Marajá do Sena - Maranhão |
domingo, setembro 26, 2010
Um país partido
Um país partido
Só 4% dos municípios têm alto desenvolvimento, e 45%, ou 2.503, são carentes
Liana Melo, Rennan Setti e Evandro Éboli* RIO e MARAJÁ DO SENA (MA) – O Globo
É abissal a distância que separa Araraquara, em São Paulo, de Marajá do Sena, no Maranhão.
Os dois municípios retratam o embaralhamento da desigualdade socioeconômica do país, que junta cidades de diferentes níveis de desenvolvimento.
Aquelas que oferecem estudo de qualidade, saúde idem e elevado nível de formalidade no emprego ainda são absoluta minoria e somam apenas 226 cidades (ou 4%), de um total de 5.564 municípios.
Já as cidades carentes, ou subdesenvolvidas, são em número 11 vezes maior: 2.503 municípios sem água tratada e atendimento médico básico. Neles vivem 40 milhões de brasileiros. Ainda que o país esteja melhorando no seu conjunto, 45% das cidades do país continuam em situação de penúria total ou parcial.
Pouco mais da metade delas (51%) apresenta grau de desenvolvimento moderado. Este é o retrato das cidades brasileiras que o novo presidente da República vai receber das urnas no próximo domingo.
O perfil das cidades do Brasil foi construído sobre o tripé emprego e renda, saúde e educação, que juntos compõem o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). A pesquisa está olhando o país pelo retrovisor, já que retrata a situação dos municípios brasileiros em 2007.
Ainda assim, ela difere pouco da documentada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2009. Os dados do IFDM são oficiais e foram coletados nos ministérios do Trabalho, da Saúde e da Educação. Ao contrário do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Nações Unidas (ONU) — que usa os dados do censo demográfico publicado a cada dez anos —, o IFDM é anual, com recorte municipal e abrangência nacional.
— O Brasil continua um país muito desigual, e os avanços estão ocorrendo num ritmo lento. É um país partido — avalia Luciana Sá, diretora de Desenvolvimento Econômico da Firjan, comentando que uma das novidades do IFDM de 2007 é também o fato de a Região Centro-Oeste estar ficando mais parecida com o Sul e o Sudeste e de estar se distanciando, do ponto de vista de desenvolvimento, do Norte e Nordeste.
Ritmo de melhora das cidades é lento
As cidades brasileiras avançaram apenas 1,4% em 2007 em comparação ao IFDM de 2006. Com isso, a média nacional ficou em 0,7478, considerada de desenvolvimento moderado. O avanço é bem menor do que os 3,46% registrados na comparação 2006 contra 2005, o primeiro ano do IFDM. A dona de casa Jucilene de Souza Silva sente na pele as agruras deste subdesenvolvimento municipal. Moradora de Marajá do Sena, no Maranhão, ela vive numa casa de taipa, feita de barro amassado e teto forrado com folhas de babaçu, e convive, diariamente, com uma “lagoa de esgoto” no fundo do seu quintal.
Não bastasse o cheiro que a lagoa exala, a casa vizinha à de Jucilene, que está abandonada, acabou transformada em um chiqueiro: — Esse porco fica atentando no quintal alheio. O vizinho é que deixa esse bicho largado aí.
Marajá do Sena é considerado o município de mais baixo desenvolvimento do país. Ou seja, o mais carente e pobre. Sua pontuação foi de 0,3394, considerando que as cidades enquadradas nesta categoria variam entre 0 e 0,4. Araraquara lidera a pesquisa, com 0,9349 pontos. As cidades com desenvolvimento regular — com pouco ou nenhum acesso a serviços de educação e saúde, além de baixa formalidade no mercado de trabalho — ficaram entre 0,4 e 0,6. Os moderados, entre 0,6 e 0,8, e os de alto desenvolvimento, de 0,8 a 1. Apenas uma cidade brasileira conquistou a nota máxima: Rondinha (RS), que ganhou nota 1, no item emprego e renda.
Na avaliação do economista Flávio Comim, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o IFDM está seguindo a mesma trajetória do IDH, que, nos últimos anos, vem evoluindo de forma consistente, porém a taxas decrescentes.
— O país está seguindo uma trajetória de progresso consistente, mas num ritmo cada vez mais lento — diagnostica Comim, comparando a desaceleração do desenvolvimento socioeconômico dos municípios ao perfil do comportamento do IDH.
E o IFDM confirmou, mais um vez, que o interior está crescendo num ritmo bem mais acelerado que os grandes centros urbanos. Os dez primeiros municípios da pesquisa são todos paulistas. Macaé, no Norte Fluminense, aparece na 11aposição no ranking nacional. Apenas três capitais figuram entre os cem primeiros colocados.
Curitiba (PR) aparece em primeiro lugar, mas ainda assim está em 47ono ranking nacional. As duas outras capitais são Vitória (ES), que perdeu o posto de liderança alcançado em 2006, ficando em segundo lugar em 2007. Nacionalmente, a capital do Espírito Santo aparece na 51aposição.
A terceira é São Paulo, que manteve o mesmo desempenho do ano anterior.
Nacionalmente, no entanto, a capital paulista aparece em 87olugar.
Interiorização causa falta de mão de obra
No ranking dos estados, São Paulo e Paraná são os únicos a registrar alto nível de desenvolvimento.
No entanto, 23 das 27 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal, melhoraram ou mantiveram seus índices.
— O desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, acompanhado da geração de postos de trabalho e aumento de renda, está causando dificuldades para as metrópoles do Sudeste — comentou Guilherme Mercês, chefe da divisão de Estudos Econômicos da Firjan. — Já há uma carência de mão de obra em São Paulo e no Rio, o que significa que a interiorização está freando o fluxo migratório de trabalhadores para esses municípios.
A economista Hildete Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), não concorda inteiramente com a análise. Para ela, o acelerado processo de interiorização que o país vem vivendo é uma notícia auspiciosa, já que abranda o agigantamento das metrópoles.
É a primeira vez, desde que o IFDM vem sendo divulgado, que a educação aparece como área de desenvolvimento de maior influência no desempenho do índice geral. Neste quesito, São Paulo ficou na liderança, com 92 cidades das cem primeiras colocadas. A saúde, por sua vez, manteve uma trajetória de ascensão vagarosa. O Paraná foi o estado que apresentou o melhor desempenho nessa área, embora o Rio Grande do Sul tenha dez municípios com a nota máxima (1) e 54 cidades entre as cem primeiras do ranking. Já os indicadores de emprego e renda registraram pequena acomodação. O Rio aparece em primeiro, trocando de posição com São Paulo, que, no IFDM de 2007, ficou em segundo lugar.
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