quarta-feira, setembro 22, 2010
A construção do horizonte
Coisas da Política
A construção do horizonte
Mauro Santayana – Jornal do Brasil
Quando os historiadores se dedicarem ao exame destes anos brasileiros, no capítulo de sua política externa, neles verão combinada a ousadia bem dosada pela responsabilidade.
O Itamaraty não saiu de seu espírito histórico, que vem desde os primeiros anos da independência, mas aproveitou, com decisão, a oportunidade das circunstâncias internacionais, para afirmar a identidade nacional no mundo.
Talvez, até mesmo para dar um pouco de satisfação a seus críticos acerbos, tenha trocado os famosos punhos de renda e abandonado as abotoaduras de ouro, o que é coerente, quando o chefe de Estado vem do chão das fábricas. Muito desse êxito, e disso são conscientes os diplomatas e assessores do governo, se deve ao temperamento singular do presidente da República, em suas viagens de Estado. As relações entre os Estados são relações entre as pessoas que os representam, e sempre foram assim. Lula, como líder sindical, aprendeu que ninguém é maior que o outro na mesa de negociações.
Ali, o embate se faz entre os interesses e os argumentos, e o poder de exigir e a necessidade de ceder devem ser cuidadosamente calculados. Mas os interesses mais legítimos podem ser prejudicados, quando aos seus defensores falta a firmeza na hora certa. A razão não pode prescindir da coragem. Mas mesmo os argumentos mais duros podem ser expostos com elegância. É para isso, recorramos ao óbvio, que existe a diplomacia.
A política externa de Lula tem sido acidamente criticada por alguns embaixadores que serviram ao governo anterior – mas não por todos eles. No fundo desse dissídio o que existe é a visão discordante do que seja pragmatismo nas relações externas. Para alguns, pragmatismo significa alinhar-se ao lado mais forte, ou seja, hoje aos Estados Unidos como, em um tempo, à Grã-Bretanha. No entanto, pragmatismo significa construir o seu próprio horizonte, situá-lo em uma direção cardial, e segui-la.
Desde Rui Barbosa – que foi um genial outsider na diplomacia da jovem república – o Brasil achou seu lado natural, embora dele se tenha afastado de vez em quando. É o lado dos que, emergindo na História, querem seu lugar ao sol. Em Haia ele expôs a sua doutrina singela: diante do direito, não há pequenas ou grandes nações – há nações. Pouco importa que os seus discursos tenham sido longos ou tediosos, segundo alguns soberbos observadores europeus. O que importa é que tenham sido fundados na razão. E a razão costuma abrigar- se nas utopias.
Falando segunda-feira em Nova York, Celso Amorim foi modesto e sincero, ao confessar que a nossa diplomacia não obteve tudo o que desejava. Todas as empresas humanas são nisso iguais. Nós sempre buscamos o necessário, mas nos devemos conformar com o possível. E o possível foi bastante. Se não conseguimos, para a paz do mundo, o acordo nuclear com o Irã, paciência. E senos pedirampara negociá-lo, com o propósito de depois recuarem, a fim de nos colocarem em dificuldades – sob o aplauso de seus aliados em nosso país, pouco importa. Não intermediamos o entendimento só porque nos solicitaram, mas porque interessava às nossas próprias razões.
Amorim e seus auxiliares seguiram, na execução da sua tarefa, o pensamento nuclear da política externa, que vem de José Bonifácio e Rio Branco, e encontra raízes em Alexandre de Gusmão, mas acompanhou, em nossa contemporaneidade, a sadia independência de chanceleres como Santiago Dantas e Affonso Arinos, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro.
É assim que se fazem e se consolidam as grandes nações.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário