sábado, novembro 13, 2010

O dia em que Sílvio Santos fez a imprensa de boba

O dia em que Sílvio Santos fez a imprensa de boba
Blog do Ricardo Setti
Amigos do blog, apresento-lhes neste texto um dos melhores jornalistas que conheço: o bravo gaúcho Luiz Cláudio Cunha, que já enriqueceu redações e chefias em veículos como VEJA e o Estadão, e é autor de um esplêndido livro sobre um caso emblemático da nefanda “Operação Condor” — colaboração entre os órgãos de repressão das ditaudras que oprimiu o Cone Sul — que ele desvendou e cobriu quando chefiava a sucursal da revista em Porto Alegre, Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (editora L&PM, 2008).
Sílvio Santos não poderá mais repetir o seu famoso bordão: “Quem quer dinheiro?”.
Abriu-se na sexta-feira o baú de infelicidades do mais famoso animador de auditório da TV brasileira, dono do SBT, a terceira maior rede do país no ranking de audiência, transmitida por 106 emissoras (15 próprias e 91 afiliadas).
O seu banco, o Panamericano, queria dinheiro, muito dinheiro, para cobrir o rombo de 2,5 bilhões de reais no seu balanço fraudado. O banco de SS repassava carteiras de créditos de suas operações para outros bancos, mas não contabilizava essa transferência no balanço, que justificaria hoje o bordão de Santos no programa Tentação: ”Vale dez reais?”
No melhor estilo Lula, Sílvio Santos apressou-se a declarar: “Eu não sabia de nada”.
A fraude do lucro inflado no banco do apresentador de Topa Tudo por Dinheiro representa 40% dos ativos do Panamericano, que somam R$ 6,5 bilhões, e passou batido por uma das mais respeitadas empresas de auditoria do mercado, a Deloitte.
A solução engenhosa para sair da enrascada estava embutida num dos bordões mais conhecidos de SS: “Vem pra cá, vem pra cá”.
Foi o que ele disse ao governo Lula, que foi lá para o SBT em apuros, já que tinha interesse no caso — a Caixa Econômica Federal adquiriu no ano passado 49% das ações do banco –, por meio do camarada FGC, o Fundo Garantidor de Crédito, mantido pelos bancos mas sensível a apelos federais. Sobretudo quando o Banco Central recomenda que apóie determinadas operações.
O FGC, a quem SS ofereceu 44 empresas de seu grupo como garantia, disse que a recomendação de socorro feita pelo Banco Central tinha por objetivo evitar o “risco sistêmico” que poderia abalar a área financeira do país.
Quando o PT de Lula era oposição, essa desculpa do PSDB de FHC era motivo de zombaria para a inclemente confraria petista.
O sempre bem informado Guilherme Barros, colunista de economia do portal iG, informou que o BC, ao contrário de Lula e de Silvio Santos, sabia de “inconsistência contábil” no Panamericano há dois meses, ou seja, desde setembro.
Foi examente em setembro, uma quarta-feira, 22, dez dias antes do primeiro turno da eleição presidencial, que Sílvio Santos visitou Lula inesperadamente no Palácio do Planalto, causando o alvoroço previsível.
Naquele dia, o sorridente SS avisou que estava ali apenas para convidar o presidente para a abertura do Teleton, um programa que arrecada recursos para crianças e adolescentes com necessidades especiais. No embalo, ainda arrancou uma doação de R$ 12 mil de Lula.
Silvio atropelou a agenda presidencial, tirando do caminho uma reunião prevista para aquele horário justamente com Henrique Meirelles, o presidente camarada do BC que dois meses depois seria fiador do SOS para SS.
O que espanta, neste processo, é a inconsistência sistêmica da imprensa brasileira, que cobriu burocraticamente a surpreendente visita de SS ao Planalto: “Não venho aqui desde o governo Itamar Franco”, avisou ele, ou seja, fazia já 18 anos.
E os repórteres e editores engoliram, em seco, a explicação boboca sobre o Teleton. Se não fosse tão preguiçoso, habituado ao declaratório e ao oficialiesco, um jornalismo esperto poderia ter percebido ali as fagulhas do rolo do Panamericano que enfiou o FGC, o governo e Sílvio Santos no mesmo baú de desinformação e incertezas.
O desprezo de SS pela notícia já faz parte do folcore nacional. Na noite de 17 de julho de 2007, as maiores redes de TV do país interromperam a cobertura dos Jogos Panamericanos do Rio para mostrar as primeiras imagens fumegantes do Airbus da TAM que explodiu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O SBT foi o último a informar sobre a tragédia.
Nem Bin Laden conseguiu desfazer o sorriso de plástico de SS. No 11 de setembro de 2001, o dia do maior ataque terrorista da história, que as TVs do mundo inteiro cobriram ao vivo para o mundo estarrecido, o SBT continuou, impávido, a transmitir sua programação normal, quebrada apenas por breves flashes de plantão nos horários comerciais.
Naquele dia, o SBT atingiu um dos menores índices de audiência de sua história.
Prova de que o povo, apesar de Sílvio Santos e alguns de nossos jornalistas, não é bobo.

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