segunda-feira, novembro 08, 2010

Dois chás e a conta... com Camila Pitanga

Dois chás e a conta... com Camila Pitanga
Mauro Ventura – O Globo - Revista
Como estava previsto, Camila Pitanga gravou no último dia 29 três trechos de “Poema sujo”, obra-prima de Ferreira Gullar, para a videoinstalação “Há muitas noites na noite”, que Silvio Tendler inaugura hoje no Oi Futuro de Ipanema. Ao terminar, falou: “Tá tão bom que posso passar a tarde inteira aqui.” Tendler, que não é bobo, aproveitou e pediu que ela lesse mais.
Sugeriram uma das partes mais ousadas. “Vambora”, topou. No fim, o diretor disse: “Acho que está muito contido. Você pode fazer de novo, mais solta?” Ela obedeceu:
“Tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para...” Não conseguiu concluir. “Ficou lindo!”, interrompeu Tendler, desculpando-se: “Fiquei tão entusiasmado que entrei no meio.” Ela teve que repetir pela terceira vez, feliz da vida. Essa é Camila, atriz de uma entrega rara, recém-chegada do Pará, onde rodou “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de Marçal Aquino. Ela vive a ex-prostituta e ex-drogada Lavínia, de dupla personalidade, casta e devassa. E vai começar a gravar a próxima novela das oito, “Insensato coração”, nova parceria com Gilberto Braga e Ricardo Linhares.

REVISTA O GLOBO: Você participou da gravação de “Poema sujo”. Qual sua ligação com poesia?  
CAMILA PITANGA: Eu fazia muitos saraus de poesia em casa. Deixava os livros no chão, chamava amigos e vizinhos, cada um pegava um exemplar e lia, sem preparar nada. Isso dessacraliza a poesia.
Varávamos noite, unidos pela palavra. Tomara que esta gravação de agora seja um estímulo para voltarmos. Quando me convidaram, eu disse: “Silvio Tendler e Ferreira Gullar? Estou dentro, não precisa nem me explicar muito.” É da maior importância ler Gullar, isso provoca emoções.
Como foi sua volta aos trabalhos após a maternidade?
No primeiro ano, a gente só quer ficar naquele mundo mãe. Nesse período, só fiz coisas pontuais, “Som Brasil” uma vez por mês, um episódio de “Faça sua história”. Mas depois tem que se descolar. Fiz a novela (“Cama de gato”) e terminei há pouco o filme do Beto e do Renato. Já estou na saudade. Filmávamos em São Pedro, a oito horas de barco de Santarém. Quando não filmava, lia, via filmes. Uma coisa que esse trabalho me modificou foi que ando pensando muito na qualidade do tempo. Tem um lado meu que resolve as coisas, organiza a casa. Mas não posso ser dragada por isso, preciso delegar e abrir janelas para, por exemplo, vir aqui ler Gullar. (Ela levou seu exemplar autografado: “Para Camila Pitanga, atriz e beleza brasileira, com o abraço afetuoso do Gullar.”) Tenho que coordenar o tempo de mãe (de Antônia, de 2 anos) com o tempo do artista, que está também quando a gente lê, olha, caminha.  
Como você foi parar no filme? 
Beto me disse que pensava em mim para o filme (que estreia ano que vem). Mas falou: “Antes queria que você lesse o livro.” Apaixonei-me pela história e pelo projeto, mas fiquei em pânico. Como materializar aquelas mulheres que são uma só, a Lavínia? Acabou sendo um trabalho libertador.
Transformou-me como atriz e como ser humano. Tive momentos de medo e de prazer. Entreguei-me a ponto de ficar toda ferida, metaforicamente falando. Mas também tenho marcas de espinhos (mostra as cicatrizes no braço). Tive que me desnudar, viver sentimentos e situações muito dolorosos, tocar em questões pessoais.  
Que outras coisas ele trouxe para você? 
Não sei qual será a repercussão do filme, mas não importa, porque não tem preço o prazer que tive, até o prazer da dor de me entregar a algo em que acredito. Voltei reavaliando meu trabalho, como uma seta para frente. Não quero me perder dessas pessoas, se depender de mim assino contrato de exclusividade com a Drama Filmes (produtora do filme). Outro enlace foi com Gero Camilo (ator do filme). Estamos lendo duas peças por semana, inclusive textos dele. Vamos encenar para ontem. A gente se quer. Pelo menos eu quero. (Risos.)
Como será seu personagem em “Insensato coração”?
A Carol é de origem humilde e se tornou uma profissional bem-sucedida. É publicitária. Na escola, era sem graça, nada popular. Reencontra uma paixão platônica, um machista assumido, galinha, vivido por Lázaro Ramos. Ela fica na dúvida se deve se entregar ou não. “Não posso me apaixonar, é roubada”, pensa, mas o deixa entrar em sua vida.

O que mais me instiga nos trabalhos é a possibilidade de alargar meu repertório de entendimento sobre a vida e o ser humano. No caso da Bebel (“Paraíso tropical”), era entender o que uma prostituta sofre, vê, vive, pensa. É fácil estigmatizar essa profissão. É inegável que a popularidade e o reconhecimento foram uma delícia, mas para mim o maior valor é entender mais o outro.

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