sábado, maio 22, 2010

A amiga dos pombos


14/03/2010 - 08:57 - Marcelo Migliaccio – Jornal do Brasil
Tive um ótimo professor de biologia, chamado Claudio Mario, que brincava na sala de aula quando falava de pombos. Dizia que, pelos hábitos predadores dessa espécie, era possível entender por que no mundo há tantas guerras:
_ Foram escolher logo esse bicho para símbolo da paz...
As grandes cidades estão infestadas de pombos, que vejo como ratazanas aladas. Isso se deve, em parte, creio, à sujeira reinante, mas também a pessoas como essa senhora da foto acima, que quase todas as manhãs pode ser vista numa das esquinas de Copacabana distribuindo milho às centenas de aves que para lá voam em busca do desjejum.
Um dia desses, parei para falar com ela. Perguntei se não temia pegar uma das doenças que os pombos podem transmitir ao ser humano.
_ Já estou doente do rim _ surpreendeu-me a anciã, resignada.
_ Por causa dos pombos?
_ Não, nada a ver com eles.
Foi a primeira vez que ouvi um argumento desse tipo "se já tenho uma doença não tenho medo de pegar outras". Lembrei imediatamente de uma piada sobre um jogador de futebol que teria tomado muito mais doses de remédio do que o indicado pelo médico do clube. Questionado, ele saiu-se com essa:
_ Bom, mas se é remédio, quanto mais, melhor...
Voltando aos pombinhos, a senhora se queixou de que estão roubando pombos de rua. Não sei se é verdade, mas quando ela disse aquilo seus olhos marejaram.
_ Chegam um carro aí todo dia e levam uns cinco ou seis, não sei para quê.
Fiquei conjecturando sobre o que, a ser verdade aquela história, levaria pessoas a roubarem pombos nas ruas. E lembrei de um motorista do Jornal do Brasil que me deu a receita de pombo a passarinho, iguaria que ele adorava.
_ Mas tem que ser filhote, porque a carne é mais tenra _ segredou-me o gourmet.
Quanto àquela anciã solitária, talvez ela precise mais dos pombos do que eles dela. E como há solitários no formigueiro humano de Copacabana...
Confesso que em determinado momento pensei em repetir para ela que não se deve alimentar pombos, pois aumenta ainda mais sua população e o decorrente desequilíbrio natural, mas vi que de nada adiantaria. Falar dos países europeus que optaram pelo extermínio em massa, nem pensar. De mais a mais, ela estava cercada de pombos que batiam asas em torno de mim, me obrigando a prender a respiração seguidamente. Quando viu meu desconforto no meio daquele filme de Alfred Hitchcock ao vivo, a senhora esboçou um sorriso.
Seus guardiões, mais uma vez, estavam afugentando um intruso que atrapalhou aquele ritual afetivo diário.

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