domingo, novembro 14, 2010

O verbo e a verba

O verbo e a verba
CARLOS HEITOR CONY – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO - O bom senso recomendaria que eu comentasse a eleição passada. Mas quase todos os cronistas escreveram sobre o assunto, com mais entusiasmo e mais autoridade do que eu.
Sendo assim, vou falar de um caso que não interessa a ninguém, nem mesmo a mim, mas que deve ter alguma coisa a ver com a situação que atravessamos.
Um sujeito vende livros usados no Largo do Machado. Não sei onde ele arranja seu estoque, que é fantasticamente variado, pois tem romances de Clarice Lispector em edições antigas e vagabundas, livros de medicina legal, catálogos de telefone de Alagoas e um guia turístico de Sergipe, até mesmo a coleção completa de uma enciclopédia espanhola.
Sempre que passo por ele recebo o tratamento de "doutor" e a oferta de uma novidade, que não compro, mas examino com interesse. Semana passada, ele me ofereceu um catatau de 600 páginas, intitulado "Por que perdi a eleição?"
Era de um tal Ataliba Pessoa (inventei este nome para não criar caso com o personagem verdadeiro), candidato a deputado estadual em Coroa Grande, acho que no Estado do Rio. Jurisconsulto, poeta, historiador, conicultor (nenhuma relação comigo, simplesmente um criador de coelhos), e nas horas vagas, maçom de elevado grau numa loja do Grande Oriente.
Ele perdeu a eleição e desabafa os podres da campanha com a mesma sinceridade com que se elogia. Faz um histórico dos problemas nacionais e internacionais, detendo-se, sobretudo na problemática situação de seu município.
Teve briga séria com um delegado local -que ele chama de "Satanás do litoral fluminense"- e defende-se com unhas e dentes de um caso de defloramento que lhe foi atribuído pela família da vítima.
E conclui que perdeu a eleição não por falta de verbo, mas de verba.

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