sábado, novembro 13, 2010

Meu teto caiu

Meu teto caiu
JOÃO XIMENES BRAGA – O Globo – Segundo Caderno
Bem no momento em que o trem de pouso se levantou da pista do Tom Jobim ouvi um “cataploft” ao meu lado. Um pedaço do teto acabara de cair no corredor, numa trajetória rasante por sobre a minha careca.
Era uma espécie de sanca do bagageiro que residia sobre meu assento, com cerca de um metro de comprimento e meio palmo de largura. Uma comissária se aproximou e, muito gentil, fez questão de mostrar que o material era leve. Inofensivo.
Sou particularmente ignorante em física, mas na única aula que não matei aprendi que um pedaço de plástico é uma coisa, um pedaço de plástico caindo do teto de um avião no momento em que este toma o impulso da decolagem é outra bem diferente. Mas no caos que anda a aviação, o que é um pedaço do teto caindo em cima da gente, não é mesmo? Bonito nessa história é descobrir como essa sanca é afixada sobre os bagageiros. Quer saber? Eu conto. É velcro.
Juro. Tenho fotos pra provar. V-e-l-c-r-o.
Não confio num bolso com velcro pra segurar chicletes, mas a Gol confia em velcro pra segurar um pedaço de teto sobre a minha cabeça. Só posso concluir que tendo a supervalorizar chicletes. Findo o finde, é hora de voltar. Na fila do embarque, uma contastação aterradora: estaremos no mesmo voo que uma garotada argentina de seus 17 anos, em sua primeira viagem de avião, fazendo uma excursão do colégio ao Rio de Janeiro.
Eles, excitadíssimos.
Nós, em pânico.
Vamos pro fim da fila, queremos ser os últimos a entrar, na esperança de ficar o mínimo de tempo necessário dentro daquele avião. Quando não há mais escapatória, embarcamos.
Não no avião, mas no ônibus que nos levará até ele. Creio que o piloto da Gol queria uma vaga sem flanelinha e estacionou quase na Patagônia, não havia finger que lá chegasse.
Acomodamo-nos no ônibus. Chega o motorista uniformizado, sentase em seu banco, virase pra mim como se fosse a coisa mais natural do mundo e pergunta: — É pra Varig? Não sei o que me deixou mais pasmo, se ele perguntar por uma companhia que já não existe, ou se tirar dúvida do trajeto com um passageiro em plena pista do aerporto.
Nisso chega uma mocinha da Gol, uniformizada, agitada, falando ao rádio. Ela sobe no ônibus já dando ordens ao motorista, partimos e nos tranquilizamos.
A tranquilidade durou meio segundo. Logo a moça está gritando no rádio, em castelhano: — Não tranca as portas! Tô com 50 passageiros aqui! Espera aí, pô! Tudo funcionava com precisão suíça, como podem ver. E eis que o ônibus faz uma curva e finalmente nos vemos diante de nosso avião. Todo pimpão, garboso, com o logotipo Varig exposto em alto e bom azul na lateral.
Juro que acompanhei a compra da Varig pela Gol.
A esta altura, porém, já não lembrava mais se tinha lido a respeito nos jornais ou nos livros de História, não estava psicologicamente preparado pra entrar num avião com o logotipo da Varig. Tenso, lembrei-me do voo de ida e comentei com meu companheiro de viagem: — Se no avião da Gol o teto é preso com velcro, o que segura o teto num avião da Varig? mdash; Sei lá… Fumo de rolo? Os adolescentes argentinos foram tranquilíssimos.
Estavam excitados, claro, batiam papo uns com os outros, em grupos, mas sempre em tom de voz civilizado, cordato, nada que desse vontade de usar a saída de emergência.
Já os brasileiros passados dos 50 anos, todos com cara de pessoas maduras e responsáveis que votam contra defensores do aborto, gralhavam como se estivessem numa taberna da Idade Média, em alto e mau som, aos berros e perdigotos.
Ao desembarcarmos, bem à nossa frente no curral pra mostrar passaporte, um senhor de aparência elegante combinava com a esposa de entrar pela fila dos comissários.
A senhora virouse pra nós: — Se eu não conseguir eu volto, tá? Guarda o meu lugar — disse, com o óleo de peroba escorrendo.
Postaram-se de quatro pra passar por baixo da fita de segurança e escapar do curral. Entraram pela fila dos comissários diante do olhar ruminante dos funcionários terceirizados da Polícia Federal, os mesmos que organizam a fila gritando "estrangeiros por aqui" em português.
Enquanto isso, na fila dos estrangeiros, a adolescentada portenha se portava como fidalgos ingleses no chá das cinco.
Por isso me ufano do meu país. Escumalha igual à nossa não há.
E-mail para esta coluna: jxbraga@gmail.com

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