quinta-feira, julho 08, 2010

Obama venceu Wall Street?

Obama venceu Wall Street?
Os Estados Unidos chegam a um acordo para sua reforma financeira. O Brasil deve se beneficiar – mas isso não significa que a mudança lá será boa
Marcos Coronato - Época

Quem é o culpado? A pergunta foi feita no mundo inteiro, após a crise econômica de 2008. Uma resposta fácil tem sido “a ganância dos grandes bancos”. Infelizmente, ela não ajuda a evitar que novas crises ocorram. Houve diferentes graus de culpa, por ação e omissão, entre autoridades, especuladores, inclusive cidadãos da classe média, e, bem, a ganância dos bancos. Dessa combinação surgiu uma febre de empréstimos imobiliários a quem não podia ou não pretendia pagar e investimentos com muitas promessas, mas pouca transparência. Diante de tão grande lambança, pareceu necessário ao governo do presidente Barack Obama mudar profundamente as regras de empréstimos e investimentos nos Estados Unidos, na tentativa de deixá-los mais seguros. Seria uma grande reforma – tão grande que, em diversos momentos no último ano e meio, pareceu impossível de realizar. Graças a um grande acordo que deve ser aprovado neste mês, ela está perto de se tornar realidade. Ainda não trata de tudo que deveria, mas, se for aprovada e implementada, terá efeitos no mundo todo, incluindo o Brasil.
O governo Obama tentou aumentar ao máximo o poder de regulação e fiscalização do Estado sobre o mercado, com uma tese: a crise teria nascido da falta de leis e regras adequadas, e criá-las ajudaria a evitar crises futuras. “O intuito fundamental era reduzir a especulação”, diz José Roberto Savoia, professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA). Com o apoio da oposição, os bancos reagiram, a fim de preservar sua liberdade e seus lucros, com a tese oposta: a crise teria nascido da omissão do governo em aplicar as regras existentes, já boas o bastante, e tentar prever problemas futuros seria um esforço inútil e caro para a sociedade. No meio dessas duas forças, o Congresso americano mergulhou em 18 meses de debates. Ao longo do processo, morreram dois legisladores que defendiam mudanças mais radicais, os senadores Teddy Kennedy, irmão mais novo do presidente John Kennedy (em agosto de 2009), e Robert Byrd (no fim de junho, o que ajudou a atrasar a votação do tema em alguns dias). Os governistas abandonaram uma ideia de cobrar US$ 19 bilhões dos bancos como um imposto para crises futuras e prometeram apressar o encerramento do programa de ajuda pública a empresas com problemas. Assim, conseguiram um acordo.
As regras no Brasil são boas, mas têm de melhorar.  O país precisa de mais crédito, com segurança
O resultado se parece com uma pequena enciclopédia do setor financeiro americano, com 2.319 páginas. O texto é mais brando que o inicialmente planejado pelo governo Obama, mas ainda é atacado como estatista demais por parte da oposição. Os bancos, politicamente, evitam fazer críticas diretas. O texto tem pelo menos três grandes grupos de propostas: 1) ele cria novos departamentos no governo para avaliar os riscos de operações para o mercado e dentro das instituições financeiras. Além disso, dá mais poder às autoridades para intervir nas companhias e obrigá-las a se dividir em empresas menores e vender parte de seus negócios, a fim de reduzir riscos; 2) ele limita o investimento de dinheiro próprio dos bancos em alternativas arriscadas, como fundos de participação em empreendimentos e instrumentos que possam ser usados tanto para o “bem” (proteção financeira contra eventos adversos futuros) quanto para o “mal” (aposta pura e simples). Entram aí fundos de hedge, derivativos e swaps, três dos instrumentos financeiros mais complicados; 3) ele cria uma comissão de proteção aos consumidores de serviços financeiros, exige que recebam mais informação e sejam mais seriamente avaliados antes de receber crédito imobiliário.
Desde 1980, os serviços financeiros nos EUA quase dobraram sua participação no PIB, mas recuaram do papel de financiar empresas e empregos. Se a mudança der certo, vai canalizar novamente a força do setor financeiro para estimular o crescimento, com menos sustos. Se der errado, vai inibir a economia, sem evitar crises futuras. Antes de mostrar efeitos no longo prazo, porém, a reforma tem beneficiários imediatos. Um é Obama, que prova ser capaz de fazer reformas difíceis. Ele já havia vencido obstáculo semelhante em março, ao mudar o sistema de saúde. O outro beneficiário é o Brasil. As amarras do setor financeiro americano talvez façam mal à economia de lá, mas reduzem os riscos no mundo desenvolvido, o que tende a diminuir também os solavancos que sofremos com o mercado externo.
Por fim, a reforma americana envia ao Brasil um lembrete: nossas regras bancárias funcionaram bem na crise, mas precisam continuar melhorando. É preciso, por exemplo, aumentar o papel do Poder Judiciário e o uso da Lei de Falências no fechamento de bancos, afirma Aloísio Araújo, professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada. Expandir a oferta de crédito com segurança tem de ser outra meta. “O objetivo final é que os bancos emprestem de maneira eficiente”, diz o consultor Roberto Troster. 
FOTO: BOM DE BRIGA
Obama, após discursar sobre a reforma financeira. Depois de mudar o sistema de saúde, ele caminha para mudar os bancos

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