segunda-feira, setembro 06, 2010

Negócios inacabados no Oriente Médio

Negócios inacabados no Oriente Médio

LONDRES – Folha de São Paulo

 Este é um daqueles momentos no Oriente Médio em que muitas peças estão mudando de lugar e esperanças improváveis estão voltando à tona, mas a história sugere que o resultado final será o que já é conhecido: rancores indomados, diferenças não resolvidas e conflito interminável.
As tropas de combate dos EUA se retiraram do Iraque, após uma ocupação de sete anos que começou com um triunfo de curta duração, descreveu um mergulho para o caos, passando pela incompetência criminosa, deixou mais de 100 mil civis mortos e se encerrou na incerteza fluida da violência esporádica e do impasse democrático.
Não está claro ainda qual será o veredito final sobre tudo isso. O Iraque é um Estado em transição, ao mesmo tempo frágil e mais dinâmico que em qualquer momento de sua história recente. Equilibrar interesses xiitas, sunitas e curdos, juntamente com seus defensores regionais, vai exigir um grau de sofisticação e flexibilidade política pelos quais o Oriente Médio vem demonstrando apetite quase zero.
Outra espiral descendente é possível.
O que se pode dizer com razoável certeza: que a guerra do Iraque não levou os ventos da liberdade a soprar no Oriente Médio, não justificou o imenso investimento dos EUA em uma guerra travada por opção e infligiu sofrimento imenso que um planejamento americano melhor poderia ter evitado. Ela nunca será inscrita nos anais das guerras americanas vitoriosas e poderá ser vista -ao lado do Afeganistão- como o momento que marcou a virada no exercício global do poderio americano.
Mesmo assim, Saddam Hussein se foi, e o Iraque, por mais desajeitadamente o esteja fazendo, está engajado no trabalho de troca política que é o único capaz de solucionar diferenças sem o recurso à violência. A indefinição democrática é o preço que se paga para acabar com uma ditadura sanguinária.
Será que essa troca de ideias vai atingir a região inteira? Duvido. As mentes do Oriente Médio estão mais abertas do que estiveram há gerações, graças à tecnologia e às novas redes de TV, mas o aparato da repressão política é resiliente. Os palestinos têm no premiê Salam Fayad seu líder mais aberto e progressista desde que sua luta nacional começou. Por essa própria razão, a influência política dele é limitada.
No momento em que os EUA deixam o Iraque, israelenses e palestinos, com a solenidade proporcionada pelo local dos encontros -a Casa Branca-, estão iniciando sua primeira rodada de conversações diretas em muito tempo.
Muita energia diplomática dos EUA foi investida na organização do encontro. Gostaria de poder dizer que enxergo sinais de avanço real.
Em vez disso, minha impressão é que os dois lados jogam um jogo tático, cada um deles esperando pela oportunidade de culpar o outro pelo fracasso, enquanto atores importantes no Oriente Médio, incluindo o Hamas, que controla a faixa de Gaza, ficam à margem das negociações.
Os palestinos estão focados sobre a decisão que o premiê Binyamin Netanyahu terá que tomar no final de setembro sobre prorrogar ou não o congelamento das construções nos assentamentos. Se não houver prorrogação, poderemos esquecer as conversações de paz.
A questão é explosiva entre os partidos mais radicais da coalizão de Netanyahu, e a esperança secreta de muitos palestinos é que ela provoque divisões suficientes para rachar a aliança que governa Israel.
Quanto a Netanyahu, ele gosta da aura de pacificador e sente a atração de ficar para a história, mas sua aceitação da ideia de dois Estados é relutante. Seu próprio prisma tático nunca exclui o Irã. Tentar negociar diretamente com o líder palestino Mahmoud Abbas talvez seja apenas o preço que ele achou que precisa pagar para manter Obama satisfeito e continuar a ter alavancagem junto a ele com relação ao Irã.
Um problema fundamental permanece. A mentalidade ocidental, incentivada por Israel, continua a ser a de tentar separar os "moderados" muçulmanos dos "extremistas". Hamas, o Hezbollah e, é claro, o Irã, continuam excluídos dos diálogos.
Obama abandonou o epíteto "terrorista" usado por Bush, mas o pensamento e a diplomacia criativos quanto a como convencer "a frente da resistência" a sair de seu isolamento têm sido limitados.
A paz terá que ser baseada em realidades políticas e equilíbrio de forças. O governo Obama e o Ocidente ainda não encontraram uma maneira de lidar com os fatos concretos em campo.
Apenas quando o fizerem é que as movimentações diplomáticas terão consistência.

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