sábado, setembro 18, 2010

Blindando Dilma

Blindando Dilma
Merval Pereira - O Globo
 O Palácio do Planalto está agindo rapidamente para se livrar de todos os traços do esquema de tráfico de influência que a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra implantou no principal gabinete do Palácio do Planalto, ao lado do do presidente da República.
Desta vez o presidente Lula pode até mesmo dizer, como costuma, que de nada sabia, já que sua ligação com Erenice era apenas administrativa.
Se tivesse colocado, como queria, Miriam Belchior no lugar de Dilma, teria sido uma indicação pessoal baseada numa relação histórica de luta partidária com o próprio presidente.
Miriam seria uma personagem na política palaciana menos importante do que foi José Dirceu, mas, assim como é difícil imaginar que Dirceu montou o esquema do mensalão sem que Lula fizesse a menor ideia do que estava acontecendo, ficaria também difícil a ele se dissociar das ações de Miriam Belchior, viúva do ex-prefeito assassinado Celso Daniel, a quem Lula reservara papel de destaque no seu primeiro mandato.
Os erros de Erenice, amplamente divulgados e comprovados a cada dia, têm apenas uma ligação política possível, e é com Dilma Rousseff.
Já escrevi aqui que a relação de Dilma com Erenice é a mesma de Lula com Dilma: criador e criatura.
 A família de Erenice não atuaria com tamanha desenvoltura em diversas áreas do governo se não tivesse a certeza de que estava segura por laços políticos e, sobretudo, de amizade.
Fica difícil acreditar que, tendo feito tudo o que está relatado nos últimos dias quando era o braço-direito de Dilma na Casa Civil, Erenice Guerra não deixou rastros de sua movimentação e nem dava à sua chefe imediata e amiga informações sobre o que estava fazendo.
Quanto às alegações de que o consultor Rubnei Quícoli, por sua ficha corrida nada exemplar, não teria credibilidade para sustentar as denúncias, é bom lembrar que em todos os casos, em que surgiram os escândalos dos últimos anos, foram justamente pessoas envolvidas nas negociatas que denunciaram seus “cúmplices”.
Pedro Collor não se entendeu com o irmão presidente sobre a partilha do butim e denunciou Fernando Collor. Roberto Jefferson sentiu-se traído em seu esquema montado nos Correios e abriu o bico, denunciando o mensalão.
Quando o empresário e consultor Rubnei Quícoli diz que parte da propina que lhe pediram seria alegadamente para financiar a campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, surge um indício de uso de caixa dois na campanha eleitoral que precisa ser investigado e esclarecido.
Ainda mais porque as demais denúncias feitas acabaram mostrando-se verdadeiras, provocando a saída não apenas da ministra como de vários parentes seus de diversos cargos espalhados pela República.
Ontem, mais um servidor do Palácio do Planalto foi demitido rapidamente. O consultor Rubnei Quícoli apontara em entrevista um tal de Stevan, que descreveu assim: “Ele é um avião, tem uma porta aberta na Casa Civil e outra no BNDES.” Em meio às negociações para aprovação de projeto de energia solar no Nordeste — avaliado em R$ 9 bilhões, que não saiu do papel — surgiu Stevan, que seria a ligação do governo com a Capital Consultoria.
Pois não é que existe mesmo o tal de Stevan? Seu sobrenome é Knezevic, e ele trabalhava no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), órgão subordinado à Casa Civil.
Ele regressou ao seu órgão de origem, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que, digase de passagem, está transformada em um enorme cabide de empregos para os apaniguados do governo, assim como os Correios, a Receita Federal e outras estatais.
O “aparelhamento” do Estado, que tem um caráter político de controle das atividades por membros dos part i d o s e s i n d i c a t o s q u e apoiam o governo, tem também, ou sobretudo, o seu lado mercantilista.
Vários parentes de Erenice passaram por lá, inclusive o filho Israel Guerra. Não é difícil imaginar que os dois, Stevan e Israel, conheceram-se na Anac e de lá partiram para as ações de lobby no Palácio do Planalto.
Há outro detalhe interessante no episódio da demissão da ministra Erenice Guerra: ao obrigá-la a sair do Gabinete Civil, o presidente Lula está retirando, pelo menos simbolicamente, seu aval às decisões da candidata Dilma Rousseff.
Se, eleita presidente, Dilma pretendia colocar Erenice no Gabinete Civil, contra a vontade de Lula, que quer naquele lugar o ex-ministro Antônio Palocci, que outras escolhas Dilma fará? Sua capacidade de nomear os principais assessores sai do episódio bastante arranhada, além do que persiste uma estranha sensação de que seu eventual futuro governo, pois a eleição para o Palácio do Planalto e seu entorno é tida como uma fatura já liquidada, começou em clima de crise.
O que a família Guerra não poderia fazer num governo da “madrinha” Dilma?
É impressionante como pessoas de bem aceitam participar de um órgão que não tem a menor influência nas decisões do governo.
Presidida pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal José Paulo Sepúlveda Pertence, a Comissão de Ética Pública decidiu, em meio à crise gerada pela demissão da ministra Erenice Guerra, puni-la com uma advertência porque ela não apresentou documentos com informações sobre a sua evolução patrimonial e relação de parentes ocupando cargos públicos.
Uma punição que deveria ter sido dada em maio, quando expirou o último prazo. E poderia ter evitado que tantos parentes da ministra se espalhassem pelo governo.
A Comissão já havia sofrido uma grande derrota em 2007, quando tentou fazer com que o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, deixasse de acumular o ministério com a presidência do PDT.
A queda de braço levou a que a comissão sugerisse a demissão do ministro, e a solução foi encontrada meses depois: Lupi fingiu que se licenciou da presidência, e a Comissão fingiu que havia vencido a disputa.

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