quarta-feira, setembro 22, 2010

A Escalada Fascista

A Escalada Fascista
Rodrigo Constantino 21 / 9 / 2010
Fruto de intensa propaganda, a imensa maioria das pessoas encara o fascismo como um regime de “direita” e, portanto, diametralmente oposto ao sindicalismo de esquerda. Não obstante, a verdade é que ambos, fascismo e sindicalismo, muitas vezes se confundem, apresentando enormes semelhanças e disputando o mesmo tipo de alma. O estudo histórico da ascensão de Mussolini ao poder pode elucidar melhor este paralelo.
Para começo de conversa, a chegada de Mussolini ao poder foi perfeitamente legal. Como explica Donald Sassoon em seu livro sobre o ditador, “Mussolini fora designado constitucionalmente, prestara juramento de fidelidade ao rei e à Constituição e apresentara seu programa de governo ao Parlamento, dele solicitando e obtendo plenos poderes”. O líder fascista controlava uma massa de militantes uniformizados que representava uma espécie de Estado dentro do Estado.
Mantendo-se nos limites da legalidade, mas permitindo investidas regulares fora dela, Mussolini seria capaz de obter o apoio estratégico de muitos grupos temerosos de um golpe comunista. Estes pensavam que Mussolini, apesar da própria retórica revolucionária, seria capaz de manter sob controle os camisas-negras mais exaltados ao seu redor. Talvez algo análogo ao que o presidente Lula sempre tentou “vender” ao eleitorado de classe média e alta, de que somente ele era capaz de “dialogar” com os radicais do MST, na verdade um braço revolucionário do próprio PT.
“Muitos camaradas, entretanto, logo seriam seduzidos pelos encantos do establishment político que haviam tentado destruir”, diz Sassoon. “Começaram a experimentar os prazeres do poder, o fato de serem temidos e invejados e a desfrutar do respeito daqueles que até então viam com admiração”, ele acrescenta. E mais: “As velhas elites, naturalmente, desprezavam Mussolini, filho de um ferreiro e de uma professora. Ficaram alarmadas com seu aspecto plebeu e sua linguagem rude e populista, mas reconheciam nele alguém disposto a se encarregar do trabalho sujo que não sabiam ou não queriam fazer. Certos intelectuais o admiravam abertamente ou não se dispunham a criticá-lo”.
A demagogia de Mussolini era escancarada: “Em 1931, exagerando absurdamente seus antecedentes de ‘homem do povo’, ele escreveu com certo orgulho que pertencia à classe dos que compartilhavam um quarto que também servia de cozinha, tendo como refeição noturna uma simples sopa de legumes”. A imagem de um homem tão humilde que se tornara primeiro-ministro era usada constantemente como material de propaganda política. Aos poucos, o poder foi sendo concentrado no “homem do povo”, e o que restava de freio constitucional foi sendo abolido. Os poucos jornais independentes que restavam foram amordaçados por uma série de restrições à imprensa. O caminho estava livre para a ditadura.
O fator nacionalista também foi crucial para a escalada fascista. O partido “imaculado” de Mussolini denunciava a incapacidade das velhas classes governantes em fazer frente às grandes potências e restabelecer a grandeza da Itália. “O nacionalismo italiano chafurdava num sentimento de inferioridade”, coloca o autor. O “orgulho nacional” seria resgatado pelos fascistas. Talvez algo parecido com o que os petistas tentam fazer com o governo Lula, alegando que nunca o Brasil fora tão respeitado lá fora, e abusando de uma retórica nacionalista. A declaração antiamericana sensacionalista do próprio presidente, falando que o “elefante” iria tremer diante do “rato”, demonstra como este nacionalismo ainda pesa por aqui.
As velhas oligarquias italianas pensaram que seria possível usar Mussolini para controlar os radicais vermelhos e continuar governando por baixo dos panos. O carismático líder fascista seria apenas uma figura decorativa, e o antigo establishment governaria na sombra, como sempre havia feito. A personalidade magnética de Mussolini irradiaria a energia do poder, enquanto quem daria as cartas de fato seriam os mesmos de sempre. Não contaram com a possibilidade de o dono da popularidade toda resolver assumir o controle do poder por conta própria.
O crescimento econômico serviu para anestesiar as massas também. “Grande parte do crescimento industrial, longe de ser uma vitória da competitividade de mercado, deveu-se ao maciço aumento das compras por parte do Estado”, explica Sassoon. E completa: “A indústria italiana mostrava-se como sempre dependente do governo”. O setor manufatureiro não estava insatisfeito com a situação, pois contava com o grande cliente certo. “O enriquecimento e a corrupção andavam de mãos dadas – tudo sob a bandeira do patriotismo”, conclui o autor. O petróleo é nosso! Viva o BNDES!
O sentimento geral era antiparlamentar, uma vez que o Parlamento era, de fato, um balcão de negociatas. “Da noite para o dia, adversários podiam ser ‘transformados’ em aliados mediante suborno direto ou indireto – razão da designação pejorativa transformismo ser aplicada ao sistema”, explica Sassoon. O “mensalão”, como se pode ver, não é tão original assim. Desenvolveu-se então um sistema de “clientelismo”, no qual “os políticos prometiam empregos aos eleitores e seguidores, proteção e um constante influxo de dinheiro público”. Todos acabaram seduzidos pelas enormes tetas estatais, inclusive os sindicatos. A Itália tinha um dos níveis mais altos de sindicalização da Europa.
Com o benefício do retrospecto, muitos tentam personalizar demais os regimes fascistas, colocando a culpa toda na figura do líder, e ignorando o amplo apoio popular que tiveram. A verdade é que havia simpatia pelos fascistas em muitos setores. A “principal fonte de apoio aos fascistas eram certamente os estudantes colegiais e universitários”, afirma Sassoon. Os industriais acabaram se convencendo de que era necessário entrar em acordo com os fascistas, pois “haviam se tornado a principal força anti-socialista do país”. Entre ter a propriedade confiscada ou ter uma ditadura que servia aos interesses do grande capital, a escolha parecia evidente.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo recente, fez um paralelo entre Lula e Mussolini, lembrando que o presidente precisa de freios constitucionais para seus abusos de poder. Logo depois, entretanto, fez questão de deixar claro que Lula não tem nada a ver com Mussolini. FHC é um típico tucano, sempre em cima do muro. Mas como podemos ver, há sim muitas “coincidências” entre os dois, e se os italianos, mais educados que os brasileiros, foram vítimas do fascismo de Mussolini, nada garante que nós seremos capazes de evitar o mesmo destino. Donald Sassoon conclui:
“Mussolini poderia ter sido contido, mas aqueles capazes de bloquear a sua trajetória – os liberais, a esquerda, a Igreja, a monarquia – não souberam ou não quiseram fazê-lo, caminhando para 20 anos de ditadura como se tivessem os olhos vendados”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters