quarta-feira, setembro 22, 2010

Venezuela, o Brasil e as urnas

Venezuela, o Brasil e as urnas
CARLOS PIO – O Globo
 Às vésperas das eleições no Brasil e na Venezuela, cabe um olhar sobre as perspectivas que os resultados das urnas trazem para a integração entre os dois países.
Enquanto as pesquisas indicam a liderança da candidata Dilma Rousseff na preferência do eleitorado brasileiro e, portanto, a continuidade da política externa do governo atual, a expectativa no país de Chávez é que a oposição consiga reequilibrar as forças políticas da Assembleia Nacional, recuperando cadeiras no pleito de 26 de setembro, para assim se organizar para as eleições presidenciais, que só acontecem em 2012.
Até lá, em um cenário de continuidade política nos dois países, o aprofundamento da integração com a Venezuela, que depende ainda da aprovação de sua adesão ao Mercosul pelo Congresso paraguaio, representaria uma ampliação da área econômica do bloco.
Nesse caso, empresas brasileiras tendem a aumentar suas vendas ao país de Chávez, enquanto as venezuelanas são atraídas para investir no Brasil, uma vez que as nossas condições macroeconômicas devem continuar mais estáveis e vantajosas na comparação.
Mas o aumento da interdependência econômica entre os países traz um elevado risco para o Brasil, devido à instabilidade jurídica da Venezuela e às reações intempestivas de seu governo na forma da quebra de direitos e liberdades essenciais às empresas privadas — vide as nacionalizações realizadas no país, muitas vezes sem compensação alguma aos empreendedores.
Um crescimento substancial da oposição a Chávez nas eleições parlamentares reforçará as expectativas de que o mandato do presidente terminará em 2013. Mas, enquanto isso, ainda serão mantidas a centralização do poder no Executivo e a ampla desmobilização dos instrumentos políticos e civis de controle do governo — separação dos poderes, independência do Judiciário, imprensa livre, sindicatos e associações do terceiro setor autônomos.
De fato, a celebração de um acordo de livre comércio nos mesmos termos já celebrados com o Chile e mais recentemente com Israel seria, para o Brasil, uma opção mais segura de integração com a Venezuela sob a liderança de Hugo Chávez.
A política externa do governo Lula pode ser considerada ativa e partidarizada no terreno político e pouco efetiva no econômico, mas seus efeitos nocivos passaram relativamente despercebidos do grande público devido à consistência do regime macroeconômico brasileiro.
Essa agenda diplomática foi alicerçada na receptividade que o presidente desfrutou em praticamente todo o mundo até o início do ano. Contudo, seu mandato será concluído com poucas realizações concretas e, pode-se dizer, com a imagem chamuscada por iniciativas como o apoio ao governo cubano no episódio da morte do dissidente Orlando Zapata e as atrapalhadas tentativas de intermediação em conflitos do Oriente Médio. Uma mudança de rumo na diplomacia atual dependeria de uma deterioração mais forte dos seus fundamentos.
Mantido o quadro, parece mais viável uma aposta do novo governo, na figura de Dilma Rousseff, na manutenção das estratégias. O candidato José Serra, em oposição, defende a flexibilização do Mercosul e tem citado a entrada da Venezuela no bloco como uma das razões para acelerar esse processo, devido aos riscos do aumento da interdependência do Brasil com um país política e economicamente instável.
Política externa não costuma pautar o voto do eleitor brasileiro, mas a movimentada agenda eleitoral na América Latina este ano pode ser um bom motivo para alavancar o tema no debate sucessório.
CARLOS PIO é professor de Política Internacional da Universidade de Brasília.

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