d’água estão se soltando

Infiltrações
Os jardins sobre o mezanino provocam umidade no teto da galeria e do auditório

Persianas
Só três dos dezesseis pavimentos têm a proteção, ainda assim em péssimo estado

Pátio
Seu piso exibe pontos quebrados pelas raízes das árvores

Vandalismo
Embora os azulejos de Portinari estejam bem conservados, há pilastras com placas soltas e que exalam odor de urina

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